sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

A força das coisas - Ou, Minhas recordações beauvoirianas para servir frango com molho piri-piri


Caríssimos Confrades,
Saúdo-lhes neste inicio de 2013. Peço-lhes desculpa pela ausência, mas muitas coisas aconteceram... a “força das coisas” impediram-me de estar on line. Mas o importante é que estou de volta, para que possamos continuar nos divertindo com histórias deliciosas. Assim, desejo-lhe de antemão que os mais refinados aromas perfumem suas vidas e que a força do nosso conteúdo gastronômico transborde o seu paladar com delicadeza, lhes oferecendo não só o deleite da boa mesa, mas que possa lhe refestelar com mais cultura.
O ano de 2012 mal acabou e eu já entrei no ano novo cheio de pensamentos audaciosos, aos quais pretendo programar ações para pô-los em prática a partir de agora. Isso tem explicação: antes do ano de 2012 acabar eu já percebia de uma forma mágica o impacto da “Força das Coisas” sobre mim – nunca tinha parado para observar tão profundamente isso nos anos anteriores... Minha vida não tem sido fácil de certos anos pra cá – mas o lado bom de tudo o que aconteceu é que eu tenho aprendido muito com isso. Evoluí com certeza... A “Força das coisas” parece um feitiço: quando impregna em você é difícil de largar. E talvez precise de outro feitiço para te deixar leve, te deixar bem – de certo que a alquimia da gastronomia pode ajudar, pode servir como tratamento para o impacto da “força das coisas”.
Somente neste instante me dei por conta que a expressão que estou usando (“a força das coisas”) serviu também como mote e como titulo homônimo para a criação de uma obra literária a qual muito aprecio “A Força das Coisas”, que foi escrita por Simone de Beauvoir, mulher admirável pela inteligência, cheia de atitudes peculiares e que, dentre outras coisas acreditava que uma pessoa pode conhecer um país por seus sabores. 



A Força das Coisas é a terceira parte da trilogia de memórias escrita por Simone de Beauvoir (as duas primeiras partes são Memórias de Uma Moça Bem Comportada e A Força da Idade). Simone de Beauvoir escreveu ainda outro livro de memórias, cronologicamente posterior a esta trilogia, chamado A Cerimônia do Adeus, onde conta os últimos anos da vida de Sartre
Pensando em Simone a receitinha de hoje “Frango assado com molho Piri-Piri” não terá sua história explicada – acredito que ela seja melhor experienciada para que se perceba um dos muitos sentidos que “A Força das Coisas” possui.


Essa minha percepção mais ampla sobre a “força das coisas me faz acreditar que este ano será diferente! Embora muita gente sempre pensa nisso quando um ano novo chega. O que me faz ter esta certeza é o poder da “força das coisas” está me mostrando: as respostas do Universo estão chegando mais rapidamente; o magnetismo esta diferente; eu estou diferente – e logo, dentro de alguns meses estarei também mais velho, mais maduro, mais forte. Aliás, pensando na força e no peso da idade Simone de Beauvoir teceu um comentário ao qual muito me identifico que diz assim:

A impressão que eu tenho é de não ter envelhecido embora eu esteja instalada na velhice. O tempo é irrealizável. Provisoriamente, o tempo parou pra mim. Provisoriamente. Mas eu não ignoro as ameaças que o futuro encerra, como também não ignoro que é o meu passado que define a minha abertura para o futuro. O meu passado é a referência que me projeta e que eu devo ultrapassar. Portanto, ao meu passado eu devo o meu saber e a minha ignorância, as minhas necessidades, as minhas relações, a minha cultura e o meu corpo. Que espaço o meu passado deixa pra minha liberdade hoje? Não sou escrava dele. O que eu sempre quis foi comunicar da maneira mais direta o sabor da minha vida, unicamente o sabor da minha vida. Acho que eu consegui fazê-lo; vivi num mundo de homens guardando em mim o melhor da minha feminilidade. Não desejei nem desejo nada mais do que viver sem tempos mortos. - Trecho da Peça VIVER SEM TEMPOS MORTOS, inspirada na correspondência de Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre.

De inicio pode parecer um texto austero. Mas a doçura das emoções está gravada nas entrelinhas. A “força das coisas” está aí dentro, embutida, lustrando os sentimentos e dando muita carga (positiva ou negativa) as palavras. Por isso pare um instante, sinta a “força das coisas” na sua vida, veja a intensidade das emoções, descubra o que ela pode lhe oferecer, mude. Pois há sempre uma nova emoção a destilada, melhorada, que vai lhe fazer um bem enorme – é neste momento em que o divino aparece e deixa-lhe no êxtase, na graça, no gozo.



Simone de Beauvoir bem soube apreciar isso ao que me refiro no parágrafo anterior. Na sua vida ao Brasil pelos idos de 1960 ela vivenciou a “brasilidade” e deixou registradas as emoções que ela concretizou por aqui: Foi quando o existencialismo descobriu a saudade! Naquela ocasião Simone de Beauvoir veio ao Brasil acompanhada por Jean Paul Sartre e foram recebidos por Jorge Amado e Zélia Gattai que, durante um mês, apresentaram algumas das faces do Brasil para os olhos ilustres dos intelectuais franceses.
É sabido através da leitura dos escritos de Simone de Beauvoir que Jorge Amado conquistou ainda mais a simpatia de Simone quando resolveu apresentar para ela muitos dos sabores do Brasil. Diz-se que inicialmente ele apresentou iguarias bastante conhecidas nossas como suco de caju, cacau, maracujá, feijoada, feijão mulatinho, mandioca, batata-doce, carne seca, rapadura, caipirinhas e batidas variadas… E eu devo ressaltar que Jorge Amado comungava com a premissa de Simone quando ela dizia que uma Nação poderia ser conhecida pelos seus sabores; enquanto Sartre melindrava-se nestas ocasiões e evitava estas discursões porque era sensível a sabores fortes o que lhe deixava ‘confortável’.
A “força das coisas” é tão implacável que agora mesmo ela está agindo sobre mim. Está aguçando meu lado profissional de turismólogo (o que de fato sou por formação) se manifestar para descrever o roteiro que as personas desta história percorreram. Não posso fugir disso.


Foi durante seu período de exílio em Paris (entre 1948 e 1950) que Amado conheceu Simone e Sartre. De volta ao Brasil em 1960  Amado os convidou para conhecer estas terras que já havia sido motivo de tantas outras conversas nos tempos passados. Sabe-se que foi num avião com um trem de pouso que persistia em não funcionar, após uma viagem complicada e repleta de conexões turbulentas, os visitantes franceses chegaram na cidade do Recife. Talvez com esta situação estressante da longa jornada de voo as primeiras algumas emoções dos pensadores franceses ficaram evidentes: 1) o milagre do avião ter conseguido pousar com todos vivos; e 2) o sentimento de alívio de encontrar na imensidão de curiosos que os esperava no aeroporto, uma imagem familiar e hospitaleira – representada pela pessoa de Jorge Amado, que lhe esperava em meio a multidão). Estas duas constatações podem parecer banais, mas foram importantes para expressar as impressões iniciais de Simone quanto a sua chegada na “terra brasilis”. Prova disto é que pode ser encontrado nas memórias de Simone o seguinte comentário: “Compreendemos com satisfação que Amado, que viera especialmente para nos receber, iria servir-nos de guia pelo menos durante um mês”.
A viagem pelo Brasil começou a partir do aeroporto de Recife, e as emoções acabaram transformando os planos de Simone e Sartre – que vinham ao Brasil com propósitos políticos (eles queriam discutir dentre muitas outras coisas suas impressões sobre as realizações da Revolução em Cuba: e sobre os crimes que a França cometia para reprimir as forças que lutavam pela independência da Argélia). Porém a viagem tonou-se “menos austera e mais divertida” com a ideia que Jorge Amado teve de esquecer um pouco da política montando  com a ajuda de Zélia um roteiro de viagem onde a cultura brasileira esteve sempre em primeiro plano. Amado, de acordo com as memórias de Simone, tinha gosto pelas “coisinhas boas da vida”: as comidas, as paisagens, as conversas e o riso – e isso deu o tom da viagem.
O roteiro tinha de tudo: de visitas ao Candomblé, às praias de Copacabana e Ipanema, à Belo Horizonte e à. São Paulo – esta última, de acordo com Simone “não era bonita, mas transbordava de vida”. Nos mercados populares a variedade de aromas e mercadorias bem como  dos tipos humanos peculiares (como diria Simone: “espíritos mais maliciosos do que malignos”)  encantavam os olhos do casal francês. Ainda visitaram muitas igrejas, plantações de cacau e café nas fazendas nordestinas. Deslocaram-se ainda para Brasília e para o Rio de Janeiro. Tiveram encontros Juscelino Kubitschek e com Oscar Niemeyer. Estiveram também numa tribo indígena no Mato Grosso – neste evento, estiveram sem a companhia de Jorge Amado porque este não gostava de aviões, tendo ficado em Brasília enquanto os amigos e a esposa embarcavam num daqueles teco-tecos de antigamente.


Em Brasília, com a volta da viagem pela tribo indígena, os casai se separaram e Simone e Sartre seguiram rumo a Belém e Amazônia – recomendações de viagem feira por Claude Lévi-Strauss – e, então, ainda retornaria para sua segunda visita a Havana, em Cuba.
A partida foi comovente, “depois de seis semanas de tão bom relacionamento, era difícil imaginar que só os reveríamos muitos anos depois, ou talvez nunca mais”, registrou Simone em suas memórias. È neste instante que a “força das coisas” reaparece para mostrar que, depois de uma longa e jornada com os amigos brasileiros, tendo vivenciado o Brasil Continental com suas distintas fases, a separação dos casais naquele instante elucidou para Simone um aspecto peculiar da cultura brasileira que ela ainda desconhecia: a saudade.
A partir de então uma saga se constrói: a partir de Belém ou de Manaus, Simone e Sartre não podiam retornar imediatamente à França (provavelmente pela falta de voos para tais destinos) e a viagem rumo a capital cubana acabou repleta de problemas geridos pela burocracia.  O casal francês aparentemente dolorido pelos maus-tratos da solidão, do clima, da falta de companhia para conversas e passeios tentou, através de telegramas, entrar em contato com Amado e Zélia – mas sabe-se que os telegramas nunca chegaram. Somente semanas depois, na viagem rumo a Havana, desembarcaram novamente no Rio de Janeiro. Estava aparentemente exaustos, tristes e com a nuvem negra da preocupação pairando sobre suas cabeças. Até que avistaram o “Embaixador da Saudade e Obá de Xangô”, Jorge Amado, e a “força das coisas” trouxeram outros sentimentos que fizeram daquelas amizades mais sinceras, mais humanos, mais fortes, menos política.
Um momento emblemático, dentro os muitos que esta viagem representou foi registrado na imagem abaixo – e trouxe outro turbilhão de emoções:


Simone de Beauvoir, Jean-Paul Sartre, Zélia Gattai e Jorge Amado com Mãe Senhora, em Salvador, Bahia. Agosto, 1960. Foto: Fundação Casa de Jorge Amado.
A foto tirada em agosto de 1960 evidencia o cicerone comunista brasileiro (Amado) e sua esposa (Zélia) acompanhados dos existencialistas franceses (Simone e Sartre) na companhia de Mão Senhora. Mostra a imagem outra parcela das muitas faces que a “força das coisas” pode apresentar aos homens – neste caso, em particular, elucida o acolhimento dos existencialistas pelo candomblé. O que foi no mínimo interessante se considerarmos que Simone era católica por formação e Sartre um ateu convicto e, que depois da consulta espiritual saíram de lá, como  diretamente registou Simone: “Sartre era Oxalá, e eu, Oxum”. A profundidade que esta imagem traz mostra a capacidade que a “força das coisas” tem para transpor diferenças ideológicas e culturais e que puderam trazer uma libertação para a dominação do cotidiano.
Mas a “força das coisas” pode lhe ser perceptível por muitos meios: numa simples conversa com um desconhecido; na rua, mediante uma cena que você não esperava acontecer; no supermercado, numa briga; durante o amor, ou mesmo durante o ódio. O importante disso tudo é a necessidade de você perceber exatamente o que a “força das coisas” quer que você veja. Aí pode estar o seu rumo, menos complicado, mais direto e claro. As vezes poder um choque. Mas tudo passa. É questão de adaptabilidade – como tudo na vida.
Neste exato momento a “força das coisas” deve estar te espreitando. Estão te oferecendo meios para que ela seja vista e compreendida. Deve estar dizendo: - Ei, eu estou aqui. Está me vendo? Mas cabe a você se permitir ver.
Assim lhe ofereço esta receita simples de hoje. Na intenção de que a explosão de sabor lhe permita ver algo além...

Fonte: Simone de Beauvoir. A Força das Coisas. Tradução de Maria Helena Franco Martins. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010.

Frango ao Molho Piri-Piri

Frango
4 sobrecoxas de frango, com pele e osso
1 pimentão vermelho
1 pimentão amarelo
6 ramos de tomilho
Molho Piri PIRI
½ cebola vermelha
2 dentes de alho
3 pimentas malagueta (ou quanto queira, se misturar pimentas fica mais gostoso)
1colher de sopa de páprica doce
1 limão
2 colheres de sopa de vinagre de vinho branco
1colher de sopa de  molho inglês
Um punhado de manjericão fresco

Preparo: Ligue o forno a 200C. Coloque uma frigideira antiaderente (ou grelha) grande em fogo alto. Coloque as sobrecoxas de frango em uma tábua de cortar, com a pele para baixo, e faça cortes na carne de forma que ela fique mais aberta e o osso possa aparecer. Regue a frigideira com um pouco de azeite e espere ficar quente, quando isso acontecer coloque o frango com a pele virada para baixo – deixe até dourar. Depois vire para dourar o outro lado. Não tempere com nada.  Com o frango dourado dos dois lados retire-o da frigideira e nela coloque os pimentões cortados em pedaços grandes e de um salteado nos pimentões.  Em seguida prepare o molho Piri Piri: Descasque e pique a cebola e coloque no liquidificador com 2 dentes de alho descascados. Adicione as pimentas, a páprica, as raspas do limão e o suco de ½ limão. Adicione o vinagre de vinho branco, o molho inglês, uma boa pitada de sal e pimenta, o manjericão e um meio copo de água. Bata até ficar homogêneo. Montagem: Despeje o molho piri piri em um refratário adicione os pedaços de frango, desta vez com a pele virada para cima – para que a carne entre em contato com o molho. Coloque os pimentões  pelos lados e distribua os ramos de tomilho por cima. Leve ao forno por uns 20 minutos.  Servir em seguida.

Nenhum comentário:

Postar um comentário