O brasil perdeu esses
dias grandes nomes de sua intelectualidade: Rubem Alves, João Ubaldo Ribeiro e
Ariano Suassuna – esse último grande defensor da brasilidade, da cultura, do
nordeste. Não queria fazer explanações sobre eles, porque eles são tão grandes,
que eu poderia diminuí-los em um mero descuido textual. Logo, resolvi arranjar
um mote que os representasse gastronomicamente (ok, sei que vai ter gente que
não vai entender a minha escolha), mas pensei no maxixe – ingrediente bastante
utilizado na gastronomia nordestina, sua forma espinhenta com sabor peculiar
rende sempre comentários dos mais criativos – e mostrar as malícias e os
espinhos da vida com criatividade e peculiaridade marcante são características
presentes das personalidades que hoje descansam em paz (ou não).
Lembro-me que, quando
criança, minha avó materna sempre fazia a festa quando era tempo de maxixe,
pois ela adorava comê-los no feijão. Aliás, não me lembro de comer maxixe, lá
em casa, que não fosse no feijão. Talvez eu o tenha comido em algum cozido, nãosei...
Mas maxixe no feijão era sagrado, assim como o jerimum, o pequi e outras
delícias das quais se dependia pela estação. Fui criado numa serra, longe dos
sertão seco que o semiárido cearense possuiu e o maxixe é, de fato, bem mais
utilizado na comida dos sertanejos.
Apesar da sua
continua produtividade no nordeste, o que se sabe, é que o maxixe tem origem
africana e veio parar no Brasil na época colonial, trazidos pelos negros
escravizados, sobretudo os que eram destinados para o nordeste. O maxixeiro é uma
planta rasteira, da família das cucurbitáceas, como abóboras, pepinos e melões.
Perfeitamente adaptada aos solos quentes o maxixeiro rende boas cercadas. É uma
planta de boa capacidade produtora, apresentando frutos rústicos ovalados de
casca verde com moles espinhos.
Embora não chame
muito a atenção dos consumidores no centro-sul do país, é um ingrediente
gastronômico que merece mais atenção, sobretudo pelas propriedades medicinais
que se pode obter – alguns estudiosos da nutrição confirmam em seus estudos
acadêmicos que o maxixe adicionado nas refeições estimula as defesas do
organismo, ajuda a evitar problemas da próstata, auxilia na diminuição dos
depósitos de colesterol, a relaxar os músculos e na relação com o bruxismo,
elimina as manchas brancas, fortalece as unhas e ajuda a cicatrização de
ferimentos internos e externos. Agora me diga aí se não vale a pena adicionar
uns maxixezinhos no seu feijão?
Para aqueles que
gostaram da ideia mas vão experimentar maxixe pela primeira vez existe umas
regrinhas básicas, e que fazem toda a diferença, devem ser seguidas: na hora da
ida à feira, compre maxixes firmes, com cor uniforme e com os espinhos
inteiros. Maxixes amarelados são ruins pois tem o sabor alterado, suas sementes
ficam duras e seus corpo muito fibroso, ruim para mastigar. Para armazenar,
outros cuidados são importantes: em temperatura ambiente, os frutos murcham e
amarelam rapidamente, podendo ser mantidos no máximo por três dias, sem que ele
perca a qualidade. Na geladeira, devem ser colocados na parte mais baixa até
por uma semana.
Os maxixes geralmente
são consumidos em cozidos ou refogados, mas a criatividade gastronômica existe
para permitir-nos ousar. A quem goste de comer maxixe cru, na forma de saladas
(os espinhos são raspados com a faca, depois cortados em rodelas que são
temperadas com azeite, limão, cebolinha e pimenta. Neste caso, quanto mais
verdes eles estejam, melhor.
Mas o maxixe não ficou apenas para a mesa e
acabou virando dança e ritmo ...
Considerado o
primeiro tipo de dança urbana criada no Brasil, o Maxixe é uma formação musical
coreografada advinda de uma fusão e adaptação da polca europeia que lhe
forneceu o movimento, a habanera cubana lhe deu o ritmo, a música popular
afro-brasileira como o lundu e o batuque e finalmente o jeitinho brasileiro de
dançar e tocar completaram o trabalho. Isso tudo, junto e misturado, rendeu
numa dança sensual que de tão desenvolta acabou sendo proibida.
EFEGÊ, Jota. Maxixe: a dança exco0mungada. 2ª Edição. Rio de Janeiro: FUNARTE, 2009. |
Surgiu como dança em
1875, no Rio de Janeiro e só tempos depois viraria um ritmo. Acredita-se que o
maxixe teria surgido com a decadência da polca nos salões com a chegada dos
choros – e foi misturado a ele com base de flauta, violão e oficlide. Assim, a
polca sendo transformada em maxixe, as pessoas dançam lundu, enquanto outros
cantavam e os conjuntos de choro acompanhavam. Esse fato o fez chegar
rapidamente a todas as classes sociais do Rio de Janeiro.
A designação de
"maxixe" para a música e à dança surgida atesta o caráter popular
ligado às classes mais baixas da sociedade carioca da época, uma vez que a
palavra era usada para designar coisas de pouco valor.
A primeira
apresentação de maxixe nos teatros cariocas ocorreu em 1883, quando o ator
Francisco Correia Vasques apresentou o espetáculo "Aí, Caradura!",
cuja maior atração eram os trechos cantados e dançados de maxixes. No final do
século XIX começaram a aparecer as primeiras partituras com maxixes, as casas
editoras (que editavam e publicavam as partituras) o reconheceram como gênero
musical específico, e alguns compositores se destacaram na composição de
maxixes, como Eduardo Souto, Sinhô, Sebastião Cirino, Romeu Silva, J. Bicudo e
eventualmente, Chiquinha Gonzaga.
Chiquinha Gonzaga,
aliás, escrevia a letra de maxixes ousados, como se pode constatar ouvindo a
música abaixo:
A primeira composição gravada como maxixe foi "Sempre contigo", lançada pela Banda da Casa Edson por volta de 1902, sendo de autor não registrado. Em 1904, fez sucesso o "Maxixe aristocrático", do maestro José Nunes, apresentado na revista "Cá e Lá", pela dupla Pepa Delgado e Marzullo. Enquanto dança, o maxixe era dançada com passos ousados e sensuais recebendo esses passos nomes como carrapeta, balão, parafuso, corta-capim ou saca-rolha.
A entrada do maxixe
nos salões elegantes das principais capitais brasileiras foi terminantemente
proibido até que, em 1914, Nair de Tefé, primeira dama do país, esposa do então
presidente Hermes da Fonseca, iria escolher um maxixe, o "Gaúcho" ou
"Corta-jaca", de Chiquinha Gonzaga, para ser executado ao violão, nos
jardins do Palácio do Catete, para escândalo de todo o país. Em 1914 fez
sucesso o maxixe "São Paulo futuro", de Marcelo Tupinambá e Dalton
Vampré, gravado por Bahiano. Depois disso muitos maxixes surgiram para causar
devaneios e rebuliços nos salões brasileiros.
A Noite do Corta Jaca
Um episódio bastante
polêmico envolvendo o maxixe ficou conhecido como A Noite do Corta Jaca,
envolvendo uma primeira-dama brasileira: Nair de Teffé, segunda esposa do
Presidente da República, o Marechal Hermes da Fonseca, que governou o Brasil
entre 1910 e 1914.
Nair de Teffé Von
Hoonholtz (1886-1981), tinha seus 27 anos quando casou-se com o Marechal sexagenário.
Dona de educação requintada, chegou a estudar em Paris, Marselha e Nice.Dentre
seus dotes era excelente caricaturista (foi considerada a primeira mulher caricaturista do mundo - Publicou seu primeiro
trabalho, A Artista Rejane, na revista "Fon-Fon", sob o pseudônimo de
Rian [Nair de trás para frente]. Também publicaram suas caricaturas da elite,
dentre outros, os periódicos O Binóculo, A Careta, O Ken, bem como os jornais
Gazeta de Notícias e da Gazeta de Petrópolis. Suas caricaturas saíram em
revistas francesas como a Fantasie, Femina, Excelsior e Le Rire) e ainda sabia tocar piano - o que era um avanço para a época.
Nair de Teffé |
Não por isso, a jovem
primeira-dama começou a escandalizar mais a conservadora sociedade carioca quando passou
a oferecer sarau nos salões do Palácio do Catete, dando oportunidade ao músico
Catulo da Paixão Cearense de introduzir o violão, instrumento, até então,
renegado nos salões da elite brasileira.
Apaixonada pela música
popular se intrigou com um comentário de Catulo que dizia que nas recepções
oficiais só se tocava música estrangeira. Assim, em 26 de outubro de 1914,
aproveitando as solenidades de despedida da gestão do marido, abriu espaço, em
uma jantar oficial, para a música brasileira com direito a desempenho pessoal,
e acompanhada de seu amigo Catulo, tocaram o maxixe “Corta-Jaca”, escrito por Chiquinha
Gonzaga e Machado Careca de 1895 – Chiquinha, aliás era pessoas por que a
primeira dama nutria uma grande admiração.
Cacuto |
Nair |
Um fato que merece
ser mencionado, é que a Europa já conhecia o maxixe, sobretudo a França, onde
artistas brasileiros como o dançarino Duque, difundiu a dança de ritmo sensual
que acabou incomodando até a alta cúpula da Igreja Católica que o considerava,
em conjunto com o tango argentino, ofensivo à moral e, portanto, proibida a
cristãos.
Daquele tempo são hilárias as quadrinhas popularizadas pelo espírito gozador do Carioca.
Daquele tempo são hilárias as quadrinhas popularizadas pelo espírito gozador do Carioca.
Se o santo Padre
soubesse
O gosto que o tango
tem,
Viria do Vaticano
Dançar o maxixe
também.
O atrevimento da
Primeira-Dama e os defensores do ritmo excomungado gerou muitas críticas nos
jornais e muros pichados com caricaturas de “Dudu da Urucubaca” - apelido
conferido ao presidente, por ser considerado azarado e vítima de várias crises
no seu governo, como a Revolta da Chibata. Mais quadrinhas surgiam aos montes
satirizando e ridicularizando o velho presidente:
O Duduzinho
Da Urucubaca
É o homenzinho
Do Corta-jaca
Mulata de perna
grossa
Cavaca no chão,
cavaca
Quero ver para
quantos vales
No jogo do Corta-jaca
Não uso arma nenhuma,
Nem bacamarte, nem
faca!
Uso apenas o meu
“pinho”
Pra tocar o
"Corta-jaca”!...
Na quitanda tem
legumes
No açougue carne de
vaca
Na padaria tem roscas
No Catete
“Corta-Jaca”.
Até Rui Barbosa, senador
da República por aqueles tempos, figura assídua nos cinemas para ouvir recitais
de Ernesto Nazareth, indignou-se e proferiu um discurso inflamado, quase violento,
no Senado Federal:
“[...] Uma das folhas
de ontem estampou em fac-símile o programa da recepção presidencial em que
diante do corpo diplomático, da mais fina sociedade do Rio de Janeiro, aqueles
que deviam dar ao país o exemplo das maneiras mais distintas e dos costumes
mais reservados elevaram o Corta-Jaca à altura de uma instituição social. Mas o
Corta-Jaca de que eu ouvira falar há muito tempo, que vem a ser ele, Sr.
Presidente? A mais baixa, a mais chula, a mais grosseira de todas as danças
selvagens, a irmã gêmea do batuque, do cateretê e do samba. Mas nas recepções
presidenciais o Corta-Jaca é executado com todas as honras da música de Wagner,
e não se quer que a consciência deste país se revolte, que as nossas faces se
enrubesçam e que a mocidade se ria?”
Sabidamente o que Rui
Barbosa buscava no seus discurso preconceituoso, era desgastar, ainda mais, a
imagem do presidente Hermes, que era seu opositor político e que o derrotara na
última eleição presidencial, em um pleito cheio de fraudes e denúncias. Nair se
vingaria publicando uma caricatura ridicularizando o nosso Águia de Haia, que
foi retrucada por um Rui Barbosa irritado: “Certas mocinhas se divertem fazendo
gracejos à custa de homens sérios como eu.”
Obviamente o desgaste
político sofrido foi evidente. Contudo não a indignação dos conservadores de
nada adiantou, pois o maxixe ganhou espaço nos salões da classe média,
amadureceu e ganhou um ritmo.
A caricatura de Rui Barbosa feita por Rian (Nair) |
Nair de Teffé Escreveu seu livro de memórias aos 88 anos. Morreu em 1981, aos 95 anos. |
Vocês poderão ouvir o
Corta jaca no final deste post e quem sabe, as receitas abaixo lhes sirvam de
inspiração para uma ousadia gastronômica servida ao som do maxixe. E se o negócio
esquentar, dance...
Feijão
com maxixe
1/2 kg de feijão verde
7 maxixes cortados ao meio
1 maço de salsinha picado
Sal a gosto
1 lata creme de leite
300 g de queijo em cubinho
1 xícara de azeite
100 g de toucinho (pode ser bacon)
Preparo: Leve o feijão ao
fogo e deixe cozinhar por 20 minutos; Acrescente os maxixes, salsa, sal, creme
de leite e o bacon e deixe cozinhar por 15 minutos, e por último acrescente o
queijo em cubos. Refogue o toucinho com azeite, tomate, pimentão, cebola e leve
ao feijão ainda em fervura.
Maxixada
Nordestina
400 gramas de carne seca
400 gramas de músculo de boi cortado em cubos
1/4 de xícara de chá de toucinho
3 dentes de alho picado
1/4 de xícara de chá de pimentão picado
1/4 de xícara de chá de cebola picada
1/3 de xícara de chá de tomate picado
2 colheres de sopa de extrato de tomate
1/2 colher de chá de pimenta-do-reino moída
1/2 xícara de chá de hortelã
200 gramas de linguiça calabresa
400 gramas de maxixe cortados em rodelas
1/3 de xícara de chá de camarões secos e
descascados (opcional)
Sal a gosto.
Preparo: Deixe a carne seca
de molho de um dia para o outro. Corte a carne seca em cubos e coloque -os em
água fervendo por 10 minutos. Retire a carne da água, junte o músculo, o
toucinho, o alho, a cebola, o pimentão, o tomate, o extrato de tomate e leve ao
fogo para refogar. Adicione a pimenta-do-reino e o sal, se necessário.
Acrescente água suficiente para cobrir a carne e deixe cozinhar. Quando a carne
estiver quase cozida acrescente a calabresa cortada em rodelas, a hortelã, o
maxixe e os camarões. Retire do fogo quando os maxixes estiverem macios e
cozidos. Sirva com arroz branco.
Cabrito com maxixe
1 kg de maxixe
3 kg de cabrito com osso
200 g de toucinho picados
2 cebolas roxas grandes picadas
6 dentes de alho picados
6 galhinhos de hortelã
cebolinha verde picada a gosto
1 pitada de cominho moído
2 pitadas de pimenta-do-reino moída
1 colher de chá de extrato de tomate
2
folhas de louro
1 xícara de vinagre
Sal a gosto
Preparo: Corte a carne em
pedaços. Raspe os maxixes, corte-os em cubos e ponha para aferventar em água
aquecida temperada com sal por 30 minutos. Prepare um refogado seco com os
pedaços de cabrito para extrair parte aquosa das carnes, por 10 minutos. Soque
os temperos no sal. Frite o toucinho picado e, quando chegar ao ponto de
torresmo, refogue junto com os pedaços de carne, mexendo sempre, por 15
minutos. Acrescente o extrato de tomate, metade do tempero socado, as duas
folhas de louro e continue mexendo. Ponha água aquecida, prove o sal e deixe
cozinhar por 2 horas, ou o tempo que julgar necessário. Sirva com arroz branco.
Maravilhosamente lindo! Perfeiçao!!!
ResponderExcluirMuito interessante sua retrospectiva histórica sobre o MAXIXE, incorporando elementos variados. Só houve um erro (ou descuido?): d o maxixe não foi criado, enquanto dança, em 1975. Talvez em 1875, no século XIX...(Luiz Carlos Araujo - Músico, Musicólogo e Jornalista, além de gourmet...)
ResponderExcluirCaro Luiz Carlos, boa tarde!
ExcluirGostaria de agradecer sua vista e, mais ainda, sua observação pelo meu descuido. Obrigado e continue nos visitando.
Parabéns! Adorei!
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