domingo, 28 de outubro de 2012

Soul Cakes - os Bolos de alma que afastam os espíritos malígnos


Mesmo em sua forma mais leve, o Halloween tem uma “alma fria”...
E não há como negar: o Halloween pertence ao senhor (ou a senhora) da morte, que domina a todos nós no final. Podemos lidar com a ideia de rir da morte, temê-la, respeitá-la - ou, como fazem muitas pessoas mundo a fora, honrá-la - dando-lhe doces, ofertando-lhe deliciosas comidas... Hoje, eu acredito que afastar ou acalmar os maus espíritos está mais difícil. Porque eu acho que eles estão mais modernos, muito exigentes, e eles sabem como negociar.


Há muito tempo, no início da era cristã na Grã-Bretanha, os ritos druídicos ainda eram uma memória fresca e viva. Quatro vezes por ano, grandes fogueiras eram acessas para banir os espíritos mal escondidos na noite, durante quatro grandes Sabás, considerados como principais: Candlemas, Beltane, Lammas e Samhain, que tratam-se de cerimônias religiosas que tem sua origem nos antigos festivais que celebravam as mudanças das estações do ano - e, muitas vezes, eram reconhecidos como Sabás. 
Os Sabás, por vezes, recebem a denominação de: "Grande Roda Solar do Ano". E no dia 31 de Outubro, é festejado o Sabá de Samhain,conhecido atualmente como  Halloween. 
Halloween é o mais importante de todos os Sabás, pois ele é o antigo ano-novo celta/druida, marcando o início da estação da sidra e o solene festival dos mortos.A antiga tradição diz que, no dia 31 de Outubro, os portais dos mundos inferiores são abertas e os mortos e as bestas vem andar no meio dos homens... (Daí a origem do costume de usar fantasias de monstros e bruxos neste dia, assim, os vivos estariam disfarçados e não seriam reconhecidos pelos visitantes indesejados).
No Halloween, ou Samhain naquela época, acendiam-se fogueira para rir do frio e da escassez que logo viria, pois era o inicio do inverno. Pensava-se que alguns seres astrais tinham natureza má e, para se proteger, além de ascender fogueiras, as pessoas faziam lanternas de vegetais com faces horríveis, para afugentar estes espíritos malévolos



Samhain era o festival do deus sol moribundo, e seu poder de “escuridão” ficava cada vez mais potente. Samhain tornou-se dia de Todos os santos e dia de Finados. 
A prática de reunir em volta de uma fogueira diminuiu. Assim, visitantes da noite, das Trevas começaram a se aventurar no mundo, indo de casa em casa. E se eles tivessem sorte, seriam recebidos com um prato de bolos de alma.



Explicações sobre as origens de bolos de alma variam. Alguns dizem que os bolos eram assados n​as fogueiras e que eles eram uma espécie de loteria: escolher um bolo queimado, você teria de se sacrificar para garantir boas colheitas no próximo ano. 
Para outras pessoas os bolos de alma pode ter surgido para apaziguar espíritos malignos condenados a vagar em forma animais. E somente por volta do século VIII, os bolos de alma tinham sido santificados e civilizados. Eles foram usados ​​como doação na véspera de Finados, quando se oferecia junto com orações para falecidos das famílias. Um bolo dado, uma alma salva= um preço barato.

Bolo de Alma decorado com passas

Esta introdução serve para demonstrar a minha afeição pelas tradições gastronômicas... Aprecio imensamente quem preserva as tradições. Acho interessante os costumes e as diferenças deles pelo mundo – e, é sempre bonito ver a quantidade de coisas gostosas que se pode comer a partir das tradições. Uma dessas coisas é bolo de alma (Soul cake), presente em muitos lugares da Europa nessa época do ano.
Antigamente as pessoas faziam a oferenda de bolos a divindades para que elas removessem a influência maligna. Muitas culturas ofereciam bolos para os espíritos dos mortos, acreditando que eles iriam alimentá-los durante a sua longa viagem para o outro mundo. Um dos exemplos mais conhecidos de bolos para os mortos são os bolos de alma (soul cakes), geralmente preparados em 28 de Outubro, no âmbito da comemoração do Halloween e do Dia de Finados. 
Um bolo de Alma (ou souling cake) é um pequeno bolo redondo, como um biscoito, que tradicionalmente é feito para ser distribuído antes (no Halooween) e durante o Dia de Finados (2 de novembro, o dia após o Dia de Todos os Santos) para celebrar os mortos.
A tradição diz que estes bolos simples, muitas vezes referidos apenas como “almas”, eram distribuídos pelos Soulers (geralmente crianças disfarçadas com fantasias variadas), que iam de porta em porta durante o Halloween, fazendo orações e cantando salmos e hinos para os mortos.

Tradicionalmente, cada bolo comido representaria uma alma que seria libertada do Purgatório. A tradição de dar e comer bolo de alma é muitas vezes vista como a origem moderna da brincadeira de Trick or Treating (doce ou travessura), que agora cai no Halloween (dois dias antes do Dia de Finados).
A origem do Trick-or-treating para muitos se originou no velho costume de "souling", quando as pessoas iam de casa em casa, trajados de esfarrapados para receber "bolos de alma", na verdade - orações em forma de doce. Sir James George Frazer escreveu sobre esta prática em The Golden Bough: a Study in Magic and Religion – um clássico da antropologia, apresentando um estudo em magia e religião, publicado pela primeira vez em 1890:
A tradição do bolo de alma para o Halloween e Dia de Finados teve origem na Grã-Bretanha e Irlanda centenas de anos atrás, quando os locais davam bolo de alma ou pão de alma no Dia de Finados, para os devotos durante a Idade Média.
Em 1891, o Rev. M.P. Holme de Tattenhall, Cheshire, coletou uma música tradicional cantada durante o período de “souling”, de uma menina na escola local. Dois anos mais tarde, o texto e melodia foram publicados pela folclorista Lucy Broadwood, que comentou que souling ainda era praticada na sua época em Cheshire e Shropshire (cf. Broadwood, Lucy (1893). English County Songs: Words and Music. Leadenhall Press. p. 185); Depois disso mais gravações da música tradicional para a entrega do bolo de alma foram coletadas em várias partes da Inglaterra até década de 1950. Versões recolhidas posteriormente podem sido influenciadas gravações feitas pro grupos musicista folclóricos como os Watersons. A canção 1891 contém a seguinte letra:

A soul! a soul! a soul-cake!
Please good Missis, a soul-cake!
An apple, a pear, a plum, or a cherry,
Any good thing to make us all merry.
One for Peter, two for Paul
Three for Him who made us all.

(Tradução lietral: Uma alma! uma alma! uma alma bolo!
Por favor, minha senhora boa, uma alma-bolo!
Uma maçã, uma pera, uma ameixa, ou uma cereja,
Qualquer coisa boa para nos fazer feliz.
Um para Pedro, dois para Paulo
Três para aquele que fez a todos nós.)

Em 1963, o grupo americano de folk Peter, Paul and Mary gravou uma versão desta canção tradicional, intitulada "A Soalin '", cujos versos incluem o seguinte:

Soul, soul, a soul cake!
I pray thee, good missus, a soul cake!
One for Peter, two for Paul,
Three for Him what made us all!
Soul cake, soul cake, please good missus, a soul cake.
An apple, a pear, a plum, or a cherry, any good thing to make us all merry.
One for Peter, two for Paul, and three for Him who made us all.

(tradução literal: Alma: Alma, um bolo de alma!
Peço-te, boas senhora, um bolo da alma!
Um para Pedro, dois para Paulo,
Três pora Ele que fez a todos nós!
Bolo da alma, bolo da alma, por favor, boas senhoras, um bolo da alma.
Uma maçã, uma pera, uma ameixa, ou uma cereja, alguma coisa boa para nos fazer feliz.
Um para Pedro, dois para Paulo, e três para aquele que fez a todos nós.



Os Bolos de alma e os pães de alma eram feitos muitas vezes com o desenho na forma de cruz, na massa, antes dela assar, significando a sua finalidade como esmola para os mortos. Esta receita regional particular é da era vitoriana, embora por causa da simplicidade dos ingredientes possa ser provavelmente muito mais velha.
Para muitos povos pagãos - os celtas, por exemplo - este era o dia (finados) em que mortos se levantavam e andavam pela Terra, e a menos que eles não fossem bem alimentados, as pessoas acreditavam, que esses espíritos poderiam prejudicar os vivos.
Em algumas regiões da Alemanha, os bolos de alma são de cor preta, o que sugere a morte. O povo Ainu da Alemanha e da Áustria deixavam esses tipos bolos em cima dos túmulos, enquanto os antigos egípcios os colocavam dentro dos túmulos. em alguns lugares os sinos da igreja eram badalados de noite até a manhã do dia seguinte para ajudar a espantar os espíritos. 
Em toda a Europa, as pessoas ofereciam bolos de alma para os mortos comungando da mesma ideia de alimentar as almas mortas em sua viagem para o outro mundo – ou, esses bolos eram usados como oferendas durante momentos fúnebres e velórios.


Açafrão

Em alguns lugares o açafrão entra na composição dos bolos: na Antuérpia eles dão uma cloração bonita aos bolos de alma quando os assam com bastante açafrão, o tom amarelo profundo seria uma sugestão simbólica as chamas do Purgatório. Lá, na Antuérpia nesse período as pessoas tem o cuidado de não bater portas ou janelas por medo de ferir os fantasmas.
Comer bolos de alma no Dia de Finados tornou-se prática comum. Na Bélgica, as pessoas acreditavam que, nesse dia, uma alma era libertada do purgatório para cada bolo consumido."
De fato, para um amante da cozinha, os bolso de alma parecem tão diferentes tanto na finalidade quanto nas formas. Na  construção deste post vi inúmeras receitas, uns parecidos com bolos; outros mais com biscoitos; uns com gengibre e outros com açafrão; eles podem ser quadrados, ovais ou redondos, marcados com uma cruz - ou não. E não importa como são feitos, isso não diminui o seu poder.
Bolos de alma no formato de sino

Confesso que gostei da ideia do bolo de alma da Antuérpia, com açafrão; isso me traz muitas simbologia – o deus sol, celta moribundo; ou o amarelo representando as fogueiras de Samhain, a partir do qual os celtas levariam tochas acesas para aquecer seus próprios lares para o novo ano; ou, mesmo representando as chamas do purgatório –embora isso ficaria mais próprio par ao fogo do inferno (risos).
A receita do bolo de alma que será apresentada aqui é da região de Cheshire, fronteira com o Norte do País de Gales – trata-se de uma receita tradicional. Mas pode ser compreendida mais do que isso, trata-se de um talismã, uma oferta de paz para os espíritos implacáveis, ou moeda comestível para o barqueiro dos mortos. Ou, ainda, um delicioso acompanhamento para o de suco de abóbora ao estilo Harry Potter - um lanche para depois da escola para uma criança e seu dementador interior.
Está esperando o que para fazer seus bolos de alma?  È melhor prevenir e não deixar os fantasmas com fome.

Fonte: Néctar e Ambrosia: Uma enciclopédia do alimento na mitologia do mundo. Do original: Nectar and Ambrosia: An Encyclopedia of Food in World Mythology, Tamra Andrews [ABC-CLIO:Santa Barbara CA] 2000 (p. 53-4)

Soul (ou Souling) cake

Faz 14 'bolos'
Ingredientes
340g de farinha de trigo (peneirada)
170g de açúcar
170g de manteiga (cortada em cubos)
1/2 colher de canela em pó
1/2 colher de chá de tempero misto
1/2 colher de noz-moscada
1 ovo (batido)
2 colheres de chá de vinagre de vinho branco

Preparo: Pré-aqueça o forno a 200C e unte duas assadeiras. Misture bem todos os ingredientes secos em uma tigela - farinha peneirada, especiarias e açúcar. Esfregue a manteiga em cubos até que a mistura vire uma farofa. Adicione o ovo batido e vinagre de vinho branco e misture com uma colher de pau até obter uma massa firme. Em seguida cobrir e deixa-la descansar pro  20  minutos (o resultado fica melhor quando se coloca na geladeira por 20 minutos). Coloque um pouco de farinha uma superfície de trabalho e com um rolo abra a massa deixando-a com 7 milímetros de espessura e usando o cortador mediano redondo corte círculos de massa. Coloque os círculos na assadeira untada, desenhe uma cruz em cima e leve ao forno por 15 a 20 minutos a 200C até dourar. Sirva quente ou frio.

Suco de Abóbora

1 abóbora pequena (elas são mais doces)
1 copo de suco de maçã
1/2 xícara de suco de abacaxi

Preparo: Descasque a abobora, retire as sementes e corte-a em pedaços pequenos. Coloque no mixer a abobora, e os líquidos e  bata bem. Coar e servir gelado.

Obs: se preferir, faça o suco com a abobora cozida somente em agua, e depois batida com os sucos, irá ficar um líquido  mais grosso mas delicioso.



2 comentários:

  1. Seria bom clarificar o que se enquadra como "tempero misto", pressuponho que seja sal, cominho e pimenta do reino, mas fica a dúvida ai.

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  2. Olá, tive a mesma dúvida, sobre o tempero misto. Pensei em acrescentar erva doce, será q fica bom?

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