Eu tenho problemas
com morangos. Pronto, falei.
Essa seria uma boa
frase para começar uma das minhas sessões de análise [risos]. O fato é que isso
é a mais pura verdade. E me incomoda. Imagina um sujeito que gosta e ama
confeitaria não ser muito fã de morangos, sobretudo quando estes parecem brotar
nas preparações cima, no meio, embaixo, por todos os lados...
Acho que esse meu “probleminha”
com morangos se deve a um trauma de infância (já mencionado AQUI). Vendo melhor
essa situação, até posso dizer que a fruta fica muito boa com chocolate
derretido, numa sobremesa aqui e outra acolá, numa geleia de vez em quando. Agora,
eu realmente não tolero quando as preparações levam recheios e saborizações
onde os confeiteiros entopem de morangos (de baixa qualidade) e os misturam com
aqueles preparados artificiais sabor morango e com aquelas caldas viscosas (também
artificiais), que na minha boca tem gosto de remédio ruim. Preciso me resolver
com está questão, e vou começar agora.
Dentre as preparações
charmosas onde os morangos surgem esplêndidos existe uma que me agrada em
especial: Le Fraisier – um bolo metido a chique que alegra a alma e ilumina os
olhos.
Neste instante me
lembrei do livro “Les desserts qui me
font craquer” (a tradução perfeita seria assim: As sobremesas que me fazem
rachar[risos]), de Christophe Michalak, que traz uma receita de le Fraisier
interessante, e já bastante famosa pelo mundo. Lembrei dessa respectiva
sobremesa e comecei a me perguntar onde teria surgido essa sobremesa. Fui
pesquisar. E antes que alguém comente que, com certeza, a preparação virá da
França, da sua pastelaria impecável, eu comecei a pesquisar com a possibilidade
de descobrir que franceses ainda não inventaram tudo na cozinha...
Alexandre Dumas, em
seu Le Grand Dictionnaire de cuisine, apresenta Fraises (morangos) assim: raises
des bois, ananas, carpon, des quatre-saisons et calabre musquée (morangos
silvestres, abacaxi, carpa grande, almiscarado de quatro estações e Calábria). Você
entendeu alguma coisa dessa descrição? Tudo bem, eu não estou brincando de
tradutor ruim, não. É que o texto é louco mesmo e faz a gente não entender nada
mesmo
.
.
Assim larguei o
dicionário de Dumas e fui procurar nos escritos de Escoffier, em seu Guide culinaire (au chapitre Entremet
article fraise ) [Guia de culinária, Capítulo Entremet, artigo morango) que
ensina variadas preparações com o fruto. E aí comecei a compreender o reflexo
louco do escrito de Dumas, quando ele citou o abacaxi lá no verbete para
morangos: é que estes últimos eram frequentemente associados com abacaxi, um
casamento eu tem se perdido e está quase esquecido até hoje (as estações dessas
duas frutas não são muito compatíveis. Mas hoje ainda é mais fácil ter os dois
junto que naqueles tempos).
Auguste Escoffier
também inclui a combinação de morango com kirsch (se observamos preparações
tradicionais como o clássico cookie de morango, ele é embebido em kirsch) – e
só aqui já teríamos o início para uma boa investigação 9este meu lado de
pesquisador cientifico não me abandona nem nestas horas). Outra incrível
combinação bastante utilizada nas receitas de Escoffier é fraises et curaçao (fraises macérées au curaçao [morangos macerados
ao Curaçao], mousse curaçao etc…). Curaçao é um licor de laranja tem o seu nome
a partir da ilha de Curaçao, nas Antilhas Holandesas.
Ainda há o famoso e
elegante fraise Melba (Morangos
Melba), derivado da famosa sobremesa criada por Auguste Escoffier para cantora
de ópera australiana Nellie Melba - É composto de sorvete de baunilha coberto
com uma camada de morangos selecionados e com um purê grosso de framboesas,
ligeiramente doce (note que a receita clássica não inclui chantilly como é
comum de ser encontrado hoje em dia).
Le fraisier sem pistache |
E, finalmente, um bolo
de morango chamado « Fraise Rêve de Bébé
(algo como Morangos dos sonhos de bebês) [Não, não estou inventando, o nome é
esse mesmo, essa seria a tradução literal engraçada]: Trata-se de um quadrado
de pão de ló coberto com um abacaxi inteiro preenchido com morangos e abacaxi
marinado e chantilly. Logo, creio eu que este " Rêve de bébé" seja, talvez, o primeiro ancestral muito, muito
distante do fraisier. Mais um ponto pros franceses.
Mudando de
publicação, agora com os olhos ficando na indispensável Larousse Gastronomique,
encontrei que le fraisier é identificado como uma génoise embebida em kirsch
coberta com crème mousseline (mistura de crème pâtissière com crème au beurre
emulsionados até ficar bem leve) e guarnecido morangos – tendo como nomes
variantes para esta preparação Fragaria ou Faisalia.
le fraisier com génoise tradicional |
Com génoise de pistache |
Em última análise, o fraisier
como o conhecemos hoje surgiu na década de 60, sendo popularizado por Lenôtre
com o nome de Bagatelle, um entremet (sobremesa) criado na primavera de 1966,
em referência aos jardins de mesmo nome existente no Le Bois de Boulogne. A
sobremesa era composta de uma génoise de pistache, creme mousseline à la
vanille, coulis de framboises e morangos frescos cobertos como uma fina camada
de patê de pistache. A receita apareceu em um livro datado de 1975, Faites votre pâtisserie comme Lenôtre chez
Flammarion.
Hoje tornou-se le
Fraisier é uma sobremesa clássica e como todo bom clássico possui várias
derivações. Inicialmente era apresentado
na forma de um grande bolo, depois passou a ser apresentado em porções
individuais como la charlotte ou la verrine.
Hoje as opções e
tipos de morangos existentes podem deixar tudo mais saboroso. A génoise de
pistache, apesar da combinação perfeita, é muitas vezes substituída por um
sablé breton, um biscuit cuillère ou pain de Gènes. La crème mousseline,
tradicionalmente com sabor de baunilha, pode ser substituído por une crème
mousseline à la pistache ou la pâte d'angélique. Isso só prova que as
possibilidades são muitas e que a criatividade humana continua transformando
coisas gostosas em coisas mais gostosas ainda (obrigado Senhor por permitir
isso!).
E não é difícil
encontrar nas confeitarias pertos de vocês um Le Fraisier sem morangos [risos],
mas com frutas da estação [e por que diabos não mudam o nome?]. O fato é que
agora precisaria de uma receita decente, e por tanto deixo cá a de Christophe
Michalak, mas isso não impede que você crie a sua [se fizer isso, me mande a
foto e as notificações pra gente saber do tamanho da sua astucia e poder de
fogo na cozinha].
60 g de farinha de trigo
60 g de fécula de batata
180 g clara de ovo (cerca de 6)
125 g de açúcar refinado
100 g de gemas (cerca de 5)
Crème
mousseline pistache:
300g de
crème au beurre (receita abaixo)
200g de crème pâtissière (receita
convencional, todo mundo já sabe fazer este , né)
60g de pâte de pistaches Bahadourian (pode
ser caseiro)
Xarope
de morango:
230g de morangos frescos
25 g de açúcar refinado
Para a
montagem:
250g de morangos frescos
20 g de pistaches
50 g de geleia de morango
50 g de geleia de damasco
Preparo:
Biscuit cuillère
preparo: Bata as claras em neve. Junte o açúcar aos poucos. Despeje as gemas
dentro e incorpore com uma espátula. Peneire a farinha com a fécula e vá
acrescentando com cuidado. Pré-aqueça o forno a 180 °. Forre uma assadeira
grande com papel manteiga, coloque a massa num saco de confeitar, bico redondo,
coloque o aro em que deseja formatar a sobremesa, e preencha o fundo do aro com
a massa (se preferir espalhe a preparação com uma colher, finamente,
respeitando o limite do aro para evitar ter que cortar do bolinho antes de
começar a sobremesa. Então, você precisa fazer 2 círculos Biscoito 20 cm de
diâmetro. Asse por cerca de 12 minutos. Quando assado fica levemente dourada. Creme musseline de pistache:
coloque todos os ingredientes na batedeira e misture bem até que o creme fique
fofo e leve. Reserve. Suco de Morango
cozido: Retire os talos e corte os morangos ao meio e coloque em uma
tigela e adicione o açúcar refinado. Fique com a ponta de uma faca com cuidado.
Em seguida, coloque em banho-maria. Cozinhe por aproximadamente 30 minutos, em
seguida, passe por uma peneira. Deixe escorrer o suco e leve à geladeira.
Reserve. Montagem: Em um aro
de 18 cm de diâmetro, coloque o disco de biscoito em seguida, e embeba com o
suco de morango cozido que foi reservado. Retire os talos e corte os morangos
frescos na vertical e, para em seguida organizá-los no contorno do aro. Em
seguida, coloque o creme musseline com cuidado para completar todo o aro sem
deixar espaços. Se preferir pode colocar mais morangos picados na mistura. Em
seguida, coloque na superfície o segundo disco de biscoito também umedecido no
suco dos morangos. Leve à geladeira por duas horas. Usando uma colher de chá,
misture as geleias e espalhe com uma espátula para criar um efeito marmorizado.
Retire do aro, decore com morangos e pistache.
Dicas
do Michalak - sempre mergulhar o biscoito inteiro no suco
de morango para dar aquele sabor especial. O fato de fazer esta preparação para
ser servida no dia seguinte permite que os sabores tenham melhor propagação,
ele só vai ficar melhor. Use sempre morangos e pistaches de excelente
qualidade.
Dica
do Barão de Gourmandise – se você gostou da receita e se assustou com os
ingredientes, sobretudo quanto ao paté de pistache, nãos e desespere. Inove,
invente, ou simplesmente não o coloque e faça a receita sem ele.
Açúcar 160g
Água 85ml
1 ovo inteiro
2 Gemas
250g de Manteiga s/ sal em temperatura
ambiente
Essência de baunilha ½ colher (chá)
Preparo: Prepare uma calda em
ponto de bala mole, com o açúcar e a água. Bata o ovo e as gemas na batedeira
até formar uma espuma firme 9tipo a preparação para pão de ló). Sem parar de
bater, junte aos poucos a calda de açúcar ainda quente. Continue batendo até
que a misture tenha esfriado e formado um creme espesso e claro. Junte a
manteiga aos poucos, incorporando-a bem antes de cada adição. Junte a baunilha
e use o creme de forma desejada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário