Quando eu era criança e morava em Guaraciaba do Norte, no cimo da Serra da Ibiapaba — o ponto mais alto do Ceará — a Semana Santa chegava com o cheiro de terra molhada e promessas de mesa farta. Não era apenas um tempo sagrado pela fé católica que nos guiava, mas pela sincronia mágica entre o calendário litúrgico e a estação das chuvas. Tudo florescia. Tudo era verde. E tudo, na cozinha da minha mãe, se tornava celebração.
Apesar dos jejuns
recomendados, a Sexta-feira Santa, o Sábado de Aleluia e, sobretudo, o Domingo
de Páscoa eram dias em que a comida nos contava histórias: eu já percebia pelos
pratos, fosse lá de casa ou das mesas das casas aonde éramos convidados, a fartura
era predominante – talvez o meu lugar de privilégio me reservara isso! Em nossa
mesa havia peixada cearense, feijão com abóbora macia, peixe frito, salada de
maionese, malassadas simples, farofa de cenoura; muitas tapiocas com queijo, beijus, roscas de goma seca temperada com óleo de coco babaçu, grude, bolos de puba, de macaxeira, bolo mole (de leite).... Mas o prato que mais me
tocava era também o mais silencioso: a fritada de legumes que minha mãe
preparava com a precisão de quem cozinha não apenas com as mãos, mas com a
alma.
Era sempre feita na mesma
forma de alumínio com buraco no meio, a mais alta que era pra caber mais
conteúdo, uma peça modesta e brilhante de tantas histórias. Os legumes — batata
inglesa, cenoura, chuchu, abóbora — eram cozidos e depois refogados no perfume
de tomate, cebola, coentro e pimenta-de-cheiro. Um toque de pimenta-do-reino,
sal quanto baste. Enquanto isso, minha mãe batia as claras em neve até ficarem
firmes, depois juntava as gemas e continuava a bater até tudo crescer em volume
e leveza. Às vezes, acrescentava uma colher de farinha de trigo ou de maizena —
uma escolha de ocasião, para aquele ingrediente que estivesse mais perto dela
na hora do preparo. Às vezes, ela colocava farinha de mandioca peneirada bem
fininha, peneirada duas ou mais vezes, e a mistura se transformava como mágica
ao ponto de ninguém desconfiar que tinha farinha de mandioca. Mas, eu, esperto,
já tinha sacado o truque e o aprendi também, pois essa peneirada da farinha de
mandioca também era o segredo para deixar especialmente as malassadas
perfeitas, fofinhas e sem grumos.
Ela despejava um terço da
mistura de ovos no fundo da forma, acomodava os legumes já refogados e cobria
com o restante da mistura espumosa de ovos. A fritada era cozida ali mesmo, na
chama mais baixa do fogão, coberta com a tampa de uma panela. E então, esperava-se.
Não havia relógio: havia o tempo da comida. O tempo do milagre.
Enquanto isso, eu saia da
cozinha onde minha, com os cabelos longos presos de qualquer jeito, concentrada
passava para a limpeza dos utensílios, na pia da cozinha; e, eu ia para o chão
do meu quarto, ligava a televisão que trazia outro tipo de cozinha: o programa
“A Cozinha Maravilhosa da Ofélia”, na Bandeirantes, com sua voz pausada e jeito
de tia sábia. Ou então, mais doce ainda, quando a confeitaria delicada da
argentina Marta Ballina me encantava ensinando técnicas de confeitaria para
bolos, glacês, flores de açúcar e gestos milimétricos. Sem saber, eu estava
sendo alimentado por três mulheres: minha mãe, Ofélia, Marta.
Com o tempo, fui tomando
gosto pelo fogão. Comecei a cozinhar também, com ambições maiores, pratos mais
elaborados. Mas a Semana Santa sempre me chamava de volta para aquela forma de
alumínio, para aquele gesto da colher mergulhando nos legumes macios, sem
quebrá-los. E, claro, como todo cozinheiro que se forma entre sabores herdados,
trouxe meus desvios.
Meu toque pessoal foi
acrescentar repolho — bem refogadinho, com sabor de aconchego. Às vezes também
colocava uma lata de sardinha, o que era raro, pois acho que esse peixe me
deixa com um retrogosto estranho na boca. E em certas ocasiões, ainda misturava
os ovos batidos com os legumes, para que ficasse mais parecido com uma torta,
uma fusão de memórias e vontades. Ainda assim, o gosto final permanecia o
mesmo: o gosto do conforto. Do afeto. De um tempo onde a comida era mais do que
alimento — era uma forma de amar.
Hoje, quando penso em
Páscoa, também penso na chama baixa do fogão, na forma de alumínio cheia até a
borda, na casquinha dourada quebrando sob a colher. E penso na cozinha cheia de
vozes femininas — reais e televisivas — que me ensinaram que cozinhar é, no fim
das contas, uma forma de contar histórias com o coração.
Com o passar dos anos, o tempo sempre ajudando na riqueza do conhecimento, me fez perceber que a fritada de legumes lá de casa poderia ter ligação com uma produção gastronômica de terras mais distantes, como aquelas onde moram os capixabas.
Entre a Fritada da Serra e as Tortas capixabas: Ecos de Afeto
À primeira vista, a fritada
de legumes da minha mãe, nascida no coração úmido da Serra da Ibiapaba, e a
torta capixaba, filha das marés e da tradição do Espírito Santo, parecem
receitas distantes — separadas por geografia, ingredientes e sotaques. Mas ao
olhar mais de perto, percebe-se que ambas falam a mesma língua: a da cozinha
afetiva, feita com o que se tem, com o que se ama, com o que se aprendeu a
passar adiante.
A fritada lá de casa usava
os frutos da terra: batata, cenoura, chuchu, abóbora, às vezes repolho, e
quando eu estava disposto, as sardinhas davam o ar da graça, todos sempre bem
refogados e envoltos em uma camada generosa de ovos batidos em neve — leves,
quase como uma nuvem assada sobre o colorido dos legumes. Era feita no fogão a
gás, lentamente, numa forma com buraco, coberta com a tampa de uma panela. O
fogo baixo era tão importante quanto qualquer ingrediente.
Já a torta capixaba carrega
o sabor do litoral. É prato de Sexta-feira Santa também, mas com o perfume dos
frutos do mar — bacalhau, siri, camarão, juntados ao palmito — refogados e depois
mergulhados em ovos igualmente batidos. A cobertura dourada, o uso do repolho
em muitas variações caseiras, a presença de coentro e tomate, tudo ecoa de
forma surpreendente a fritada de minha mãe. E como na nossa cozinha, e apesar
de ter uma panela de barro caraterística e não uma forma com buraco no meio,
todas se assam com cuidado, no compasso do tempo da tradição.
O que as une, acima de tudo,
é o gesto: o cuidado de quem prepara, o silêncio reverente de quem espera, o
instante em que a casquinha dourada se parte sob a colher, revelando o que há
por dentro — memórias, histórias, e aquele gosto de casa que nenhuma receita
escrita consegue reproduzir por completo.
A história de um prato
raramente se resume aos seus ingredientes. Muitas vezes, ela se mistura com o
que não se escreve em livro de receitas: a escassez, a fé, o que havia na feira
e o que sobrou do dia anterior. A torta capixaba é uma dessas preparações que
carregam, em cada camada, não só sabores, mas também a memória do tempo e da
gente que a fez perdurar.
Ela nasceu em dias de
silêncio e recolhimento, quando a religião pedia jejum e o mar oferecia
consolo. Era, e ainda é, prato de Sexta-feira Santa, de casas quietas e panelas
cheias de peixe e lembrança. Mas, como tudo que é vivo, a torta também mudou.
Assumiu novas formas, ganhou o corpo do repolho, o sal do peixe seco, e assim
se moldou à vida como ela é — feita de fé, mas também de finanças apertadas e
da criatividade que só a necessidade ensina.
Na sua versão mais modesta, quase uma prima distante da receita original, a torta de repolho com peixe salgado continua sendo o que sempre foi: um gesto de continuidade, de insistência em manter acesa a chama de uma tradição, mesmo quando o forno é simples e os ingredientes, poucos. É nessa adaptação que se vê o mais bonito — a força discreta de um povo que sabe transformar o possível em sagrado.
A Torta Capixaba: Raízes e
Tradição
A torta capixaba é daquelas
receitas que nascem de um rito — e florescem como um símbolo. No Espírito
Santo, ela ganhou forma nos dias contidos da Quaresma, quando a fé mandava
afastar a carne vermelha e a natureza, generosa, oferecia o mar inteiro em troca.
Camarões, mariscos, peixes frescos, palmito recém-colhido — eram esses os
ingredientes permitidos, e eram também os mais nobres. A Páscoa se aproximava,
e com ela, um prato que soube transformar devoção em sabor.
Nas cozinhas da Ilha de
Vitória, enquanto os sinos tocavam para as liturgias, outras mãos trabalhavam
em silêncio sobre bancadas de madeira: as mãos das paneleiras de Goiabeiras.
Com o barro extraído da própria terra, moldavam com paciência utensílios que
fariam história. As panelas que saíam de lá — robustas, negras, quase solenes —
tornaram-se tão simbólicas quanto o prato que abrigavam. Em 2002, esse ofício
foi reconhecido como patrimônio cultural brasileiro, mas sua importância já era
conhecida muito antes de qualquer chancela oficial: bastava sentar-se à mesa.
Essas panelas tinham algo de
altar. Nelas se preparava a moqueca capixaba, claro, mas também a torta. Eram
versáteis: suportavam o fogo direto, iam ao forno, chegavam à mesa ainda
exalando calor e memória. E mesmo quem não tinha uma peça original das Goiabeiras
dava um jeito — fosse com um tabuleiro de alumínio, uma travessa de vidro ou
uma panela de barro menos ilustre. O que importava era o espírito da coisa: que
a mistura coubesse, que o forno suportasse, que o gosto não se perdesse.
A torta, afinal, era feita
com o que havia. Restos de moqueca, sobras de peixe, pedaços de marisco, às
vezes um camarão tímido que escapara do prato principal. Tudo era refogado em
azeite com cebola, tomate e o tempero do dia — não o da receita, mas o do
quintal ou do bolso. Por fim, era coberta com ovos batidos com vigor —
espumosos, arejados, quase festivos. Sobre eles, rodelas de cebola, algumas
azeitonas, talvez uma flor de palmito. E então, o forno fazia seu trabalho.
O que saía de lá não era só
comida: era uma resposta à escassez, uma forma de obedecer à Igreja sem trair o
paladar, uma prova de que a simplicidade não exclui a fartura — pelo contrário,
a reinventa.
A torta capixaba, nesse
sentido, é um hino à inteligência doméstica. Como tantos pratos tradicionais,
ela nos ensina que a verdadeira sofisticação não está nos ingredientes caros,
mas na capacidade de fazer do ordinário algo extraordinário. E que a fé, quando
bem temperada, pode também ter gosto de festa.
Pode-se dizer que a origem
dessa torta está na criatividade popular em tempos de privação. A utilização de
ingredientes acessíveis e abundantes, como o peixe e o palmito, e a
reutilização de sobras dos pratos principais, reflete a habilidade de adaptação
da população local, especialmente em tempos de crise, como as secas prolongadas
e a escassez de alimentos frescos.
Com o tempo — como acontece
com tudo o que sobrevive — a torta capixaba se sofisticou. Ganhou novos trajes,
mais finos: bacalhau dessalgado com zelo, azeites vindos de longe, azeitonas
reluzentes como pequenas pedras negras. Tornou-se, para muitos, um prato de
celebração solene, quase de prestígio, exigindo listas de compras mais caras do
que permitia o salário da semana. Mas as mesas continuam a ser postas, com ou
sem luxo — e a comida, em sua essência mais terna, não esquece suas origens.
Foi assim que, num movimento
silencioso e obstinado, surgiu uma nova torta, mais modesta, mas não menos
nobre: a de repolho com peixe salgado. O repolho, verdinho e farto, brotava nos
quintais e nas feiras. Era barato, rendia bem, e substituía o palmito com
dignidade. No lugar dos mariscos frescos, vieram os peixes salgados — o tipo de
ingrediente que atravessa as distâncias sem precisar de refrigeração, que se
compra por gramas e se guarda enrolado em papel pardo. E quando nem isso havia,
a sardinha de lata dava seu jeito: com seu óleo espesso e gosto forte, entrava
na receita com a coragem dos alimentos que sustentam famílias inteiras.
Essa versão da torta — mais
singela, mais próxima da vida como ela é — manteve intacto o que importa: o
gesto. Ainda se trata de reunir o que sobrou, refogar com afeto, cobrir com
ovos batidos e levar ao forno com esperança. É comida que sabe de onde veio.
Que não se envergonha das substituições, porque entende que sabor, muitas
vezes, é feito mais de memória e cuidado do que de etiqueta de preço.
A torta de repolho capixaba
é, assim, um prato de resistência e inventividade. Uma resposta generosa à
escassez. E talvez por isso mesmo, mais fiel à alma do que a versão original —
porque nela se vê, com nitidez comovente, o que a cozinha sempre foi: uma arte
de continuar, mesmo quando quase nada há.
A torta de repolho com peixe
salgado não é apenas um eco da torta capixaba original — é sua irmã mais brava,
nascida em tempos difíceis, mas com um coração igualmente ardente. É, acima de
tudo, um testemunho da capacidade que as pessoas têm de fazer poesia com os
restos, de criar beleza mesmo quando tudo ao redor sugere que não há espaço
para ela.
Quando a escassez bate à
porta, e a feira parece mais cara a cada semana, não é raro que a cozinha se
torne um palco silencioso de resistência. Ali, longe dos gabinetes onde se
discutem políticas públicas, mãos anônimas encontram saídas com o que têm. O repolho,
com seu miolo suculento e folhas largas, substitui o palmito sem alarde. O
peixe salgado — às vezes firme, às vezes desfiado, sempre resiliente — entra
onde o camarão não pode mais chegar. E o forno, cúmplice de tudo, transforma
esse gesto de contenção em um prato cheio de dignidade.
É nesse jogo de
substituições que a tradição se revela mais viva do que nunca. Porque tradição,
ao contrário do que se pensa, não é repetir à exaustão o que foi feito uma vez
— é saber preservar a alma das coisas mesmo quando o corpo precisa mudar. A torta
de repolho guarda, intacta, a alma da torta capixaba: ela é feita para reunir,
para partilhar, para consagrar com gosto os dias que merecem ser lembrados.
E talvez seja exatamente aí
que resida sua beleza mais pungente. Porque esses pratos — esses que nascem da
necessidade, mas permanecem por escolha — são mais do que comida. São
declarações silenciosas de que a fome pode ser vencida com engenho, e de que a
memória cultural não precisa de pompa para continuar a existir. O povo que os
faz é o mesmo que, diante do que falta, olha para o fundo da panela e diz:
ainda dá.
A torta capixaba e sua
versão de repolho são, portanto, mais do que receitas. São histórias
comestíveis, páginas quentes de uma narrativa maior. São, como toda boa comida
de raiz, um lembrete de que onde há afeto e criatividade, há sempre mesa posta.
E isso, por si só, já é uma forma profunda de fé.
Tanto a torta capixaba
quanto a sua versão mais humilde de repolho são muito mais do que o que se
serve à mesa. Elas são rituais que atravessam o tempo, marcando com sabor os
dias em que a fé, a memória e o silêncio se entrelaçam. Durante a Quaresma — esse
tempo suspenso entre o pesar e a promessa —, as tortas se tornam um elo visível
entre o corpo e o espírito. Servidas em dias solenes como a Quinta-feira Santa
e a Sexta-feira da Paixão, elas ocupam o centro da mesa como se fossem, também,
orações — só que feitas com legumes, temperos, ovos, sal, e o calor do forno.
São, igualmente, celebrações
da solidariedade. Em um tempo anterior ao barulho dos refrigeradores e ao
embrulho plástico dos mercados, fazia-se comida em quantidade não por
ostentação, mas por cuidado. As travessas quentes passavam pelas janelas, as
porções dobradas encontravam o caminho até a casa vizinha. Uma torta, por mais
simples que fosse, era partilha. Uma garantia de que ninguém — nem o solitário,
nem o esquecido — estaria sem alimento naquele tempo sagrado.
E no coração dessa prática
comunitária estavam as mulheres. Com mãos que sabiam medir a farinha “no olho”
e ajustar o sal pelo cheiro do refogado, foram elas que moldaram as panelas e
as tradições. Mulheres que talvez nunca tenham lido sobre “patrimônio cultural”,
mas que criaram, sem saber, algo que o tempo decidiu preservar. A torta
capixaba, a de repolho, e até mesmo aquela outra, feita longe do Espírito Santo
— a fritada de legumes —, têm em comum essa origem feminina, terrosa, terna.
Porque lá em Guaraciaba do Norte, na Serra da Ibiapaba, havia uma outra torta — embora ninguém a chamasse assim. Era a fritada de legumes que minha mãe preparava com capricho e precisão, numa forma com buraco no meio, dessas comuns de alumínio, posta direto sobre a chama do fogão. Os legumes — batata, cenoura, chuchu, abóbora — vinham refogados com cheiro-verde, cebola, tomate, pimenta-do-reino, e sal. Por cima, o toque que elevava tudo: ovos batidos em neve, virando uma cobertura dourada e etérea, como uma bênção. Não era preciso forno, nem palmito, nem camarão. Só tempo, fogo baixo e olhos atentos. Aquilo também era Quaresma. Aquilo também era fé.
E se há uma ponte invisível
que liga essas receitas — da moqueca à sardinha enlatada, do repolho às claras
em neve — é o desejo profundo de manter vivo algo mais antigo do que qualquer
tradição registrada: a vontade de cuidar, de preservar o que é sagrado através
do ato de alimentar. A fritada de legumes era, no seu modo modesto e doméstico,
uma prece familiar. Uma adaptação silenciosa às circunstâncias, feita com os
ingredientes disponíveis e um sentido claro de continuidade. Como toda boa
comida, não servia apenas ao corpo. Servia também à memória.
E talvez seja isso que une
todas essas tortas e fritadas, todas essas camadas de ovo, legume, peixe e
lembrança: o fato de que, quando a panela chia e o aroma começa a invadir a
casa, o tempo parece suspenso. E ali, entre a chama e o prato, uma tradição renasce
— feita não de regras, mas de amor.
A história da torta
capixaba, e sua evolução para a torta de repolho, é uma história de adaptação,
tradição e sobrevivência. Esses pratos representam não apenas uma culinária
rica e diversa, mas também a força e a criatividade de um povo que soube manter
suas tradições vivas, apesar das adversidades. Eles são, acima de tudo,
símbolos de resistência cultural: enquanto a torta capixaba é um prato dos
ricos e das festas, a torta de repolho com peixe salgado é o prato das famílias
simples, uma versão humilde, mas igualmente representativa de um legado
culinário que perdura.
Mas há ainda outras tortas,
outros nomes, outras mãos que também participaram desse coro de reinvenções. A
fritada de legumes que minha mãe fazia, lá no alto da Serra da Ibiapaba, é um
desses ecos. Talvez não tenha a fama nem o peso ritual da torta capixaba, nem a
função de resistência clara da torta de repolho. Mas guarda, em sua
simplicidade luminosa, a mesma alma: a de uma comida feita com o que se tem, no
tempo que se pode, com a fé possível.
Não havia mariscos ou
panelas patrimoniais, tampouco decorações elaboradas. Mas havia batata, chuchu,
cheiro-verde, ovos batidos em neve e a paciência de quem sabia que cozinhar,
naquela casa, era também orar. A fritada de legumes era um tipo de torta sem
nome, sem receita fixa, feita sobre a boca do fogão com o fogo baixinho — como
quem não quer acordar os vizinhos com a lembrança de tempos difíceis.
Em seu cerne, todas essas
receitas — tortas ou fritadas, com mariscos ou com sardinha — são muito mais do
que comida. São manifestações silenciosas de continuidade. São a prova de que
memória também se come. Que tradição também se inventa. E que mesmo as casas
mais humildes, com mesas feitas de tábuas largas e formas de alumínio simples,
sabem servir fartura quando o prato é temperado com afeto.
No fim das contas, seja na
beira-mar capixaba ou nas altitudes da serra cearense, é sempre a mesma
história: mulheres ao redor do fogão, crianças rondando em busca de um pedaço
dourado, vizinhos que sentem o cheiro e reconhecem o gesto. Um alimento que consola,
que celebra, que sustenta. Uma comida que é, antes de tudo, um modo de lembrar
— e de continuar.
Torta Capixaba
500g de peixe fresco (geralmente, é usada garoupa, truta ou siri – pode variar dependendo da disponibilidade)
300g de camarão (descascado)
200g de marisco ou outro fruto do mar
(opcional, mas tradicional)
200g de bacalhau dessalgado (o bacalhau
é um ingrediente clássico em muitas variações da torta capixaba)
200g de palmito (fresco ou em conserva)
6 ovos (preferencialmente, use ovos
caipiras)
1 cebola grande (picada finamente)
3 dentes de alho (picados)
1 pimentão verde (picado)
1 tomate (picado)
1/4 de xícara de azeite de oliva
1/2 colher de chá de urucum (para dar a
cor e o sabor típico)
Coentro fresco (a gosto)
Sal e pimenta-do-reino (a gosto)
2 colheres de sopa de azeitonas verdes
ou pretas (opcional)
Farinha de trigo (o suficiente para
engrossar o molho)
Caldo de peixe (pode ser feito com as
espinhas do peixe ou comprados prontos)
1 xícara de leite de coco (opcional, mas
muito tradicional em algumas receitas)
Preparo: Corte o peixe em pedaços pequenos e
cozinhe-os em uma panela com água e sal até ficarem macios. Após o cozimento,
retire as espinhas e desfie o peixe em pedaços pequenos. Cozinhe os camarões e
mariscos até ficarem bem cozidos e reserve. Em uma frigideira grande, refogue a
cebola, o alho e o pimentão no azeite até ficarem dourados. Acrescente o tomate
picado e deixe cozinhar até formar um molho. Adicione o peixe desfiado, o
camarão e o marisco refogados, misturando bem. Em outra panela, cozinhe o
palmito até ficar bem macio. Caso seja palmito de conserva, basta picá-lo em
pedaços pequenos. Misture o palmito picado com os frutos do mar e o peixe. Em
seguida, acrescente o urucum, coentro picado, sal e pimenta-do-reino a gosto.
Bata os ovos até dobrarem de volume e ficarem bem espumosos. Pré-aqueça o forno a 180°C. Unte a forma de
torta com azeite (se tiver uma panela de barro, use-a) e, em seguida, coloque
metade dos ovos batidos, na mistura já preparada de peixe marisco e verduras,
misture bem e despeje na forma untada com azeite, nivele bem a mistura e
coloque o restante do ovo batido por cima. Para decorar, inclua umas rodelas de
cebola com uma azeitona no centro de cada rodela e leve ao forno e asse por
aproximadamente 30 a 40 minutos ou até que a torta fique bem dourada por cima e
firme. Retire a torta do forno e deixe esfriar por alguns minutos antes de
servir. Ela pode ser servida quente ou em temperatura ambiente.
Dicas:
A torta capixaba é muito tradicional na
Semana Santa e especialmente na Quinta-Feira Santa, sendo preparada em grande
quantidade para a refeição.
O urucum é essencial para dar à torta a
cor característica, que é uma das marcas da receita.
O palmito é um ingrediente clássico da
torta capixaba e traz uma suavidade única à receita.
O leite de coco não é obrigatório, mas é
uma opção para dar um toque mais cremoso à mistura, especialmente em algumas
versões da receita.
Para preparar a torta com peixe salgado,
o bacalhau é geralmente o mais escolhido, mas lembre-se de retirar todo o sal
do peixe antes de preparar.
1 cebola grande
3 latas de sardinha
azeite quanto baste
2 batatas grandes amassadas
1 repolho grande picado em fatias finas
150g de azeitona sem caroço
200g de palmito
1/2 maço de cebolinha
1/2 maço de salsinha
1 maço de coentro
1 e ½ tomates sem semente
sal a gosto
1 colher (café) de pimenta-do-reino
1 colher (sopa) de alho
1 cebola cortada em rodelas com
azeitonas
4 ovos inteiros
Preparo: Dourar a cebola no azeite e deixar
dourar bem. Juntar o tomate, a pimenta do reino, azeitona, palmito, a sardinha,
refogar bem. Juntar metade do cheiro verde e todo o repolho, misturar e refogar
bem, até deixar a aguinha que se forma no fundo da panela secar. Não se
espante, pois o repolho murchar mesmo. Noutra panela, coloque mais azeite e o
colorau, refogue as sardinhas sem o liquido das latinhas, depois de bem
refogado, junte na mistura anterior, acerte o sal, junte as batatas cozidas
amassadas e misture muito bem. Coloque a mistura num tabuleiro ou refratário
untado com azeite , espalhe uniformemente e reserve. bata as claras em neve,
até picos firmes, junte as gemas e bata mais. coloca a mistura de ovos por cima
do preparado e espalhe bem para nivelar. por cima colocar as rodelas de cebola
com uma azeitona no centro de cada uma delas, e levar para assar ate ficar
dourada. Servir quente ou fria com arroz branco e salada.