quarta-feira, 29 de junho de 2011

E se a Cuca te pega?

Prefácio
Já repararam que no Brasil as coisas são bem mais distintas do que em qualquer outro país do mundo. Parece que já nascemos com uma carga genética de baixa auto-estima – pois, basicamente, tudo fora do Brasil é “bom” e tudo daqui seria “ruim”. E quando vemos uma coisa bacana, bem feita, que funciona direitinho, nós dizemos: “nem parece no Brasil”.
Alguns antropólogos comentam que uma das origens deste autoflagelo que nos impomos falando mal de nós próprios, viria desde infância. Como?
Imaginem: ao redor do mundo as crianças, para dormir, são embaladas com musiquetas que acalentam o espírito e tem uma doce melodia. O famoso “Acalanto de Brahms” diz:
“Boa noite, meu bem, dorme um sono tranqüilo. Boa noite, meu amor, meu filhinho encantador... que uma doce canção venha o sono embalar”.
Mas como adormece uma criança no Brasil?

“Dorme neném que a cuca vem pegar, papai foi pra roça, mamãe foi trabalhar...”
“Boi, boi, boi, boi da cara preta, pega essa menina que tem medo de careta!”
Traduzindo: 
Os pais largaram a criança sozinha em casa ou a abandonaram com um mau caráter assustador; ou, com um impaciente que já vai logo avisando que se a criança não dormir rapidamente, virá um boi pegar ela - pra fazer o que, não se sabe.


É tudo assustador e o trauma continua com o decorrer da vida :
Caluniam ou  acusam a criancinha de ter virado uma canoa: 
“A canoa virou, por deixá-la virar, foi por culpa do (nome da criança) que não soube remar.”
Acusando a criancinha de dar coisas sem valor pra em seguida dizer que ela não sabe  amar – sem ao menos ela entender o que é o amor: 
“Ciranda, cirandinha.... o anel que tu me deste era vidro e se quebrou, o amor que tu me tinhas era pouco e se acabou".
Mostrando violência e briga, por nada, desde cedo: 
“O cravo brigou com a rosa.... O cravo ficou ferido e a rosa despetalada!”
E por aí vai... sem nada de ternura, doçura ou afins. O negócio e mandar ‘a pestes da criança’ dormir. Porque a vida é dura e ninguém está ali pra ajudar quando ela precisar. Depois de tanta pressão, com a infância cheia de histórias macabras, vitimando as crianças, mostrando que o bom sai perdendo, que a punição é certa e o fracasso inevitável, alguém ainda quer que o brasileiro tenha auto-estima elevada.
E assim ao longo da vida, crescemos com essa auto-estima baixa, esperando pela Cuca que um dia virá nos pegar, E se ela não vir tem um tal de boi da cara-preta a nos esperar.... 

Usei este prefácio, criado a partir de uma crítica sobre como os tempos mudaram em relação as visões deturpada das coisas. e resolvi  abrir este post com ele para tratar de um papão (bicho papão) que adoro: a tal da CUCA. 
Eu sei... podem dizer que sou do contra. Mas o “lado negro da força” sempre me fez estudar, pesquisar, para compreender melhor o mundo a minha volta. E a Cuca, pra mim, está mais pra comédia do que pra terror.
A Cuca é um dos principais seres mitológicos do folclore brasileiro. É popularmente conhecida como uma velha feia na forma de jacaré que rouba as crianças malinas e arteiras (estes termos são os novos - risos - significam desobedientes pra quem não entendeu o  vocabulário arcaíco).
A origem desta lenda está num dragão, a “Coca” das lendas portuguesas e espanholas. Nestes países, ela era representada por um dragão que havia sido morto por um santo. E aparecia principalmente nas procissões. 

Lenda da COCA de Monção:
Era uma vez um jovem que nasceu de pais novos e ricos, nasceu lá para os lados do oriente, a quem deram o nome de Jorge. Desde novo de dedicou às armas, servindo o imperador Diocleciano no seu exército. Era estimado por todos devido ao seu valor e coragem. Mas o imperador que servia moveu uma impiedosa perseguição aos cristãos. S. Jorge converteu-se a Cristo e jurou servir a sua vontade. Andava um dia S. Jorge nas terras de Líbia, quando escutou um grito desesperado. Acorreu e quando chegou junto do local do grito, deparou com um terrível animal e uma jovem donzela. Era um dragão que tentava devorar a jovem . S. Jorge avançou de lança em punho e feriu de morte a fera assassina. Perante tal ato, a jovem, que era uma princesa filha do rei da Líbia, impressionada pela heroicidade do cavaleiro, descobre a fé do santo, vindo ela a converter-se. Foram ainda muitos os feitos deste santo. Por esta razão o povo de Monção celebra a vitória de S. Jorge sobre o dragão (Coca).
Vejamos um versinho português que trata do assunto:

Vai-te, coca, sai daqui
Para cima do telhado
Deixa o menino
Dormir sossegado
          Lá, ao menos, eles espantam a Coca pro menino poder dormir. (risos). 
        A coca veio parar no Brasil na época da colonização  e passou a ser representada, em muitas regiões, como uma velha brava com cabelos compridos e desgrenhados, semelhante a uma bruxa. Ela foi incorporada as nossas tradições, e acabou virando  bicho, trocando de identidade,e acabou  virando  CUCA.

No Brasil, foram as obras do escritor brasileiro Monteiro Lobato onde a Cuca ganhou notoriedade. No "Sitio do Pica-pau amarelo", transformado em série de TV no final dos anos 70 e começo dos 80, a Cuca passou a ser conhecida nos quatro cantos do país. 
Na Tv, a Cuca era um jacaré bípede com cabelo amarelo e uma voz horripilante, que tinha a ajuda do Saci-Pererê. Malvada, morava numa caverna escura onde, como boa bruxa, sempre aparecia confabulando maldades e preparando poções mágicas.
No livro original “O Saci” escrito por Monteiro Lobato em 1921, a personagem é descrita apenas como uma bruxa velha com rosto de jacaré, e unhas compridas como as de um gavião. 
Cucas  Modernas
Mas como estamos no Brasil –  que mais parece o quintal do Sítio do Pica Pau Amarelo, onde tudo pode acontecer - , não seria estranho nos depararmos com uma Cuca por aí. 
Eu sempre achei a Cuca do Lobato, da primeira versão, muito hilária. Ela fazia maldades mas era engraçadíssimas, me fazia rir aos montes.
Eu realmente adorava a Dorinha Duval interpretando a Cuca – ela em 1977 interpretou a primeira cuca do pica pau amarelo para a TV. E ela interpretou tão bem o papel que  na vida real ela fez artes de cuca: Dorinha Duval,nome artistico de Dora Teixeira, foi atriz e vedete brasileira . Em 2020 lançou suas memórias autobiográficas num livro intitulado "Em busca da luz". Na obra narra como foi a experiência de ter sido violentada aos quinze anos de idade, ter sofrido um aborto e se prostituido. Dorinha também revela que tentou o suicídio depois da separação de daniel Filho, além de contar por que matou seu segundo marido, o cineasta Paulo Sérgio Alcântara, durante uma discussão em 1980. Atualmente, Dorinha é artista plástica, embora continue contratada pela Rede Globo.
Porém, atualmente, a Cuca é outra, voltou a ser loira e continua fazendo seus feitiços de se travestir de humano, como descrevia Lobato nos seus escritos (e que foi imortalizado pelo episódio abaixo).


Fantasiada de humano pra que Cuca melhor do que a figura da procuradora Vera Lúcia Gomes, para atormentar não só as criancinhas, e revelar as diferenças e o poder da hipocrizia no Brasil – onde quem tem dinheiro esta acima de qualquer suspeita.

 Aqui cabe bem a musica tema da Cuca:
Cuidado Com a Cuca
Que a Cuca te pega
Te pega daqui, Te pega de lá

A Cuca é malvada
E se fica irritada
A Cuca zangada
Cuidado com ela
A Cuca é matreira

E se fica zangada
A Cuca é danada
Cuidado com ela
Cuidado com a Cuca
Que a Cuca te pega
Te pega daqui, Te de lá
A Cuca é malvada
E se fica irritada
A Cuca zangada
Cuidado com ela.
Cuidado com a Cuca
Que a Cuca te pega
A Cuca é danada
Ela vai te pegar
E insistindo que no Brasil tudo pode acontecer, a Cuca foi parar na Cozinha e acabou  virando doce. Isso mesmo, não é lenda, é pura realidade.
Na língua tupi a palavra Cuca significa tragar ou engolir de uma vez só. Esta ultima ação faz jus a vontade que se tem quando se ver uma Cuca (de comer).
Mas a Cuca não é tupi. É um bolo de origem alemã, muito conhecido no Sul do Brasil. Preparado com uma massa fermentada de pão, com cobertura de farofa crocante. Geralmente servido no café da manhã, no chá ou no café colonial.
Seu nome origina-se da palavra alemã Streuselkuchen (lit. "bolo de flocos", em alemão: Kuchen = " bolo", Streusel = "granulado", "flocos").
A base do bolo é uma massa de levedura coberta com flocos (Streusel). Os principais ingredientes da cobertura granulada são farinha, açúcar e manteiga. Porém, a cobertura pode variar, adicionando-se aos flocos açúcar de baunilha ou canela em pó. Outra variação é cobrir a massa de levedura com pedaços de frutas, geralmente de maçã, e só em seguida cobrir as frutas com os flocos como cobertura final.
O Streuselkuchen supostamente originou-se na Silésia, uma região que hoje em dia é parte da Polônia. Atualmente o bolo é bastante comum em grande parte da região germanófona com suas variedades regionais.
Então se a Cuca ainda não veio lhe pegar, melhor você pegar ela primeiro – o difícil é você se contentar só com uma.

Streuselkuchen (Cuca Alemã)
Farofa
1 xícara (chá) de farinha de trigo (120g)
10 colheres (sopa) de açúcar (120 g)
1 colher (chá) de canela em pó (1,5 g)
5 colheres (sopa) de manteiga (60 g)
Massa
1 xícara (chá) de leite (240 ml)
2 tabletes de fermento biológico (30 g)
1/2 xícara (chá) de açúcar (180 g)
5 xícaras (chá) de farinha de trigo (600 g)
1 colher (chá) de sal (2,5 g)
1/2 xícara (chá) de manteiga (100 g)
3 ovos
100 g de uvas passas sem sementes
100 g de frutas cristalizadas
3 maçãs médias sem sementes em gomos
Preparo: Numa tigela, misture o leite morno com o fermento e metade do açúcar. Junte 1 xícara (chá) de farinha e mexa até ficar homogêneo. Cubra com filme plástico e deixe crescer em local aquecido por 30 minutos. Em seguida, peneire em outra tigela a farinha e o açúcar restantes com o sal e adicione, aos poucos, à massa crescida. Acrescente a manteiga (reserve 2 colheres de chá) e os ovos. Amasse bem e transfira a massa para uma superfície enfarinhada. Sove-a por 10 minutos, ou até ficar lisa e soltar das mãos. Volte a massa para a tigela e cubra-a com filme plástico. Deixe crescer por mais 30 minutos em local aquecido. A seguir, misture cuidadosamente as uvas passas e as frutas cristalizadas. Unte uma assadeira de 23 cm x 33 cm com a manteiga reservada e polvilhe farinha de trigo. Abra a massa na assadeira, alise-a e deixe crescer por mais 30 minutos. Ligue o forno à temperatura média. Disponha os gomos de maçã sobre a massa e reserve. Farofa: peneire numa tigela a farinha de trigo com o açúcar e a canela e misture a manteiga derretida. Mexa com as pontas dos dedos até obter uma farofa e espalhe-a sobre a massa. Leve ao forno por 45 minutos, ou até a massa dourar. Retire do forno e, depois de morna, corte a cuca em pedaços e sirva.

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