Quando
eu não sou convidado para ministrar palestras e aulas sobre cultura
gastronômica, estou como convidado para participar das aulas e palestras de
outros colegas de áreas – isso me agrada muito, eu confesso. Mas, às vezes, também
me tira do eixo... especialmente quando participo de alguns desses eventos e
noto que há pouco conhecimento sobre as temáticas em questão. Parece que nasce
um bicho dentro de mim que se irrita, de alguma forma, e que se impele a
combater a falta de conhecimento ou mesmo a ignorância. Não que eu saiba tudo.
Mas, depois de quase vinte e três anos de dedicação nessa área já me dou ao
direito de poder interferir, vez ou outra. Foi numa dessas que, esses dias,
tive que intervir quando vi um jovem professor tratando de cozinha oriental
dizendo que os japoneses ‘comem salmão desde sempre”. Nesse tempo de
virtualidade, levantei a mãozinha do aplicativo de conferencia e fui retrucar a
fala. E, para a minha curiosidade, muita gente não fazia ideia do que eu estava
falando. Então, por isso, resolvi fazer este post aqui também para dividir com
vocês aquela minha contribuição.
Se
você olhar bem nos pratinhos embalados ou dentro das caixas de sushi
encontradas nos supermercados, padarias e até nos habilmente elaborados maki e
nigiri encontrados nos melhores restaurantes de sushi, uma certeza é que você
seguramente verá algumas fatias de salmão rosadas e translúcidas em algum
lugar. Esse é o peixe cru que muitos automaticamente associam à comida japonesa
– juntamente com o atum – e é bem difícil imaginar um mundo em que o salmão e o
sushi não tenham nada a ver um com o outro. Mas há apenas quarenta e três anos
era exatamente esse o caso. Estranhamente, foi graças a um ministro das pescas
norueguês que os japoneses desenvolveram um apetite por salmão cru.
O
Japão da década de 1970 era um lugar muito diferente do que é hoje. Naquela
época, o país era totalmente autossuficiente em termos de frutos do mar,
produzindo o suficiente para alimentar toda a sua população sem necessidade de
importações. Este foi um feito particularmente impressionante, visto que o
japonês médio comia sessenta quilos de peixe e marisco anualmente, em
comparação com a média global de quinze quilos. O atum e o dourado eram os
peixes de eleição para o sushi, graças à sua textura gordurosa e sabor limpo. O
salmão fazia parte da dieta, mas era considerado um peixe inferior, que
precisava ser totalmente cozido e era usado para preparar refeições baratas.
Servi-lo cru era considerado perigoso, já que o salmão do Pacífico desembarcado
por pescadores japoneses era propenso a parasitas, o que significa que o peixe
tinha que ser cozido antes de ser consumido. Então, como é que a Noruega, um
país do outro lado do mundo, mudou isto?
Em
1974, uma delegação de deputados noruegueses viajou ao Japão para fortalecer as
relações entre os dois países. Entre eles estava Thor Listau, membro do comité
de pescas da Noruega. Ele percebeu imediatamente como o atum era considerado o
melhor peixe do Japão, exigindo preços elevados nos mercados, enquanto o salmão
de má qualidade era frito ou seco e vendido em grande número a preços baixos.
Na altura, a evolução da forma como a Noruega cultivava salmão significava que
o país tinha mais peixe do que sabia o que fazer com ele. A viagem de Thor
parecia trazer uma solução para o problema, e ele voltou para casa com a ideia
de vender salmão aos japoneses.
Somente em 1980 o primeiro salmão norueguês foi exportado para o Japão. Nessa altura, uma combinação de sobrepesca, novas regulamentações de pesca e um rápido aumento da população significavam que o Japão já não conseguia permanecer autossuficiente, e o governo procurava outros países para satisfazer a procura interna de peixe. Esta entrada no mercado japonês foi importante, mas o peixe ainda era servido totalmente cozido e as exportações não chegavam nem perto do número que a Noruega desejava. Thor foi encarregado de triplicar as exportações de salmão para o Japão devido ao seu envolvimento com as pescas da Noruega e às visitas anteriores ao país. Ele sabia que a única maneira de fazer isso seria mudar a forma como os japoneses encaravam o salmão.
Em
meados da década de 1990, o quadro mudou radicalmente. O Japão era apenas 50% autossuficiente
e precisava de novos fornecedores para satisfazer a enorme procura interna.
Houve várias razões por trás do colapso da pesca japonesa. As duas razões mais
importantes para a queda foi o fato de o Japão estar a sobrepescar as suas
unidades populacionais – em parte devido à falta de um sistema de quotas – e
porque tinha sido expulso das zonas de pesca de outros países. Houve também
fatores naturais relacionados com o complicado sistema oceânico do Japão que
acabaram por prejudicar os seus stocks pesqueiros.
PROJETO
JAPÃO
O
Japão parecia um mercado natural para os frutos do mar noruegueses. Como já
mencionado, Thor Listau, membro norueguês da comissão parlamentar de navegação
e pesca, inspirou-se pela primeira vez na ideia de vender peixe norueguês aos
japoneses após uma visita de uma delegação comercial ao Japão em 1974. A viagem
pretendia alargar o círculo de amizade entre as duas nações.
Listau
regressou ao Japão em 1985, no final do seu mandato como ministro das Pescas da
Noruega. Ele trouxe consigo uma delegação de frutos do mar de cerca de 20
pessoas representando exportadores, ministros e organizações norueguesas de
frutos do mar. Quando voltou, decidiu estabelecer uma iniciativa governamental
chamada Projeto Japão, que promoveria a indústria norueguesa de frutos do mar
naquele país.
O
seu objetivo inicial era comercializar todos os tipos de peixe norueguês,
especialmente capelim (Mallotus villosus – as ovas desta espécie, conhecidas
por "masago", são consideradas um produto de alto valor, sobretudo no
Japão, onde é combinado com wasabi e comercializado como "caviar de
wasabi"), e duplicar as exportações para o Japão, tanto em volume como em
preço.
O
primeiro obstáculo foi explicar às pessoas as diferenças entre o salmão do
Pacífico e o da Noruega. Os japoneses – sem surpresa – só estavam habituados a
comer salmão capturado no Pacífico. Mas o salmão norueguês era maior, continha
gorduras saudáveis e – o que é fundamental – estava livre de parasitas. Isso o
tornou ideal para servir e comer cru. Thor e sua delegação se reuniram com
ministros japoneses, hoteleiros sofisticados, influenciadores de serviços de
alimentação e proprietários de restaurantes, trazendo consigo o melhor salmão
norueguês. Eles descobriram que, depois que seus anfitriões o provaram cru e
eram informados sobre as diferenças entre as espécies, o salmão cru foi um
sucesso.
Eventualmente,
o sushi de salmão começou a aparecer em restaurantes e lojas por todo o Japão.
Não foi um sucesso da noite para o dia – demoraria dez anos até que o salmão
fosse considerado, juntamente com o atum e o dourado, um peixe de sushi.
Na
altura, a Noruega exportava cerca de 500 milhões de coroas norueguesas em
produtos do mar para o Japão, representando 1% das importações totais do Japão
e 7% das exportações de marisco da Noruega. Em 1991, esse montante cresceu para
NOK 1,8 mil milhões. Isso não se deve apenas ao Projeto Japão… mas, certamente,
ele abriu portas e fez com que os exportadores noruegueses se concentrassem no
Japão.
O
projeto acabou afetando profundamente os hábitos culinários dos japoneses que
não estavam acostumados a comer salmão cru. Os peixes preferidos para sushi e
sashimi eram o atum e a dourado. O salmão era usado para grelhar e o kirimi, um
prato de peixe levemente salgado e seco (O sashimi é uma receita comum no Japão
há séculos. No entanto, o termo atual foi adotado somente no século 14. Antes
disso, o prato era conhecido como kirimi). Os japoneses consideravam o salmão
do Pacífico perigoso para consumo cru porque esses peixes selvagens eram
expostos a parasitas e considerados magros demais para sushi. Além disso, os
distribuidores nacionais de atum eram muito protecionistas.
Por
lá, todo mundo dizia: ‘não comemos salmão cru’”, e os responsáveis pela
pesquisa de mercado do Projeto Japão entre 1986 e 1991, tiveram lutar muito
para introduzir o salmão no mercado japonês… Demorou 15 anos desde que o
primeiro salmão foi para o Japão (em 1980) até à descoberta do consumo cru em
1995.
MELHOR
INVENÇÃO NORUEGUESA
Convencer
os japoneses a colocar salmão num pedaço de arroz foi talvez um dos maiores
sucessos de exportação da Noruega nos últimos quarenta anos, possivelmente até
uma invenção melhor do que o cortador de queijo norueguês.
O
governo norueguês, a indústria e as organizações de frutos do mar gastaram um
total de NOK 30 milhões no Projeto Japão. Os recursos foram utilizados em
campanhas gerais direcionadas a importadores, distribuidores, redes de
supermercados, lojas e restaurantes, além de campanhas individuais.
O objetivo (do Projeto Japão) era levar o salmão norueguês aos melhores hotéis e restaurantes. Não por acaso, até o embaixador norueguês servia salmão a todos os seus convidados. Como resultado, a Noruega acabou por aumentar as suas exportações de marisco para o Japão em 250% durante 1980-1994. As vendas de salmão norueguês ao Japão passaram de quase nada em 1980 – apenas 2 toneladas métricas – para 28.000 toneladas métricas de salmão e truta em 1995, das quais 5.000-6.000 eram para consumo cru.
O projeto deve em parte o seu sucesso a uma série de fatores económicos que funcionaram a favor da Noruega. A população do Japão aumentou de 93 milhões para 122 milhões entre 1960-1995, o poder de compra real duplicou e o consumo de marisco aumentou de 5 milhões para 9 milhões de toneladas métricas (de 53 para 73 kg per capita). Ao mesmo tempo, a indústria pesqueira japonesa diminuiu e os preços dos produtos do mar subiram.
Todo
bom projeto tem uma dose de sorte. Em relação ao tempo, os noruegueses tiveram
sorte. O mercado japonês era um bom mercado para frutos do mar.
O
Projeto Japão não só abriu caminho para o salmão do Atlântico para consumo cru
no Japão, como também abriu portas para os mercados de sushi de salmão na
China, Hong Kong e Singapura.
O
Projeto Japão foi um imenso sucesso, mudando para sempre a cozinha nacional
mais famosa do Japão. O salmão norueguês é agora tão apreciado que os
restaurantes em Tóquio têm frequentemente fotografias das deslumbrantes costas
e fiordes da Noruega nas suas montras, para que os clientes saibam que estão a
servir o melhor.
É
incrível pensar que o Japão, um país com tradições culinárias tão arraigadas,
come agora quase diariamente algo que era praticamente inédito até a década de
1980. A mudança ajudou o boom da indústria pesqueira da Noruega, espalhou o
sushi por todo o mundo como um alimento saudável e delicioso e é algo de que
Thor e sua equipe de delegados trabalhadores deveriam se orgulhar.
Agora, como eu sei que nem todo mundo gosta de peixe cru, a receitinha é outro clássico da ‘nova’ cozinha japonesa que vai agradar bastante, aproveite.
Salmão
Teriyaki
1
colher de sopa de molho de pimenta doce
1
colher de sopa de mel
1
colher de chá de óleo de gergelim
1
colher de sopa de mirin ou xerez seco
2
colheres de sopa de molho de soja
2
colheres de chá de gengibre ralado finamente
arroz
integral ou macarrão, para servir (opcional)
Para o
pak choi
2 pak
choi grandes (cerca de 250g)
2
colheres de chá de óleo vegetal
2
colheres de chá de óleo de gergelim
3
dentes de alho ralados
75ml
de caldo de peixe ou vegetais
2
colheres de chá de sementes de gergelim torradas, para polvilhar
Preparo: Aqueça o forno a
200C/180C e coloque os filés de salmão sem pele em uma assadeira rasa. Misture
o molho de pimenta doce, o mel, o óleo de gergelim, o mirin ou o xerez seco, o
molho de soja e o gengibre ralado em uma tigela pequena e despeje sobre o
salmão para que os filés fiquem completamente cobertos. Asse por 10 minutos.
Enquanto isso, corte uma fatia na base do pak choi para que as folhas se
separem. Numa wok (ou numa frigideira) aqueça o óleo vegetal e o óleo de
gergelim, junte os dentes de alho ralados e frite brevemente para amolecer.
Adicione o pak choi e frite até as folhas começarem a murchar. Despeje sobre o
caldo de legumes, tampe bem a panela e deixe cozinhar por 5 minutos – o
objetivo é que os caules fiquem macios, mas ainda com um pouco de mordida.
Sirva o pak choi em tigelas rasas, cubra com o salmão e regue com o suco.
Polvilhe com as sementes de gergelim torradas e sirva com arroz ou macarrão, se
desejar.
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