Fiquei relembrando minhas postagens anteriores sobre os pratos centrais das mesas natalinas, e me dei por conta de que os assados são sempre muito representativos. De tal modo, já tratei sobre alguns deles; o peru de Natal (AQUI e AQUI); desvendei o que seria o Tender (AQUI) e o misterioso Chester (AQUI); obviamente os presuntos/pernis não poderiam ter ficado de fora (Já tratei sobre eles AQUI). Mas eu queria mais. Precisava entender o motivo dos assados figurarem nas mesas de celebração. É sobre isso o post de hoje.
Provavelmente você conhece ou, pelo menos, já ouviu falar de "Um Conto de Natal” (A Christmas Carol), um livro clássico natalino e mundialmente famoso, escrito por Charles Dickens - até já virou filmes, e tem muitas traduções em português. A história fala de Ebenezer Scrooge, um homem avarento que abomina a época natalícia. Ele trabalha num escritório em Londres com Bob Cratchit, o seu pobre, mas feliz empregado, pai de quatro filhos, com um carinho especial pelo frágil Pequeno Tim, que tem problemas nas pernas.
Numa véspera de Natal Scrooge recebe a visita do seu ex-sócio Jacob Marley, morto há sete anos naquele mesmo dia. Marley diz que o seu espírito não pode descansar em paz, já que não foi bom nem generoso em vida, mas que Scrooge tem uma chance, e que três espíritos o visitarão. Após a visita dos três espíritos, Scrooge amanhece como um outro homem. Passa a amar o espírito de Natal, e a ser generoso com os que precisam, e a ajudar o seu empregado Bob Cratchit, tornando-se um segundo pai para Pequeno Tim. Diz-se que ninguém celebrava o Natal com mais entusiasmo que ele.
Precisei
fazer essa introdução pois vou pegar um gancho na história - e queria facilitar
para quem não a conhece... Vamos lá... quando, na manhã de Natal, Scrooge quis
se consertar, mandou um garoto de recados comprar o maior peru disponível, “não
o peru premiado, o grande”. Na época vitoriana, como hoje, nada dizia mais do
que um grande feriado, e a surpresa de Scrooge para a família Cratchit
transmite o máximo em comemoração. Mas como essas crenças de longa data sobre a
comida festiva se enraizaram?
Para
compreender a importância atribuída a esses tipos de refeições, recorro ao
antropólogo francês Claude Lévi-Strauss. Segundo ele, a diferença fundamental
entre as refeições normais que servimos aos nossos familiares imediatos e as
que fazemos por companhia ou nas férias é que a comida do dia-a-dia é cozida e
não assada.
Remontando
pelo menos à Idade Média na Europa, os grandes cortes de carne, considerados
adequados para assar, eram vistos apenas nas cozinhas dos mais ricos - naquela
época, a nobreza. Consequentemente, oferecer carne assada aos convidados era
conferir-lhes status nobre.
A
noção de Lévi-Strauss também reflete a realidade das cozinhas francesas da
época: a maioria não continha fornos. Para ocasiões especiais como o Natal ou a
chegada de convidados de honra, grandes pássaros ou pernis cuidadosamente
postos em banha eram carregados para a boulangerie local, ou padaria, para
assar nos enormes fornos de assar pão.
À
luz disso, eu diria que não é o método de cozimento em si, mas o esforço extra
despendido que indica o status mais elevado das refeições para ocasiões
especiais.
Uma
das funções principais dos feriados é a promoção e afirmação da coesão do
grupo. As memórias e rituais compartilhados que definem nossas famílias - e
nossas sociedades - são renovados e restaurados durante o preparo e ingestão de
alimentos tradicionais. Esse é um caso a ser observado com cautela, por
exemplo, se comparamos feriados importantes no Brasil é nos EUA.
No
caso norte americano, o ingrediente essencial em qualquer refeição de Ação de
Graças é sua invariabilidade. Outros feriados, como o Natal, permitem alguma
experimentação, mas a refeição de Ação de Graças é um ritual que deve ser
realizado com absoluta adesão às tradições da família. Mas essa invariabilidade
é transferida para o Natal, no caso brasileiro, considerando que aqui não se
comemora o Dia de Ação de Graças com a mesma intensidade que nos EUA.
É
curioso, então, que o menu do jantar de Natal, um mero mês após o Dia de Ação
de Graças, muitas vezes repete certos alimentos. Alguns itens aparecem em ambos
os menus precisamente porque são os favoritos da família, mas outros ocupam seu
lugar na mesa devido a tradições sociais que se estendem mais longe do que as
gerações imediatas.
Por
exemplo, muitos detalhes das celebrações do Natal americano são baseados em
modelos ingleses, como o registro de Natal, a repetição de canções sazonais e,
é claro, a recontagem anual, ou re-televisionamento, de A Christmas Carol l de
Dickens. Mas por que os ingleses não celebram o banquete americano de Ação de
Graças, um peru assado no Natal não é redundante na Inglaterra, como é nos
Estados Unidos?
Além
disso, embora a combinação de doces e salgados no mesmo prato seja incomum - os
ingleses costumam mantê-los separados - não é desconhecido.
Durante
a Idade Média e o Renascimento, imediatamente anterior à era da exploração e da
colonização da América, essas combinações doces-salgadas eram comuns. Portanto,
se a sua refeição de Natal tem o objetivo de servir como uma reconstituição
ritual dos costumes antigos, os cranberries fazem todo o sentido.
Na
tradição ocidental, apenas carnes assadas são normalmente servidas com um
acompanhamento doce: perna de cordeiro com geleia de menta, presunto glaceado
com abacaxi ou ganso assado com geleia de groselha. Embora nem sempre sejam
refeições de férias, geralmente são reservadas para ocasiões especiais.
Da
mesma forma, deve-se notar que essas refeições comemorativas muitas vezes
terminam com outra antiga combinação de doces e salgados, frutas e carne: a
torta de carne moída.
Nos
últimos anos, a combinação de frutas e carnes tornou-se mais comum, em grande
parte devido ao aumento da popularidade de cozinhas não europeias.
Os
chineses, por exemplo, geralmente não reservam espaço para a sobremesa porque
cada um de seus pratos equilibra os quatro sabores básicos: doce, azedo,
salgado e amargo. A maioria dos americanos pede pratos doces e salgados em
restaurantes étnicos e estão começando a apreciá-los em casa também.
Enquanto
no caso dos brasileiros, sempre haverá algo para a sobremesa e, de preferência,
em variedades muito doces (É o nosso jeitinho). Mesmo depois de servir um peru
à Califórnia, cheio de frutas em calda, acompanhado de farofas ricas e que,
assim como no arroz festivo, ostentam as uvas passas (abominação por muitos,
mas que eu adoro).
Talvez
em consonância com essa ampliação do paladar americano e de um interesse mais
geral em nossa história e genealogia cultural, cozinheiros aventureiros estão
experimentando cozinhas muito mais antigas.
Interessante
ressaltar que no Brasil no século XIX, assados especiais figuravam nas mesas de
banquetes especiais, principalmente o “Dindonneau à la brésilienne” cuja
receita advém de tempos imperiais e estava presente e assemelha-se ao “Faisan à
la brésilienne”, que aparece na obra La Grande Cuisine Simplifiée, de 1845, e
era assim apresentado: “um faisão recheado com foie gras, carne de galinhola,
toucinho e especiarias. Envolto em papel manteiga, colocado em uma frigideira e
depois assado com vinho de Málaga. Depois de assado é trinchado e disposto em
uma travessa, acompanhado de croûtons guarnecidos com purê de galinhola. É
servido com molho Périgueux (à base de vinhos e trufas). Esse prato era servido
como entrada”.
Observando
a influência francesa no nome do preparado a terminologia à la brésilienne já
passaram a figurar em livros de receitas franceses, mesmo que somente a partir
de 1900 viesse a aparecer nos livros impressos brasileiros.
Esse
inclusive é o caso da receita para “Dinde à la brésilienne”, ou Peru recheado à
brasileira, que pode ser encontrada impressa no livro O Cozinheiro Popular
(primeira edição – 1917), dito como o prato mais aguardado dos banquetes do
Império, sendo preparado assim: “Toma-se o peru, depena-se, abre-se, limpa-se,
enche-se com um recheio feito pela seguinte forma: toma-se um pouco de carne de
porco, um pouco de presunto, toucinho, os miúdos do peru, depois de
aferventados, ovos cozidos duros, salsa e cebolas verdes, cebola seca e pimenta
comari; pica-se tudo bem miúdo e amassa-se com um pouco de miolo de pão,
amolecido em vinho, adicionando-se manteiga, farinha de amendoim torrado e um
pouco de sal. Enche-se com esse recheio o papo do peru no espeto, lardeia-se-lhe
o peito de toucinho, põe-se o peru no espeto, envolve-se em um papel untado de
manteiga e assa-se”
O
“Peru à brasileira”, marcava os cardápios do poeta Olavo Bilac – um deles de
1916 já o trazia com a terminologia escrita em português mesmo, contrariando os
modismos terminológicos em francês usados nos cardápios.
Essa
preparação especial a base de peru também esteve presente nos cardápios de
outro grande intelectual brasileiro, Mario de Andrade: ele colecionou cardápios
de banquetes que frequentou, desde 1915 a 1940; nos seus guardados, a receita
aparecia sempre em língua francesa, pois frequentava restaurantes importantes
paulistanos como “Rôtisserie Sportsman” (1915), “Salão Trianon” (1927), “Hotel
Terminus” (1937), além da destacada “Vila Fortunata” (1924), localizada na atual
Avenida Paulista.. Mas, dentro dessa coleção de cardápios de Mario de Andrade,
apenas um Menu de 1931 aparece escrito em português e revela o recheio de
farofa que acompanhava a ave. Outro detalhe importante, é que mesmo sem constar
o motivo e o local do banquete o cardápio foi ilustrado por Tarsila do Amaral,
e ainda trazia uma ludicidade nos nomes das receitas apresentadas.
O
fato é que uma boa farofa é marca registrada brasileira, e elas caem muito bem
para acompanhar belos assados, ressaltando os sabores e ressaltando a
brasilidade nas mesas.
Não
obstante já se observa o movimento de reencenadores históricos, geralmente
grupos de pesquisadores ligadas à alimentação, que se esforçam para criar
alimentos “autênticos” em simulações de batalhas da Guerra Civil e
Revolucionária, e os membros da Sociedade para o Anacronismo Criativo
reproduzem com a maior precisão possível a culinária da Idade Média e
Renascimento.
A
imagem dos antigos hábitos alimentares está mudando. A maioria de nós agora
sabe que as refeições históricas não consistiam apenas em mingau para os
camponeses e trazeiros gigantes de caça assada para a realeza. A comida da
Idade Média e do Renascimento era rica e variada com ingredientes exóticos,
preparações e apresentações elaboradas e um nível de consumo conspícuo que
poderia ser a inveja dos gourmets da moda de hoje.
Assim
como nosso conhecimento sobre a herança da nossa cozinha está aumentando, os
livros de receitas de hoje estão começando a procurar maneiras de incorporar
esse conhecimento à culinária moderna.
Um
exemplo perfeito é o livro de Francine Segan, Shakespeare’s Kitchen:
Renaissance Recipes for the Contemporary Cook. A Sra. Segan procurou receitas
de época, que ela inclui, mas em vez de recriá-las servilmente, ela as fez de
novo para os gostos modernos. Isso não é geográfico ou cultural, mas sim
culinária de fusão cronológica. Esta é a nossa própria herança culinária,
revivida e recarregada após 400 anos.
Qual
a melhor maneira de celebrar o Natal e se reconectar com nosso passado coletivo
do que fazer algumas receitas clássicas inglesas?
O
esforço extra despendido nestes pratos comunica à família e amigos que eles são
especiais e honrados.
Diz, assim como o Bardo do Avon em As You Like It, “Sente-se e alimente-se e seja bem-vindo à nossa mesa”. No entanto, de acordo com os gostos modernos, neste Natal, vamos deixar de lado o enorme assado fumegante - com desculpas ao Scrooge reformado - e revisitar algumas guloseimas antigas, ao mesmo tempo salgadas e doces. Procure saber mais sobre as tradições gastronômicas da sua família, resgate receitas, inove como nos velhos tempos...
Peru com Farofa de Natal
1 Peru inteiro de 3,5kg
250g
de páprica doce
5ml de
vinagre
200g
de alho picado
5ml de
vinho branco
200g
de sal e pimenta-do-reino
30g de
louro
30g de
alecrim
2ml de
azeite
Tomilho
a gosto
2
litros de água filtrada
1
cenoura picada grosseiramente
1
cebola picada grosseiramente
1 aipo
em pedaços grandes
Para a Farofa: (Existe
inúmeras receitas para farofa. Use aquela que mais vocês gostar. Abaixo deixo
apenas uma sugestão)
500g
de miolo de pão campanha cortado em cubinhos
250g
de manteiga clarificada
500g
de castanha-do-pará picada
100g
de passas pretas
100g
de damascos picados
10g de
sal refinado
Pimenta-do-reino
moída (a gosto)
Preparo do Peru: Antes de começar você deve limpar bem o peru. Em seguida coloque ele em uma tigela grande junto com a cebola, a cenoura picada e o aipo em pedaços grandes. Acrescente as folhas de louro, o alho amassado, o tomilho e o alecrim. Adicione a páprica doce e a pimenta moída na hora. Tempere com vinho branco, azeite e sal. Adicione o vinagre, cubra com filme plástico e deixe o peru marinando 24 horas dentro da geladeira. Pré-aqueça o forno a 180ºC e leve o peru para assar por 60 minutos ou até dourar. Modo de Preparo da Farofa: Em uma panela derreta a manteiga, em fogo médio, acrescente as uvas passas, os damascos e a farinha de miolo de pão. Misture bem e adicione a castanha-do-pará, tempere com sal e pimenta-do-reino e mexa até dourar. Espere a farofa esfriar e com auxílio de uma colher, vá recheando o peru com a farofa. Sirva em seguida.
Lombo com Purê de Maçã
2 kg de lombo de porco
suco
de 2 limões
4
dentes de alho picados
sal e
pimenta branca moída a gosto
2
folhas de louro
4
colheres (sopa) de óleo
1/2
litro de caldo de carne
Purê :
12
maçãs fujji descascadas e em cubos
1
pitada canela em pó
suco
de 1 limão
1/2
xícara (chá) de água
Preparo: Tempere o lombo com o
limão, o alho, o sal, a pimenta, o louro e deixe marinar por 30 minutos. Aqueça
o óleo e doure o lombo na panela de todos os lados. Pingue aos poucos o caldo
na lateral da panela até que o lombo fique macio, mantendo a panela sempre com
a tampa fechada. Enquanto isso faça o
purê: pingue o limão nas maçãs e coloque em uma panela com a água para
cozinhar por 15 minutos ou até que estejam macias. Passe pelo processador,
volte ao fogo, deixe apurar por 2 minutos e acrescente a canela. Coloque o
lombo fatiado em uma travessa, guarneça com o purê e sirva quente.
4kg de pernil suíno
Água
Sal
1
Cenoura grande
1
Cebola
1
Salsão
Pimenta
do reino em grãos
Sementes
de Coentro
3
Folhas de Louro
2 paus
de Canela
Pimenta
do reino moída
250ml
de Melaço de cana
frutas
para decorar
Preparo: Amarre com um barbante
todo o seu pernil se ele estiver desossado. Coloque em uma panela funda o
pernil. Cubra com água. Coloque uma colher de sal. Adicione cenoura, cebola e
salsão em pedaços. Esmague levemente a pimenta do reino em grãos e sementes de
coentro e coloque no caldo. Coloque 3 folhas de louro e dois paus de canela.
Deixe ferver e após 60 minutos retire o pernil da panela. Com cuidado retire
com ajuda de uma faca o couro mas deixe toda a gordura. Com a ponta da faca,
corte apenas a gordura em diamante. Pré aqueça o forno a 170 graus. Coloque o
pernil em uma assadeira funda e leve ao forno por 20 minutos. Retire e regue
com o caldo do fundo da assadeira. Tempere com pimenta do reino moída. Cubra
toda a peça com melaço de cana.
Leve
ao forno por mais 30 minutos a 170 graus. Retire e regue toda a peça novamente
com ajuda de um pincel. Retorne ao forno por mais 20 minutos. Retire do forno e
pincele novamente. Deixe descansar por 30 minutos antes de fatiar.
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