Eu
estou adorando minhas pesquisas sobre o Natal pelo mundo. Tanto que hoje haverá
mais um post dedicado a este assunto. Desta vez o lugar de onde vem nossas
delicias natalina está localizado na América do Sul, mais precisamente na
Colômbia.
Esta
postagem, inclusive será dedicada a Candido Prunes, um amigo a quem eu já devia
a dedicação de um post pelas ajudas e informações formidáveis. Ele, estes dias,
esteve em Bogotá, de onde trocamos alguns e-mails falando sobre comida
bogotana.
Daí
veio a inspiração para o post de hoje.
Acontece que este homem já me deu outros motivos para outros futuros posts, é
uma das minhas atuais fontes de inspiração, quase uma biblioteca humana, e que
tem me instigado a continuar com uma pesquisa dificílima (por falta de fontes)
- estamos tentando descobrir um mistério culinaríssimo: o menu servido no
casamento do Imperador Primeiro do Brasil. Contudo o ano está acabando e até
agora não conseguimos o que desejávamos e este assunto ficará para 2013. Mas
este post será então dedicado a você, Cândido, como forma de agradecimento
pelos papos sobre cultura gastronômica. Mas vamos ao que interessa.,,
No
Natal a gente quer sempre uma coisinha diferente pra oferecer nas festas e
reuniões e a culinária de outros países é sempre uma boa inovação. E quando a
gente encontra uma receita fácil e prática parece que o universo conspira para
que a preparemos nestas ocasiões. E
justamente por isso que hoje trataremos da Natilla e dos Buñuelos – dois pratos
típicos do Natal colombiano.
De acordo com informações documentadas no século XIV, os agarenos andaluzes preparavam hojuelas (espécie de filhós) com farinha de trigo, ovos e queijo, fritos em azeite e que depois eram envolvidas em mel. Essa receita "sulamita" se infiltrou nos conventos e tornou-se cristã para ir para as mesas de Castilla (Castela) e depois para o Novo Mundo, com os escudos e os bacamartes dos conquistadores.
Como nos trópicos tudo era transformado, las hojuelas importadas chegaram na América e tornaram-se buñuelos de aire (bolinhos de ar) e trocaram o escasso e caro trigo por farinha de milho. O buñuelo não aparece sozinho, geralmente vem acompanhado de uma bebida, como amante infiel em busca de formar casal pro toda parte. Por vezes acompanha o kumis ou o vemos servido com café com leite. Mas no Natal os buñuelos se casam com a Natilla em um casamento que tem dado certo.
Para
quem não conhece e ficou querendo saber o que é Kumis, veja: Kumis é um leite
de égua acidificado e fermentado, muito apreciado em toda a região da Ásia
Central. Também é assim chamada quando preparada a partir do leite de camelo ou
de mula. Há registros da existência da bebida desde o século V a.C., tendo sido
mencionada pelo historiador Heródoto.
O
nome é derivado de uma tribo que habitava a região do rio Kuma, no sudoeste da
atual Rússia, próximo ao Mar Cáspio. É uma bebida refrescante, que contém de
0,6 a 2,5% de álcool etílico e 0,7 a 1,8% de ácido lático. O preparo pode durar
entre 3 e 21 dias. Por possuir uma propriedade efervescente, pode provocar a
quebra do recipiente, tornando o kumis pouco adequado ao transporte entre
longas distâncias. O Kumis pode ser encontrado hoje em quase todo o mundo.
Especialistas
dizem que a natilla foi desenvolvida nos conventos espanhóis e franceses nos
tempos medievais. Os frades além de rezar se dedicavam a boa comida, e
combinaram leite açúcar e farinha de trigo o que resultou num creme nutritivo e
fácil de preparar, que atingiu as mesas dos reis - e mais tarde ainda tornou-se
melhor.
A
natilla cruzou o Atlântico, tornou-se mais suave com o amido de milho, e sua
cor ficou mais intensa quando se usou açúcar mascavo, ganhou ainda um sabor sensual com os paus de canela
e por estas terras tropicais se agregou aguardente para aromatizar.
A
natilla e os buñuelos fazem parte da surpreendente cozinha sul americana; a
natilla é mais recatada, se resigna a ser parte do dueto servido no natal ou
como flan que acompanha a sobremesa da refeições caseiras do cotidiano, mas o
buñuelo é exibido e cosmopolita, em Bogotá, por exemplo, fala de uma “Ruta del
buñuelo”, onde os buñuelómanos desfrutam com preparações deste bolinho de todos os tipos e para todos os bolsos.
O
duo natilla e buñuelos é tão famoso
quanto a Bolívar e Manuelita, ou
Napoleão e Josefina, e não faz distinção de mesas, podem ser vistos nas
carrocinhas de ruas e nos restaurantes finos, nas casa humildes ou nos
palácios.
Em tempos não muito longes toda a família participava na preparação desse delicioso, hoje tudo mudou, se vendem pacotes com misturas industrializadas.
Em
alguns casos as receitas das avós que preparavam estas duas delícias, cujos
segredos eram transmitidos de geração em geração, estão perdendo espaço para as
misturas industrializadas, mas não perdeu-se o costume da troca de bandejas,
que passa de casa em casa levando os sabores únicos e o toque especial do
carinho de cada família impresso na natilla e no buñuelos que vai desfilando em
cada prato.
Resgatando a origem dos buñuelos
A
América reinventou o buñuelo, que está em construção desde a Grécia antiga e o
Império Romano. Esta é uma agradável revisão de uma guloseima de sal que todos
nós amamos e que comemos principalmente na época do Natal.
Em
1856, José Manuel Groot, o historiador e tradicionalista de Bogotá, publicou um
artigo sobre “costumbres de antaño” (os costumes de outrora), no qual lembra
como em Bogotá, no Natal, era quase obrigatório enviar aos amigos buñuelos
untados com mel de Tierra Caliente. De acordo com uma versão posterior, os
proprietários de terras, que faziam negócios com os conventos, enviaram um ou
dois carregamentos a cada um para "adoçar as contas com os
provincianos".
O
povo de Antioquia tinha o buñuelo como um de seus petiscos preferidos, e
Gregorio Gutiérrez González, em sua Memoria sobre el cultivo de maize,
incluiu-o nos versos:
Y
el mote, los tamales, los masatos,
El
guarrús, los buñuelos, la conserva...
(E
o mote, os tamales, os masatos,
Guarrús,
buñuelos, conservas ...)
O
costume de enviar doces era antigo: desde que os espanhóis chegaram a Bogotá,
os buñuelos serviam para corromper os patrões. Segundo o cronista Juan de
Castellanos, Hernán Pérez de Quesada, "um homem sensual e efusivo",
foi subornado enviando mulheres amorosas "na cor de uma mensagem ou com
algumas guloseimas como buñuelos, hojuelas ou bolos, dos quais eles foram
grandes oficiantes”. Os homens de Belalcázar, segundo Castellanos, trouxeram do
Peru "homens e mulheres amorosos, que deram aos seus senhores, na cama e
em outros ministérios", e assim conseguiram que os governantes entregassem
índios e terras.
Os
Buñuelos continuaram a aparecendo em crônicas e literatura nacional daquele
país. Em María, de Jorge Isaacs, a empregada, Salomé, destaca-se pela
capacidade de “fritar buñuelos, fazer pandebono e temperar a geleia”. E em El
Zarco, de Tomás Carrasquilla, aparecem também como comida de festa de Natal:
“Aqui rangem os buñuelos, ali rebenta o pudim; aí a iguaria branca coalha”.
O
buñuelos é um bolinho frito, uma iguaria muito antiga. O Rei David, depois de
consagrar o tabernáculo, distribuiu a todo o povo de Israel "flor de
farinha frita em azeite", que segundo o tradutor espanhol da Bíblia do
século XVIII, Felipe de San Miguel, era "uma espécie de buñuelo".
Também na Grécia, segundo Galeno, no tempo de Aristóteles, eles tomavam o desjejum
com tagenites, uma massa de farinha de trigo com coalhada, frita em óleo.
A
descoberta da agricultura abriu caminho para os buñuelos e outros tipos de
bolinhos fritos: os europeus do Mediterrâneo, os babilônios, os egípcios e
israelitas, os persas e os árabes, os gregos e os romanos, já há mais de 5.000
anos, aprenderam para cultivar trigo e domesticar vacas e cabras, com cujo
leite faziam queijo. A mistura da farinha de trigo com queijo (ou a coalhada)
deu uma massa ideal para fritar no azeite obtido, na primavera, das azeitonas.
E para comer as massas fritas e evitar seus humores, Galeno recomendou
adicionar alguns sabores adocicados ou aromáticos: mel de abelha, por exemplo,
ou xaropes que se misturavam com sabores de frutas como laranja ou limão, ou
especiarias como manjericão e canela, ou nozes moídas. Essa construção de
sabores faz sentido pra você?
Por
isso, não é de estranhar que em Roma, há 22 séculos, Marcus Publius Cato, em
seu livro De Agri Cultura, incluísse várias receitas de bolinhos de trigo,
entre elas a receita para buñuelo, neste caso quando ainda eram chamados
“globi ou globos”:
Globos sic facito. Caseum eum alica ad eundem modum misceto. Inde quantos voles facere facito. In ahenum caldum unguen indito. Singulos aut binos coquito versatoque crebro duabus rudibus, coctos eximito, eos melle unguito, papaver infriato, ita ponito.
Quer
dizer: “É assim que eu faço globos. Eu misturo quantidades iguais de farinha de
trigo com queijo. A seguir, preparo os que quero e coloco em uma panela com
óleo quente, um ou dois de cada vez. Eu os viro várias vezes com duas varas.
Quando estão cozidos tiro-os, passo mel e caroço de papoula e é assim que os
sirvo ”.
Esses
fritos foram generalizados em todo o Mediterrâneo, foram incluídos em livros de
receitas medievais, como o de Apício, e acabaram na dieta espanhola,
influenciadas principalmente pelos andaluzes e árabes. Assim, os conquistadores
da América, ocupando este continente no século XVI, e tentando preservar seus
costumes europeus, tentaram fazer buñuelos. Eles encontraram, no entanto, três
deficiências graves: na América, os povos indígenas não tinham trigo, queijo e
nem óleo para fritar.
O
queijo não era problema: na própria Europa, a massa frita de trigo era amassada
com água ou com ovos, o que dava texturas especiais: mais quebradiças e finas,
como flocos ou folhados, que ainda eram chamados de buñuelos em muitas regiões
espanholas e Europeias; ou ainda em massas mais inflada, cheia de ar, graças às
claras batidas em neves que eram incorporadas na massa. Assim, produziram-se
alguns bolinhos chamados "bolinhos do vento" (“buñuelos de viento”),
que Cervantes comparou com as obras de muitos escritores, capazes de fazer
peças muito vistosas mas em que só havia ar (o que provocou a conhecida
resposta do Carrasco, que não existe um livro ruim que não tem pelo menos uma
coisa boa).
Na
América, muitos "buñuelos" seguiram a opção do trigo e dos ovos (como
na Venezuela, Peru, México, Argentina e, até no Brasil, onde o bolinho de chuva
é bastante conhecido. Enquanto na Nova Granada os bolinhos permaneceram fiéis
ao uso do queijo.
O
óleo foi substituído na América tropical pela banha, mas o fundamental foi a
troca da farinha substituída: devido à falta de trigo, que era plantado, mas
não era produzido perto de Bogotá e Tunja, a farinah de milho foi incluída pois
havia abundância de milho.
Assim,
a farinha de milho substituiu a farinha de trigo, e o buñuelo, do século XVI,
provavelmente era muito semelhante ao que conhecemos hoje na Colômbia, feito de
milho e queijo e frito na banha. A farinha de milho, feita com um processo
trabalhoso que exigia ferver o grão, empilhá-lo e moê-lo muitas vezes com uma
pedra, foi substituída desde a segunda metade do século XIX por um produto
industrial que oferecia uma farinha fina e lisa, ideal para fritar e para uso
culinário diverso: a Maizena, que já é mencionada nos livros de culinária de
Nova Granada do início do século, como o “El manual práctico de cocina”, de
1907, e que em meados do século XX pôs à venda misturas especiais que permitiam
fazer bolinhos sem risco de imperfeição. E quando a banha de porco “foi dita
como prejudicial à saúde” foi substituída por óleos vegetais, nos quais todos
os “fritos saudáveis deste mundo são agora fritos”.
Desta
forma, o buñuelo foi um dos produtos emblemáticos da miscigenação alimentar:
uma fritura do velho mundo que se adaptou ao novo, trocando o trigo pelo milho
e usando manteiga e queijo obtidos de animais trazidos pelos espanhóis. Além
disso, era um produto que em sua versão americana era muito popular, como Tomás
López Medel comentou em seu Tratado dos três elementos, de 1570: “Os espanhóis…
também fazem muñuelos de muitas maneiras e
hojuelas e empanadas, porque as mulheres do mundo por aqui, são gulosas
por doces e em todos os lugares se tornam mestras para isso e muito mais; de
maneira que daquele milho que aqui nos parece bárbaro, inculto e sem dons, os
nossos espanhóis recebam ali tantos ou mais presentes e delicadezas como do
trigo ”.
E
os espanhóis e seus descendentes colombianos, que rejeitaram todos os costumes
indígenas e sempre os viram como selvagens e ignorantes, pelo menos aceitaram
boa parte de suas refeições, a começar pelo milho, enquanto índios e mestiços
se apaixonaram pelos produtos espanhóis; ao doce da cana, ao queijo, aos
panderos e roscones, ao arequipe e ao manjar branco, e aos fritos como o
buñuelo ou las hojuelas.
Se
voltarmos à receita original de Cato, vemos que se unta os “globos” (buñuelos)
com mel de abelhas ou sementes de papoula moídas. Este costume foi mantido
nestes 2.200 anos, embora com algumas modificações. Em vez da papoula, passou a
ser comum usar canela em pó, e xaropes, feitos de açúcar de cana com todos os
sabores e aromas de frutas, substituíram o mel de abelhas para untar o buñuelo.
Esse foi um dos motivos da grande variedade de buñuelos nos livros de culinária
de Nova Granada. No El Estuche, publicado em Bogotá em 1878, há 22 receitas
diferentes para buñuelos, e no Manual práctico de cocina de Elisa Hernández de
1907, há 32 receitas diferentes.
Hoje,
na Colômbia, fazer buñuelous no Natal é uma oportunidade múltipla: por um lado,
como no século XIX, são uma ocasião festiva, que pode ser desfrutada com a
família ou amigos, em que cada hóspede acrescenta os seus bolinhos ao azeite e
espera para começar a virá-los, como fazem se a temperatura do óleo estiver no
ponto certo, ou ajudam a virar com um pauzinho, como também era feito na
receita romana antiga. Em segundo lugar, muitos xaropes diferentes podem ser
preparados, os quais podem dar sabores especiais: de frutas ácidas, como goiaba
ou limão, ou de frutas locais, como tomate de árvore, ou de plantas aromáticas
como hortelã, hortelã-pimenta, erva-doce ou anis.
Terceiro,
reunir-se com amigos no Natal pode ser uma oportunidade para ensaiar buñuelos
inesperados. E veja, esses bolinhos ficaram tão perfeitos que a receita de mais
de dois milênios ainda não exige alterações. Mas, em pleno século XIX há muitas
experiências e, em países europeus como França e Alemanha, os bolinhos podem
ser fritos com recheio de pedaços de frutas. Existem bolinhos recheados com
maçã e Pêra, que ainda podem ser comprados em New Orleans como beignets (que,
como todos os bolinhos fora da América Latina, são feitos com farinha de
trigo). E você pode experimentar outros tipos de recheios, como marisco (polvo,
camarão, amêijoa), ou torresmos, ou banana frita, ou coisas semelhantes. Ou
substituir, como em Cartagena, a farinha de milho pela farinha de feijão, visto
que permanecem, como dizia Manuel María Madiedo em Nosso século XIX, “tão ricas
ao paladar quanto agradáveis à vista”.
A
infinidade de possibilidades permite que uma receita simples tenha muitos
aromas e sabores. A dica é se aventurar nos testes. Vai fritar uns buñuelos.
3
xícaras de leite integral
1 copo
de amido de milho
1
xícara de leite de coco
½
xícara de coco ralado
2 paus
de canela
1 lata
de leite condensado
½
colher de chá de essência de baunilha
1/3 de
xícara de açúcar ou a gosto
1
pitada de sal
1
colher de manteiga
Canela em pó a gosto
Preparo: Coloque uma xícara de
leite em uma tigela pequena, adicione o amido de milho e mexa para dissolvê-lo.
Coloque o leite de coco e coco ralado no liquidificador e bata até ficar
homogêneo. Coloque o restante do leite e paus de canela em uma panela média e
le a mistura ao fogo médio. Quando o leite estiver quente, mas não fervente,
adicione a mistura de coco. Quando o leite começar a ferver, adicione o leite
condensado, açúcar e sal. Mexa bem com uma colher de pau. Adicione a mistura de
leite e amido de milho e continue mexendo constantemente. Adicione o extrato de
baunilha. Reduza o fogo e continue mexendo até engrossar o Natilla, cerca de
2-4 minutos. Adicione a manteiga, misture e retire do fogo. Descarte os paus de
canela. Coloque a mistura em uma travessa ou em taças individuais. Polvilhe
canela em pó na parte superior e deixar arrefecer à temperatura ambiente
durante pelo menos 1 hora. Leve à geladeira até a hora de servir. DICA:
substitua o leite condensado por açúcar mascavo e a natilla ganhara um toque
mais rustico.
3/4 de
xícara de amido de milho (Maisena)
1/4 de
xícara de polvilho (amido de mandioca)
1
xícara de queijo costeño colombiano (ou use queijo cotija, ou gottage)
1/2
xícara de queijo fresco de sua preferencia
2 ovos
grandes
1/2
colher de chá de fermento em pó
Duas
colheres de açúcar
1/4
colher de chá de sal
1
colher de sopa de leite
Óleo para
fritar
Preparo: Misture todos os ingredientes, menos o óleo, em uma tigela média e mexa muito bem com as mãos até obter uma massa macia e maleável. Deixe a massa descansar por 5 min na tigela e forme bolas de 2 cm de diâmetro. Em uma panela funda, aqueça o óleo vegetal até que comece a soltar fumaça e abaixe o fogo para médio. Com muito cuidado coloque as bolas no óleo quente. Frite até que os bolinhos estejam dourados. Retire do óleo e escorra o excesso, servir como desejar – sem coberturas, ou com mel, xaropes ou o que a criatividade permitir.
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