sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Arroz de Hauçá


Se eu já gostava de estudar sobre gastronomia, por conta do mestrado, tenho me dedicado mais às leituras sobre o tema – e, principalmente sobre as maravilhas da cozinha brasileira.
Todo dia tenho uma surpresa. Todo dia uma boa história... pensando nisso, a postagem de hoje vem falar de um prato que a culinária baiana incorporou ao seu repertório, que o toque baiano tornou em prato ainda melhor. Me refiro ao ARROZ DE HAUÇÁ.


O arroz de hauçá é uma preparação de origem africana. Foi trazido para o Brasil no século XIX pelos haussás, hauçás, haúças, também conhecidos por hausa, muçulmanos habitantes do norte da Nigéria e sudeste do Níger. O prato consiste uma porção de arroz inchado – como chamam em Salvador o arroz grudento, quase papa -, cozido em agua, leite de coco e sal, acrescido de carne seca acebolada e coberto com molho de camarão seco, tudo regado com azeite de dendê.
Um fato que merece ser observado, é que o arroz de hauçá, poderia ser um cuscuz marroquino, com ingredientes trocados: arroz e coco ao invés de sêmola, carne seca ao invés de fresca, camarão seco substituindo a textura da tâmara e os olores marcantes dos temperos hindu-arábicos.


Isso nos mostra a influência de culturas que a culinária brasileira possui, e a diversidade gastronômica de simbologias que a Bahia tem. Pois, para o candomblé, o arroz de hauçá é uma comida ritual, um ebó (oferenda) – neste caso, o arroz é cozido somente com bastante água: não se coloca óleo, tempero, ou sal, pois será oferecido a Oxalá e Iemanjá, podendo ainda ser oferecido a todos os orixás, em formato de bolas ou numa tigela. Cada ebó a ser ofertado, para que o Orixá tome conhecimento, deve-se invocar a energia de outros Orixá, que tem o papel especifico de servirem de interligação entre nós e as divindades, sendo que sem a aceitação desses, os Orixá a qual se oferta a comida ritual, os ebós, não saberão de sua existência.


Comida ritual, nas religiões consideradas afro brasileiras, são as comidas específicas de cada Orixá, cujo preparo requer verdadeiro ritual. Esses alimentos depois de prontos são oferecidos aos Orixás acompanhados de rezas e cantigas. Durante a festa ou no final, em grande parte são distribuídas para todos os presentes. São chamadas comida de axé, pois acredita-se que o Orixá aceitou a oferenda e impregnou de axé as mesmas.
Não há um chef, mas a figura da Iyabassê, responsável por cumprir a execução da comida ritual. Existem Orixás que não aceitam comidas com azeite de dendê, outros não aceitam mel, outros não aceitam sal, outros não aceitam camarão, etc. A Iyabassê precisa saber exatamente como se prepara cada uma dessas comidas, para que elas sejam aceitas pelos Orixás respectivos.
A mídia nos revelou que o arroz de hauçá era um dos pratos preferidos do escritor Jorge Amado – esse sim, sabia o que a bahia tem de gostoso, e fez questão de deixar muitos pratos da cozinha baiana registrados em seus livros.
Sodré Vianna em seu livro, Caderno de Xangô : 50 receitas da cosinha bahiana do litoral e do nordéste, apresenta um fato interessante envolvendo o arroz de hauçá e um personagem ilustre do Brasil:


"Uma recordação da infância. Rui Barbosa estava na Bahia. Vinha pregoeiro do voto popular, fazer propaganda de sua candidatura à Presidência da República. Na bela vivenda da família Augusto Viana, na Graça, um almoço íntimo, bem baiano, reuniu numerosos amigos do senador.

E surgiu um prato de arroz-de-Hauçá. Naquele tempo, negro era negro, não entrava nas cogitações de brasileiro fino. Só o velho Nina Rodrigues, um cientista, coitado! ... tivera a pachorra de andar cheirando os mulambos da raça de serviço... Arroz-de-Hauçá...

- Donde viria aquilo, aquele nome tão esquisito?

E o Conselheiro, interpelado, teve um brilho erudito na imensa testa. Explicou: era uma corruptela de arroz de água e sal. Os pretos, na sua maneira de engolir letras, diziam arroz de água e sá, donde arroz de aussá. Correu pela mesa em murmúrio apaixonado. Aquele talento! Aquela cultura! "


Quem sabe você se anima e resolve preparar esse arroz. A receita está abaixo, mas ela pode ser melhorada de acordo com o gosto e a criatividade dos brasileiros. Divirta-se!


Arroz de hauçá:

4 xícaras de arroz agulhinha lavado e escorrido
1 1/2 xícara de leite de coco (use o leite de coco fresco se puder)
6 xícaras de água
Sal a gosto
1/2 xícara de óleo
700gr de carne seca já desfiada
500g de cebolas cortadas em rodelas finas
3 dentes de alho amassados.
Ingredientes para o Molho:
1xícara de azeite-de-dendê
2 cebolas grandes picadas
1,5 kg de camarões secos, sem a cabeça, as patinhas e a casca.

Preparo: Na véspera, corte o charque em tiras finas, coloque numa tigela, cubra com água fria e deixe de molho durante a noite. No dia seguinte, escorra o charque, coloque numa panela, cubra com água, leve ao fogo e continue o cozimento até a carne ficar macia. Tire do fogo, escorra, desfie e reserve. Numa panela, coloque a agua pra ferver. Quando em ebulição junte o sal e o arroz e misture bem e deixe o arroz cozinhar. Prove o arroz para ver se estar macio, acrescente leite de coco, acerte o sal, misture bem até o arroz ficar meio papa. Reserve. Prepare o molho: numa frigideira, coloque o dendê e aqueça em fogo médio, junte a cebola picada e cozinhe até ficar macia. Acrescente os camarões, misture, tampe a panela e cozinhe em fogo brando, juntando água aos poucos, se necessário, até os camarões ficarem macios. Tire do fogo e reserve. Prepare o charque: numa frigideira grande, coloque a 1/2 xícara de óleo, as rodelas de cebola e alho amassado, leve ao fogo alto e frite, mexendo até a cebola dourar. Com uma escumadeira, passe a cebola para uma travessa, acrescente o charque aos poucos à frigideira, frite até dourar, volte a cebola e misture. Distribua numa forma de bolo de buraco para desenformar coloque a carne com cebola o redor e, dentro da cavidade do anel de arroz distribua o molho de camarão seco para que ele penetre no arroz. Servir em seguida.

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