sábado, 5 de outubro de 2013

Investigação: O caso das bruacas – ou “ureias de pau”


É tão chato quando a gente quer saber uma coisa e as fontes não aparecem... Ontem eu estava no facebook, e curti uma foto da Ana Maria, minha professora de sociologia - da época em que eu cursava o bacharelado em turismo. A Ana Então postou a foto abaixo e colocou na legenda o nome do preparado como sendo “ureias de pau”. 


Fiquei curioso pra descobrir do que se tratava, mas pela imagem já tinha uma suspeita... Era da BRUACA que ela estava falando (risos eternos). Bruaca no nordeste brasileiro significa mulher feia. Mas as bruacas, ou oreias de pau - como a Ana Maria as chama, de feias não tem nada – por isso a minha curiosidade só aumentou.
Aqui no Ceará muita gente conhece a bruaca, mas não pelo nome de “ureias de pau” – esta citação da Ana Maria foi a primeira vez que vi. A bruaca nada mais é do que uma espécie de panqueca doce, feita com a massa de bolo convencional – só que frita.
Instigado pela curiosidade, postei um comentário na página do facebook da Ana Maria pedindo que ela me dissesse a origem do preparado exposto na foto. A resposta veio rapidamente: Reubens a origem é difícil descobrir, é tradição aqui no sertão do RN, a receita temos, pois todos da família sabem fazer...
Como minha curiosidade não foi saciada, tentei buscar na literatura alguma coisa a respeito da bruaca/ ureia de pau. Mas não tive êxito. Este fato e o comentário da Ana Maria me preocupam porque se é, de fato, uma tradição, deveria ser preservada, e a sua origem faz-se necessário para o entendimento desta tradição.
Infelizmente, no Brasil, ainda não somos tão ligados com a preservação do patrimônio cultural imaterial gastronômico. O que é uma pena. A não preservação dos bens imateriais gastronômicos também podem levar à desconstrução de uma identidade.
Já escrevi aqui sobre outra quitanda nordestina, do sertão do Seridó, que está em extinção, o doce seco (Clique aqui para ler), e me assusta sempre que vejo o povo perdendo o interesse pelo que é seu.
Com as leituras escassa que pude fazer sobre a bruaca ou oreia de pau, acabei criando as minhas hipóteses sobre a possível origem da referida quitanda:

H1: Por ter sido um território invadido por franceses e holandeses, o Rio Grande do Norte seria o principal berço desta feitura nas terras brasileiras considerando o seguintes fato: A panqueca é uma especialidade francesa, onde é conhecida como crepe, e este habito alimentar pode ter se fincado no RN a partir do momento em que os franceses se espalharam por ali.

H2: a bruaca tem se assemelha com a panqueca americana, porém é servida sem calda. Esta semelhança também se explicaria com presença de norte-americanos que tbm habitaram aquela região tempos atrás.

H3: o nome oreia de pau seria uma alusão ao fungo conhecido com seu homônimo, orelha-de-pau (Polyporus sanguineus ou Pycnoporus sanguineus), também chamada urupê e pironga, é um fungo da família das poliporáceas

Orelhas de pau - fungos.


Obs.: Depois que o texto base desta postagem foi publicado, a Ana Maria me enviou a seguinte mensagem – e que traz consigo uma nova hipótese:  

Reubens li seu blog e mais uma curiosidade você precisa descobrir as nossas "Ureias de pau" não são feitas de farinha de trigo e sim com massa de milho ou flocos de milho, por isso que se diferencia da picanha e da panqueca que são feitas com farinha de trigo e ai penso que o processo cultural foi forte. H4 (hipótese da Ana Maria): Como no sertão sempre teve comida de milho, nem que fosse com milho seco para fazer o cuscuz e o mungunzá, acho que na falta da farinha de trigo colocaram o milho.


Assim, temos mais um motivo pra continuar investigando. Logo a Ana Maria me enviará a recita das ureias de pau que são feitas pela mãe dela, para que possamos experimentar a distinção das bruacas e ureias de pau.
Preparado deste tipo podem ser tão antigos no mundo que já não teriam uma precisão para sua existência. Na antiguidade uma massa semelhante a que pe usada hoje já era assada em pedra quente, e mais tarde passou a ser preparada em chapa redonda de ferro sobre o fogo.
Há indícios de que suas raízes estejam no pão indiano chapati e nas panquecas chinesas. Mas os primeiros registros de panquecas foram feitos no século I, pelo gastrônomo romano Apicius, autor do receituário De re coquinaria. Ali se descobre que já naquele tempo as panquecas eram feitas com a mistura de leite, água, ovos e um pouco de farinha. Entretanto, os italianos defendem que a especialidade nasceu quatro séculos mais tarde - sem ter água entre os ingredientes. Tal versão, religiosa, figura na Grande Enciclopedia Illustrata della Gastronomia (Selezione dal Reader's Digest, Milão, 2000).
No século V, peregrinos franceses compareceram em peso a Roma para a Festa della Canderola. Chegaram cansados e famintos, porém movidos pela fé. O papa Gelasio, empenhado em recebê-los bem, ordenou que a cozinha do palácio pontifício fosse abastecida com tantos ovos, sacos de farinha e litros de leite quanto fosse possível. As panquecas teriam nascido ali, ao acaso. Segundo essa história, os peregrinos saborearam a novidade e levaram a fórmula para a França.
E se minhas hipóteses se confirmarem, com estúdios contínuos, poderemos ter um típico elemento gastronômico de aculturação sendo amplamente difundido no nordeste brasileiro. Vou  continuar esta investigação, mas se alguém tiver alguma fonte confiável sobre este assunto, por favor, me envie. Afinal, como diz a música: Mistérios sempre há de pintar por aí...
Independente qual seja a origem, a verdade é que a bruaca ou ureias de pau é uma coisinha deliciosa pra se tomar com um cafezinho no fim de tarde.

Bruaca

2 xícaras de farinha de trigo com fermento
1 xícara de açúcar
2 ovos pequenos
1/2 xícara de leite
3 colheres de margarina
1 pitadinha de sal
Margarina pra fritar

Preparo: Coloque todos os ingredientes em uma tigela e mexa, até ficar um creme bem homogeneizado. Em fogo baixo, coloque uma colher de margarina em uma frigideira para derreter e adicione uma quantidade generosa da massa preparada. Deixe fritar, vire o outro lado para que frite também. Repita a operação até acabar a massa. Servir em seguida. 


Ureias de pau

2 ovos
1 xícara de leite
1 xícara de farinha de trigo
2 xícaras de fubá de milho
1 xícara de açúcar
1 pitada de sal

Preparo: Bata todos os ingredientes numa tigela grande com uma colher de pau. A massa deve ficar consistente. Aqueça bem uma frigideira e frite com pouquíssimo óleo em fogo baixo (cerca de um minuto cada lado). Verifique com um palito se a massa está cozida.

6 comentários:

  1. Adorei a receita de bruacas. Quando era menina minha mãe fazia para o lanche. Vou matar as saudades e preparar agora mesmo.

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  2. uma coisa que sua professora falou e vc não comentou e no entanto pra eu que sou do Oeste do RN faz o maior sentido é fato de que por aqui as bruacas são chamadas de PICANHAS... pq eu não sei... kkk os mais velhos chamam "Ureia de Pau" já a palavra Bruaca pra definir essa panqueca doce vi pela primeira vez pesquisando na internet. valew.

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  3. "Oreia" de pau (orelha), me parec3 mais dentro de uma lógica de evolução do "falar" caipira... muito interessante e exemplificador da evolução linguística

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  4. A origem da Bruaca é relacionada aos primeiros Judeus que chegaram no Nordeste. É o famoso Pão Asmo da Bíblia sagrada, o pão da Páscoa judaica ou o pão assado. A receita original é pouco diferente já que vai Azeite ao invés da Margarina e não ter fermento. Está é a verdadeira história da Bruaca, sua história é relacionada ao povo Judeu que colonizou o Nordeste.

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  5. Muito boa a matéria. Faço sempre a oreia de pau ou malassado,como costumamos chamar também. Aprendi com meu marido que era natural do Rio Grande do Norte.

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