quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Epifania do risotto alla milanese


Eu adoro um risotinho – principalmente na hora em que a preguiça bate ... eu, por isso, não considero risoto um “prato”. Para mim os risotos, nada mais são que muitas misturas saborosas e que podem ser realizadas com variações de receitas – isso os torna cada vez mais interessantes para o meu paladar.
Como acontece com muitos alimentos “tradicionais”, existem muitas teorias conflitantes sobre a origem do risoto: alguns especialistas apresentam que o risoto surgiu no século  XVI; enquanto outros, afirmam que é um prato do século XX.



Historiadores de gastronomia em geral concordam que os primeiros tipos de risotos provavelmente se originaram durante o Renascimento, na região da Lombardia, tendo Milão como o lugar mais famoso para o surgimento dessas misturas. A história confirma que famílias abastadas milanesas reconheceram o potencial dos grãos no mercado [quando grão era escasso, os preços subiriam] e o valor capitalizado sobre ele e investiram nisso.
Os comerciantes de arroz milaneses tornaram-se muito ricos, e de acordo com alguns relatos, por vezes, arroz era doado como presente de alto valor e estima.
Os primeiros pratos com arroz na região norte da Itália foram emprestados da cozinha mediterrânica, responsável pela introdução de arroz na Itália. Naquela ocasião eram tipicamente receitas doces que combinavam arroz, leite de amêndoas e especiarias. Juntos, os cozinheiros milaneses e os ingredientes locais eventualmente criaram um prato exclusivo a qual deram o nome de risoto.
Verificando livros de receita americanos encontra-se que os risotos foram feitos na América do início do século XIX, embora este tipo de alimento não se tornou amplamente aceito até depois da Segunda Guerra Mundial - Isto é uma verdade principalmente se nos basearmos também pela entrada de muitos outros pratos italianos, incluindo a pizza. Mas os chefes americanos redescobriam o risoto na década de 1980, elevando este prato de simples e econômico ao status de gourmet.
Existem muitas variedades de arroz italiano para a preparação do risoto e o arroz arbóreo é o tipo mais frequentemente usado pelos chefes no preparo dos risotos.

"Como é que o arroz veio parar da China na Europa? Os persas e mesopotâmicos o encontraram pela primeira vez no século V aC, como resultado de contatos diplomáticos e comerciais entre Darius e os Estados chinês e indiano. A cultura do arroz no Egito e na Síria chegaram durante os dois séculos seguintes... e foi no Sul da Espanha que apareceram os primeiros campos de arroz criados pelos os mouros da Andaluzia ... Várias tentativas foram feitas para cultivo de arroz na Itália no início da Idade Média. No final do século XIII o duque Visconti de Milão, de uma família muito perspicaz, teve um interesse pessoal nas possibilidades de cultivo de arroz, mas foram seus sucessores, Galeazzo Sforza e seu irmão Ludovico Moro, quem trouxe o arroz para o delta do Pó, e com ele a prosperidade." [ History of Food, Maguelonne Toussaint-Samat, translated by Anthea Bell [Barnes & Noble Books:New York] 1992 (p. 161-2)]

Uma das primeiras referências que eu conheço sobre o arroz no norte da Itália é uma carta de 27 de setembro de 1475, de Galeazzo Maria Sforza para o Duque de Ferrara sobre 12 sacos de arroz, que pode ser compreendido como um documento histórico, onde observa a margem de lucro sendo mantida alta pelos rizicultores na Lombardia e que significou a escravidão de trabalhadores que não eram organizados, incluindo crianças expostas a crueldades bárbaras.. [A Mediterranean Feast, Clifford A. Wright [William Morrow:New York] 1999 (p. 587)]


Galeazzo Maria Sforza
O Risotto nada mais é do que uma preparação de arroz cozido e cremoso que tem absorvido uma boa quantidade de caldo para torná-lo saboroso e suave.
O risoto mais famoso é feito "alla milanese", a partir de Milão. Ele é aromatizado com açafrão e contém caldo de carne. Diz a lenda que o prato remonta a 1574, quando um construtor de vitrais da catedral de Milão, que era conhecido por sempre adicionar a cor amarela em tudo, acidentalmente adicionou açafrão em seu prato de arroz:

A imponente Catedral de Milão

Era inverno do ano de 1574. Há quase duzentos anos que as obras na igreja Duomo de Milão havia formado uma Babel de artistas, escultores, pintores, artesãos e operários vindos de todas as partes da Europa. Em um dos casebres que circundavam a igreja vivia uma comunidade de artesãos belgas. Entre eles, Valerio Perfundavalle (ou Valerio di Fiandra), um mestre vitralista encarregado de parte dos trabalhos. Pessoa curiosa, tinha o hábito de misturar açafrão em todas as suas experiências cromáticas com o amarelo. Como o açafrão custasse muito à época, o artista não se separava do bornal onde o guardava. Muitos, apesar do enorme respeito, se divertiam com essa curiosa fixação e esperavam o dia em que ele acabaria por despejar o corante na comida. E um dia aconteceu. Naquela época era comum almoçar durante um breve intervalo, e o nosso Valerio se limitava a consumir um pouco de arroz, sentado em um dos andaimes suspensos entre o céu e a Terra. Dos detalhes ninguém sabe, mas um pouco do açafrão acabou caindo no arroz, que, amarelo, pareceu-lhe mais apetitoso. Valerio excitou, mas no fim pensou: “Que mal pode fazer? É uma planta!” (Como a cicuta.) Provou e aprovou a invenção, assim como todos que experimentaram depois. Essa é uma lenda inventada pelos milaneses para colorir um pouco mais a origem dessa clássica receita. Apesar de a estória ser reconhecidamente falsa, serve para demonstrar a ligação do prato à cidade, fazendo registrar na história, ao mesmo tempo, os nascimentos do Risotto alla milanese e da Duomo – dois símbolos da região

Um dos muitos e belos vitrais de Valério na Catedral de  Milão
Afirmam algumas pessoas que a história acima tem mais fundamento para originar o termo risoto a partir das palavras ditas com a experimentação da comida: após os operários terem provado o prato teriam dito: "Risus optimus" (termo em latim para "arroz excelente"). Posteriormente, o arroz tingido de amarelo foi chamado de risoto alla milanese. [Dictionary of Italian Food and Drink, John Mariani [Broadway Books:New York] 1998 (p. 218-9) ]

Risotto alla milanese

"Os italianos do norte fantasiam como tendo um monopólio sobre o consumo de arroz, mas o arroz de fato entrou pela primeira vez na Europa como um género alimentício através da ocupação árabe na Espanha e Sicília. Os romanos conheciam o arroz apenas como um bem extremamente caro importado em quantidades pequenas da Índia para fins medicinais, mas os sarracenos foram tão hábeis na irrigação que eles foram capazes de criar arrozais na área ao redor de Lentini, ao sul de Catania onde o cultivo de arroz persistiu no século XVIII ". Pomp and Sustenance, Twenty-Five Centuries of Sicilian Food, Mary Taylor Simeti [Ecco Press:Hopewell NJ] 1989 (p. 69)

Textos sobre a culinária medieval apenas apresentam receitas de risotos na forma de doces que combinam arroz, leite de amêndoas e especiarias, como podem ver numa receita originária da Turquia.

On Rice
Rice [risum], which I think was called oriza in the ancient spelling, is of warm and dry force, and for this reason it is very nourishing, especially if it has been seasoned with ground almonds, milk, and sugar, as will be described later. When it is cooked down it pure water, it constricts the belly. Its frequent use, however, harms those accustomed to suffer with pain in the bowel." -De Honesta Voluptate [On Right Pleasure], Platina, Book VII [1475] critical edition and translation by Mary Ella Milham, Medieval & Renaissance Texts & Studies Volume 168, Tempe AZ (p. 309)

Resumindo: risoto é um  prato de arroz célebre e popular que se originou nos arrozais do norte da Itália. Ele tem algo em comum com paella e o pilaf, onde arroz é cozido em um líquido com outros ingredientes cujo sabor é absorvido pelos grãos – e as receitas só diferenciam no método.
Risoto é um prato de camponês/operário, provavelmente, e que se tornou sofisticado como o passar do tempo. As primeiras receitas foram publicadas em meados do século XIX por Artusi, o primeiro escritor de culinária célebre italiano, e Vialardi, mais tarde chefe do rei Victor Emmanuel. Para o final do século XX uma expansão regular do conceito de risoto pode ser observada, especialmente em restaurantes.



[NOTA: -  O livro “Pellegrino Artusi's Science in the Kitchen and the Art of Eating Well (c. 1891)” [Ciência na cozinha e a arte de comer bem de Pellegrino Artusi] contém as seguintes receitas de risoto: contém o seguinte risoto receitas: Risotto Colle Telline (arroz com mariscos), Risotto Colle Tinche, Risotto nero Colle Fiorentina seppie Alla (Blask Risoto estilo florentino), Risotto Coi Piselle (arroz com ervilhas), Risoto Funghi Coi (Arroz com cogumelos), Risotto Coi Pomodori (arroz com tomate), Risotto Alla Milanese I (arroz à milanesa I), Risotto Alla Milanese II, Risotto Alla Milanese III, Risotto Coi Rangocchi (Arroz com rãs), Risotto Coi Gamberi (arroz com camarões) e Risotto Col Brodo Di Pesce (arroz em caldo de peixe).]

E se você é do tipo que adora um risoto, porque é fácil e rápido, aproveite para preparar agora a receita abaixo;
  
Risoto alla Milanese

Ingredientes
400 gr de arroz carnaroli (ou arbóreo)
1/2 unidade de cebola ralada
1 dentes de alho inteiros
3 colheres (sopa) de azeite
5 colheres (sopa) de manteiga
1 copo de vinho branco seco(s)
1 colher (sopa) de açafrão
50 gr de parmesão ralado(s)
2 litros de caldo de carne
Preparo:  Coloque o açafrão numa tigelinha com ½ copo de água quente e deixe de molho por 2 horas.Numa panela coloque o azeite e 3 colheres(sopa) de manteiga. Quando derreter, junte a cebola e o dente de alho. Deixe suar e coloque o arroz. Mexa em fogo médio por uns 3 minutos. Coloque o vinho e vá mexendo até que evapore. Então comece o cozimento com o caldo, colocando pouco a pouco e mexendo até que seque. Torne a colocar o caldo até completar o cozimento. Na última mexida, coloque o açafrão dissolvido na água e misture até que o  arroz fique todo amarelo. Coloque o restante da manteiga, mexa bem forte, apague o fogo e complete com o queijo. Pode ser acrescentado funghi secchi se gostar.

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