A
massa folhada sempre rende delícias, doces e salgadas, que fazem a alegria dos
gulosos nas confeitarias (eu que o diga!). Parece que este tipo de massa deixa
tudo mais gostoso e acaba dando um “ar de refinamento” nos preparados. Para não
esconder meu encantamento pela massa folhada resolvi, hoje, trazer, a história
de uma receita deliciosa que a utiliza no preparo, receita tão especial que
acabou gerando polêmica, e isso virou a ‘alma do negócio’ para difundi-la ainda
mais. Eu falo sobre Le puits d’amour
(poço do amor).
Porém,
antes de eu começar a esclarecer sobre a gênese desse doce luxurioso, preciso
comentar: eu preferi não colocar no título a tradução, ao pé da letra, para o
nome em português para este doce. Pois, em francês, tudo fica mais bonito!
Le
puits d’amour é uma pâtisserie inventada por um grande chef confeiteiro no
século XVIII. Surgida simultaneamente com outra receita bem tradicional da
culinária francesa, cada uma servia dois rivais. As duas tinham, porém, o mesmo objetivo: o de atrair a atenção de um mesmo homem, o rei Luís XV. Uma preparação era calorosa e
generosa enquanto a outra era travessa e ousada.
Maria Leczinska, esposa de Luís XV, tendo perdido as graças de seu marido após dez gestações, recorreu à arte de seu chef pasteleiro para tentar recuperar os favores do rei.
O amor e a boa comida não andam de mãos dadas? Nicolas Stohrer, que serviu à rainha durante sua juventude e a seguiu a Versalhes após seu casamento, inventou assim a “bouchée à la reine” (mordida na rainha, ou bocado da rainha). Esta deliciosa caixinha de massa folhada, recheada de salpicão ou com creme de frango ou camarões, tornou-se um clássico da culinária francesa. Embora tenha se espalhado além das fronteiras do reino, a mordida da rainha infelizmente não cumpriu seu papel principal, o de seduzir o rei. Porque, ao mesmo tempo, outro doce começava a fazer barulho durante as refeições íntimas do monarca com sua amante Madame de Pompadour. Proposta por Vincent la Chapelle, chef da Marquesa, foi chamada de "poço do amor" (puits d’amour).
Marie Leszczinska, rainha da França, por Carle Van Loo, 1747La marquise de Pompadour, por François Boucher (1756).Vincent
La Chapelle, um grande Chef de cuisine do século XVIII, era o inimigo jurado de
François Massialot, (1660, em Limoges - 1733, em Paris ) outro conhecido Chef
francês que serviu como chef de cuisine ( officier de bouche ) a vários
personagens ilustres, incluindo Philippe I, duque de Orléans , irmão de Louis
XIV e seu filho Philippe II, duque de Orléans , que foi primeiro duque de
Chartres e depois regente, assim como o duque d'Aumont, o cardeal d'Estrées e o
marquês de Louvois. As intrigas entre
os dois deve-se ao fato de Massialot ter
copiado muitas das receitas de La Chapelle e apresentar como ideia sua. Mas, neste
caso, no entanto, não há nenhuma controvérsia, pois não se pode encontrar Le
puits d’amour no Le Cuisinier Royal et Bourgeois. Esta receita é de La Chapelle,
que a escreveu tanto em Inglês e Francês e a publicou no The Modern Cook, em
1735, e você pode conferir na integra a receita origina, em francês, abaixo:
Faites un feuilletage : votre
feuilletage étant fait, étendez-le de l’épaisseur d’un écu ou de deux florins.
Mettez un plat par-dessus de la grandeur que vous voulez faire votre gâteau ;
coupez la pâte tout autour ; mettez cette abbesse sur un plafond ; ensuite
prenez un autre plat qui soit plus petit d’un bon pouce et refaites une autre
abbesse ; coupez-là dans le milieu, et enlevez la pièce de six pouces en
rondeur, selon la grandeur de votre gâteau, et mettez le collier sur votre
première abbesse ; faites quatre « S » aussi grandes que vous le jugerez à
propos, pour le moins de quatre pouces de hauteur, elles se font du même
feuilletage. Faites cuire le tout au four ; étant cuit, poudrez votre gâteau au
sucre et le glacez avec la pèle rouge ; il faut que les S soit glacés de tout
coté. Vous formez un petit cordon de la longueur de quatre à cinq pouces pour
imiter les seaux d’un puits… », écrit Vincent La Chapelle dans son « Cuisinier
Moderne » en 1735.
É preciso ressaltar que, Les
bouchées à la reine eram compostas geralmente de uma caixinha de massa folhada recheada e com uma tampinha da mesma massa, às vezes poderia ser apresentada em uma variação feita de massa choux. Tudo parecia perfeitamente inocente. Mas, Madame de Pompadour havia pedido para o seu chef deixar de lado o salpicão usado na preparação de Les bouchées porque ela achava essa preparação muito com cara de "família", muito
enfadonha. E, assim, Le puits d’amour de La Chapelle surgiu recheado com geleia de
groselha, bem vermelha, as vezes eram servidas com marmelada de damasco. A ideia de Madame de Pompadour era libidinosa, e o confeiteiro entendeu: fez um poço que lembrava “outro”,
ainda mais atraente, foi muito sugestivo, e assim o doce virou um escândalo
principalmente para a Igreja.
Ao
que revela a história, sabe-se que a preferência do rei entre as duas preparações
era escancarada: o rei Louis XV servia Le puits d'amour, que supostamente
representava "Les puits d'amour royal”, durante seus jantares íntimos com
os convidados favoritos.
Essa
representação erótica era bem conhecida pela corte e aumentava o escândalo com
a Igreja e os puritanos. De forma que, para aliviar a confusão gerada, a geleia
vermelha foi substituída por crème pâtissière na tentativa de tornar o bocado
menos “pecaminoso e esculhambativo”; E, assim, ele seria mais aceitável. Essa
mudança ainda incluiria outra, as caixinhas de massa folhada recheadas com
crème pâtissière ganharariam também uma cobertura caramelizada. E assim, se
esconderam as “vergonhas”!
Outra
controvérsia só surgiria quando alguns atribuíam criação deste doce, no século
XIX, ao confeiteiro Coquelin, em homenagem a uma ópera cômica chamada, "Le
puits d'amour", de Balfe, Scribe e Leuven.
Um fato interessante é que, em 1930, surgia a Stohrer - uma pastelaria parisiense que se especializou no preparo deste doce, e o apresentava definitivamente com recheio de creme e crosta caramelizada, de modo que perpetuou essa ideia receita até os nossos dias. O puit d’amour da Stohrer, na rue Montorgueil 75002 de Paris,é considerado por muitos como o melhor do mundo. e pode ser encontrado também na forma retangular e grande
Um pouco mais de história...
A
evocação romântica do “poço do amor” me permite citar uma verdadeira história
sobre "Le puits d'amour", contada a partir da existência de um dos
poços de Paris, que acabou dando seu nome a uma rua no bairro de Les Halles.
O
poço de amor já foi um autêntico poço de água, na qual uma verdadeira história
de amor tenha dado ao chef pasteleiro a ideia para a sua criação. No século
XII, ficava em plena Halles de Paris, no cruzamento da Torre, entre o
cruzamento da rue Mondétour e da rue de la Grande Truanderie, um poço que
sustenta a origem de uma lenda urbana francesa que sobreviveu. até nossos dias.
Diz-se
que Agnès Héllebic, uma jovem traída por seu amante, fez a tentativa de acabar
com sua dor se jogando no poço. Trezentos anos depois, um jovem, rejeitado pela
família de sua namora queria acabar com sua vida da mesma maneira. E atirou-se no
poço. Felizmente ele foi salvo, com a ajuda de uma corda – dizem que pela família
cruel de sua namorada. Ele teve seus ferimentos suavizados, foi confortado pela
amada, e com isso os pais da jovem acabaram concedendo-lhe a mão de sua filha. Durante
séculos, o poço foi um local de peregrinação para jovens amantes. Ao cair da
noite, era possível ver casais cantando, dançando e fazendo juramentos de amor
eterno em volta do poço.
Com
o tempo, o tal o poço caiu em desuso e o casal se permitiu restaurá-lo, e lá
deixaram a seguinte inscrição "O amor me refez em 1525, por completo"
[os românticos devem estar se esbaldando com esta realidade de outrora, mas a história
ainda não acabou. A visitação era tanta, com bagunça e barulho, que a vizinhança mandou soterrar o poço.
A
essa história, aparentemente tão romântica, ainda se pode ter uma alusão mais
sexual, quando se vai ver na história que la rue du puits d'amour, onde o poço
se localizava era, então, um antro de prostitutas...
375 gr
de massa folhada (ou 6 vol au vent prontos)
60 ml
de leite
2 ovos
4
gemas
75
gramas de açúcar refinado (ou açúcar de confeiteiro)
60 g
de farinha de trigo
80
gramas de açúcar para fazer o caramelo
uma
colher de sopa de água
1
colher de chá de baunilha em pó (ou de essência)
Manteiga
Preparo: Pré-aqueça o forno
(180 °). Despeje o leite em uma panela e deixe ferver. Bata as gemas, os ovos
inteiros e o açúcar. Quando tiver dobrado de volume adicione a farinha e a
baunilha. Em seguida retire a panela que deve estar com o leite fervendo do
fogo e despeje a mistura junto ao leite, mexa constantemente. Leve a mistura de
volta ao fogo baixo e deixe até engrossar. Deixe esfriar. Quando frio leve à
geladeira coberto com filme plástico. Massa: Abra a massa folhada em uma
superfície enfarinhada. Passe manteiga em 6 forminhas de 5 cm de diâmetro
(aquelas forminhas redondas altinhas – Tipo para cucpcake, ou se preferir
compre vol au vent prontos e só recheie). Encha as formas com a massa, faça
furos no fundo e os lados com um garfo. Cubra a massa com papel manteiga e
encha com feijão. Asse por 15 minutos. Retire as do forno, remova os feijões e
o papel manteiga e deixe esfriar. Caramelo: Coloque o açúcar em uma panela com
uma colher de sopa de água. Coloque em fogo médio e deixe cozinhar sem mexer até
que vire caramelo. Retire a massa do seu molde, recheie com o creme frio e
despeje delicadamente sobre o creme gelado, o caramelo ainda quente. O
contraste entre as duas temperaturas deve endurecer o caramelo, quase que
imediatamente. Mantenha-se o doce em local seco e à temperatura ambiente até
que esteja o momento de servir.
Obs.: se preferir, recheie apenas com geleia de frutas (groselha, framboesa, morango ou damasco.
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