Já comentei com vocês
que eu adoro uma novidade?
Se não, já aviso que
novidades me atraem. Sobretudo quando elas vêm de terras cheias de estórias,
como a Rússia... Hoje encontrei uma receitinha de um doce bastante comum na
época natalina russa, a Kutia.
Kutia (ruso, кутья,
коливо, kutia, kolivo; ucraniano, кутя, коливо; polaco, kutia; servio, кољиво,
koljivo) é uma espécie de pudim doce feito com grãos de trigo servido na época
natalina nas culturas russa, ucraniana, lituana e polaca. A kutia é um dos primeiro
pratos servido na tradicional na ceia natalina dessas regiões, composta por
doze pratos.
Estes dozes pratos da
ceia natalina podem variar de região a região, mas entre os mais tradicionais
estão os seguintes 12 pratos, que no passado, representavam eles, os doze meses
do ano. No cristianismo, os doze apóstolos, discípulos do Divino Mestre que
anunciam a sua mensagem. Cada cristão deve anunciar o bem, testemunhando a
doutrina do Divino Mestre Jesus. Eis os pratos:
1 - «Kutiá» – grãos
de trigo cozido adoçados com mel, passas de frutas (uvas) e nozes ou castanhas
e sementes de papoula. O trigo representa a fartura, o progresso, o bem estar.
O mel, que a vida deve ser temperada com a alegria da saúde, do bem estar, na
amizade, na unidade familiar. Simboliza o trabalho do agricultor e das abelhas.
Também representa os entes queridos que faleceram. Elo entre os vivos e os
mortos.
4 - «Varének» –
espécie de pastel (tipo ravióli) que antigamente era recheado com repolho,
trigo sarraceno (mourisco), ameixas, geléias ou sementes de papoula. Embora o
recheio de batata com requeijão tenha se tornado popular entre nós, na ceia de
Natal era raramente usado, uma vez que para nossos ancestrais, há centenas e
centenas de anos atrás, a batata era desconhecida, chegando à Ucrânia somente
por volta dos séc. XVII e XVIII. Na região da Galícia (Ucrânia Ocidental) é
chamado de «perih», enquanto na Ucrânia Oriental «perih» é uma espécie de
pãozinho branco assado no forno contendo algum recheio.
5 - «Holubtsí» –
rolinhos de repolho - espécie de «charuto», com trigo sarraceno, cebola e
cogumelos, enrolado com folha de repolho. É cozido no vapor ou em «banho
maria». Na Ucrânia são preparados com folhas de repolho em conserva em virtude
da neve, sendo que em outras estações do ano são usadas folhas frescas de
repolho ou de beterraba.
6 - «Krujalkê» –
espécie de repolho cozido, temperado com água, sal e iguarias.
7 - Peixe em conserva.
7 - Peixe em conserva.
8 - Várias espécies
de pão, biscoitos de mel.
9 - «Kácha» – espécie
de cevada moída, preparada com iguarias.
10 - «Hrebê» –
espécie de cogumelos cozidos, preparados em forma de salada ou em forma de
molho, para serem consumidos junto com os demais pratos.
11 - «Kalatch» ou
«Kolatch» – pão doce – em algumas regiões com recheio de doces de frutas. O pão
representa a colheita do ano e é adornado com uma vela que iluminará a mesa e
deve permanecer sobre a mesma durante 3 dias.
12 - «Kompot» ou
«Uzvar» – compota feita das mais variadas frutas guardadas em conserva desde o
verão (cereja, ameixa, pêra, maçã, uva). Em algumas regiões é preparada com
bastante calda de forma que pode ser usada também como suco, substituindo as
bebidas alcoólicas.
E ainda temos outros
pratos: «kapusniák» (sopa de repolho), «perijkê» (pasteizinhos assados
recheados com repolho, ou com doces de frutas), pepinos e outros mais.
A ceia deve ser
preparada com produtos não gordurosos que possam representar a água, o ar e a
terra, pois ainda nos encontramos no período de quaresma «Pelêpivka». Ela só
encerra-se à meia noite, quando da participação de toda a família na Divina
Liturgia na igreja da comunidade.
Durante a ceia,
iniciam-se os cantos natalinos – «Kolhadê». Eles nos falam do nascimento do
Menino Jesus. A alegria deve ser contagiante neste momento da ceia. Cada um
saúda os presentes, iniciando uma «Kólhada». Elas continuam até o final da
ceia. É comum em todas as famílias deixar sempre um lugar a mais, preparado durante
a ceia. Este lugar pode representar algum familiar ou amigo que não tem a
possibilidade de estar festejando o Natal em uma família, bem como representar
aqueles que passaram desta terra para a eternidade: eterna é a lembrança deles
entre todos.
Quando todos terminam
a ceia, saem para a participação da liturgia na igreja da comunidade. Nada se
retira da mesa. Ela deve permanecer assim, pois a crença diz que os «ausentes»
virão tomar a sua parte na refeição da ceia.
Além dos pratos da
ceia natalina, que por si só já são um deleite a parte, as demais tradições
natalinas russas são curiosíssimas.
Todos sabem o que é o
Natal. Todos sabem porque se comemora o Natal. Mas nem todos o celebram da
mesma maneira, vejam: Na Rússia o Natal é festejado em 7 de janeiro, porque o
calendário juliano, seguido pela Igreja russa, distanciava-se, no século 20, 13
dias do calendário gregoriano, adotado no Ocidente. Cada século, o calendário
juliano aumenta um dia. Assim, no século 21, o Natal deveria a rigor ocorrer em
8 de janeiro, mas continua sendo celebrado no dia 7. Algumas igrejas orientais,
já adotam o calendário ocidental, por motivos práticos.
A Igreja ortodoxa
russa, tanto na Rússia, como fora dela, ainda adota o chamado velho estilo,
apesar dos inconvenientes óbvios para a celebração das grandes festas, como
Natal, Ano Novo, Epifania, Páscoa e outras. Na ceia da vigília de Natal, não se
come carne, mas iguarias próprias da festa principalmente não pode faltar o
pudim de trigo (ou arroz) com mel, chamado “kutia”, que simboliza a doçura do
Reino de Deus.
Em nenhuma casa pode
faltar a árvore de Natal, ornada com flores e velas, conforme um antigo costume
que o Czar Pedro, o Grande, tinha trazido da Holanda, no século XVIII.
A árvore de Natal (a
iolka) é a única árvore que se mantém verde e viçosa, quando todas as plantas
ficam adormecidas debaixo da neve. O Natal é também uma festa para as crianças,
por ser a manifestação de Deus como um menino. Em todas as comunidades,
organiza-se a festa da iolka para crianças, com presentes e cânticos natalinos,
chamados “koliady”.
Nos 12 dias que
seguem, chamados “sviátki” (dias santos), os párocos visitam e benzem as casas
dos paroquianos, compartilhando com eles a alegria do Natal. Todas as tradições
são religiosas. As cerimônias litúrgicas do Natal são longas e dificilmente as
pessoas poderiam acompanhá-las todas, mas esta dificuldade é contornada na
Rússia de hoje, onde as grandes festas são televisionadas.
Algumas igrejas, como
a grega, já adotam o calendário do novo estilo (ocidental) e muitas igrejas
russas no Ocidente, tendem a fazer o mesmo, mas convém lembrar que o Natal está
inserido em um ciclo litúrgico, não sendo possível celebrar só o Natal junto
com o Ocidente, sem alterar todo o calendário, com os quarenta dias de oração e
jejum, os dias imediatos da vigília e os dias posteriores. Para celebrar o
Natal no novo estilo, seria preciso adotar o calendário civil para todo o ano e
abandonar o juliano.
Como os países que
formavam o antigo império russo já estão hoje ligados ao Ocidente, certamente o
Santo Sínodo da Igreja Ortodoxa Russa acabará unificando o calendário. Para
isto terá que dar um salto (neste século 21) de 14 dias. Em países, como o Brasil,
as comunidades orientais acabam celebrando um duplo Natal, o do Ocidente, e o
do Oriente, já em pleno ano novo. Com esta duplicidade, é praticamente
impossível atravessar as festas de Ano Novo em oração e jejum na expectativa do
Natal de janeiro.
São Nicolau é o
Padroeiro da Rússia, dos marinheiros e das crianças, a figura benevolente que
traz prendas em 6 de Dezembro, 25 de Dezembro ou no dia 6 de Janeiro,
dependendo do país e da religião/cultura. Na Rússia a véspera de Natal
celebra-se dia 6 e os seguintes 12 dias são Dias Santos, para celebrar o
nascimento de Cristo, segundo o calendário Juliano.
São Nicolau é a
inspiração para o Papai Noel, e ele existiu em carne e osso. Nasceu em Mira,
Ásia Menor, cidade da qual se tornou Bispo, no século IV DC. Ficou ligado à
dádiva de prendas devido a muitas histórias da sua generosidade e filantropia,
enquanto distribuía sua considerável riqueza entre os pobres e em prol de
causas sociais. Em uma destas histórias, salvou três oficiais da marinha da
morte, aparecendo depois nos seus sonhos daí o nome do doce que se come em
Portugal nesta época (sonhos).
Originalmente,
davam-se as prendas no dia 6 de Dezembro, mas foi alterado quando no século IV
DC, o Papa Júlio I (337-352) fixou o dia 25 de Dezembro como o dia do nascimento
de Jesus, porque foi um dia que coincidia com a festa romana de Saturnália, e
as festas pagãos dos germânicos e celtas do Solstício do Inverno (21 de
Dezembro). Foi no século XIII que começou o hábito de construir presépios para
celebrar o nascimento de Cristo.
A Igreja Ortodoxa
depois mudou este festival para o Dia de Epifania (dia da adoração, 6 de
Janeiro), quando os Reis magos trouxeram presentes ao menino Jesus no estábulo
porque segundo o calendário Juliano, o Natal está desfasado do calendário
Gregoriano por duas semanas. É neste dia que se celebra o Natal na Rússia mas
quem traz as prendas é Ded Moroz (Avô Geada), e Snegoroushka (a Menina de
Neve). Ded Moroz é talvez o original Pai Natal, com sua barba branca e longa e
suas roupas compridas.
Na Rússia, a véspera
do Natal é celebrado com vários pratos típicos, com toda a família junta, e em
algumas casas, há lugares postos para os familiares que já morreram. A refeição
(A Santa Ceia) é grande, pois termina um período de jejum. Porém, não é costume
comer carne. A festa começa quando a primeira estrela aparece no Céu. Na mesa,
um pano branco, representando o pano que cobriu o menino Jesus. Algumas pessoas
colocam palha a volta da mesa, simbolizando simplicidade e uma vela é acesa na
mesa (Luz de Cristo). A árvore (yolka) é decorada antes da refeição.
Tradicionalmente, o
Pai da família reza a Oração do Nosso Senhor e diz "Cristo nasceu!"
Os familiares presentes dizem "Glorificam-no!" e a mãe faz o sinal da
cruz com mel em todos presentes, dizendo "Em nome do Pai, do Filho e do
Espírito Santo, que tenham doçura e muitas coisas boas na vida durante o ano
que vem". O grupo depois partilha o pão, que colocam no mel (doçura) e
depois em bocados de alho (amargura).
A Preparação
O Natal é a maior
festa, depois da Páscoa, porque celebra o mistério fundamental da fé, a
Encarnação do Verbo de Deus. Como na Páscoa, a preparação é de 40 dias de
oração e jejum, a Quaresma do Natal, ou Quaresma de São Felipe, porque começa
em 14 de novembro, festa do apóstolo Felipe. Na quaresma preparatória, a Igreja
celebra, principalmente em dezembro, os profetas do Antigo Testamento que
anunciaram o Messias. No domingo entre 11 e 17 de dezembro, são recordados, de
modo especial, os santos patriarcas que aguardavam a vinda do Salvador. No
domingo entre 18 e 24 de dezembro, são comemorados os antepassados de Jesus,
mencionados nos Evangelhos. Ao se aproximar a festa, a liturgia envolve as
pessoas na atmosfera de expectativa do enternecedor mistério de Deus, que vem
habitar entre nós.
A grande vigília
A partir de 20 de
dezembro, a preparação torna-se mais intensa, com uma vigília de 5 dias. Na
véspera do Natal, chamada “sotchélnik”, intensifica-se o jejum, que dura o dia
inteiro até nascer a primeira estrela no céu.
Três grandes cerimônias
são celebradas: a primeira é o Ofício das Horas Imperiais, assim chamadas,
porque eram celebradas com a presença do Imperador e da corte imperial e também
por causa do esplendor de que a cerimônia se reveste.
O Ofício é celebrado
no centro da igreja, com o Evangelho exposto em lugar de destaque e com as
portas da iconostase abertas, porque o Salvador não está mais oculto, como
outrora na gruta, mas raiou como sol resplandecente para todas as nações. As
leituras bíblicas do Ofício introduzem as pessoas no clima de Natal e são
intercaladas com poemas litúrgicos de rara beleza. A segunda cerimônia é o
Ofício de Vésperas Solenes unidas com a longa Liturgia de São Basílio.
A terceira cerimônia
é a Grande Vigília noturna, que consta das Completas Festivas com a cerimônia
da Litiá (bênção dos pães) e o tradicional cântico Deus está conosco e, logo a
seguir, o Ofício das Matinas com o cântico do tropário e konákion, que as
pessoas conhecem de cor, na melodia tradicional, que se repete inúmeras vezes
durante todo o período de Natal, até a próxima grandiosa festa da Epifania
(Bogoiavlênie), com a bênção das águas. Nas Matinas, uma parte proeminente é o
cântico do Cânon, longo poema litúrgico de nove odes, referentes aos cânticos
do Antigo Testamento, mais o Magnificat (9ª ode). No Natal existem dois
cânones, o do santo poeta Cosme de Maium e o do outro santo poeta João
Damasceno.
O dia de Natal: Cristo nasceu: glorificai-o!
Na Manhã de Natal, a
Liturgia (a Missa) é celebrada com uma solenidade só igualada à da Páscoa. No
final da Liturgia, celebra-se o Moleben ou Ofício com o cântico Deus está
conosco, que, nas igrejas russas, é o ofício de ação de graças pela libertação
da Rússia da invasão napoleônica em 1812.
A teologia do Natal
faz a comparação entre o primeiro Adão, da queda e do pecado, com o Segundo
Adão, Jesus, da regeneração e da graça. O Natal estabelece o paralelo entre o
causador da morte e o restaurador da vida. A festa teria sido introduzida em
Constantinopla pelo imperador Arcádio (377), vinda da Igreja de Roma, onde
tinha substituído a festa pagã do Sol invicto e se tornou popular, graças à
eloquência de São João Crisóstomo, e à poesia de Santo Efrém, o Sírio.
São João Crisóstomo
proclama:
“Hoje é a festa da
alegria geral, porque nasceu o Salvador, que é Cristo, o Senhor (Lc 2:10-11).
Alegram-se hoje os céus e a terra; alegra-se toda criatura, porque o Salvador
nasceu em Belém, porque cessou toda a maldade e Cristo reina para sempre...
Aquele por quem os antepassados tanto suspiravam, e que os profetas
prenunciavam e os santos desejavam ver, hoje se manifestou. Deus apareceu na
terra, na carne, e veio habitar entre os homens”.
O santo poeta Efrém,
o Sírio, diz em uma palestra sobre o mistério do Natal:
Hoje raiou o dia da
bondade: que ninguém se vingue do seu próximo por ofensas recebidas; chegou o
dia da alegria: que ninguém seja culpado de tristeza e ofensa ao seu próximo.
Este é um dia de céu
claro e sem nuvens: que seja refreada toda a ira que atormenta a paz e a
tranquilidade... Este é o dia em que o Senhor de toda a riqueza tornou-se pobre
por amor de nós.
Interessante ou não?
De toda forma que tal preparar uma Kutia para experimentar neste Natal?
Kutia
Tradicional
1/2 kg de trigo em grão
mel a gosto
50 grs de uvas passas
50 grs de semente de papoulas
nozes moídas e inteiras para decorar
Preparo: Coloque os grãos de
trigo de molho por 2 horas. Coloque em panela de pressão com bastante água e
leve a cozinhar até amolecer, escorra e depois de fria acrescenta-se mel
agosto, sementes de papoula, passas e nozes moídas.
Kutia
estilizada
200g de grãos de trigo
10g de sementes de papoula
100g de nozes picadas
100g de amêndoas picadas
50g de passas embebidas em 70ml de rum/cognac
baunilha (em pó ou essência)
suco de 1/8 a ¼ de limão
1 lata de leite condensado
½ lata de creme de leite
Opcional: 2 ou 3 doses pequenas de bebida
destilada (rum, whisky, gin)
Pode-se ainda adicionar avelãs ou frutas
cristalizadas/secas (como figos, tâmaras).
Preparo: Lavar os grãos de
trigo e deixá-los de molho em água por cerca de 2 horas. Escorrer a água. Colocar
em uma panela com água e deixar ferver por cerca de 15 minutos. Deixar esfriar
por mais ½ hora e depois passar na escorredeira. Colocar água fervente sobre as
sementes de papoula, levar ao fogo e deixar levantar fervura. Apagar e deixar
de molho por 1 a 2 horas. Passar por uma peneira. Espremer um pouco as
sementes. Em um recipiente, misture o leite condensado, o creme de leite, o
limão, as passas com o cognac, a baunilha e o destilado (rum, gin, etc.),
ajustando o creme a seu gosto. Adicione as nozes e amêndoas picadas e as
sementes de papoula. Mexa bem e deixe em geladeira por 1 a 2 horas.
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