Hoje tirei o dia para
me dedicar à leituras sobre proporções áureas, e delas, me veio a ideia de
juntar o útil com o agradável. Assim, hoje trato de um bolo francês que usa de proporções
para ganhar o paladar daqueles que, como eu, apreciam bolos.
Le quatre-quarts é um
clássico francês. Um bolo tipicamente bretão, um batido pesado simples que pode
ser saborizado com baunilha ou raspas de cítricos (chama-se de batido pesado simples,
uma massa cuja gordura ultrapassa 50% do peso total da receita). Seu nome,
quatre-quarts (quatro-quartos), deriva das proporções exatas dos quatro únicos
ingredientes que o compõem e que devem ter o mesmo peso: ovos, farinha, açúcar
e manteiga.
Certamente, chefs são
artistas, mas o inverso nem sempre é óbvio.
Enquanto uns criam o que comer, outros criam para comer. E logo fica
claro que a arte e a gastronomia estão intimamente ligadas, desde que o homem
começou a expressar sua arte com pinturas rupestres imprimindo, dentre outras
coisas, suas refeições nas paredes de cavernas, em muitos países. Na evolução
da arte, temos que estar ligados a todas as considerações. Assim, por exemplo,
quando um pintor do quilate de Claude Monet compartilha segredos culinários, você
é obrigado a dar atenção (já tratamos de outra delícia apreciada por Monet
AQUI)
Monet sempre fazia
questão de honra para receber seus hóspedes e amigos – figuras bastante
conhecidas e importantes como: Clemenceau, Renoir e Cézanne, a quem Monet e Alice,
sua esposa, sempre ofereciam alimentos de excelente qualidade. Dentre as
receitas que Monet nos deixou existe uma para quatre-quarts (que pode ser
encontrada em seus cadernos de cozinha – "Carnets de cuisine de Monet" aux
éditions Chêne ). Talvez, oficio de Monet e sua habilidade na cozinha o tenha
ajudado nas proporções da receita: aquela época ele já sabia que um ovo de
galinha tem 50 g, ou aproximadamente isso, e se preparasse um quatre-quarts com
cinco ovos, teria 250 g de ovos no total. Isso significar dizer que, pela regra
básica do bolo, cada um dos outros ingredientes também deverá pesar exatamente
250 g. Mas não é preciso ser um gênio da pintura pra descobrir isso, não é?
"Le déjeuner" de Claude Monet - 1874 - © RMN (Musée d'Orsay) /
Hervé Lewandowski
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O que eu gostaria de
ressaltar nisso tudo, é que pesos e medidas sempre fizeram a diferença não só
para as receitas, elas ajudaram a construir nossa ciência. E a presença da
química e da matemática na cozinha pode lhe conferir, perfeitamente, o status
de alquimia. Prova disso é a receita do quatre-quarts, cujos ingredientes
simples se transformam num bolo dourado, denso, geralmente apresentado na forma
retangular, como um bolo inglês (há quem incluía na receita uma colher de chá
de fermento em pó para diminuir a densidade do bolo).
Um retângulo dourado,
é isso! Le quatre-quarts é um retângulo dourado, forma que me remete a alquimia
e a proporção áurea. Para que possamos entender melhor esse meu devaneio, ou
minha alusão, abaixo seguem algumas explicações.
Retângulo dourado - Em geometria, o retângulo de ouro surge do
processo de divisão em média e extrema razão, de Euclides. Ele é assim chamado
porque ao dividir-se a base desse retângulo pela sua altura, obtêm-se o número
de ouro 1,618.
Proporção áurea dos retângulos |
O termo alquimia vem
do árabe, al-khimia, tem o mesmo significado
de química, mas antigamente era designado por espargiria - essa química não é a
que atualmente conhecemos, mas sim, uma química espiritualista e
transcendental. Sabe-se, que al, em
árabe, designa Ser supremo - o Todo-Poderoso, como Al-lah. Assim, chega-se à conclusão que a palavra alquimia, designa
desde os mais remotos tempos, a ciência de Deus - ou seja a química de Al.
No medievo, alquimia
era o nome atribuído a teoria que acreditava que todos os metais evoluem até
virar ouro. Para acelerar esse processo, surgem os alquimistas que, se
encerravam em seus laboratórios para fazer experimentos com os quatro elementos
(fogo, água, terra e ar) na tentativa de descobrir a pedra filosofal – esta,
capaz de transformar tudo em ouro.
Os alquimistas eram
vistos como pessoas de hábitos estranhos, pelo simples fato de se trancafiarem
eu seus laboratórios por muito tempo ou por ficarem horas a fio comtemplando
experimentos ou observando plantas. Essa dedicação para com a observação da natureza
fê-los compreender o pilar da física quântica: tudo no universo está
interligado - Philippus Paracelsus (1493-1541), médico suíço, tornou-se famoso
por curar as pessoas a partir dessa visão holística. Ele recorria a conceitos
da alquimia, como o de que o sal, o mercúrio e o enxofre estão presentes em
tudo o que existe, inclusive dentro do homem.
Dentre as influências
holísticas nas escolas do conhecimento, a antroposofia está sempre presente.
Trata-se de uma ciência espiritual que faz analogia entre os princípios
alquímicos e as forças básicas atuantes na alma humana: o pensar (sal), o
sentir (mercúrio) e o querer (enxofre). Para Ivan Stratievsky, médico e
cirurgião antroposófico, o ouro alquímico, por exemplo, nada mais é que o self,
o verdadeiro Eu. "Para chegarmos lá", diz ele, "precisamos lidar
com as polaridades internas, pensando, sentindo e querendo de maneira
equilibrada."
Certamente a alquimia
foi a precursora da química, e até da medicina, moderna e foi a ciência
principal no medievo. Incluía não só experiências químicas na incessante busca
pela pedra filosofal e pela capacidade de transmutação, mas se utilizava de
rituais, na maioria, fincados na filosofia Hermética – como também em partes da
Cabala e da Magia (esta última, a mais caluniada de todas, porque o senso comum
confunde magia com a bruxaria supersticiosa cujas práticas abomináveis são
denunciada). Da cabala, a Alquimia tomou emprestado todos os seus signos e era
na lei das analogias, resultantes da harmonia dos contrários, que baseava suas
operações.
No decorrer dos anos
e com a experiência, diversos alquimistas chegaram à conclusão de que a
verdadeira transmutação ocorria no próprio homem, numa espécie de Alquimia da
Alma; Enquanto isso, outros permaneceram na busca sem sucesso do processo de
transformações de metais menos nobres em ouro. Há quem diga que existiram
mestres da alquimia que alcançaram este objetivo.
A alquimia também
preocupava-se com a Cosmogonia do Universo, com a astrologia e a matemática. Os
escritos alquímicos, constituíam-se muitas vezes, de modo codificado ou
dissimulado, daí, talvez a conotação dada ao termo hermético (fechada),
acessível apenas para os iniciados.
A alquimia sendo a
arte de trabalhar e aperfeiçoar os corpos com a ajuda da natureza. No sentido
restrito do termo, a alquimia sendo uma técnica é, por isso, uma arte prática.
Como tal, ela assenta sobre um conjunto de teorias relativas à constituição da
matéria, à formação de substâncias inanimadas e vivas, etc. Para um alquimista,
a matéria é composta por três princípios fundamentais: Enxofre, Mercúrio e Sal,
os quais poderão ser combinados em diversas proporções, para formar novos
corpos.No dizer de Roger Bacon, no Espelho da Alquimia, “...A alquimia é a ciência que ensina a preparar
uma certa medicina ou elixir, o qual, sendo projetado sobre os metais
imperfeitos, lhe comunica a perfeição...”. A alquimia operativa, aplicação
direta da alquimia teórica, é a procura da pedra filosofal. Ela reveste-se de
dois aspectos principais: a medicina universal e a transmutação dos metais,
sendo uma, a prova real da outra.
Geralmente, um
alquimista era também um médico, filósofo ou astrólogo, tal como Paracelso,
Alberto Magno, Santo Agostinho, Frei Basílio Valentim e tantos outros grandes mestres
hoje conhecidos pelas suas obras reputadas de verdadeiras. Cada Mestre trazia
consigo discípulos, a quem iniciavam na arte e transmitia-lhes seus conhecimentos.
O meio escrito foi a forma que os alquimistas usaram para perpetuar seus
conhecimentos pelos tempos - nos livros que se conhece, quase sempre eram
escritos sob pseudônimo, de forma velada, por meio de alegorias, símbolos ou
figuras. Este fato é um dos fatores que dificulta o estudo da alquimia, porque
esses símbolos e figuras não apresentam um sentido uniforme. Tudo era, e
atualmente ainda é, deixado à obra e imaginação dos seus autores.
O Homem Vitruviano, de Leonardo da Vinci. As ideias de proporção e simetria aplicadas à concepção da beleza humana. |
Assim, um verdadeiro
alquimista é um iluminado, um sábio que compreende a simplicidade do nada
absoluto.
É capaz de realizar coisas que a ciência e tecnologias atuais jamais conseguirão,
pois a Alquimia está pautada na energia espiritual e não somente no
materialismo e a ciência a muito tempo perdeu este caminho. A Alquimia é o
conhecimento máximo, porém é muito difícil de ser aprendida ou descoberta.
Podemos levar anos até começarmos a perceber que nada sabemos, vamos então
começar imediatamente pois o prêmio para os que conseguirem é o mais alto de
todos.
Por ser uma arte que
usa muitos símbolos, a alquimia, muitas vezes, é apresentada com o nome de Ars
Symbollica. Tendo a borboleta como seu grande simbolo, por causa do efeito
da metamorfose. Outro símbolo bastante
encontrado na alquimia é a figura do hermafrodita, ou andrógino.
Interpretar os textos
alquímicos não é tarefa pra qualquer um. Eles são considerados "herméticos",
e isso sugere a dificuldade dos textos dos autores alquímicos. Esta dificuldade
tem como causas os seguintes fatos:
• os autores se referirem às substâncias e
processos por nomes próprios à Alquimia,
• há vários processos (vias) de operação que não
são explicitados,
• a maioria das substâncias são referidas com
perífrases elaboradas,
• a existência de muitas referências mitológicas
e cultas,
• o uso de palavras que, lidas em voz alta,
produzem uma outra,
• o não apresentar partes de processos, referindo
o leitor a outro autor,
• o não apresentar as operações por ordem,
Em alguns casos (e.g.
Mutus Liber, O Livro Mudo) a exposição é feita apenas, ou predominantemente,
por gravuras alegóricas. Escrito dessa maneira, até um livro de culinária seria
impenetrável em seu conteúdo. As finalidades deste obscurecimento eram
proteger-se de perseguições e não deixar os processos cair na via pública.
Qualificações
habituais dos autores são o ser "caridoso", se expõe os seus temas
corretamente, ou o ser "invejoso" (cioso do seu conhecimento) se
engana o leitor. Um autor pode ser caridoso num trecho e invejoso noutro.
Basicamente informador,
que tal preparar um retângulo dourado delicioso pra comer com geleia, na hora
do café? Enquanto você separa os ingredientes, Dê o play no vídeo com a música
no final deste post, e deixe a porporção aurea invadir você, ouvindo a famosa sinfonia n.º 5, de Ludwig van
Beethoven – o exemplo mais notável da presença do nuemro de ouro nas composições clássicas.
Quatre-quarts
4 ovos
O peso dos ovos em manteiga derretida
resfriada
O peso dos ovos em açúcar
O peso dos ovos em peneirada
Baunilha ou cascas de cítricos ralados caso
queira perfumar a massa
Preparo: Unte uma fôrma de
bolo inglês com manteiga e pré-aqueça o forno a 200º C; Pese os ovos e utilize
exatamente o mesmo peso tanto em açúcar, como em manteiga e farinha; Misture a
manteiga e o açúcar juntos e bata com o batedor até formar um creme; Nessa
hora, coloque um pouco de essência de baunilha, só para perfumar um pouquinho; Quebre
os ovos, separe as gemas e incorpore-as ao creme, uma por uma; Misture o
fermento e a farinha neste mesmo creme; À parte, bata as claras em neve bem
firme e depois incorpore-a à massa; Despeje essa massa líquida na fôrma e asse
por 35 minutos.
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