Caríssimos Confrades,
Saúdo-lhes neste
inicio de 2013. Peço-lhes desculpa pela ausência, mas muitas coisas
aconteceram... a “força das coisas” impediram-me de estar on line. Mas o
importante é que estou de volta, para que possamos continuar nos divertindo com
histórias deliciosas. Assim, desejo-lhe de antemão que os mais refinados aromas
perfumem suas vidas e que a força do nosso conteúdo gastronômico transborde o
seu paladar com delicadeza, lhes oferecendo não só o deleite da boa mesa, mas
que possa lhe refestelar com mais cultura.
O ano de 2012 mal
acabou e eu já entrei no ano novo cheio de pensamentos audaciosos, aos quais
pretendo programar ações para pô-los em prática a partir de agora. Isso tem
explicação: antes do ano de 2012 acabar eu já percebia de uma forma mágica o
impacto da “Força das Coisas” sobre mim – nunca tinha parado para observar tão
profundamente isso nos anos anteriores... Minha vida não tem sido fácil de
certos anos pra cá – mas o lado bom de tudo o que aconteceu é que eu tenho
aprendido muito com isso. Evoluí com certeza... A “Força das coisas” parece um
feitiço: quando impregna em você é difícil de largar. E talvez precise de outro
feitiço para te deixar leve, te deixar bem – de certo que a alquimia da
gastronomia pode ajudar, pode servir como tratamento para o impacto da “força
das coisas”.
Somente neste
instante me dei por conta que a expressão que estou usando (“a força das
coisas”) serviu também como mote e como titulo homônimo para a criação de uma
obra literária a qual muito aprecio “A Força das Coisas”, que foi escrita por
Simone de Beauvoir, mulher admirável pela inteligência, cheia de atitudes
peculiares e que, dentre outras coisas acreditava que uma pessoa pode conhecer
um país por seus sabores.
A Força das Coisas é a terceira parte da trilogia de
memórias escrita por Simone de Beauvoir (as duas primeiras partes são Memórias
de Uma Moça Bem Comportada e A Força da Idade). Simone de Beauvoir escreveu
ainda outro livro de memórias, cronologicamente posterior a esta trilogia,
chamado A Cerimônia do Adeus, onde conta os últimos anos da vida de Sartre
Pensando em Simone a
receitinha de hoje “Frango assado com molho Piri-Piri” não terá sua história
explicada – acredito que ela seja melhor experienciada para que se perceba um
dos muitos sentidos que “A Força das Coisas” possui.
Essa minha percepção
mais ampla sobre a “força das coisas me faz acreditar que este ano será
diferente! Embora muita gente sempre pensa nisso quando um ano novo chega. O
que me faz ter esta certeza é o poder da “força das coisas” está me mostrando:
as respostas do Universo estão chegando mais rapidamente; o magnetismo esta
diferente; eu estou diferente – e logo, dentro de alguns meses estarei também
mais velho, mais maduro, mais forte. Aliás, pensando na força e no peso da
idade Simone de Beauvoir teceu um comentário ao qual muito me identifico que
diz assim:
A impressão que eu
tenho é de não ter envelhecido embora eu esteja instalada na velhice. O tempo é
irrealizável. Provisoriamente, o tempo parou pra mim. Provisoriamente. Mas eu
não ignoro as ameaças que o futuro encerra, como também não ignoro que é o meu
passado que define a minha abertura para o futuro. O meu passado é a referência
que me projeta e que eu devo ultrapassar. Portanto, ao meu passado eu devo o
meu saber e a minha ignorância, as minhas necessidades, as minhas relações, a
minha cultura e o meu corpo. Que espaço o meu passado deixa pra minha liberdade
hoje? Não sou escrava dele. O que eu sempre quis foi comunicar da maneira mais
direta o sabor da minha vida, unicamente o sabor da minha vida. Acho que eu
consegui fazê-lo; vivi num mundo de homens guardando em mim o melhor da minha
feminilidade. Não desejei nem desejo nada mais do que viver sem tempos mortos.
- Trecho da Peça VIVER SEM TEMPOS MORTOS, inspirada na correspondência de
Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre.
De inicio pode
parecer um texto austero. Mas a doçura das emoções está gravada nas
entrelinhas. A “força das coisas” está aí dentro, embutida, lustrando os
sentimentos e dando muita carga (positiva ou negativa) as palavras. Por isso
pare um instante, sinta a “força das coisas” na sua vida, veja a intensidade
das emoções, descubra o que ela pode lhe oferecer, mude. Pois há sempre uma
nova emoção a destilada, melhorada, que vai lhe fazer um bem enorme – é neste
momento em que o divino aparece e deixa-lhe no êxtase, na graça, no gozo.
Simone de Beauvoir
bem soube apreciar isso ao que me refiro no parágrafo anterior. Na sua vida ao
Brasil pelos idos de 1960 ela vivenciou a “brasilidade” e deixou registradas as
emoções que ela concretizou por aqui: Foi quando o existencialismo descobriu a
saudade! Naquela ocasião Simone de Beauvoir veio ao Brasil acompanhada por Jean
Paul Sartre e foram recebidos por Jorge Amado e Zélia Gattai que, durante um
mês, apresentaram algumas das faces do Brasil para os olhos ilustres dos
intelectuais franceses.
É sabido através da
leitura dos escritos de Simone de Beauvoir que Jorge Amado conquistou ainda
mais a simpatia de Simone quando resolveu apresentar para ela muitos dos
sabores do Brasil. Diz-se que inicialmente ele apresentou iguarias bastante
conhecidas nossas como suco de caju, cacau, maracujá, feijoada, feijão
mulatinho, mandioca, batata-doce, carne seca, rapadura, caipirinhas e batidas
variadas… E eu devo ressaltar que Jorge Amado comungava com a premissa de
Simone quando ela dizia que uma Nação poderia ser conhecida pelos seus sabores;
enquanto Sartre melindrava-se nestas ocasiões e evitava estas discursões porque
era sensível a sabores fortes o que lhe deixava ‘confortável’.
A “força das coisas”
é tão implacável que agora mesmo ela está agindo sobre mim. Está aguçando meu
lado profissional de turismólogo (o que de fato sou por formação) se manifestar
para descrever o roteiro que as personas desta história percorreram. Não posso
fugir disso.
Foi durante seu
período de exílio em Paris (entre 1948 e 1950) que Amado conheceu Simone e
Sartre. De volta ao Brasil em 1960 Amado
os convidou para conhecer estas terras que já havia sido motivo de tantas
outras conversas nos tempos passados. Sabe-se que foi num avião com um trem de
pouso que persistia em não funcionar, após uma viagem complicada e repleta de
conexões turbulentas, os visitantes franceses chegaram na cidade do Recife.
Talvez com esta situação estressante da longa jornada de voo as primeiras
algumas emoções dos pensadores franceses ficaram evidentes: 1) o milagre do
avião ter conseguido pousar com todos vivos; e 2) o sentimento de alívio de
encontrar na imensidão de curiosos que os esperava no aeroporto, uma imagem
familiar e hospitaleira – representada pela pessoa de Jorge Amado, que lhe
esperava em meio a multidão). Estas duas constatações podem parecer banais, mas
foram importantes para expressar as impressões iniciais de Simone quanto a sua
chegada na “terra brasilis”. Prova disto é que pode ser encontrado nas memórias
de Simone o seguinte comentário: “Compreendemos com satisfação que Amado, que
viera especialmente para nos receber, iria servir-nos de guia pelo menos
durante um mês”.
A viagem pelo Brasil
começou a partir do aeroporto de Recife, e as emoções acabaram transformando os
planos de Simone e Sartre – que vinham ao Brasil com propósitos políticos (eles
queriam discutir dentre muitas outras coisas suas impressões sobre as
realizações da Revolução em Cuba: e sobre os crimes que a França cometia para
reprimir as forças que lutavam pela independência da Argélia). Porém a viagem
tonou-se “menos austera e mais divertida” com a ideia que Jorge Amado teve de
esquecer um pouco da política montando
com a ajuda de Zélia um roteiro de viagem onde a cultura brasileira
esteve sempre em primeiro plano. Amado, de acordo com as memórias de Simone,
tinha gosto pelas “coisinhas boas da vida”: as comidas, as paisagens, as
conversas e o riso – e isso deu o tom da viagem.
O roteiro tinha de
tudo: de visitas ao Candomblé, às praias de Copacabana e Ipanema, à Belo
Horizonte e à. São Paulo – esta última, de acordo com Simone “não era bonita,
mas transbordava de vida”. Nos mercados populares a variedade de aromas e
mercadorias bem como dos tipos humanos
peculiares (como diria Simone: “espíritos mais maliciosos do que
malignos”) encantavam os olhos do casal
francês. Ainda visitaram muitas igrejas, plantações de cacau e café nas
fazendas nordestinas. Deslocaram-se ainda para Brasília e para o Rio de
Janeiro. Tiveram encontros Juscelino Kubitschek e com Oscar Niemeyer. Estiveram
também numa tribo indígena no Mato Grosso – neste evento, estiveram sem a
companhia de Jorge Amado porque este não gostava de aviões, tendo ficado em
Brasília enquanto os amigos e a esposa embarcavam num daqueles teco-tecos de
antigamente.
Em Brasília, com a
volta da viagem pela tribo indígena, os casai se separaram e Simone e Sartre
seguiram rumo a Belém e Amazônia – recomendações de viagem feira por Claude
Lévi-Strauss – e, então, ainda retornaria para sua segunda visita a Havana, em
Cuba.
A partida foi
comovente, “depois de seis semanas de tão bom relacionamento, era difícil
imaginar que só os reveríamos muitos anos depois, ou talvez nunca mais”,
registrou Simone em suas memórias. È neste instante que a “força das coisas”
reaparece para mostrar que, depois de uma longa e jornada com os amigos
brasileiros, tendo vivenciado o Brasil Continental com suas distintas fases, a
separação dos casais naquele instante elucidou para Simone um aspecto peculiar da
cultura brasileira que ela ainda desconhecia: a saudade.
A partir de então uma
saga se constrói: a partir de Belém ou de Manaus, Simone e Sartre não podiam
retornar imediatamente à França (provavelmente pela falta de voos para tais
destinos) e a viagem rumo a capital cubana acabou repleta de problemas geridos
pela burocracia. O casal francês
aparentemente dolorido pelos maus-tratos da solidão, do clima, da falta de
companhia para conversas e passeios tentou, através de telegramas, entrar em
contato com Amado e Zélia – mas sabe-se que os telegramas nunca chegaram.
Somente semanas depois, na viagem rumo a Havana, desembarcaram novamente no Rio
de Janeiro. Estava aparentemente exaustos, tristes e com a nuvem negra da
preocupação pairando sobre suas cabeças. Até que avistaram o “Embaixador da
Saudade e Obá de Xangô”, Jorge Amado, e a “força das coisas” trouxeram outros
sentimentos que fizeram daquelas amizades mais sinceras, mais humanos, mais
fortes, menos política.
Um momento
emblemático, dentro os muitos que esta viagem representou foi registrado na
imagem abaixo – e trouxe outro turbilhão de emoções:
Simone de Beauvoir,
Jean-Paul Sartre, Zélia Gattai e Jorge Amado com Mãe Senhora, em Salvador,
Bahia. Agosto, 1960. Foto: Fundação Casa de Jorge Amado.
A foto tirada em
agosto de 1960 evidencia o cicerone comunista brasileiro (Amado) e sua esposa
(Zélia) acompanhados dos existencialistas franceses (Simone e Sartre) na
companhia de Mão Senhora. Mostra a imagem outra parcela das muitas faces que a
“força das coisas” pode apresentar aos homens – neste caso, em particular,
elucida o acolhimento dos existencialistas pelo candomblé. O que foi no mínimo
interessante se considerarmos que Simone era católica por formação e Sartre um
ateu convicto e, que depois da consulta espiritual saíram de lá, como diretamente registou Simone: “Sartre era
Oxalá, e eu, Oxum”. A profundidade que esta imagem traz mostra a capacidade que
a “força das coisas” tem para transpor diferenças ideológicas e culturais e que
puderam trazer uma libertação para a dominação do cotidiano.
Mas a “força das
coisas” pode lhe ser perceptível por muitos meios: numa simples conversa com um
desconhecido; na rua, mediante uma cena que você não esperava acontecer; no
supermercado, numa briga; durante o amor, ou mesmo durante o ódio. O importante
disso tudo é a necessidade de você perceber exatamente o que a “força das
coisas” quer que você veja. Aí pode estar o seu rumo, menos complicado, mais
direto e claro. As vezes poder um choque. Mas tudo passa. É questão de
adaptabilidade – como tudo na vida.
Neste exato momento a
“força das coisas” deve estar te espreitando. Estão te oferecendo meios para
que ela seja vista e compreendida. Deve estar dizendo: - Ei, eu estou aqui.
Está me vendo? Mas cabe a você se permitir ver.
Assim lhe ofereço
esta receita simples de hoje. Na intenção de que a explosão de sabor lhe
permita ver algo além...
Fonte: Simone de Beauvoir. A Força das
Coisas. Tradução de Maria Helena Franco Martins. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 2010.
Frango
4 sobrecoxas de frango, com pele e osso
1 pimentão vermelho
1 pimentão amarelo
6 ramos de tomilho
Molho
Piri PIRI
½ cebola vermelha
2 dentes de alho
3 pimentas malagueta (ou quanto queira, se
misturar pimentas fica mais gostoso)
1colher de sopa de páprica doce
1 limão
2 colheres de sopa de vinagre de vinho
branco
1colher de sopa de molho inglês
Um punhado de manjericão fresco
Preparo: Ligue o forno a
200C. Coloque uma frigideira antiaderente (ou grelha) grande em fogo alto.
Coloque as sobrecoxas de frango em uma tábua de cortar, com a pele para baixo,
e faça cortes na carne de forma que ela fique mais aberta e o osso possa
aparecer. Regue a frigideira com um pouco de azeite e espere ficar quente,
quando isso acontecer coloque o frango com a pele virada para baixo – deixe até
dourar. Depois vire para dourar o outro lado. Não tempere com nada. Com o frango dourado dos dois lados retire-o
da frigideira e nela coloque os pimentões cortados em pedaços grandes e de um
salteado nos pimentões. Em seguida
prepare o molho Piri Piri:
Descasque e pique a cebola e coloque no liquidificador com 2 dentes de alho
descascados. Adicione as pimentas, a páprica, as raspas do limão
e o suco de ½ limão. Adicione o vinagre de vinho branco, o molho inglês, uma
boa pitada de sal e pimenta, o manjericão e um meio copo de água. Bata até
ficar homogêneo. Montagem:
Despeje o molho piri piri em um refratário adicione os pedaços de frango, desta
vez com a pele virada para cima – para que a carne entre em contato com o
molho. Coloque os pimentões pelos lados
e distribua os ramos de tomilho por cima. Leve ao forno por uns 20
minutos. Servir em seguida.
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