segunda-feira, 18 de agosto de 2025

17 DE AGOSTO, DIA DO PÃO DE QUEIJO: DA TRADIÇÃO MINEIRA À VITRINE GLOBAL

  

No fundo da tigela, as mãos sabem mais do que a boca jamais diria: medem o polvilho, sentem a umidade do queijo, pressentem o instante em que a massa desperta, como se tivesse alma própria. E nesse silêncio que antecede o forno, já nasce a promessa de um afeto partilhado.

No calor da cozinha, o forno respira antigo, deixando escapar um sopro que parece coração oculto, latejando em brasas invisíveis. O perfume que se ergue não é apenas queijo, não é apenas polvilho: é herança que atravessa séculos, a seiva da terra em brasa condensada em pequenas luas douradas, cada uma prometendo eternidade no instante de ser devorada.

Pra mim, não se pode falar do pão de queijo sem falar de desejo. Não um desejo banal, mas aquele que tangencia o sagrado, que nos possui como uma febre secreta e nos arrasta em silêncio. Minas Gerais o engendrou nas cozinhas coloniais do século XVIII, quando mulheres, guardiãs de lares erguidos sobre serras e veios de ouro, transformaram restos endurecidos de queijo, ovos frescos e o polvilho extraído da mandioca em algo vivo, latejante. Foi alquimia da necessidade: nada se desperdiçava, tudo se transfigurava. No calor do forno de barro, nasceu o sortilégio — pequenas esferas que se inflavam suavemente, firmes por fora, macias e luminosas por dentro. Um sopro de eternidade em forma de alimento, carregando consigo não apenas sabor, mas a memória quente de um lar, de uma pertença que atravessa o tempo.

Mas o feitiço não permaneceu preso às montanhas de Minas. Aos poucos, rompeu fronteiras e deslizou pelos sertões de Goiás e pelo cerrado do Centro-Oeste, acariciou as praias do Nordeste, fez-se presente nas mesas cariocas, percorreu os arrabaldes e avenidas de São Paulo, atravessou os rios amazônicos e o sul frio e verdejante, até se aninhar em cada canto do país. Hoje, viaja para além do Atlântico, brilhando em vitrines estrangeiras, silencioso mensageiro de uma identidade construída com afeto, memória e sabor. O pão de queijo, assim, deixou de ser apenas mineiro: tornou-se brasileiro, quase universal.

Ele é, ao mesmo tempo, ritual e metáfora: o ouro verdadeiro de Minas não saiu das minas profundas, mas dos fornos domésticos, onde o desejo tomou forma de alimento. Comer um pão de queijo é, portanto, um gesto de comunhão: mordemos o passado, mas provamos também a eternidade que se renova a cada fornada.

Ao tocá-lo com os dedos, quando ainda quente, sentimos o mesmo que se sente ao roçar a pele de alguém amado: a tensão da crosta, a maciez escondida no interior. É alimento que seduz, que prende, que nos olha de volta quando mordemos.

E o 17 de agosto passou a ser consagrado ao pão de queijo — como se fosse possível aprisionar em um único dia o feitiço de séculos de tradição. A origem da data é curiosa: em 2007, no palco iluminado do programa Mais Você, Ana Maria Braga encerrou a final do concurso “O Melhor Pão de Queijo do Brasil” com uma proposta que soou, à primeira vista, televisiva e passageira. Mas a sugestão de transformar aquele dia em marco comemorativo ultrapassou o instante do espetáculo: encontrou ressonância em algo maior, no sentimento de pertencimento coletivo que o pão de queijo já carregava em cada mesa mineira e brasileira. O que parecia efêmero tornou-se rito, porque o pão de queijo não é apenas alimento, é memória viva, raiz que atravessa gerações. Desde então, padarias, quitandeiras e vendedores anônimos celebram a data, reafirmando no calendário aquilo que o coração já sabia: o pão de queijo é um símbolo de afeto e identidade nacional.

A verdade, porém, é que o pão de queijo não precisa de decretos nem efemérides.  Ele é eterno, porque vive em cada cozinha que se acende ao amanhecer, em cada tabuleiro que sai do forno como oferenda de calor e de carne transfigurada em massa.

Há nele uma sensualidade discreta: a fumaça que se ergue como véu, o estalo da casca ao romper-se nos lábios, a lenta revelação da sua umidade cremosa. Quem come não se satisfaz — deseja mais, como se buscasse, naquela pequena esfera dourada, a lembrança de uma outra fome, mais profunda e ancestral.

Celebrar o pão de queijo é celebrar o mistério do tempo suspenso. É ser envolvido pela história ao mesmo tempo em que a saboreia. Como se cada fornada fosse um rito secreto, um chamado que ecoa de séculos passados até pousar em nossas manhãs de hoje.

Cada mordida é uma eternidade em miniatura: o instante em que corpo, memória e desejo se entrelaçam suavemente. Nele, não há pressa — apenas o aconchego de um calor que acolhe, de um sabor que abraça, de uma lembrança que nunca se desfaz.

Celebrar o pão de queijo é, enfim, entregar-se a um sortilégio. Ele não é apenas lembrança, nem apenas desejo: é o instante em que a eternidade se materializa em nossas mãos. O dourado que se rompe sob os dentes anuncia não um fim, mas uma promessa — como se cada fornada trouxesse consigo a renovação de um pacto secreto entre gerações.

E assim, o pão de queijo se afirma não apenas como alimento, mas como epifania cotidiana. Um gesto simples que, em sua singeleza, guarda o esplendor daquilo que resiste ao tempo — um feitiço suave, eterno, que continua a nos possuir sem violência, apenas com a doce entrega do sabor.

E quando pensamos que tudo já foi dito, ele nos devolve ao princípio: à mesa, ao afeto, ao calor do forno. O pão de queijo não se explica, se repete. Não se encerra, se reinicia. É círculo, rito, retorno.

E por isso, ao compartilhar a receita que eu uso, não o faço como quem entrega um manual, mas como quem abre um relicário. Que cada ingrediente seja lido como palavra de um encantamento antigo, e cada gesto, uma invocação do que permanece. Pois só assim compreenderemos: não é apenas o pão de queijo que nos alimenta — somos nós que, ao mordê-lo, entramos em sua eternidade.

Pão de Queijo 

Ingredientes:

250 g de polvilho azedo

250 g de polvilho doce

75 ml de leite

75 ml de água

75 ml de óleo

10 g de sal

15 g de manteiga

200 g de queijo minas curado (ralado)

3 ovos pequenos (ou 2 grandes, dependendo do tamanho)

Preparo: Em uma panela, aqueça juntos o leite, a água e o óleo até ferver. Em uma tigela, misture os dois tipos de polvilho e o sal. Escalde essa mistura de polvilho com o líquido quente, mexendo até obter uma massa úmida e homogênea. Incorpore a manteiga e o queijo, misturando bem. Adicione os ovos, um a um, sovando até a massa ficar lisa e elástica. Com as maoes levemente untadas com óleo, modele pequenas bolinhas e disponha em assadeira. Asse em forno preaquecido a 180–200 ºC por aproximadamente 20 a 23 minutos, até que estejam dourados e levemente crocantes por fora.

 

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