No fundo da tigela, as mãos sabem mais
do que a boca jamais diria: medem o polvilho, sentem a umidade do queijo,
pressentem o instante em que a massa desperta, como se tivesse alma própria. E
nesse silêncio que antecede o forno, já nasce a promessa de um afeto
partilhado.
No calor da cozinha, o forno respira
antigo, deixando escapar um sopro que parece coração oculto, latejando em
brasas invisíveis. O perfume que se ergue não é apenas queijo, não é apenas
polvilho: é herança que atravessa séculos, a seiva da terra em brasa condensada
em pequenas luas douradas, cada uma prometendo eternidade no instante de ser
devorada.
Pra mim, não se pode falar do pão de
queijo sem falar de desejo. Não um desejo banal, mas aquele que tangencia o
sagrado, que nos possui como uma febre secreta e nos arrasta em silêncio. Minas
Gerais o engendrou nas cozinhas coloniais do século XVIII, quando mulheres,
guardiãs de lares erguidos sobre serras e veios de ouro, transformaram restos
endurecidos de queijo, ovos frescos e o polvilho extraído da mandioca em algo
vivo, latejante. Foi alquimia da necessidade: nada se desperdiçava, tudo se
transfigurava. No calor do forno de barro, nasceu o sortilégio — pequenas
esferas que se inflavam suavemente, firmes por fora, macias e luminosas
por dentro. Um sopro de eternidade em forma de alimento, carregando consigo não
apenas sabor, mas a memória quente de um lar, de uma pertença que atravessa o
tempo.
Mas o feitiço não permaneceu preso às
montanhas de Minas. Aos poucos, rompeu fronteiras e deslizou pelos sertões de
Goiás e pelo cerrado do Centro-Oeste, acariciou as praias do Nordeste, fez-se
presente nas mesas cariocas, percorreu os arrabaldes e avenidas de São Paulo,
atravessou os rios amazônicos e o sul frio e verdejante, até se aninhar em cada
canto do país. Hoje, viaja para além do Atlântico, brilhando em vitrines
estrangeiras, silencioso mensageiro de uma identidade construída com afeto,
memória e sabor. O pão de queijo, assim, deixou de ser apenas mineiro:
tornou-se brasileiro, quase universal.
Ele é, ao mesmo tempo, ritual e
metáfora: o ouro verdadeiro de Minas não saiu das minas profundas, mas dos
fornos domésticos, onde o desejo tomou forma de alimento. Comer um pão de
queijo é, portanto, um gesto de comunhão: mordemos o passado, mas provamos
também a eternidade que se renova a cada fornada.
Ao tocá-lo com os dedos, quando ainda
quente, sentimos o mesmo que se sente ao roçar a pele de alguém amado: a tensão
da crosta, a maciez escondida no interior. É alimento que seduz, que prende,
que nos olha de volta quando mordemos.
E o 17 de agosto passou a ser consagrado
ao pão de queijo — como se fosse possível aprisionar em um único dia o feitiço
de séculos de tradição. A origem da data é curiosa: em 2007, no palco iluminado
do programa Mais Você, Ana Maria Braga encerrou a final do concurso “O Melhor
Pão de Queijo do Brasil” com uma proposta que soou, à primeira vista,
televisiva e passageira. Mas a sugestão de transformar aquele dia em marco
comemorativo ultrapassou o instante do espetáculo: encontrou ressonância em
algo maior, no sentimento de pertencimento coletivo que o pão de queijo já
carregava em cada mesa mineira e brasileira. O que parecia efêmero tornou-se
rito, porque o pão de queijo não é apenas alimento, é memória viva, raiz que
atravessa gerações. Desde então, padarias, quitandeiras e vendedores anônimos
celebram a data, reafirmando no calendário aquilo que o coração já sabia: o pão
de queijo é um símbolo de afeto e identidade nacional.
A verdade, porém, é que o pão de queijo
não precisa de decretos nem efemérides. Ele
é eterno, porque vive em cada cozinha que se acende ao amanhecer, em cada
tabuleiro que sai do forno como oferenda de calor e de carne transfigurada em
massa.
Há nele uma sensualidade discreta: a
fumaça que se ergue como véu, o estalo da casca ao romper-se nos lábios, a
lenta revelação da sua umidade cremosa. Quem come não se satisfaz — deseja
mais, como se buscasse, naquela pequena esfera dourada, a lembrança de uma
outra fome, mais profunda e ancestral.
Celebrar o pão de queijo é celebrar o
mistério do tempo suspenso. É ser envolvido pela história ao mesmo tempo em que
a saboreia. Como se cada fornada fosse um rito secreto, um chamado que ecoa de
séculos passados até pousar em nossas manhãs de hoje.
Cada mordida é uma eternidade em
miniatura: o instante em que corpo, memória e desejo se entrelaçam suavemente.
Nele, não há pressa — apenas o aconchego de um calor que acolhe, de um sabor
que abraça, de uma lembrança que nunca se desfaz.
Celebrar o pão de queijo é, enfim,
entregar-se a um sortilégio. Ele não é apenas lembrança, nem apenas desejo: é o
instante em que a eternidade se materializa em nossas mãos. O dourado que se
rompe sob os dentes anuncia não um fim, mas uma promessa — como se cada fornada
trouxesse consigo a renovação de um pacto secreto entre gerações.
E assim, o pão de queijo se afirma não
apenas como alimento, mas como epifania cotidiana. Um gesto simples que, em sua
singeleza, guarda o esplendor daquilo que resiste ao tempo — um feitiço suave,
eterno, que continua a nos possuir sem violência, apenas com a doce entrega do
sabor.
E quando pensamos que tudo já foi dito,
ele nos devolve ao princípio: à mesa, ao afeto, ao calor do forno. O pão de
queijo não se explica, se repete. Não se encerra, se reinicia. É círculo, rito,
retorno.
E por isso, ao compartilhar a receita
que eu uso, não o faço como quem entrega um manual, mas como quem abre um
relicário. Que cada ingrediente seja lido como palavra de um encantamento
antigo, e cada gesto, uma invocação do que permanece. Pois só assim
compreenderemos: não é apenas o pão de queijo que nos alimenta — somos nós que,
ao mordê-lo, entramos em sua eternidade.
Pão de Queijo
Ingredientes:
250 g de polvilho azedo
250 g de polvilho doce
75 ml de leite
75 ml de água
75 ml de óleo
10 g de sal
15 g de manteiga
200 g de queijo minas curado (ralado)
3 ovos pequenos (ou 2 grandes,
dependendo do tamanho)
Preparo: Em uma panela, aqueça juntos o
leite, a água e o óleo até ferver. Em uma tigela, misture os dois tipos de
polvilho e o sal. Escalde essa mistura de polvilho com o líquido quente,
mexendo até obter uma massa úmida e homogênea. Incorpore a manteiga e o queijo,
misturando bem. Adicione os ovos, um a um, sovando até a massa ficar lisa e
elástica. Com as maoes levemente untadas com óleo, modele pequenas bolinhas e
disponha em assadeira. Asse em forno preaquecido a 180–200 ºC por
aproximadamente 20 a 23 minutos, até que estejam dourados e levemente crocantes
por fora.
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