domingo, 11 de outubro de 2015

Mãe-Benta – patrimônio da doçaria carioca

Quem já provou os bolinhos conhecidos por mãe-benta sabe que eles viciam. Embora estes bolinhos estejam sendo esquecidos ao longo dos anos, eles são fáceis de fazer, deliciosos e podem ser resgatados do ostracismo nas suas aventuras culinárias. Por isso, hoje o post desta confraria é dedicado a este bolinho peculiar, que sempre rende boas histórias, a começar pela origem do preparado.


Tantas vezes o padre Diogo Antônio Feijó, ministro da Justiça de 1831 a 1832 e regente do Império Brasileiro entre 1835 e 1837, era visto na Rua das Violas, hoje Teófilo Ottoni, no centro do Rio de Janeiro, indo para a casa do cônego Geraldo Leite Bastos, seu amigo pessoal, de vida religiosa, correligionários e irmão de Maçonaria. Nessas visitas, além de trocarem ideias políticas, bebiam café passado no coador, limonada bastante açucarada e se deleitavam com mãe-benta. As línguas maldosas diziam sempre que a gula era o pretexto para esses encontros.

Padre Feijó
Esses bolinhos, cuja receita é patrimônio da doçaria carioca, são pouco produzidos hoje, mas naquela época era uma espacialidade de Dona Benta Maria da Conceição Torres, mãe do cônego Bastos, e se tornou famosa ao ponto que o bolinho ganhou o nome de mãe-benta.
Uma receita simples a base de farinha de arroz, leite de coco ou coco ralado, manteiga, ovos e açúcar, o doce foi apelidado pelo cônego de Mãe-benta. No entanto, apesar dos registros afirmarem que foi a mãe do cônego que inventou a receita, ela na verdade pode ter feito uma variação de algum bolo já existente, variando ingredientes até porque no Brasil colonial e imperial existiam outros docinhos com o mesmo nome e ingrediente semelhantes, também vendidos em tabuleiros, mas ninguém superava a especialidade preparada pela mãe do cônego. 



Nem mesmo as freiras do Convento da Ajuda, primeiro mosteiro carioca para mulheres, construído ainda no século 18. As freiras daquele convento eram confeiteiras renomadas e, apesar de garantirem que seguiam a mesma receita, o povo achava muito diferente. O Convento da Ajuda era conhecido por preparar doces elogiadíssimos, antes do aparecimento de confeiteiros na cidade do Rio de janeiro.
"Não tinham aparecido o Canceller, o Guimarães, o Francioni, O Neves do lardo do Capim, a viúva Castagner do Braço de Ouro (Rua do Ourives), o Castelões, o Deroche, o Camarinha, o Justina da Rua da Cadeia etc." (Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade, Coleção Rio Quatro Séculos, v.5. Livraria José Olympio, Rio de Janeiro, 1965). "Nos copos d'água (merendas oferecidas aos amigos), doces que não viessem da Ajuda não tinham valor algum".

Convento da Ajuda no Rio de Janeiro, hoje demolido.
Assim, os deliciosos mães-bentas disputavam a preferência dos comensais com o bom-bocado, suspiro, canudo desfolhado, filós, baba de moça e pastel de santa clara. E por muito tempo sempre foi o mais prestigiado.
As negras escravas vendiam sob as ordens das sinhás, cantando: " Mãe-benta, me fia um bolo? / Não posso senhor tenente/ os bolos são de iaiá/ Não se fia a toda gente".
Apesar do nome, nada tem a ver com o doce conhecido como Nhá Benta, popularizado pela indústria paulistana Kopenhagen, lançado em 1950 como o nome inicial de Pão de açúcar, sendo este um combinado de wafer, chocolate, marshmallow e açúcar.


Os bolinhos mãe-benta no entanto, são feitos com dois ingredientes conhecidos a bastante tempo pelos brasileiros: o leite de coco e a farinha de arroz - o arroz é cultivado no Brasil desde 1584, na Bahia, e desde 1745, no Maranhão. Mas somente em 1766 Portugal autorizou a instalação da primeira descascadora de arroz, no Rio de Janeiro. E só a partir deste perigoso começou-se a introduzir receitas com arroz, dentre as mais populares está o arroz doce ou arroz de leite.



Mãe-benta acabou conquistando muitos fãs nacionais e internacionais: o presidente da república francesa Paul Doumer e o historiador italiano Guglielmo Ferrero, que o conheceram o início do século 20 ficaram encantados com o sabor. Mas, garanto que eles podem te conquistar também, veja como é fácil e se aventure na cozinha para preparar estas delícias.

Mãe-benta
Para 40 unidades
12 gemas
2 claras
2 e 3/4 de xícara de chá de açúcar
2 e 3/4 de xícara de chá de manteiga
2 e 1/2 de xícara de chá de farinha de arroz
xícara de chá de leite de coco
Manteiga para untar

Preparo: Bata muito bem as gemas com as claras e o açúcar, até dobrarem de volume, ficado esbranquiçadas. Coloque a manteiga e misture bem. Junte a farinha aos poucos e alterne com o leite de coco, misture até ficar homogêneo. Disponha a massa e formas de empadas previamente untadas (ou em forminhas de papel), e asse por cerca de 40 a 50 minutos (ou até dourar). Sirva ainda morno.

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