Sei
você tem vaga noção de coquetelaria ou gosta de umas bebericagens, você já
ouviu falar do Daiquiri, um clássico coquetel cubano. Por outro lado, muito
provavelmente, você tenha uma visão meio distorcida entre o que tem sido
comercializado e uma receita original.
Se
sua memória não for boa, usando o Google, você vai ver imagens de Daiquiris
como uma bebida clara, de aspecto congelado, muitas vezes aromatizado com
frutas decididamente não tropicais, como morangos.
Daí,
você se depara livros de receitas de coquetéis cubanos vintage e antigos, como
o Manual del Cantinero de 1915, de John B. Escalante (você poderá acessar AQUI), é ele vai te surpreender
pois a receita traz sabores e licores inesperados - mas igualmente sem
morangos.
Pra
um livro que foi publicado logo após a época em que o daiquiri foi supostamente
inventado, há que espere encontrar ingredientes como rum, suco de limão e
açúcar. Afinal, isso é mais ou menos o que algumas pessoas hoje chamam de
daiquiri tradicional ou clássico, basta ver as imagens no Google pra confirmar essa
ideia. Em vez disso, a receita pede grenadine, o que não é tão incomum e, o
mais interessante, pedia Curaçao.
Com
isso já percebi as variações do daiquiri desde a primeira metade do século XX
em livros de coquetéis cubanos. As receitas variavam tanto, porém os únicos
ingredientes constantes eram justamente rum, suco de limão e açúcar.
Entretanto, receitas de daiquiri com apenas esses ingredientes são minoria.
Por
exemplo, o livreto de 1948 intitulado Ron Daiquiri Coctelera, impresso pela
empresa Ron Daiquiri, tem quatro receitas diferentes de daiquiri. O primeiro
pede rum, suco de limão e açúcar (ainda não é xarope simples) ou grenadine como
adoçante.
As
três outras receitas pedem ingredientes como Curaçao, suco de laranja, suco de
toranja e Maraschino, além de rum, suco de limão e açúcar(1). Este livreto está
em inglês e ainda diferencia entre limão e lima. Outros livros não.
Três
das receitas pedem que as misturas sejam agitadas com gelo e coadas. O outro, o
daiquiri “Florida Style”, em homenagem ao bar La Florida, manda bater em uma
coqueteleira elétrica com gelo picado.
Muitas
das mesmas variações estão presentes em um livro anterior de 1939 e outro
publicado pelo bar La Florida em 1934. Esses livros incluem várias receitas de
daiquiri, duas das quais pedem a mistura em um shaker elétrico, ou
“eletricamente”, com gelo finamente raspado ou picado.(2).
Ambos são chamados de “estilo Flórida”, o que significa que esse estilo de daiquiri misturado ou batido com gelo picado era o estilo particular do bar La Florida.
Parece
então que, do início a meados da década de 1930, o daiquiri havia assumido sua
forma congelada pelo menos parte do tempo. Mas apenas algumas vezes; parece
ainda ter sido principalmente um coquetel agitado e coado até a década de 1950,
pelo menos.
O
Manual de Cocteleria de 1959 tem duas receitas de daiquiri. Uma delas é o
Banana Daiquiri, que pede suco de limão, rum e banana (sem açúcar!). O outro
pede rum, açúcar, suco de limão e Maraschino (3).
Todos
esses ingredientes provavelmente foram adicionados e experimentados com o
passar do tempo, com o daiquiri original, que é o primeiro já feito, sendo
apenas rum, açúcar e suco de limão.
Uma
história em outro livro de 1948, contada por alguém que afirma ter estado
presente quando foi inventada, diz que a bebida nasceu por necessidade e
escassez. (4)
A
história conta que um mineiro chamado Cox na parte oriental de Cuba, em El
Cobre mais especificamente, foi convidado a fazer uma bebida para um visitante
(o homem que conta a história). Mas o refeitório não tinha vermute. Tudo o que
eles tinham era rum, açúcar e suco de limão. Então Cox juntou esses
ingredientes, sacudiu com gelo até ficar bem frio, coou e serviu ao convidado.
E assim nasceu o Daiquiri (4).
Histórias
de origem são sempre difíceis de provar, mas essa é mais ou menos a origem
geralmente aceita da icônica bebida cubana. As variações que surgiram ao longo
dos anos são exemplos de como as receitas muitas vezes ganham vida própria.
Eles evoluem. É por isso que é tão difícil dizer quando ou se algo é ou não
“autêntico” ou “tradicional”. Na verdade, eu diria que muito pouco do que
consideramos autêntico no reino da comida e bebida realmente é.
O
daiquiri, como várias outras bebidas do Caribe, foi alterado. Foi diluído e
alterado quase irreconhecível para atender a um público diferente. Mas vale a
pena notar que em nenhum momento de sua existência, exceto talvez naquela
primeira vez nas minas de El Cobre, houve um acordo sobre uma única receita que
é a receita do daiquiri.
A
receita abaixo foi publicada em 1915, e retirada de El Manual del Cantinero.5
Daiquiri
Cocktail
Ingredientes
suco
de um limão
1
colher de sopa de açúcar
1
colher de sopa de xarope de granadina
1
colher de sopa de Curaçao
50
ml rum light (Bacardí)
Preparo:
Coloque vários cubos de gelo em uma coqueteleira. Adicione todos os
ingredientes e agite até ficar bem gelado. Coe em uma taça de coquetel ou
champanhe e sirva.
Há
muito o que explicar nesta receita, da história de Curaçao à história de
Grenadine, ao Rum Bacardi e às limas vs. limões!
Mas
a granadina de fora por enquanto, mas quero falar brevemente sobre os outros.
Bacardí,
embora não seja mais fabricado em Cuba desde logo após a revolução de 1959,
ainda é fabricado e disponível.
O
Curaçao é um pouco complicado. O Curaçao que muitos conhecem é podem ter em
casa é aquele do tipo azul, que é mais ou menos o mais disponível, e mais
comercial. Porém, em seu estado natural, Curaçao é claro; a cor é adicionada
para a estética. O azul combinado com o grenadine, dá a essa mistura em
particular um lindo tom roxo-avermelhado, não tenho certeza de quando o Curaçao
ficou azul.
Pelo
que pude encontrar, provavelmente não aconteceu até que esta receita fosse
publicada. Mas como a cor não dá sabor, imagino que não importaria se não
estivesse claro.
E,
finalmente, uma nota sobre limas. Quando os cubanos, e de fato a maioria dos
latino-americanos, dizem “limón”, que é limão em inglês, eles se referem ao
cítrico verde que os americanos chamam de limes (limão Taiti). O limão
americano, o amarelo (siciliano), mais escasso na América Latina e raramente
solicitado nas receitas.
Há
uma história complicada por trás disso. É centrado em quais tipos de cítricos
cresceram melhor do que outros nas Américas. No final, foi o tipo verde que
assumiu. Então, quando uma pessoa latino-americana diz limón, ela quer dizer o
tipo verde (limão taiti). Isso causa todo tipo de confusão quando dizemos que
limão significa limão americano(siciliano).
Referência
1. Ron
Daiquiri Coctelera: Cocktail Book, Compañia Ron Daiquiri S.A., Habana, Cuba,
1948, 6.
2.
Cuna Del Daiquiri Cocktail: La Habana, Cuba (La Habana: Talleres de Artes
Graficas, 1939), 25-26. Bar La Florida Cocktails, Habana, Cuba, 1934.
3.
Manual de Cocteleria (La Habana: Editorial Excelsior, 1959), recipes 8 and 35.
4.
Hilario Alonzo Sanchez, El Arte del Cantinero: Los Vinos y Licores (La Habana:
Imprenta Fernandez y Cia, 1948), 264-275.
5. John B. Escalante, Manual del Cantinero (Habana: Imprenta Moderna, 1915), 13.
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