Poucos
lugares conseguem transmitir a atmosfera invernal como a região italiana de
Trentino-Alto Adige. As suas antigas aldeias iluminadas para as celebrações, os
telhados inclinados carregados de neve, as casas bordadas de luz; as Dolomitas
com os seus altos picos rochosos - o Cime di Lavaredo, o grupo Sella ou o Pale
di San Martino - os lagos, as pistas de esqui, os vales imaculados emolduram as
aldeias tornando esta região uma experiência única e evocativa para uma
paisagem clássica natalina.
A
cozinha do Trentino Alto-Adige tem duas almas: as receitas típicas são, de
fato, influenciadas tanto pela gastronomia veneziana, com fortes toques
montanhosos, como pelos hábitos alimentares austríacos. Não só isso: os pratos
são muitas vezes uma mistura de tradições da cozinha camponesas e da cozinha de
montanha, por um lado, e refinamentos trazidos à região pelos chefs da Casa dos
Habsburgos. As sobremesas do Trentino e do Tirol do Sul também apresentam essas
características. Entre todas elas, uma se destaca nessa época natalina pela
singularidade e riqueza de ingredientes: o zelten, uma sobremesa festiva por
excelência.
Um
bolo? Um pão recheado? Com frutas cristalizadas ou frutas secas? E, porque não:
tudo isso junto! O que é o Zelten não é uma questão resolvida: o fato, é que
ele é a sobremesa de Natal trentina por excelência, e sua receita tem muitas
variações. Alguns preferem-no macio, outros mais seco – tipo um pão de
campanha. O Zelten clássico, geralmente redondo ou quadrado, ainda pode ser
encontrado em forma de coração: o segredo é que, tal como o pão, fica bom mesmo
muitos dias depois de cozinhado. Este poderá ser precisamente o segredo do
sucesso do Zelten, nascido como um pão de “viagem”, substancial e bom mesmo
quando maturado.
No
Trentino-Alto Adige não há Natal sem ele. O Zelten é uma sobremesa típica feita
de frutas secas e cristalizadas. O nome de origem alemã deriva do advérbio
alemão “selten” que significa “às vezes ou raramente” – justamente porque
antigamente era preparado em poucas ocasiões selecionadas, devido à sua extrema
riqueza.
Nascido
como sobremesa de inverno, época em que os frutos secos eram mais encontrados
nos vales, hoje está disponível durante todo o ano. Membro de pleno direito da
família dos pães doces, característica de muitas regiões italianas, o Zelten
consiste em uma variante enriquecida de pães/bolos caseiros. Esta sobremesa é
um exemplo típico da “cozinha de montanha”, preparada apenas com ingredientes
facilmente disponíveis e que podem ser conservados por muito tempo. Embora a
receita varie ligeiramente de vale para vale e quase de família para família,
em toda a região italiana convenciona-se uma massa à base de farinha, ovos,
manteiga, açúcar e fermento, com adição de frutos secos, principalmente passas,
figos secos, amêndoas, pinoles e nozes.
Investigando
a história desta sobremesa típica descobri que não é tão claro a que feriado se
destinava inicialmente. Segundo uma tradição antiga, no século XVIII, o Zelten
era preparado por ocasião da festa de Santa Lúcia, no dia 13 de dezembro, para
ser consumido durante os feriados de Natal.
Outra
tradição, porém, afirma que era típico preparar a sobremesa por ocasião do dia
21 de dezembro, véspera de São Tomás. Durante a preparação, da qual toda a
família participava em agradecimento pela comida, as mulheres rezavam ao santo
para que ele trouxesse amor para suas vidas. Antes de ser assado, a mãe, unindo
o sagrado ao profano, marcava uma cruz no centro do Zelten como bênção. Depois
de pronto era colocado no armário para maturar o sabor.
Também
existem versões conflitantes sobre a ocasião em que a sobremesa deveria ser
consumida. A primeira afirma que a sobremesa deveria ser comida no dia de
Natal. Outros, porém, acreditam que ela deveria ser comida no Dia da Epifania
(6 de janeiro). Segundo a tradição do "Natal", um Zelten era comido
no retorno da missa da meia-noite entre os familiares, enquanto os demais eram
dados de presente pelas filhas prometidas aos seus futuros maridos.
A
receita do Zelten é uma verdadeira joia. Preservada na Biblioteca Cívica
Tartarotti de Rovereto, encontra-se a fórmula do que, para alguns, é a receita
“oficial” do zelten. Datada do século XVIII, essa receita descrita em “A arte
de cozinhar. Receitas de comida e sobremesas", de Don Felice Libera, foi
encontrada nesse manuscrito de culinária e confeitaria trentino do século XVIII
com o nome de Celteno – que mais tarde viria a ser o zelten. O manuscrito foi
doado à Biblioteca Tartarotti pelo Doutor Ruggero de Probizer de Rovereto que
encontrou o volume encadernado em pele de bezerro na casa de sua mãe Clotilde
Libera de Avio, dona de uma fiação.
O
preciosíssimo manual encadernado em pele de bezerro conta com 301 páginas
escritas, em perfeito estado, repleto de receitas, algumas verdadeiramente
curiosas como a “sopa pútrida” feita com partes de aves ou a sugestão de
conservação de ovos para “um ou dois meses”.
A
receita do zelten de Don Felice Libera é provavelmente a mais antiga para
zelten registrada e que continuou a ser transmitida. As instruções são simples,
ele diz: pegue uvas cristalizadas, passas, pignoli, amêndoas cortadas sem pele,
casca de limão picadinha, anis, cidra cristalizada, canela em pó, um pouco de
açúcar fino e um pouco de farinha e misture tudo; depois pegue um pedaço de
fermento, do tamanho de uma noz, e dilua com uma ou duas claras de ovo; em
seguida, misture com o material mencionado acima, forme o Celteno em uma faixa
e cozinhe em fogo baixo; depois de cozido, se quiser embelezar com cidra, bata
uma clara de ovo com um pouco de açúcar, e com isso molhe o Celteno, e também a
cidra, e depois coloque para secar no forno.”
De
tal forma, vê-se que o Zelten nasce de forma simples: é claramente uma preparação da cozinha pobre
que se utilizava de ingredientes facilmente disponíveis e armazenáveis. E a
mesma sobremesa era maturada durante dias porque – dizia-se – era melhor que
descansasse para ter mais sabor.
Hoje
o Zelten é produzido em todo o Trentino-Alto Adige e a receita difere de vale
para vale principalmente devido à disponibilidade histórica de certos
ingredientes. O Zelten do Tirol do Sul de Bolzano, por exemplo, é rico em
frutas, enquanto no Trentino a massa reina suprema com menos frutas e mais
frutos secos. No Alto Adige esta sobremesa nem sempre tem formato circular,
aliás inúmeras variações podem ser encontradas no mercado: em forma de coração,
oval, retangular, alongada. O Zelten do Tirol do Sul também se diferencia dos
demais por utilizar menos farinha que neste caso é o centeio. Tal como acontece
com todas as sobremesas típicas daquela tradição, cada família tem uma receita
muito pessoal que guarda zelosamente, transmitida de geração em geração. As
doses de ingredientes utilizadas na massa e na decoração mudam, mas não o
espírito de partilha que distingue esta sobremesa de Natal.
Zelten
150g de figo seco picado100g
de uvas passas
50g de
tâmaras sem caroço, picada
150g
de frutas cristalizadas
100ml
de grappa (ou use um vinho branco do seu gosto)
100ml
de água
Casca
ralada de meio limão
Casca
ralada de meia laranja
150g de
manteiga na temperatura ambiente
100g
de açúcar
2 ovos
inteiros
200g
de farinha de trigo
1
colher de fermento em pó
150g
de nozes picadas
50g de
pinoli
50g de
amêndoas laminadas
50g de
avelãs picadas
Para decorar
2
colheres sopa de mel
1
colher de sopa de água
Amêndoas
peladas
Cerejas
cristalizadas ou em calda
Preparo: na noite anterior,
junte numa tigela a grappa e a água e adicione as passas, as tâmaras, as frutas
cristalizadas, os figos secos picados e as raspas das cascas de limão e de
laranja, deixe macerar coberto com uma tampa ou filme plástico até o momento do
dia em que preparar a sobremesa. No dia seguinte, bata a manteiga com o açúcar
até obter um creme fofo, junte os ovos misturando bem, depois junte o fermento
e a farinha até ficar homogêneo. Em seguida, junte as frutas maceradas com todo
o liquido restante delas, adicione os frutos secos e misture bem. Numa forma
redonda untada e enfarinhada (eu ainda gosto de forrar o fundo com papel
manteiga) despeje toda a massa e espalhe para ficar com a mesma altura. Faça
decorações florais usando as amêndoas peladas e as cerejas, e leve ao forno
preaquecido a 180C para assar por 40 minutos, ou até dourar bem. Depois de
assado retire do forno, e prepare a calda de brilho. Numa panela pequena
misture as duas colheres de mel e uma de água e deixe dissolver. Depois
desligue o fogo e pincele toda a sobremesa para que ela ganhe um lindo brilho.
Observações: você
pode incrementar ainda mais o seu Zelten adicionando a esa receita a seguinte
quantidade de especiarias: ½ colher de chá de canela , 1 pitada de cravo em pó,
1 pitada de pimenta da Jamaica , 1 pitada de noz moscada.
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