segunda-feira, 11 de julho de 2011

Rosas: pra comer amando.

         Caros confrades,
        Nunca pensei que minha paixão pela gastronomia fosse tão grande!
Recordo-me que quando eu era criança, já gostava muito de ver os movimentos da cozinha – dá lá de casa e das casas alheias. E eu descobria gastronomia em tudo: nas formas, nas cores, nos métodos, na leitura, na TV... E a minha experiência mais inusitada com gastronomia também se deu na infância, quando eu devorava as folhas de siriguela da casa da vizinha ou umas pequenas flores rosa, azedinhas, de uma planta que tinha lá em casa, no jardim de inverno, que eu não sei dizer o nome - pois nunca mais encontrei delas por aí.
Não estranhem este meu hábito, eu realmente gosto de experimentar e alquimizar ingredientes. É como se eu avistasse uma montanha de desejos me pedindo pra ser escalada; ou como se eu estivesse olhando para o mar, vendo  aquelas ondas enormes, que se parecem com minha gula...  Que vem vindo, se avolumando cada vez mais, e quando a gente pensa que elas vão virar tsunami, devorar o próprio estômago, logo que o desejo é satisfeito, de repente elas param... E suavemente deitam-se na praia, suspirando, avisando do deleite do expectador.

Confrades vejam bem, para fazer as delicias que minha mente resgata a cada minuto existem muitos Chefs, Cozinheiros, Confeiteiros, Padeiros, Culinaristas, Doceiros, Boleiros, Quitandeiros, Cake designers, Engenheiros de Alimentos, Loucos, Pretensiosos, Amantes, Curiosos, os que ‘caem de para queda na cozinha’, etc.. Mas, sem pretensão de minha parte, eles não seriam nada sem o desejo de comer, sem a vontade corrosiva por determinados alimentos – sabe, quando aquela vontade bate a sua porta, pedindo loucamente pra ser saciada com alguma coisa especial? Pois é, é dentro desse complexo contexto que me deleito, onde me regalo e me confundo, entre pensamentos, experiências e a gula. E hoje este desejo louco, esta vontade me bate à porta, querendo comer rosas...
Um mito grego traz uma alegoria que o nascimento da rosa: a deusa grega Clóris tropeçou em uma bela ninfa que estava morta e decidiu transformá-la em uma flor. Afrodite acrescentou à beleza na flor, as Três Graças a alegria e o encanto, Dionísio a fragrância delicada e Zéfiro, com um sopro afastou as nuvens para que Apolo pudesse inundá-la com a luz do sol. A flor foi então doada para Eros, o deus do amor, e ele chamou de rosa a "Rainha das Flores".
Clóris
          Lembro-me quando ouvi, pela primeira vez, que uma pessoa poderia comer rosas. A avó de uma amiga de infância, uma verdadeira alquimista na arte de preparar licores, fazia o melhor licor de rosas da região. Ela atendia pelo nome de Giza, e já enfatizava, que além  da beleza e do perfume, as rosas ainda poderiam ser comidas...
Essa lembrança ficou gravada na minha memória até um dia onde pude encontrar rosas comestíveis ao alcance da minha mão... E, as comi!
De inicio era estranho, mas a mistura de ingredientes, a atitude e o ambiente favoreciam o deleite – e, definitivamente, as rosas têm um sentido existencial, espiritual, metafísico e religioso recorrente, que aparecem na história e envolvem as vidas e as emoções até hoje.  

Mas não basta comer, tem que participar – o preparo dá mais fome, faz o desejo aumentar, aguça o olfato, lubrifica a visão, enche a boca de saliva.
Recordei um texto de Rubem Alves,  "A Festa de Babette", que trata da magia da arte da culinária e expressa melhor o que eu quis descrever na frase anterior. Ele diz:


 "Penso que Deus deve ter sido um artista brincalhão para inventar coisas tão incríveis para se comer. Penso mais: que ele foi gracioso. Deu-nos as coisas incompletas, cruas. Deixou-nos o prazer de inventar a culinária. Comer é uma felicidade, se se tem fome. Todo mundo sabe disto. Até os ignorantes nenezinhos. Mas poucos são os que se dão conta de que felicidade maior que comer é cozinhar. Faz uns anos comecei a convidar alguns amigos para cozinharmos juntos, uma vez por semana. Eles chegavam lá pelas seis horas (acontecia na casa antiga onde hoje está o restaurante Dali). Cada noite um era o mestre cuca, escolhia o prato e dava as ordens. Os outros obedeciam alegremente. E aí começávamos a fazer as coisas comuns preliminares a cozinhar e comer: lavar, descascar, cortar — enquanto íamos ouvindo música, conversando, rindo, beliscando e bebericando. A comida ficava pronta lá pelas 11 da noite. Ninguém tinha pressa. Não é por acaso que a palavra comer tenha sentido duplo. O prazer de comer, mesmo, não é muito demorado. Pode até ser muito rápido, como no McDonald's. O que é demorado são os prazeres preliminares, arrastados — quanto mais demora maior é a fome, maior a alegria no gozo final. Bom seria se cozinha e sala de comer fossem integradas — os arquitetos que cuidem disso — para que os que vão comer pudessem participar também dos prazeres do cozinhar. Sábios são os japoneses que descobriram um jeito de pôr a cozinha em cima da mesa onde se come, de modo que cozinhar e comer ficam sendo uma mesma coisa. Pois é precisamente isto que é o sukiyaki, que fica mais gostoso se se usa kimono de samurai. Quem pensa que a comida só faz matar a fome está redondamente enganado. Comer é muito perigoso. Porque quem cozinha é parente próximo das bruxas e dos magos. Cozinhar é feitiçaria, alquimia. E comer é ser enfeitiçado." 

Voltando ás rosa, pois elas são parte do feitiço que ensinarei hoje, eu vejo algumas ligações entre elas e a gastronomia: descobrimos os mais belos jardins nos lugares mais impróprios – assim como os lugares de restauração. E os jardineiros (assim como os profissionais da gastronomia) sabem que a lição mais importante é que não há amor sem a experiência do cuidado – por isso amam flores, adoram as rosas e cuidam de cada detalhe das plantas. E se não há rosas na roseira (boas criações gastronômicas) é porque não é chegada a hora de florir. E o jardineiro que não tiver obstinação, se ele não souber viver com a agitação do preparo – ou às vezes até com o silencio –, ele não terá o que florir... Isso sem esquecer que existem os espinhos (críticas, receitas que não dão certo), pois eles também são partes das rosas. E quem quiser rosa na sua vida tem que aprender a lidar com os espinhos.

Saber apreciar as rosas é mais intenso do que se imagina. E recorro a Machado de Assis, em Crisálidas, para fazer você sentir mais de perto o poder das rosas. 

As Rosas

Rosas que desabrochais,
Como os primeiros amores,
Aos suaves resplendores
Matinais;

Em vão ostentais, em vão,
A vossa graça suprema;
De pouco vale; é o diadema
Da ilusão.

Em vão encheis de aroma o ar da tarde;
Em vão abris o seio úmido e fresco
Do sol nascente aos beijos amorosos;
Em vão ornais a fronte à meiga virgem;
Em vão, como penhor de puro afeto,
Como um elo das almas,
Passais do seio amante ao seio amante;
Lá bate a hora infausta
Em que é força morrer; as folhas lindas
Perdem o viço da manhã primeira,
As graças e o perfume.
Rosas que sois então? – Restos perdidos,
Folhas mortas que o tempo esquece, e espalha
Brisa do inverno ou mão indiferente.

Tal é o vosso destino,
Ó filhas da natureza;
Em que vos pese à beleza,
Pereceis;
Mas, não... Se a mão de um poeta
Vos cultiva agora, ó rosas,
Mais vivas, mais jubilosas,
Floresceis.

Depois disto, que tal virar um jardineiro e começar a transformar seu roseira numa obra de arte?! Assim como fez Gabriele D’Annunzio (1863 – 1938), político e escritor italiano, que tinha uma adoração por rosas a tal ponto que elas são citadas continuamente em suas obras, entre recônditos significados e alusões misteriosas.
Gabriele D’Annunzio
Fabiano Dalla Bona em seu livro Fama à mesa, comenta que D´Annunzio exigia rosas por todos os cantos, do jardim até as estampas dos móveis. Rosas como bibelôs, e rosas na cozinha.

E vejam só a maravilha que Bona registrou em seu livro: a receita de um risotto que alegrou as noitadas de D’Annunzio na época do seu romance com a grande atriz italiana Eleonora Duse, o grande amor de sua vida e para quem dedicou quatro peças teatrais. Deliciosamente “belle époque”, o prato recorda as sedas orientais e os magníficos jantares que o poeta oferecia à amada, em suntuosas mesas decoradas com muitas rosas e regados por muito champagne rosé.  
Risoto de rosas de Gabriele D´Annunzio
…il sole genera le rose
presso le soglie e intorno alle fontane,
lungo le siepi e su per le finestre….
(G.D’Annunzio)

 Ingredientes para duas pessoas:
150 g de arroz arborio
2 botões de rosa
40 g de manteiga
40 g de queijo emental ralado
150 g de creme de leite
1 colher de sobremesa de mel
1 pitada de noz moscada
pimenta branca em pó e sal a gosto
1 colher de chá de água de rosas
1 cálice de vinho rosé
1 l itro de caldo de legumes para cozinhar o arroz 
Modo de preparar: Despetale as rosas e tire aquela parte branca de sua parte inferior, onde ficam presas à corola e mergulhe a metade delas numa panela, depois de bem lavadas e secas, em metade da manteiga. Adicione o arroz, o sal, a noz moscada e a pimenta branca. Assim que o arroz estiver envolvido na manteiga, adicione o vinho rose e metade do caldo. Deixe cozinhar, mexendo constantemente. Vá adicionando o caldo sempre que o risoto estiver ficando seco demais. Assim que estiver bem cozido, adicione o restante das pétalas de rosa, o resto da manteiga, o mel, e misture energicamente para que todos os ingredientes se incorporem bem. Finalize adicionando o queijo ralado e a água de rosas.

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