Se eu já gostava de
estudar sobre gastronomia, por conta do mestrado, tenho me dedicado mais às
leituras sobre o tema – e, principalmente sobre as maravilhas da cozinha
brasileira.
Todo dia tenho uma
surpresa. Todo dia uma boa história... pensando nisso, a postagem de hoje vem
falar de um prato que a culinária baiana incorporou ao seu repertório, que o
toque baiano tornou em prato ainda melhor. Me refiro ao ARROZ DE HAUÇÁ.
O arroz de hauçá é uma
preparação de origem africana. Foi trazido para o Brasil no século XIX pelos
haussás, hauçás, haúças, também conhecidos por hausa, muçulmanos habitantes do
norte da Nigéria e sudeste do Níger. O prato consiste uma porção de arroz
inchado – como chamam em Salvador o arroz grudento, quase papa -, cozido em
agua, leite de coco e sal, acrescido de carne seca acebolada e coberto com
molho de camarão seco, tudo regado com azeite de dendê.
Um fato que merece ser
observado, é que o arroz de hauçá, poderia ser um cuscuz marroquino, com
ingredientes trocados: arroz e coco ao invés de sêmola, carne seca ao invés de
fresca, camarão seco substituindo a textura da tâmara e os olores marcantes dos
temperos hindu-arábicos.
Isso nos mostra a
influência de culturas que a culinária brasileira possui, e a diversidade
gastronômica de simbologias que a Bahia tem. Pois, para o candomblé, o arroz de
hauçá é uma comida ritual, um ebó (oferenda) – neste caso, o arroz é cozido
somente com bastante água: não se coloca óleo, tempero, ou sal, pois será
oferecido a Oxalá e Iemanjá, podendo ainda ser oferecido a todos os orixás, em
formato de bolas ou numa tigela. Cada ebó a ser ofertado, para que o Orixá tome
conhecimento, deve-se invocar a energia de outros Orixá, que tem o papel
especifico de servirem de interligação entre nós e as divindades, sendo que sem
a aceitação desses, os Orixá a qual se oferta a comida ritual, os ebós, não
saberão de sua existência.
Comida ritual, nas
religiões consideradas afro brasileiras, são as comidas específicas de cada
Orixá, cujo preparo requer verdadeiro ritual. Esses alimentos depois de prontos
são oferecidos aos Orixás acompanhados de rezas e cantigas. Durante a festa ou
no final, em grande parte são distribuídas para todos os presentes. São
chamadas comida de axé, pois acredita-se que o Orixá aceitou a oferenda e
impregnou de axé as mesmas.
Não há um chef, mas a
figura da Iyabassê, responsável por cumprir a execução da comida ritual.
Existem Orixás que não aceitam comidas com azeite de dendê, outros não aceitam
mel, outros não aceitam sal, outros não aceitam camarão, etc. A Iyabassê
precisa saber exatamente como se prepara cada uma dessas comidas, para que elas
sejam aceitas pelos Orixás respectivos.
A mídia nos revelou que
o arroz de hauçá era um dos pratos preferidos do escritor Jorge Amado – esse
sim, sabia o que a bahia tem de gostoso, e fez questão de deixar muitos pratos
da cozinha baiana registrados em seus livros.
Sodré Vianna em seu
livro, Caderno de Xangô : 50 receitas da cosinha bahiana do litoral e do
nordéste, apresenta um fato interessante
envolvendo o arroz de hauçá e um personagem ilustre do Brasil:
"Uma recordação da
infância. Rui Barbosa estava na Bahia. Vinha pregoeiro do voto popular, fazer
propaganda de sua candidatura à Presidência da República. Na bela vivenda da
família Augusto Viana, na Graça, um almoço íntimo, bem baiano, reuniu numerosos
amigos do senador.
E surgiu um prato de
arroz-de-Hauçá. Naquele tempo, negro era negro, não entrava nas cogitações de
brasileiro fino. Só o velho Nina Rodrigues, um cientista, coitado! ... tivera a
pachorra de andar cheirando os mulambos da raça de serviço... Arroz-de-Hauçá...
- Donde viria aquilo,
aquele nome tão esquisito?
E o Conselheiro,
interpelado, teve um brilho erudito na imensa testa. Explicou: era uma
corruptela de arroz de água e sal. Os pretos, na sua maneira de engolir letras,
diziam arroz de água e sá, donde arroz de aussá. Correu pela mesa em murmúrio
apaixonado. Aquele talento! Aquela cultura! "
Quem sabe você se anima
e resolve preparar esse arroz. A receita está abaixo, mas ela pode ser
melhorada de acordo com o gosto e a criatividade dos brasileiros. Divirta-se!
4 xícaras de arroz agulhinha lavado e escorrido
1 1/2 xícara de leite de coco (use o leite de
coco fresco se puder)
6 xícaras de água
Sal a gosto
1/2 xícara de óleo
700gr de carne seca já desfiada
500g de cebolas cortadas em rodelas finas
3 dentes de alho amassados.
Ingredientes para o Molho:
1xícara de azeite-de-dendê
2 cebolas grandes picadas
1,5 kg de camarões secos, sem a cabeça, as
patinhas e a casca.
Preparo: Na véspera, corte o
charque em tiras finas, coloque numa tigela, cubra com água fria e deixe de
molho durante a noite. No dia seguinte, escorra o charque, coloque numa panela,
cubra com água, leve ao fogo e continue o cozimento até a carne ficar macia.
Tire do fogo, escorra, desfie e reserve. Numa panela, coloque a agua pra
ferver. Quando em ebulição junte o sal e o arroz e misture bem e deixe o arroz
cozinhar. Prove o arroz para ver se estar macio, acrescente leite de coco,
acerte o sal, misture bem até o arroz ficar meio papa. Reserve. Prepare o molho:
numa frigideira, coloque o dendê e aqueça em fogo médio, junte a cebola picada
e cozinhe até ficar macia. Acrescente os camarões, misture, tampe a panela e
cozinhe em fogo brando, juntando água aos poucos, se necessário, até os
camarões ficarem macios. Tire do fogo e reserve. Prepare o charque: numa
frigideira grande, coloque a 1/2 xícara de óleo, as rodelas de cebola e alho
amassado, leve ao fogo alto e frite, mexendo até a cebola dourar. Com uma
escumadeira, passe a cebola para uma travessa, acrescente o charque aos poucos
à frigideira, frite até dourar, volte a cebola e misture. Distribua numa forma
de bolo de buraco para desenformar coloque a carne com cebola o redor e, dentro
da cavidade do anel de arroz distribua o molho de camarão seco para que ele penetre
no arroz. Servir em seguida.
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