terça-feira, 11 de março de 2014

Chapéus de Jóquei - coisas de poeta...

Hoje eu estou me sentindo aquele coelho branco de Alice no País das Maravilhas – tenho tanta coisa pra fazer, olho tanto pro relógio, corro pra lá e pra cá, e me perco... esbaforido. Mas eu lembrei dos olhos cor-de-rosa do coelho e percebi que isso tudo fazia a diferença...

Alice estava começando a ficar muito cansada de estar sentada ao lado da irmã na ribanceira, e de não ter nada que fazer; espiara uma ou duas vezes o livro que estava lendo, mas não tinha figuras nem diálogos, "e de que serve um livro", pensou Alice, "sem figuras nem diálogos?". Assim, refletia com seus botões (tanto quanto podia, porque o calor a fazia se sentir sonolenta e burra) se o prazer de fazer uma guirlanda de margaridas valeria o esforço de se levantar e colher as flores, quando de repente um Coelho Branco de olhos cor-de-rosa passou correndo por ela. Não havia nada de tão extraordinário nisso; nem Alice achou assim tão esquisito ouvir o Coelho dizer consigo mesmo: "Ai, ai! Ai, ai! Vou chegar atrasado demais!" (quando pensou sobre isso mais tarde, ocorreu-lhe que deveria ter ficado espantada, mas na hora tudo pareceu muito natural); mas quando viu o Coelho tirar um relógio do bolso do colete e olhar as horas, e depois sair em disparada, Alice se levantou num pulo, porque constatou subitamente que nunca tinha visto antes um coelho com bolso de colete, nem com relógio para tirar de lá, e, ardendo de curiosidade, correu pela campina atrás dele, ainda a tempo de vê-lo se meter a toda a pressa numa grande toca de coelho debaixo da cerca. (Trecho de Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll)

Acho que acabo me perdendo no País das Maravilhas também. Quando, outras vezes (ou muitas vezes ao longo dos dias [risos]), acabo parando no Covil dos Lotófagos (comedores de Lótus) – Pra quem não conhece os épicos episódios mitológicos gregos, os Lotófagos são uma tribo existente numa ilha perto do Norte de África, que comem essas plantas narcóticas, causando um sono pacífico aos habitantes da ilha, tirando-os da realidade, fazendo com que esqueçam do tempo e espaço.


Na Odisseia de Homero, (poema do oitavo século antes de Cristo (entre 701 e 800 a.C.) que conta as aventuras do guerreiro grego Ulisses (ou Odisseu) após a Guerra de Tróia.) Ulisses e os seus companheiros desembarcam na ilha dos lotófagos. Então são enviados três homens (1 arauto e 2 companhas) para investigar a ilha. Esses homens começam a fazer o que os nativos faziam: comer o fruto do lótus. Isto fez com que eles se esquecessem de abandonar a ilha. Finalmente, Ulisses conseguiu levar os 3 homens para o navio e os amarrou a seus assentos para que não voltassem à Ilha. A ingestão do lótus provocava a amnésia e este esquecimento é uma ambição antiga: abre a possibilidade de começar de novo, de renascer, de apagar o passado.

É nestes momentos “perdidos, esquecidos” que percebo as mudanças, seu peso, seus alívios e a necessidade de sair da zona de conforto para criar algo ainda melhor...

“Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.” (Fernando Pessoa)

Não quero ficar à margem de mim. E por isso, já comprei um cavalo de fogo, selvagem, com seu estilo de vida cigano pra me servir de condução; como escudo e abrigo, coloquei uma dúzia de bons livros numa sacola e resgatei meu velho chapéu de jóquei, para dar charme na jornada. E vou por aí, vendo o novo, revitalizando o velho e descobrindo maravilhas que eu, antes nem sonhava que existia...


Antes, porém, o charme do meu chapéu é tamanho, que me fez lembrar uma guloseima, das primeiras feitas pelo poeta que adorava uma cozinha, Vinicius de Moraes (já falamos destes dotes do poeta aqui), desde a época em que, no quintal de Maria da Conceição de Mello Moraes (sua avó) o menino Vina pegava os ovos para inventar, junto com os irmãos e a avó paterna, os seus "chapéus de jóquei", bolinhas de gema e açúcar cobertas com calda de caramelo.



Acho que vou reproduzir esta ideia do Vinicius em quanto as aguas de março caem, e só depois seguir minha viagem...

Chapéus de Jóquei
(Receita original de Vinícius retirada do livro: Pois Sou um Bom Cozinheiro Daniela Narciso e Edith Gonçalves Companhia das Letras, 296 páginas)

7 gemas
5 colheres (sopa) de açúcar;
1/2 colher (sopa) de farinha de trigo;
1/2 colher (sopa) de manteiga;
1/4 de colher (sopa) de baunilha


Preparo: Passe as gemas na peneira e misture tudo, exceto a baunilha. Leve ao fogo médio e mexa sem parar. Fora do fogo, acrescente a baunilha até incorporá-la. Numa travessa untada, faça bolinhas com uma colher. Cubra com calda de caramelo e puxe a pala do chapéu com o cabo da colher

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