Hoje é cinco de dezembro, e
nas encostas geladas das regiões alpinas — onde o vento desliza trazendo o
perfume azedo da madeira úmida, da neve recém-pousada e de histórias tão
antigas quanto os próprios pinheiros — o Natal parece sempre mais próximo, como
se estivesse apenas atrás da próxima dobra de montanha, respirando em silêncio.
É nessa paisagem que o
Krampus desperta com força: na Áustria, seu berço incontestável, onde o Tirol,
Salzburgo, Estíria e Caríntia acendem tochas e assombros, e cidades como
Salzburgo e Innsbruck se enchem de desfiles estrondosos, enquanto vilarejos como
Bad Goisern e Öblarn preservam o antigo Krampusspiel, teatro folclórico que
mistura medo e tradição. No sul da Alemanha, especialmente na Baviera alpina,
ele caminha ao lado de parentes próximos, como o Strohbart e o Klaubauf,
figuras de palha e demônios domésticos que também avisam às aldeias que o
inverno exige respeito. No norte da Itália, sobretudo no Tirol do Sul e em
Friuli-Venezia Giulia, o Krampus surge com vigor — em Toblach, inclusive,
ocorre um dos maiores desfiles do mundo, um verdadeiro cortejo de chifres,
peles e sinos. Na Eslovênia, ele se espalha por todo o país, tão natural às
celebrações de inverno quanto a própria geada nos telhados. E versões suas, ou
de seus ancestrais pagãos como os Perchten, ainda serpenteiam pelas tradições
da Hungria, da República Tcheca e da Croácia, onde cada vilarejo molda, à sua
maneira, um guardião do frio que instrui, ameaça e fascina.
E, no entanto, aqui para nós — no Ceará, nesse Nordeste onde o sol aparece tão fiel quanto os santos de procissão, onde o calor não se retira nem por misericórdia — o Krampus é quase um estrangeiro absoluto, uma criatura que o clima repele como quem fecha a porta para um viajante todo molhado de neve. Talvez seja justamente isso: a luz solar permanente funciona como um antídoto natural contra tais seres invernais.
Aqui, onde dezembro nasce debaixo de um céu azul que nem conhece o conceito de
inverno alpino, é raro alguém ter ouvido o nome “Krampus” sem que eu precise
explicar. A escuridão profunda, a noite gelada, o medo ancestral do frio que
pode matar — nada disso pertence ao nosso imaginário. E talvez por isso a
figura chifruda não se instale: o calor, esse velho teimoso, derrete o mito
antes que ele encontre um canto para se esconder. Ainda assim, gosto de pensar
que, mesmo de longe, essas tradições nos alcançam como uma brisa curiosa,
lembrando-nos de que o mundo é vasto, e que nem todo Natal precisa nascer sob o
sol.
É neste 05 de dezembro que
essa figura desperta — e, para grande parte das terras tropicais das Américas e
até para o oriente luminoso e distante, continua quase inexistente, um rumor
gelado vindo de montanhas que nunca vimos: Krampus, o companheiro sombrio de
São Nicolau, meio lenda, meio sombra.
Esta é a sua noite — a
Krampusnacht.
E é curioso pensar que uma celebração tão antiga e tão viva nos becos alpinos tenha passado ao largo da minha vida por tanto tempo. Não foi nos livros, nem nas aulas, nem nos natais ensolarados que o encontrei, mas graças a um gesto simples e repetido — aquele meu velho hábito de buscar cartões de Natal. Foi ali, nas bordas aparentemente inocentes de uma tradição pessoal, que tropecei nele como quem abre uma gaveta e encontra algo que jamais deveria ter sido esquecido.
Desde a adolescência eu
cultivava um rito que me parecia nobre: já no final de novembro, comprava
dezenas de cartões de Natal para entregar aos amigos. Quando o dinheiro era
curto — e quase sempre era — eu os fabricava com as próprias mãos, como um
pequeno artesão de boas intenções. Aprendia técnicas nas revistas, nos
programas de TV, e me sentia delicado, gentil, quase sacerdotal ao colar fitas,
dourar bordas, inventar ilustrações.
Mas com o passar dos anos
percebi que, enquanto eu preparava trinta cartões, muitas vezes recebia três.
Não que eu sofresse com isso — eu vinha de um tempo em que cartões eram
enfeites da árvore de Natal, parte do brilho afetuoso do lar. Uma árvore sem cartões
parecia uma sobremesa sem especiarias: faltava-lhe alma. Ainda assim, descobri,
lentamente, que o carinho raramente era mútuo. Que certas relações vinham
temperadas com interesse, conveniência, ou aquela indiferença polida que usamos
para evitar conversas difíceis.
Hoje, se eu envio um cartão,
entendam: quem o recebe tornou-se raro. Especial.
Foi em uma dessas buscas por
cartões — quando o mercado já oferecia engenhocas musicais, luzes piscantes e
imagens tridimensionais estalando como fogos — que decidi rebelar-me contra o
excesso e voltar-me ao essencial. Escolhi os cartões vintage. Eles tinham algo
do silêncio das velhas cozinhas: um desenho mais lento, mais detalhado, mais
elegante; uma iconografia que respeitava o mistério.
E, então, aconteceu.
Em algum momento no início
dos anos 2000, vasculhando imagens para imprimir, encontrei uma figura que não
combinava com o açúcar visual do Natal moderno. Uma criatura monstruosa:
grandes chifres curvos, língua pendente, dentes ferozes como os de um demônio
medieval. Às vezes arrastava crianças travessas com correntes; noutras,
carregava-as num saco como lenha humana ou num alforje de castigo ancestral. E
tudo isso diante de um cenário natalino pacífico — neve brilhante, pinheiros
iluminados, chalés silenciosos.
Acima da figura, em letras
grandes e altivas, sempre o mesmo nome: KRAMPUS.
O impacto foi imediato. Como
se tivesse aberto um armário esquecido da infância e encontrado dentro não
presentes, mas histórias proibidas. Minha curiosidade, sempre inquieta,
empurrou-me para a pesquisa - como habitualmente
faz comigo.
A descoberta, confesso,
trouxe um daqueles choques silenciosos que não fazem barulho, mas reorganizam
algo dentro de nós. Não foi apenas a criatura em si — seus chifres, sua língua
pendente, seu olhar entre o grotesco e o cômico — que me desconcertou.
O que realmente me perturbou
foi perceber como ele se ocultava tão habilmente entre as dobras da própria
história do Natal, como um bordado antigo escondido no avesso de um pano
festivo. Era um intruso e, ao mesmo tempo, um herdeiro legítimo dessa tradição.
Na época, é claro, eu não
tive coragem de enviar a ninguém um cartão estampado com aquela figura
demoníaca. Meu senso de delicadeza juvenil protestou; pensei que aquilo poderia
espantar amigos, os chatos mais sensíveis, ou mesmo aquele colega que acreditava
que Natal era exclusivamente feito de anjos e glacê. Hoje, porém — agora que a
maturidade me emprestou certa ousadia e que a ironia e o humor se tornaram
temperos essenciais da minha alma — talvez eu enviasse. Talvez até escolhesse o
mais assustador deles, só para ver o brilho surpreso no rosto de quem o
recebesse.
E não foi por acaso que,
hoje de manhã, enquanto vasculhava novamente imagens de cartões natalinos,
deparei-me outra vez com o velho Krampus. A visão me percorreu como um arrepio
delicado: aquele sentimento de reencontrar um mistério que insiste em sobreviver,
mesmo quando o mundo tenta varrê-lo para debaixo dos tapetes do costume.
Talvez vocês, amigas
leitoras e leitores, nunca tenham ouvido falar dele. Talvez imaginem que o
Natal é apenas luz, panetone e renas sorridentes. Mas há sempre algo mais —
alguma sombra discreta atrás das guirlandas — e o Krampus, com seu passo de
sinos metálicos, está lá para nos lembrar disso.
Repare bem. No Natal, também
existe um canto escuro na sala iluminada. E lá, existe sempre um guardião de
sombras observando o excesso de doçura.
Existe sempre um Krampus —
encarando-nos com seus chifres tortuosos e perguntando, com ironia: “E então?
Este ano você se comportou mesmo?”
Hoje, cinco de dezembro,
quando a Europa alpina acende suas tochas e convoca o monstro para desfilar, eu
penso em quantas tradições quase perdemos — e em quantas outras talvez ainda
existam, escondidas em cartões antigos, esperando que alguém curioso as redescubra.
E por isso escrevo estas
linhas para vocês. Vai que, assim como eu um dia, vocês também nunca ouviram
falar dele.
Porque o Natal, meus caros,
é muito mais que luz — é a negociação eterna entre o encanto e o temor. É o
reino compartilhado de São Nicolau e seu companheiro bestial. É o suspiro de
Odin passando sobre a neve.
É o cheiro do pão doce e o
da fumaça de carvão queimado.
É luz.
É sombra.
É Krampus.
E quando sabemos disso, o
Natal finalmente ganha profundidade.
A SOMBRA QUE CAMINHA ANTES DA LUZ
(uma entrada para o reino de
Krampus)
Há quem diga que o Natal
nasceu do embrulho — embrulho de paciência, de açúcar dourado no fogo lento, de
histórias reconstruídas geração após geração, como receitas que herdamos sem
jamais questionar. Mas antes das renas aerodinâmicas, dos cartões cintilantes e
das luzes elétricas que piscam como corações nervosos, existia um outro ser
caminhando na contraluz da alegria.
Não era o bom velhinho de
bochechas róseas, mas seu espelho invertido: Krampus, guardião das sombras
decembrinas, criatura que mastiga travessuras e rumina medos com a mesma
compostura de quem saboreia um vinho tinto, sabendo que a noite é longa e cheia
de histórias ancestrais.
Para falar dele, porém, é
preciso antes preparar a mesa — não apenas com o pão quente da imaginação, mas
com as ervas da memória, as especiarias do folclore e um leve gole de malícia.
Pois Krampus não é uma invenção passageira, nem um monstro de ocasião: ele é a
nota grave escondida no acorde do Natal, o sussurro que antecede o canto, o
frio que chega antes da lareira.
E talvez seja justamente por isso que seu retorno, ano após ano, exerce esse fascínio antigo: ele convoca em nós algo que não esquecemos, ainda que nunca tenhamos vivido. Ele abre uma fresta para um mundo onde o Natal não era apenas brilho — mas também rito, temor, purificação e encantamento.
O NASCIMENTO ENTRE
CHIFRES E SINOS
(onde a mitologia nórdica se mistura ao
frio e o Natal encontra sua sombra)
Krampus emerge das montanhas
alpinas como uma ressaca antiga da própria humanidade — o tipo de criatura que
parece ter sido esquecida pela história oficial, mas lembrada pela memória
profunda, aquela que vive sob a pele. Ele não nasce em um ponto fixo, nem
pertence a uma única narrativa; é uma síntese, um eco de vários mundos que se
roçaram ao longo dos séculos até se confundirem.
Há quem veja em Krampus um
herdeiro de Hel, filha de Loki e soberana do reino dos mortos. Mas não se
engane com o nome sombrio: Hel não é uma bruxa nem uma diaba de histórias
infantis. Sua autoridade é fria, austera, silenciosa — um reinado onde repousam
aqueles que não morreram com glória, observados sem raiva, lembrando que nem
toda sombra exige castigo e que o medo pode ser, antes, um lembrete elegante da
inevitabilidade.
Sua metade viva e metade
cadavérica sempre funcionou como metáfora de transição. Assim, se imaginarmos
Krampus ligado a Hel, ele herdaria naturalmente essa ambiguidade: parte
guardião, parte ameaça; parte rito de passagem, parte lição através do medo — um
espírito que ensina sem falar, que adverte sem punir, mas cuja presença impõe
respeito.
Para compreender por que
Krampus, por vezes, é chamado de filho de Hel, é preciso primeiro desfazer um
equívoco moderno — aquele que, com ar de certeza, confunde o reino dela com o
“inferno” cristão, como se ambos tivessem nascido das mesmas brasas furiosas.
E, confesso, adoro essa
confusão: me transporta aos meus anos de devaneios e estudos sobre mitologias,
quando cada deusa, cada criatura, parecia sussurrar segredos que eu sozinho
tentava decifrar. Mas, na mitologia nórdica, nada poderia estar mais distante
dessa lógica de fogo e punição. Para os povos do Norte, a morte não se dividia
em luz e chamas; era antes uma geografia complexa, um mapa de destinos
possíveis, onde cada alma encontrava seu caminho — nem necessariamente
glorioso, nem eternamente castigado, apenas existente.
Helheim, o domínio de Hel,
não é um caldeirão ardente, mas um lugar de frio contemplativo. Não há demônios
com tridentes, nem pecadores em chamas, mas sim um campo silencioso onde
repousam os que deixaram a vida por vias naturais: a febre lenta, a velhice
digna, o suspiro final de uma existência comum. Lá, Hel reina não como
carrasca, mas como zeladora do descanso, uma guardiã que recebe sem julgar — e
talvez por isso mesmo tenha sido tão mal interpretada por olhares posteriores,
acostumados a exigirem moral onde só havia constatação.
Os nórdicos, tão íntimos do
gelo quanto nós somos do sol, imaginavam que a morte não obedecia a uma régua
moral, mas ao tipo de partida. Os que tombavam em batalha eram levados por Odin
para o Valhalla, onde o barulho das espadas ecoava como música; ou recebidos
por Freyja em Fólkvangr, onde o campo eterno tinha mais perfume que sangue. Os
virtuosos não-guerreiros encontravam abrigo no Helgafjell, a montanha sagrada
que prometia uma quietude serena, longe dos gritos da guerra. Os que se
afogavam eram recolhidos pela enigmática Ran, senhora dos mares profundos. E na
camada mais remota e gélida de todos, Niflhel, repousavam aqueles destinados ao
silêncio mais espesso, à escuridão primordial — não como castigo, mas como
inevitabilidade.
Nada disso se parecia com a
estrutura de céu e inferno. Era outro mundo, outra cosmologia: um universo que
não punia pecados, mas reconhecia trajetórias.
Um universo em que o frio
era o grande juiz, não o fogo.
Para deixar bem claro —
especialmente para quem prefere atalhos cognitivos — vou resumir, simplificar,
condensar. E confesso que odeio simplificar, porque todo detalhe que desaparece
leva consigo nuances essenciais, e é justamente nos detalhes que os diabos
gostam de se esconder. Mas vamos lá: a distinção entre o Inferno cristão e os
reinos nórdicos precisa ser entendida.
O inferno cristão é quente,
punitivo, moral e dualista: divide o mundo entre bem e mal, recompensa e
castigo. A mitologia nórdica, ao contrário, não se prende a julgamentos morais:
o pós-vida não pune pecados, não celebra virtudes; ele se organiza segundo o
tipo de morte, não o caráter do indivíduo. E, acima de tudo, é o frio, não o
fogo, que reina sobre esses reinos — lembrando que nem toda escuridão precisa
queimar, mas ainda assim impõe respeito.
Talvez por isso Krampus se
encaixe tão bem nessa tapeçaria de mitos: ele não nasce para punir moralmente,
mas para lembrar — como lembravam os invernos — que toda escolha tem
consequência, e que até a alegria precisa de sombra para ser completa. Ele é descendente
simbólico dessa visão antiga do mundo, onde o medo educava, onde o gelo
aconselhava, onde a morte era apenas mais uma paisagem.
É nesse ponto, entre deuses,
neves e histórias sussurradas ao pé da lareira, que Krampus encontra sua
essência: não como um demônio, mas como herdeiro de um imaginário que
compreendia que a vida é sempre metade luz, metade noite.
Outros estudiosos, porém,
sugerem que Krampus não desce diretamente dos deuses, mas é herdeiro de algo
ainda mais antigo, mais obscuro e selvagem: as criaturas do inverno, espíritos
que vagavam pelas florestas alpinas muito antes do cristianismo lançar suas
sombras sobre aldeias e montanhas.
Claude Lecouteux, em seus
estudos sobre as tradições sobrenaturais medievais da Europa, descreve essas
figuras como remanescentes de rituais ancestrais, entidades que encarnavam o
frio, o medo e a necessidade de purificação antes do novo ciclo anual.
Já Al Ridenour, em sua obra
The Krampus and the Old, Dark Christmas: Roots and Rebirth of the Folkloric
Devil (2016), investiga os ecos das antigas procissões da Wild Hunt nas regiões
alpinas e apresenta Krampus como uma síntese viva dessas tradições fantasmagóricas.
Nessa leitura, chifres, peles e sinos não são meros adornos, mas marcas do
poder indomável e disciplinador do inverno, lembrando que a escuridão e o frio
moldavam a vida humana com a mesma intensidade que a luz do sol, impondo
respeito, cautela e admiração. Krampus, assim, não surge apenas como um monstro
festivo, mas como herdeiro simbólico de um imaginário ancestral que ensinava,
advertia e fascinava ao mesmo tempo.
Assim, Krampus surge não
como invenção isolada de um folclore tardio, mas como herdeiro simbólico de
séculos de rituais e crenças, uma criatura que transporta para os séculos
modernos a voz de um inverno que castigava, educava e, acima de tudo, lembrava o
homem da força indomável da natureza.
O inverno, vale lembrar, não
era naquela época uma paisagem pitoresca — mas um inimigo legítimo. O frio
matava – e ainda continua matando. A escuridão consumia. A fome rondava as
aldeias. E a figura de Krampus, com seus chifres curvos, pelo espesso e língua
serpenteada, funcionava como materialização desse temor ancestral. Ele era o
inverno encarnado, a advertência ambulante de que a natureza não era apenas
beleza — era ferocidade.
Seu corpo peludo, escuro
como o lado não aceso das estrelas, lembra aos homens o que esquecem com
facilidade confortável: o medo educa. Educa como educa o fogo ao lamber a
lenha, mostrando que calor e destruição sempre dançam juntos. Educa como educa
a neve, que exige cuidado, comunhão, ritual.
Com o tempo, conforme o
cristianismo avançou pelos Alpes, a Igreja percebeu que apagar totalmente tais
tradições seria como tentar varrer a própria montanha. Então, como fez tantas
vezes, preferiu assimilar. Na figura de São Nicolau — o bispo generoso, distribuidor
de moedas douradas, patrono das crianças — encontrou o oposto perfeito para
domesticar o caos. Assim, enquanto o santo caminhava iluminando a noite com
promessas brandas, Krampus seguia ao seu lado, carregando correntes, sacos,
vassouras e sinos metálicos que ecoavam pelas vielas como lembretes rudes de
responsabilidade.
Um era a luz de uma vela.
O outro, a sombra inevitável
que ela projeta.
Juntos, davam ao povo o
equilíbrio perfeito entre graça e disciplina.
Nas regiões alpinas, essa
dupla não era vista como contradição, mas como necessária complementaridade:
São Nicolau recompensava os bons; Krampus corrigia os maus. Uma pedagogia
simbólica do inverno, compreensível numa época em que a sobrevivência dependia
tanto da benevolência quanto da cautela.
Assim se formou o mito que conheci por uma imagem de cartão: não um monstro isolado, mas uma figura ancestral, bifronte e essencial, moldada por séculos de neve, medo, religião, adaptação e imaginação humana — uma criatura que acompanha o Natal não como intrusa, mas como guardiã daquilo que esquecemos quando pensamos apenas nas luzes, sem lembrar das sombras que permitem que elas brilhem.
LUZ E SOMBRA: O PARADOXO
NATALINO
Não é difícil imaginar — e
rir com um certo espanto — que Papai Noel e Krampus compartilhem um vínculo
antigo, quase fraternal. Afinal, ambos caminham lado a lado na mesma tradição,
cada um desempenhando seu papel em um delicado equilíbrio de polaridades. Onde
um entrega presentes, reforçando a esperança e a bondade, o outro ensina, com
gestos dramáticos, que a vida possui limites, que há consequências mesmo sem
punição real.
Krampus não sequestra
crianças; não as devora nem as condena. Ele performa, dramatiza, encena. Seus
chifres, correntes e sinos não são armas, mas instrumentos de memória e alerta.
Ele dança com o medo, como um artista que transforma a inquietação em arte, e
faz isso com a paciência austera de quem conhece os ciclos da natureza e da
moralidade social. Ao mesmo tempo, Papai Noel distribui risos, doces e
promessas; seu ofício é o brilho do sol sobre a neve, a certeza de que a
bondade ainda é possível.
Ao longo dos séculos, a
cristandade tentou separar os dois, preocupada que a sombra estragasse a
fotografia oficial da festividade. Mas como se separa luz e sombra? Como se
retira o sal de um chocolate, ou a acidez de uma fruta madura?
A verdade é que o Natal só
funciona porque os dois coexistem, porque o prazer do presente se intensifica
na consciência do que ocorre quando falhamos, mesmo que seja apenas na
imaginação.
Historicamente, essa dupla
simboliza uma pedagogia antiga: Krampus encarna a memória do inverno, da
necessidade de disciplina e atenção, herdando ecos dos espíritos alpinos que
precederam o cristianismo. Papai Noel, por sua vez, sintetiza a misericórdia, a
recompensa e a esperança cristã, mas também carrega resquícios de São Nicolau e
das divindades solares do norte europeu. Juntos, eles formam um casamento
improvável, mas funcional, como a neve que realça o brilho do sol: um existe
para que o outro faça sentido.
Assim, enquanto Papai Noel
reina nas vitrines e propagandas, Krampus permanece discreto, sussurrando sua
lição silenciosa: que a bondade e a indulgência só existem porque sabemos, em
nosso íntimo, que há limites, que há riscos, que há sombras.
Há sempre um Krampus no
Natal de cada um — não necessariamente em chifres ou correntes, mas em
responsabilidades, escolhas e aquelas viagens ou tarefas que tentamos adiar.
A magia do Natal, afinal,
floresce na tensão entre o prazer e o alerta, no abraço entre o riso e o
calafrio, no contraste elegante que transforma simples datas em rituais vivos e
memoráveis.
Se você é cearense, ou vive
em qualquer canto do Nordeste, e talvez até em outros recantos do Brasil,
certamente vai se lembrar de um personagem folclórico bastante popular,
presente nas histórias que davam sustos e ensinavam disciplina às crianças: o
Velho do Saco. Ele surge nas lembranças da infância como sombra e aviso,
carregando consigo um saco misterioso, pronto para lembrar aos pequenos da
importância de se comportarem.
Pois bem: se me permite uma
ponte entre continentes e tradições, o Velho do Saco é, em essência, uma
transformação desse Krampus ancestral dos Alpes. Aquela imagem de Krampus
carregando crianças em sacos ou algibeiras, que tantas gravuras e cartões antigos
registraram, não deve ser tomada ao pé da letra. Historicamente, trata-se de
uma metáfora — uma dramatização do alerta moral: “Comporte-se, ou haverá
consequências”. Nada de sequestros reais, nada de tragédia literal, apenas a
dança da disciplina envolta em sombras e rituais teatrais.
O Velho do Saco brasileiro,
então, é a mesma lição transposta, adaptada ao clima tropical, à cultura local,
à imaginação das crianças que precisavam de limites. Ele carrega o mesmo aviso
silencioso que Krampus carregava nas montanhas frias da Europa: o medo como
instrumento de aprendizado, o suspense como mestre, e a sombra como lembrete de
que a disciplina existe, mesmo quando o calor do sol parece afastar qualquer
frio ou ameaça.
Talvez seja no Velho do Saco
brasileiro que o espírito ancestral de Krampus tenha finalmente encontrado
liberdade — liberdade para se afastar do rigor do inverno alpino, para deixar
para trás a necessidade do frio, dos sinos e das correntes, das roupas pesadas
e das máscaras elaboradas.
Aqui, sob o sol constante do
Nordeste, ele pode se manifestar a qualquer hora, em qualquer dia, em qualquer
época: basta que alguém o invoque. Não precisa de rituais complexos, de
indumentárias pesadas ou da noite gelada; seu simbolismo se mantém vivo na
imaginação, na disciplina sutil, no arrepio que percorre a espinha de uma
criança distraída.
O rigor da tradição se transforma em liberdade performativa, e o antigo guardião do inverno se reinventa como sombra ambulante, leve, solar e ainda misteriosa, lembrando que o medo também pode ser poesia.
ODIN, O VELHO PEREGRINO: A HERDANÇA SOMBRIA
Muito antes de trenós
voadores, renas sorridentes e listas de crianças comportadas, havia Odin — o
deus supremo da mitologia nórdica, Pai de Thor, Senhor dos deuses e de todas as
sagas que moldam o mundo. Velho, de um olho só, viajante incansável, ele cavalgava
Sleipnir, o cavalo de oito patas, veloz como todos os anseios, medos e
urgências que habitam o coração humano. Odin não era apenas um deus guerreiro
ou feiticeiro: era juiz, guardião da sabedoria, senhor da morte e da vida,
mestre dos destinos.
Durante o Yule, a antiga
celebração do solstício de inverno, Odin percorria os céus, inspecionando
lares, aceitando oferendas, observando cada gesto e cada decisão dos mortais.
O Yule não era apenas festa
ou reunião familiar; era um rito cósmico, um momento em que a escuridão
alcançava sua plenitude e o homem precisava observar, refletir e oferecer.
Fogos eram acesos para iluminar a noite mais longa do ano, oferendas eram deixadas
para os deuses e os espíritos da terra, e cada gesto humano era lido como um
livro aberto pelo próprio Odin — severo e justo, generoso e sábio. Ele via
tudo: cada ação, cada descuido, cada decisão; nada escapava à sua vigilância,
como se o tempo e o espaço se curvassem diante de seu olhar único.
O Yule, com suas fogueiras,
rituais e oferendas, era o coração do inverno nórdico, uma celebração de ciclos
e de passagem, de luzes e sombras, de disciplina e generosidade. Com a expansão
do cristianismo, muitos desses costumes foram absorvidos, apagados ou
reformulados: os presentes, que antes eram oferendas simbólicas aos deuses e à
comunidade, transformaram-se em mercadorias e agrados; o rigor e a avaliação de
Odin foram suavizados na figura benevolente de São Nicolau; as fogueiras e os
rituais se tornaram luzes piscando e ceias festivas.
Talvez você se surpreenda
com o que vou te dizer agora – esse momento perfeito para usar aquela máxima
moderna, “TRAGO VERDADES” –, os leitores amis assíduos e mais antigos do meu
blog já ouviram falar de Yule muitas vezes, especialmente no Natal. Pois, já
tratei no blog sobre duas origens que brotam diretamente do Yule, e que, hoje,
se escondem nos símbolos mais familiares do Natal sem que percebamos.
A primeira é a árvore de
Yule: antes de luzes elétricas e bolas coloridas, ela era erguida em silêncio,
entre sombras e velas trêmulas, ramos verdes que suspiravam vida no meio da
noite mais longa. Com o tempo, cresceu e se transformou na árvore de Natal que
conhecemos, enfeite de casas e de memórias, portadora de uma promessa
silenciosa: que a vida persiste, mesmo quando o frio aperta e o escuro parece
engolir tudo. A segunda é o presunto ou pernil de Yule, prato de fartura e
oferenda, preparado com mãos cuidadosas e corações atentos, que atravessou
séculos até virar o pernil de Natal, estrela das ceias, lembrança de abundância
e calor humano em noites frias.
Dois símbolos tão comuns,
tão incorporados à nossa tradição, que muitos nem suspeitam que carregam ecos
ancestrais — a respiração de povos que reverenciavam o solstício, que entendiam
a noite como tempo sagrado, que conheciam o rigor do inverno e a beleza do
rito. Para aqueles que desejam mergulhar ainda mais fundo, revelando cada
camada dessas heranças, publiquei textos detalhados no blog AQUI e AQUI — mapas
de memória, pistas de um passado que ainda pulsa silencioso entre as luzes do
Natal moderno.
E ainda assim, mesmo oculto
sob a neve da história cristã, o espírito do Yule persiste: o rigor escondido
na bondade do Natal moderno, a sombra que lembra que há limites e
consequências, a dança entre recompensa e advertência.
É essa tensão — entre a
escuridão da noite mais longa e a promessa de luz — que mantém viva a memória
de Odin, do Yule e, inevitavelmente, de Krampus, o guardião sombrio que insiste
em sussurrar à humanidade que, mesmo na festa, o mundo é feito de equilíbrio:
entre medo e prazer, disciplina e alegria, sombra e sol.
É nessa genealogia que se
compreende a origem do Natal moderno. Papai Noel, com seu trenó, sua barba
branca e sua benevolência, herdou de Odin o papel do viajante que avalia casas
e recompensa o bem. Mas Krampus carrega a outra metade dessa herança: a selvageria
ancestral, o aviso antigo de que os deuses nórdicos não são fabricantes de
açúcar, mas senhores de ventos, tempestades e sombras que testam a coragem
humana. Ele é o eco sombrio da “Caçada Selvagem” liderada por Odin — fantasmas,
espíritos e lobos atravessando os céus em uma procissão que lembrava aos
mortais que o frio, o perigo e o rigor fazem parte da vida.
Krampus, portanto, não é
fruto de maldade, mas um resíduo de memória, um fragmento que ficou para trás
quando Odin desceu dos mitos para habitar o imaginário alpino. Ele lembra que a
disciplina, o medo e a sombra são tão essenciais quanto a luz, a recompensa e o
calor. E se até mesmo o Pai de Todos, Odin, via a necessidade do equilíbrio
entre severidade e misericórdia, por que não aceitar que o Natal também
carregue seu lado escuro, sua dança entre a bondade e a advertência?
No fundo, Odin, Papai Noel e
Krampus compartilham a mesma lição: a bondade existe porque entendemos o que
ocorre na ausência dela, que a noite e o frio, o medo e a sombra, moldam o
espírito humano tanto quanto a luz e o calor. E é nessa tensão — entre o rigor
do deus supremo e a indulgência do presente — que nasce a magia do Natal.
E assim chego à mesa de
Natal, esse altar temporário onde o tempo se dobra e a memória se senta à mesa
junto com o aroma das especiarias. Entre velas tremeluzentes e ramos verdes,
cada elemento — do pinheiro decorado ao pão recém-assado — é um símbolo, um fio
invisível que conecta passado e presente, medo e alegria, rigor e indulgência.
É nesse espaço de encontros
e conversas, entre risos e histórias murmuradas, que o Parkeljni encontra seu
lugar: não apenas como um pão delicioso, mas como um pequeno guardião da
tradição, capaz de iniciar diálogos sobre o passado, sobre o Krampus, sobre os
antigos ritos de inverno.
Ele decora, adoça e provoca
ao mesmo tempo, lembrando a todos que até a sombra pode ser acolhida, mastigada
e transformada em narrativa compartilhada. E é assim, com um pedacinho de massa
e uma pitada de mistério, que a magia antiga se reconecta com os convivas, como
se o inverno das montanhas eslovenas tivesse atravessado séculos para pousar
delicadamente em nossas mãos.
PARKELJNI, O PÃO DE KRAMPUS — DOÇURA E
SOMBRA NAS MONTANHAS ESLOVENAS
Entre as neves permanentes e
as florestas densas das montanhas centro europeias, onde o frio entalha
silêncios longos e as noites se estendem como véus espessos, nasceu uma
tradição delicada e estranha — o Parkeljni, o pão de Krampus. Não é um pão
simplesmente para comer: é um fragmento de medo transformado em massa levedada;
é a convergência entre a fantasia, o rito e a doçura humana.
Na Eslovênia — onde Krampus
é chamado de “parkelj” (“parkeljni” no plural) — as famílias preparam, no tempo
que antecede o dia de Dia de São Nicolau (5–6 de dezembro), pequenos pães
moldados com formas que evocam chifres, pernas esguias, olhos de uvas-passas,
até línguas pontiagudas de papel ou massa vermelha, os traços de um
demônio-mitológico que veio das regiões alpinas.
A massa — rica, levedada,
amanteigada — revela um cuidado que suaviza o horror simbólico; transforma o
grotesco em aconchego, o medo em ritual familiar. Crianças, entre risos e
nervosismos, participam da criação dos pãezinhos, decorando-os, experimentando
— e, quem sabe, desacostumando-se do medo de Krampus pelo toque gentil do doce.
Essa prática, hoje associada
ao Natal e ao Advento, é mais do que folclore — é uma ponte viva entre o
paganismo antigo e a era moderna, onde o frio, a escuridão e o temor do inverno
foram domesticados pela arte da cozinha. O Parkeljni funciona como um espelho
simbólico: olhando para ele, lembramos que a tradição da surpresa, do
estranhamento, da ambivalência moral (recompensa e perigo) não desapareceu —
apenas foi remodelada.
Em algumas aldeias e regiões
eslovenas, o preparo e o consumo do pão de Krampus coincide com os desfiles de
parkeljni ou com os cortejos de máscaras e chifres, onde adultos vestidos como
criaturas do mito percorrem vilas, arrastam correntes, batem sinos — evocando o
demônio, mas ao mesmo tempo reafirmando a pertença comunitária, a memória
ancestral, o medo compartilhado como lição coletiva.
Consumir Parkeljni — partir
o pão, ver o vapor subir, sentir o cheiro quente de forno — é um ato de
reconciliação com a sombra. É aceitar que o Natal não é só luz, neve e alegrias
açucaradas. Que ele também guarda em si vestígios de frio, barro, máscaras,
histórias contadas ao pé da lareira antes de dormir — histórias que avisam:
“porte-se bem, ou a noite vem para lembrar”.
Portanto, se você decidir
incluir a receita na mesa de Natal, faça-o com reverência: não é apenas farinha
e açúcar. É tradição, é memória, é um pedaço de montanha velha, um suspiro de
inverno, uma oferenda ao medo que nos formou. E, ao mesmo tempo, é doce —
porque até a sombra tem direito a um pouco de ternura.
EPÍLOGO – Krampus à Mesa:
Tradição, Medo e Doçura
Quando penso em Krampus, não
consigo vê-lo como mero vilão; ele é, antes, o contraponto essencial que
transforma o Natal em algo que pulsa, que respira, que nos lembra da
profundidade da vida. Ele é o carvão na meia, a falha sutil na receita de bolo,
o comentário irreverente que surge na mesa de família — pequenas rupturas que
equilibram o excesso de doçura, trazendo sabor, contraste, realidade. Krampus é
a sombra que dá corpo à luz, o frio que faz o calor parecer mais intenso, a
lembrança de que todo prazer carrega consigo a consciência do limite.
Nos tempos modernos,
surgiram personagens como o Grinch, criado por Dr. Seuss em 1957, o ser verde e
mal-humorado que tenta roubar o Natal com sarcasmo e engenho. E, claro, Papai
Noel — reinventado, polido, encantador, e consolidado como ícone global pelo
marketing da Coca-Cola no início do século XX — espalhando generosidade
artificial e alegria calculada. Mas enquanto o Grinch e o Papai Noel são
criações literárias e mercadológicas, Krampus existe como uma memória viva,
como um suspiro antigo do Yule, como o eco de montanhas geladas e sinos
metálicos que alertam crianças e adultos sobre limites, consequências e
disciplina. Ele é o medo ancestral transformado em arte performática, uma dança
de sombras e chifres que atravessa séculos, que ensina sem punir, que vigia sem
odiar.
Krampus nos lembra que a
alegria não é apenas açúcar e luz; ela precisa de contraste, de tensão, de
sombra para que possamos reconhecê-la plenamente. Ele é, em essência, o
espírito do Natal que não se curva à conveniência, que não se rende à
publicidade, que carrega em si a força crua do inverno, a disciplina dos deuses
e a nostalgia dos antigos rituais.
Enquanto Papai Noel nos
promete recompensa e o Grinch nos diverte com travessura, Krampus nos devolve à
profundidade do mundo: à beleza da sombra, à magia do medo, à poesia do limite.
Se Papai Noel é o convite à
esperança, Krampus é o lembrete de que nem toda promessa de luz vem sem o
trabalho de enfrentar a escuridão. E se Odin sussurra ao fundo, é para nos
dizer que a vida — como as grandes ceias — exige tanto banquetes quanto jejuns,
tanto o sorriso acolhedor quanto o silêncio inquietante.
Por isso, quando dezembro
chega com seus sinos, prefiro imaginá-lo assim: caminhando lado a lado com o
bom velhinho, trocando comentários sobre a humanidade, sorvendo o frio como
quem prova um vinho muito velho, muito raro.
E rindo, claro — rindo
baixo, com aquele humor ferino que só os seres antigos dominam — ao ver que nós
ainda acreditamos que o Natal pertence apenas à luz.
Por isso, quando dezembro
chega com seus sinos, prefiro imaginá-lo assim: Krampus caminhando lado a lado
com o bom velhinho, trocando comentários sobre a humanidade, sorvendo o frio
como quem prova um vinho muito velho, muito raro. E enquanto eles percorrem
ruas cobertas de neve, dentro das casas outro ritual acontece: o aroma quente
da massa levedada invade a cozinha, o Parkeljni dourando no forno como se
guardasse o sopro da montanha eslovena em cada miolo.
O pão de Krampus não é
apenas alimento — é memória que se toca, é história que se compartilha, é a
ancestralidade do Natal traduzida em sabor e forma. Cada pedacinho modelado em
chifres, pernas ou olhos de uva-passas carrega séculos de noites longas, de florestas
geladas e de histórias sussurradas junto ao fogo. À volta da mesa, os
convidados observam, comentam, sorriem, e sem perceber entram em contato com a
tensão delicada que faz o Natal ser completo: a coexistência de sombra e luz,
de rigor e doçura, de medo e alegria.
Comer Parkeljni é aceitar
que o Natal não é só brilho e açúcar: é disciplina que se transforma em afeto,
frio que se transforma em calor, medo que se transforma em riso. É a magia de
um Krampus que não pune, mas lembra, que não aterroriza, mas ensina. E rindo,
claro — rindo baixo, com aquele humor ferino que só os seres antigos dominam —
ao perceber que nós ainda acreditamos que o Natal pertence apenas à luz.
Pois todo Natal,
inevitavelmente, tem seu Krampus – nem que seja na forma de seu Parkeljni.
E ainda bem.
REFERÊNCIAS
RIDENOUR, Al. The Krampus
and the Old, Dark Christmas: Roots and Rebirth of the Folkloric Devil. Port
Townsend (WA, EUA): Feral House, 2016.
LECOUTEUX, Claude. Phantom
Armies of the Night: The Wild Hunt and the Ghostly Processions of the Undead.
Rochester, VT: Inner Traditions / Bear & Company, 2013.
LECOUTEUX, Claude. Witches,
Werewolves, and Fairies: Shapeshifters and Astral Doubles in the Middle Ages.
Rochester, VT: Inner Traditions / Bear & Company, 2003.
LECOUTEUX, Claude. Encyclopedia of Norse and Germanic Folklore, Mythology, and Magic. Rochester, VT: Inner Traditions / Bear & Company, 2019.
PARKELJNI – PÃO DE KRAMPUS
Massa:
3 Xícaras de farinha de trigo
1 pacotinho de fermento biológico seco
instantâneo
6 colheres de sopa de manteiga
¼ de xícara de açúcar
2 gemas de ovo
2/3 de xícara de leite morno (aprox. 170
ml)
1 colher de sopa de rum
Raspas de 1 limão
1 colher de chá de pasta de baunilha (ou
essência de baunilha)
Uma pitada de sal
Para pincelar:
1 ovo batido
Decoração:
Uvas-passas
Um pouco da massa tingida com corante
comestível vermelho (ou, Papel vermelho ou cartolina para fazer as línguas e
colocar depois de assado)
Modo de preparo: massa - Em uma tigela grande, misture a farinha
com o fermento. Em uma panela, aqueça o leite, o açúcar e a manteiga até que a
manteiga derreta completamente. Acrescente as raspas de limão, o rum e a
baunilha à mistura de leite e mexa bem. Espere a mistura esfriar até ficar
morna e adicione as gemas, misturando bem. Adicione a mistura de leite à
farinha e sove à mão ou com batedeira até obter uma massa macia, elástica e que
não grude nas mãos. Cubra com plástico filme e deixe descansar em local morno
até dobrar de tamanho (aproximadamente 60 minutos).
Modelar os Parkeljni: Pré-aqueça o forno a 180 °C. Divida a massa em 5–6 partes (dependendo do tamanho que você deseja para cada pão). Pegue uma parte e divida em duas tiras. Torça as tiras algumas vezes. Modele duas pontas para formar as pernas e duas pontas para os chifres. Decore com uvas-passas para os olhos. Faça um corte onde será a boca e insira a língua feita de papel vermelho ou cartolina triangular. Coloque os parkeljni em uma assadeira e deixe descansar em local morno por cerca de 30 minutos.
Finalizar e assar: Pincele os parkeljni com o ovo batido. Leve ao forno preaquecido e asse por aproximadamente 20 minutos ou até dourarem levemente. Retire do forno e deixe esfriar levemente antes de servir.
Esses pãezinhos podem ser servidos como decoração da mesa de Natal ou consumidos como um delicioso pão doce, carregado de tradição e magia. Cada Parkeljni é uma pequena história viva, lembrança da sombra e da luz que formam o espírito do Natal.

























































