Por incrível que pareça, imaginar uma bebida diabólica e cabras dançando vai nos remeter a um sabat, reuniões popularmente tidas como demoníacas e associadas às bruxas. Mas, neste caso, esses elementos são partes fundamentais e curiosas para as origens do café enquanto bebida, como se verá a seguir.
Kaldi de Abissínia (este
último era o antigo nome do Império Etíope, que compreendia aos territórios
atuais da Etiópia e Eritreia), um pastor de cabras etíope é a figura lendária
que está intimamente ligada à origem do café preparado como bebida. A história foi relatada pela primeira vez por
Murhij ibn Nirun al-Bani (nascido em Roma em 1629 – falecido na mesma cidade em
1711), latinizado como Faustus Nairo ou ainda Favsti Nairori de Banesii, um
religioso formado no Colégio Maronita de Roma que era professor de siríaco e
outras línguas orientais no Colégio Sapienza, em Roma, e autor de um dos
primeiros tratados impressos dedicados ao café, De Saluberrima potione Cahue
seu Cafe nuncupata Discurscus (Roma, 1671). Você poderá ver na integra uma
versão dessa antiga obra digitalizada AQUI.
As figuras de Kaldi e suas
cabras ‘dançarinas’ ilustram a história da origem do café mais frequentemente
encontrada na literatura ocidental embelezando a tradição credível de que o
encontro sufi com o café ocorreu na Etiópia, que fica do outro lado da estreita
passagem do Mar Vermelho a partir da costa oeste da Arábia
Segundo a lenda, Kaldi era
um pastor de cabras na região de Kaffa, na Etiópia, por volta de 950 d.C.
(século IX). Ele notou que suas cabras ficavam mais animadas e cheias de
energia depois de comerem as frutas vermelhas de uma determinada planta de tão
eufóricas elas pareciam dançar. Curioso, Kaldi decidiu experimentar as frutas
ele mesmo e também sentiu uma sensação de euforia e energia.
Ao perceber os efeitos
estimulantes das frutas, Kaldi decidiu levar algumas delas para um monge em um
mosteiro islâmico próximo. Lá, os monges desaprovaram a fruta rara temendo que
os seus efeitos pudessem estar relacionados com demônios ou espíritos malignos.
Os monges então começaram a jogar as frutas no fogo, de onde jorrou um cheiro
delicioso que fez com que as pessoas próximas viessem ver o que era aquela
fragrância.
Pensando que um aroma tão
grande não poderia estar relacionado a nenhuma entidade maligna, os grãos
torrados foram retirados do fogo pelos monges e depois moídos e colocados na
água, tornando-se a primeira xícara de café da história do mundo. Ao beber da
infusão, o abade islâmico do monastério sufi também sentiu os efeitos
estimulantes e decidiu compartilhar a descoberta com seus colegas.
Assim, os monges sufi
passaram a usar da bebida feita com os grãos de café para ajudá-los a se
concentrarem enquanto faziam suas orações. Eles também o usavam para mantê-los
acordados durante os rituais noturnos. De acordo com Abd-al-Qadir ibn Muhammed
al-Ansari al-Jaziri al-Hanbali (1558) 'Umdat al-Safwa fi hill al-qahwa' que
escreveu um dos primeiros relatórios sobre a história do café: “Eles bebiam
todas as segundas e sextas-feiras à noite, colocando-o em um grande recipiente
de barro vermelho. O líder deles serviu-o com uma pequena concha e deu-lhes
para beber, passando-o para a direita, enquanto recitavam as suas fórmulas
habituais”
A partir do mosteiro, a
notícia sobre as propriedades estimulantes do café se espalhou rapidamente.
Logo, a bebida se tornou popular entre os monges e começou a ser consumida em
outros mosteiros da região. Com o tempo, o café foi ganhando popularidade e se
espalhando para além das fronteiras da Etiópia.
A primeira evidência
credível do consumo de café remonta ao século XV, nos mosteiros sufis no Iémen.
Os frutos do café foram levados da Etiópia para o Iêmen pela primeira vez por
comerciantes iemenitas que então começaram a cultivar a planta.
Porém, descobri com pesquisadores
como Al-Razi, já concluíam que o café era conhecido, pelo menos nos meios
médicos, no início do século X – e com isso vieram as provas existentes nos
escritos de outros autores.
Em um relato fornecido por
Fakhr al-Din Abu Bakr Ibn Abi Yazid Al-Makki, ele se referiu a um grupo de
sufis sob o nome de ordem Shadhilya que costumava fazer Al-Qahwa de Kafta
usando as folhas de Al-Gat, uma planta estimulante muito conhecida na Arábia.
Aqui é preciso explicar um pouco do nome café: os árabes aderiram à bebida
estimulante, começando a cultivar as árvores com valas de irrigação nas
montanhas ao redor, chamando-a de qahwa, de onde deriva o nome café, uma
palavra árabe para vinho. Porém, outros acreditam que o nome “café” deriva
ainda: da região de Kaffa, na Etiópia; da palavra árabe quwwa (poder; dar poder
(energia), pela reação do café); ou, de kafta, a bebida feita da planta kha ou
qat (Catha edulis).
Devido à repentina escassez
de Al-Gat (al-qāt, Catha edulis) em Aden, o Xeique al-Dhabhani (falecido em
1470-71) instruiu seus seguidores a usar bunn, grãos de café, em vez disso. No
entanto, isto não prova necessariamente que o primeiro uso do café no Iémen
tenha ocorrido no século XV. O café poderia ter sido conhecido antes, mas
substituiu o Al-Gat naquela ocasião específica.
Hattox forneceu outras
fontes árabes, que ele afirma terem definido a introdução do café em meados do
século XV, no mínimo. Esta teoria ecoou a de John Ellis (1774), que citou Ibn
Shihab al-Din (século XV), atribuindo a primeira introdução do consumo de café
no Iêmen a Jamal Al-Din, o Mufti de Aden (um Mufti entre os povos islâmicos, é
o jurisconsulto supremo e intérprete qualificado do Alcorão para resolver os
pontos controvertidos da lei), que foi quase seu contemporâneo.
Durante uma de suas viagens
à Pérsia, Jamal Al-Din viu alguns de seus compatriotas tomando café. Na época,
ele não prestou muita atenção, mas ao retornar a Aden, adoeceu e decidiu tentar
para ver se melhoraria seu estado. Ao fazê-lo, não apenas recuperou a saúde,
mas percebeu outras qualidades úteis. Isso incluía aliviar a dor de cabeça,
animar o ânimo e prevenir a sonolência. Consequentemente, ele recomendou a
bebida aos seus companheiros sufis para que pudessem passar a noite em oração.
O exemplo e a autoridade do Mufti estabeleceram a reputação do café,
espalhando-o pela população e substituindo lentamente a bebida Al-Gat.
As fontes turcas, contudo, fornecem datações anteriores. Birsel em seu ‘Kahvaler Kitab’ atribuiu a primeira descoberta do café a 1258. Seu relato refere-se a um certo Xeique chamado Omar que o descobriu acidentalmente por causa da fome, o que o fez comer os grãos. Há provas circunstanciais que apoiam a visão turca e sugerem que o café era de fato conhecido pelos muçulmanos muito antes do século XV. A presença de potes de cerâmica e prata e formas de jarras, que só podem remeter à presença do café, foram estabelecidas no mundo islâmico, desde os séculos XIII e XIV.
Há outras evidências que
indicam que o café era conhecido pelos muçulmanos mesmo antes da data de Brisel
de 1258. Sabemos que o estudioso e médico Ibn Sina (Avicena) administrou o café
como medicamento por volta do primeiro milénio. Há uma referência e uma
descrição do seu efeito médico no seu Al-Qanun fi al-tib, no qual ele descreve
o café como “um material que vem do Iémen. Diz-se que é produzido a partir das
raízes do Espinho Aegiptia que cai na maturação. O melhor tipo é amarelo e
claro, de cheiro bom. O branco e pesado é ruim. Reaviva o corpo, limpa a pele,
seca a umidade que está por baixo dela e dá um cheiro excelente a todo o
corpo.”
A citação estabeleceu
claramente a presença do café no Iémen, pelo menos em algum momento do século
X. Antes dele, o conhecido médico do início do século X, Al-Razi (Rhazes),
também mencionou algumas propriedades médicas do café. No entanto, ambos os autores
usaram o nome bunn, a contração árabe do nome etíope para café.
Tanto a palavra em português
‘café’ quanto a inglesa “coffee” derivam do turco kahveh, que por sua vez
deriva do árabe qahwah. Mas no árabe clássico o café é chamado bunn, uma
palavra que no árabe moderno se refere apenas ao próprio grão. Este é o termo usado
por Al-Razi, a quem se atribui a primeira descrição escrita das propriedades
medicinais do café. Ele se refere ao grão e
à árvore como ‘bunn’ e à bebida como bunchum – o que, acrescenta, é bom
para o estômago. Pouco depois dele, por volta de 1000, Ibn Sina também
mencionou o valor do bunchum, afirmando que o café fortifica os membros, limpa
a pele e dá um cheiro excelente a todo o corpo.
A popularidade da história
de kaldi deve-se a UKers, que trouxe a descoberta do café de volta ao ano 750
dC, quando um pastor árabe, que segundo ele se chamava Khalid, que vivia na
Etiópia, observou as mudanças comportamentais em suas cabras ao comerem de um
determinado arbusto. Esse arbusto ficou conhecido como cafeeiro. Essa história
é amplamente repetida e aceita pela maioria dos historiadores.
Do exposto, torna-se claro
que o café foi descoberto pelos muçulmanos por volta do século X. Surgiu na
Etiópia, mas foi usado e cultivado pela primeira vez no Iêmen. Em vez de comer
os grãos, os iemenitas os cozinharam, criando a famosa bebida Al-Qahwa. Também
há consenso de que os primeiros usuários do café foram os sufis que o usavam
como estimulante para ficar acordado durante a madrugada durante o Dhikr
(lembrança de Deus). O café espalhou-se pelo resto dos muçulmanos do Iémen e,
eventualmente, por todo o mundo muçulmano através de viajantes, peregrinos e
comerciantes. Chegou a Meca e à Turquia em algum momento do final do século XV.
É relatado por Abd-Al-Qadir
Al-Jaziri (por volta de 1558) em seu livro 'Umdat Al-Safwa, Argumento a Favor
do Uso Legítimo do Café’, um manuscrito produzido em algum momento antes de
1587, de Fakhr al-Din Abu Bakr Ibn Abi Yazid Al-Makki, que afirmou que al-Qahwa
não alcançou Meca até o final do século IX da Hégira (século XV dC). Mais
tarde, ele forneceu outra fonte, que deu detalhes sobre como o café chegou ao
Cairo. Ibn Abd Al-Ghaffar relatou que na primeira década do século X Hijri
(meados do século 16 dC), o café foi levado aos estudantes iemenitas do Alzhar
Medrassa que o usaram para aumentar seu desempenho em vários círculos Dhikr. De
Al-Azhar, o café logo chegou às ruas, lojas e casas do Cairo. No início do
século XV dC (em 1453), o café chegou à Turquia com a primeira cafeteria, Kiva
Han, inaugurada em Istambul em 1475.
O texto de Al-Jaziri foi
escrito em resposta a um debate religioso sobre os méritos e a legalidade, sob
a lei islâmica, da bebida que varria a sociedade otomana. É o documento mais
antigo existente sobre a história, preparo, uso, virtudes e benefícios do
consumo de café. Depois que o café se estabeleceu em Meca e Medina, não demorou
muito para que peregrinos e comerciantes o disseminassem pelos cantos mais
distantes do mundo islâmico. De lá, o café também chegou à Europa no século
XVII através de Veneza, Marselha, Amsterdã, Londres e Viena.
Como resultado, o negócio de
exportação de café do Iêmen cresceu durante a primeira presença otomana entre
1536 e 1636. À medida que a bebida ganhou popularidade, o porto de Al-Mukha
gozou de um monopólio cada vez mais poderoso como a única fonte mundial de pão
até ao século XVIII.
Além de datar o primeiro uso muçulmano do café, muitos dos escritos sobre o café no Ocidente destacaram a controvérsia do café e das cafeterias nas terras do Islã, alegando que o Islã condenou o uso do café devido ao seu vício. É verdade que os cafés não eram apreciados devido ao caráter desperdiçador e lúdico da sua atividade, especialmente em locais onde eram associados a cantoras, dançarinas e afins. Mas as controvérsias sociais a seu respeito não impediram a propagação constante e contínua dos cafés pelos centros urbanos.
O Kaldi é considerado o
descobridor do café devido à sua observação das cabras e à sua curiosidade em
experimentar as frutas. Sua descoberta foi fundamental para o desenvolvimento
da cultura do café e para a disseminação da bebida pelo mundo.
A história de Kaldi não só
marca o início da viagem do café em todo o mundo, mas também simboliza o seu
significado cultural profundamente enraizado, especialmente na Etiópia. Lá, o
café, conhecido localmente como “buna”, é fundamental para a cultura do país e
é celebrado com cerimônias tradicionais do café.
Estas cerimónias são uma
prova do profundo respeito do país pelo café, apresentando os métodos
tradicionais de torrar, preparar e servir o café de uma forma comunitária e
ritualística.
Ao longo dos milênios, o
café transcendeu as suas origens para se tornar um fenômeno global,
profundamente enraizado em diversas culturas e sociedades. O seu papel em
rituais, reuniões sociais e até mesmo nos domínios da arte, da literatura e do
estudo científico sublinha a sua importância para além de apenas uma bebida
estimulante.
Das cerimónias tradicionais
da Etiópia aos cafés modernos, o legado de Kaldi e das suas cabras dançantes
continua vivo, lembrando-nos das origens humildes do café e do seu fascínio
duradouro.
A curiosidade sobre o café
extrapolou as fronteiras da Etiópia, levando ao cultivo e comércio do café a se
iniciarem na Península Arábica. No século XV, o café era cultivado no distrito
iemenita da Arábia e no século XVI era conhecido na Pérsia, no Egito, na Síria
e na Turquia.
O café não era apreciado
apenas nas casas, mas também em muitas cafeterias públicas — chamadas qahveh
khaneh — que começaram a aparecer em cidades de todo o Oriente Próximo (ou
Oriente Médio, como costumamos falar por aqui). A popularidade dos cafés era inigualável
e as pessoas os frequentavam para todo tipo de atividade social.
Os clientes não apenas
tomavam café e conversavam, mas também ouviam música, assistiam aos artistas,
jogavam xadrez e se mantinham atualizados sobre as notícias. As cafeterias
rapidamente se tornaram um centro tão importante para a troca de informações que
eram frequentemente chamadas de “Escolas de Sábios”. Com milhares de peregrinos
de todo o mundo visitando a cidade sagrada de Meca todos os anos, o
conhecimento deste “vinho quente da Arábia” começou a se espalhar.
As viagens de europeus ao
Oriente Próximo levaram consigo as histórias de uma bebida preta escura
incomum. No século XVII, o café chegou à Europa e tornou-se popular em todo o
continente Europeu.
Algumas pessoas reagiram a
esta nova bebida com suspeita ou medo, chamando-a de “amarga invenção de
Satanás”.
Certamente, o café não foi
recebido de braços abertos na Europa, devido às suas origens “infiéis” – muito
disso por ele vir de regiões e já ser hábito de mulçumanos.
Imaginem: uma bebida escura,
amarga, fervendo e viciante que conferia uma energia quase sobre-humana,
aguçava a inteligência e tinha origem na terra dos infiéis, era certamente
seria suspeita na Europa do século XVI.
Vale lembrar que os
mulçumanos conquistaram os Impérios persa e Bizantino, o Norte da África e
invadiriam a Península Ibérica em 711 – empurrando a monarquia visigoda para o
norte, que lhe seria resistência ao longo dos anos. Os mulçumanos só seriam
expulsos definitivamente pelos reis cristãos no século XV.
Assim, perceber a Europa em
guerra contra os muçulmanos durante séculos, não é estranho que o café tenha
sido apelidado de “bebida de Satanás” e “de infiéis”. Isso, inclusive levaria
ao clero local a condenar o café quando este chegou a Veneza em 1615.
Mas, como “todos os caminhos
levam a Roma”, o café acabou chegando ao Vaticano, e especificamente à mesa do
Papa daquela época. A controvérsia foi tão grande que o Papa Clemente VIII (24
de fevereiro de 1536 - 3 de março de 1605) foi convidado a intervir a medida em
que muitos de seus conselheiros explicitamente pediram que ele banisse o café,
mas o Papa tinha um ponto de vista pessoal. Ele decidiu provar a bebida antes
de tomar uma decisão. Assim, foi levada uma caneca fumegante de café ao Papa e
ele tomou um gole. Diz a lenda que ele disse: “essa bebida do diabo é
deliciosa. Deveríamos enganar o diabo e batizá-la”. O resto, como dizem, é
história.
"Ora, esta bebida de
Satanás é tão deliciosa que seria uma pena permitir que os infiéis fizessem uso
exclusivo dela." Clemente supostamente abençoou o grão porque parecia
melhor para as pessoas do que bebidas alcoólicas. O ano frequentemente citado é
1600. Não está claro se esta é uma história verdadeira, mas pode ter sido
considerada divertida na época.
Apesar dessa controvérsia,
as cafeterias estavam rapidamente se tornando centros de atividade social e de
comunicação nas principais cidades da Inglaterra, Áustria, França, Alemanha e
Holanda. Na Inglaterra surgiram “universidades de centavos”, assim chamadas
porque pelo preço de um centavo era possível comprar uma xícara de café e
iniciar uma conversa estimulante.
O café começou a substituir
as bebidas comuns do café da manhã da época – cerveja e vinho. Aqueles que
beberam café em vez de álcool começaram o dia alertas e energizados e, não
surpreendentemente, a qualidade do seu trabalho melhorou muito (Gosto de pensar
nisso como um precursor do moderno serviço de café no escritório).
Em meados do século XVII,
havia mais de 300 cafeterias em Londres, muitas das quais atraíam clientes com
ideias semelhantes, incluindo comerciantes, transportadores, corretores e
artistas. Muitas empresas cresceram a partir dessas cafeterias especializadas.
O Lloyd's de Londres, por exemplo, surgiu no Edward Lloyd's Coffee House.
Em meados de 1600, o café
foi levado para Nova Amsterdã, mais tarde chamada de Nova York pelos
britânicos. Embora os cafés tenham começado a aparecer rapidamente, o chá
continuou a ser a bebida preferida no Novo Mundo até 1773, quando os colonos se
revoltaram contra um pesado imposto sobre o chá imposto pelo rei George III. A
revolta, conhecida como Boston Tea Party, mudaria para sempre a preferência
americana pelo consumo de café.
À medida que a procura pela
bebida continuava a aumentar, houve uma concorrência acirrada para cultivar
café fora da Arábia.
Os holandeses finalmente
conseguiram mudas na segunda metade do século XVII. As suas primeiras
tentativas de plantá-los na Índia falharam, mas tiveram sucesso nos seus
esforços em Batávia, na ilha de Java, onde hoje é a Indonésia. As plantas
prosperaram e logo os holandeses tiveram um comércio produtivo e crescente de
café. Expandiram então o cultivo de cafeeiros para as ilhas de Sumatra e
Celebes.
Em 1714, o prefeito de
Amsterdã presenteou o rei Luís XIV da França com uma jovem planta de café. O
rei ordenou que fosse plantado no Jardim Botânico Real de Paris. Em 1723, um
jovem oficial da Marinha, Gabriel de Clieu, obteve uma muda na planta do rei.
Apesar de uma viagem desafiadora – com clima horrível, um sabotador que tentou
destruir a muda e um ataque de piratas – ele conseguiu transportá-la com
segurança para a Martinica.
Uma vez plantada, a muda não
só prosperou, mas também é responsável pela propagação de mais de 18 milhões de
pés de café na ilha da Martinica nos próximos 50 anos. Ainda mais incrível é
que esta muda foi a mãe de todos os cafeeiros do Caribe, da América do Sul e
Central.
O famoso café brasileiro
deve sua existência a Francisco de Mello Palheta, que em 1727 foi enviado pelo
imperador à Guiana Francesa para conseguir mudas de café. Os franceses não
estavam dispostos a partilhar, mas a esposa do governador francês em Caiena, Madame
D'Orvilliers,. cativada pela sua beleza, deu-lhe um grande ramo de flores antes
de partir – enterradas dentro dele estavam sementes de café suficientes para
iniciar o que é hoje uma indústria de milhares de milhões de dólares. As mudas
foram plantadas no Pará, onde floresceram sem dificuldade.
Mas não seria no ambiente
amazônico que a nova planta iria tornar-se a principal riqueza do Brasil, um
século e meio mais tarde. A medida em que aumentava o consumo do café pela
Europa, a história do café no Brasil ganhava espaço. A produção dos grãos foi
expandida, em 1781, com a ajuda de João Alberto de Castello Branco, ele foi
incumbido de começar as plantações na região Sudeste do país. Foi ele quem
trouxe mudas de Coffea arabica e introduziu o café no Rio de Janeiro. As
primeiras mudas que foram plantadas no Convento Capuchinhos na Rua dos
Barbonos, atual Evaristo da Veiga e depois na chácara do holandês Johann
Hoppmann, em Mata Porcos.
Porém, apenas no século XIX,
no Vale do Rio Paraíba, que as plantações de café ganharam mais destaque. Isso
aconteceu, principalmente, devido à escassez do ouro e a alta concorrência do
açúcar nas Antilhas, pois era necessário encontrar alternativas que superassem
os problemas econômicos e contribuíssem para a manutenção da elite
aristocrática nos anos seguintes.
A vinda da Família Real
Portuguesa para o Brasil no ano de 1808 foi um fator importante para aumentar
ainda mais o desenvolvimento da economia cafeeira, pois, após esse fato o
Brasil abriu seus portos às “nações amigas” e posteriormente, em dezembro de 1815,
deixou de ser colônia portuguesa e foi “promovido” a Reino Unido de Portugal,
Brasil e Algarves, o que fomentou a exportação do produto ao velho continente.
Muitos fazendeiros começam a
fazer fortuna com o cultivo de café a partir do século XIX, tão grande foi o
desenvolvimento dos cafezais nesse período e tão acentuada a contribuição deles
para a economia nacional, que ao ser proclamada a Independência, em 1822, um
dos símbolos escolhidos para compor sua bandeira foi um ramo de um de café.
Bandeira do império do Brasil tendo em sua composição um ramo de café de um lado, e um ramo de tabaco do outros, duas importantes culturas para o Brasil daquele período..
O cultivo do café no século
XIX, se valendo de mão de obra escrava, alcançou seu auge, a tal ponto que,
toda a orla oeste da Guanabara acabou se transformando num imenso cafezal,
conforme se vê nas narrativas e nas gravuras feitas por viajantes e paisagistas.
E assim, a cultura do café se espalhou para o Brasil, gerando outros polos
cafeeiros e deixando como heranças as belas fazendas dos senhores do café que
hoje podem ser encontradas em visitas turísticas.
Missionários e viajantes,
comerciantes e colonos continuaram a transportar sementes de café para novas
terras, e árvores de café foram plantadas em todo o mundo. As plantações foram
estabelecidas em magníficas florestas tropicais e em montanhas escarpadas.
Algumas culturas floresceram, enquanto outras tiveram vida curta. Novas nações
foram estabelecidas nas economias cafeeiras. Fortunas foram feitas e perdidas.
No final do século XVIII, o café tornou-se uma das culturas de exportação mais
lucrativas do mundo. Depois do petróleo bruto, o café é a mercadoria mais
procurada no mundo.
Com isso, pode-se dizer que
o café conquistou o mundo e tem um poder aglutinador nas sociedades. Em torno
de uma simples xícara nascem conversas profundas, risadas compartilhadas e
laços que perduram por anos.
Desde os tradicionais cafés
europeus (em Paris, Londres, Áustria, Turquia, dentre outros tantos) até as acolhedoras padarias e
cafeterias de bairro, o café tem sido há muito tempo um lugar de encontro para
amigos. É nesse ambiente descontraído que as pessoas se reúnem para colocar a
conversa em dia, discutir ideias ou simplesmente desfrutar da companhia umas
das outras. O aroma do café recém coado cria uma atmosfera acolhedora e
convidativa, perfeita para cultivar novas amizades ou fortalecer antigas.
Em muitas culturas ao redor
do mundo, o café desempenha um papel central nas interações sociais. Na
Turquia, por exemplo, o café turco é preparado e servido com grande cerimônia,
sendo considerado um gesto de hospitalidade oferecê-lo aos convidados. No Brasil,
o café é uma parte essencial da cultura, servido em quase todas as ocasiões
sociais: pode ser encontrado na primeira refeição diária que aqui leva o nome
de café da manhã, pode ser tomado para finalizar almoços, servido sempre depois
da sobremesas; é encontrado em eventos, como casamentos, sempre já no final
deles encontramos uma mesinhas contendo cafés, chás licores; nos café da tarde,
sempre acompanhados com muitas comidinhas deliciosas – ou no simples café com
bolo; mas também pode ser observado nos encontros informais e até em reuniões
de negócios importantes – lembrando que a grande maioria dos empreendimentos no
Brasil, sempre tem o costume de “um cafezinho para acordar”.
Mas nessa época junina, que
tal preparar um quentão de café, pra animar os festejos dos santos juninos?
Garanto que você vai se surpreender com o sabor dele, especialmente para
acompanhar tantas gostosuras de junho. Faz aí e depois me conta.
Se você desejar saber mais
sobre as origens do café, segue as sugestões de leitura, parte do material
usado para construir esse texto:
• Abd-al-Qadir ibn Muhammed al-Ansari al-Jaziri al-Hanbali
(circa 1558), ‘Umdat al-Safwa fi hill al-qahwa, 1826 edition by Sylvestre de
Stacy in Chrestomathie arabe, 2nd edition, 3 vols., Paris.
• ARNOLD, N.; PATEL, V. Coffee is one of our favourite drinks.
Find out where it is grown and how it first came to this country. The Guardian
Education, September 7, 1993.
• BIRSEL, Salâh. Kahveler kitab. Istanbul: Koza Yayinlari, 1975
(Olaylar-belgeler-anilar; 8).
• BURN, J.H. A Descriptive Catalogue of the London Traders,
Tavern and Coffee-house Token, Arthur Taylor, London, 2nd edition. 1855.
• CHEW, Samuel C. The Crescent ad the Rose. Oxford University
Press, New York. 1974.
• DARBY, M. The Islamic Perspective: An Aspect of British
Architecture and Design in the 19th Century. Leighton House Gallery, London. 1983.
• ELLIS, Aytoun. The Penny Universities: A History of the
Coffee-houses. Secker & Warburg, London. 1956.
• ELLIS, John. An Historical Account of Coffee with an
Engraving, and Botanical Description of the Tree: To Which Are Added Sundry
Papers Related to Its Culture and Use, as an Article of Diet and of Commerce.
Printed for Edward and Charles Dilly, London. 1774.
• GALLAND, Antoine (1699), De l’origine et du progrez du café,
Édition originale par J. Cavelier, La Bibliothèque; reprint coll. L’Écrivain
Voyageur, Paris, 1992.
• HATTOX, R. S. Coffee and Coffeehouses: The Origins of a
Social Beverage in the Medieval Near East. University of Washington Press,
Seattle and London. 1988.
• IBN AL-‘IMAD, ‘Abd al-Hayy ibn Ahmad, (1623-1679), Shadharat
al-dhahab fi akhbar man dhahab li-‘l-mu’arrikh Abi al-Fallah, Maktabat al-Quds,
Cairo, 1931.
• SWEETMAN, J. The Oriental Obsession: Islamic inspiration in
British and American Art. Cambridge University Press, Cambridge. (Cambridge
studies in the history of art). 1987.
• UKERS, William H. All About Coffee. The Tea & Coffee
Trade Journal Company. New York, 2nd edition. 1935.
• WILLIS, John E. Jr. European Consumption and Asian Production: Consumption and the World of Goods. Edited by John Brewer and Roy Porter, Routledge, London, p. 133-147. 1993.
Quentão de Café
600ml de café preparado ao
seu modo (recomendo fazer ele um pouco mais forte)
200ml de água filtrada
200ml de cachaça ou de um
bom conhaque
1 xicara de rapadura
quebrada
2 paus de canela
12 cravos da índia
6 rodelas de gengibre
6 cardamomos
2 estrelas de anis estrelado
3 ou 4 rodelas de laranja
2 limões
Para decorar: grãos de cafés
torrados, paus de canela, rodelas finas de laranja e anis estrelado (opcional)
Preparo: Em uma panela,
coloque a rapadura, a canela, os cravos, o gengibre, o anis estrelado, o
cardamomo, a laranja, a água e leve para ferver. Assim que a rapadura derreter
e o aroma estiver exalando, abaixe o fogo e coloque a cachaça. Deixe em fogo baixo
por 1 minuto e em seguida, coloque o suco dos limões espremidos espremido. Tire
do fogo após 30 segundos. Em uma jarra, coloque o café e coe a mistura do
quentão por cima do café. Misture e sirva. Decore com grão de café torrados,
pau de canela, rodelas de laranja, anis estrelado.
Obs.: você pode aumentar a dosagem da bebida alcoólica, mas depois, se você sair pulando como as cabras dançarinas de Kaldi, podem dizer que a culpa foi da ‘bebida endemoniada’ que você tomou. E, veja, está tudo bem! É só a história se repetindo, com uma inovação...(risos)
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