sexta-feira, 24 de maio de 2019

O que tem por trás da tradição do chocolate quente com churros em 25 de maio?


Nessas terras topicais brasileiras, sobretudo no litoral escaldante, é quase uma excentricidade quando alguém pede um chocolate quente (olhe que eu tenho experiencia nisso: sempre observo a fisionomia das pessoas quando eu vou em lugares e peço chocolate quente para beber. As pessoas devem me achar sei lá o que..., mas não troco minha bebida quentinha pelas caras feias das pessoas). Foi pensando nisso, e por estar no mês de maio, que resolvi tratar de tradição do chocolate quente com churros, encontrada em alguns países que foram colônias espanholas no passado, em 25 de maio.


Inicialmente, devo ressaltar que questões estritamente históricas são motivos para tornar datas importantes, e aniversários patrióticos oferecem mais elementos para tornar essas datas diferentes. Logo, se hoje nos trópicos pode parecer uma excentricidade, em tempos coloniais era comum. E depois, quando as colônias americanas de países europeus descobriram as maravilhas do cacau, o habito do chocolate quente se espalhou pelo mundo (já tratei disso anteriormente contando sobre o luxo do chocolate quente [CLIQUE AQUI] e sobre a guerra do chocolate em pó, que conta como esse ingrediente, hoje banal, apareceu, causando reboliço [CLIQUE AQUI]).


Maxwell Bloch, em seu trabalho intitulado Chocolate, virreyes y virreinas (Chocolate, vice-reis e vice-rainhas) aponta, inclusive, como o chocolate foi revolucionário na sua chegada à Espanha. Antes da chegada dos espanhóis: o 'xocolatl' era uma bebida fria especialmente preparada para os tlatoanis e as grandes elites.



Tlatoani (do nauatle tlahtoāni [t͡ɬaʔtoˈaːni] 'aquele que fala'), era o termo utilizado pelos povos nauas da Mesoamérica para designar os governantes dos altépetl (cidades). Eram escolhidos pelos nobres (pipiltin) como governantes, sendo escolhidos entre uma família ou dinastia governante nas diferentes cidades. Os tlatoanis que governavam vários altépetl (como no caso dos mexicas) eram designados Huey Tlatoani.
O termo Tlatoanis tem sido, geralmente, traduzido de forma incorreta para designar rei ou imperador, o que me parece impreciso, sobretudo quando se considera que os povos mesoamericanos não formavam reinos ou impérios – mas, vulgarmente, o termo serve para dar essa representatividade monárquica a quem detinha esse título.
A bebida 'xocolatl' tinha muito simbolismo e não deveria ser consumida pelo povo a menos que fosse uma ocasião especial como uma festividade. 



Mas, com a chegada dos espanhóis, a bebida foi modificada, foi alterada – sendo adoçada com açúcar e temperada com canela para agradar ao paladar dos europeus –, e se tornou uma nova bebida quente que poderia ser consumida por todas as pessoas, já que os colonizadores espanhóis tiraram as proibições pré-hispânicas relativas ao seu consumo.
A bebida então entrou na lista de alimentos de primeira necessidade, básico, porque além de seu gosto requintado e sua grande contribuição nutricional, e ajudava a reconfortar pessoas com tipos diferentes de enfermidades e mau humor. Logo, o chocolate se tornou um vício nas aldeias da Nova Espanha, especialmente entre as mulheres.
A Nova Espanha existiu de 1535 a 1821, sendo um reino da Espanha durante o período colonial, na América do Norte e Central, onde hoje correspondem os estados de Arizona, Califórnia, Colorado, Nevada, Novo México e Utah nos Estados Unidos até à Costa Rica na América Central, tendo como capital a Cidade do México. 

Bandeira de Nova Espanha

O comprimento máximo do Vice-Reino da Nova Espanha, com a adição de Louisiana (1764-1803). Em território verde claro não controlada de forma eficaz, mas alegou como parte do Vice-Reino.

Brasão de Nova Espanha

A Nova Espanha não só administrava as terras compreendidas entre estes limites mas também o arquipélago das Filipinas na Ásia. Depois da derrota do exército espanhol pelas tropas de Agustín de Iturbide e Vicente Guerrero, todo o território (com exceção do arquipélago asiático) passaram a formar parte do Império Mexicano a partir de 28 de Setembro de 1821.
Naquele tempo, para as sociedades em Nova Espanha, o chocolate também tinha simbolismo. Quando alguém era convidado para visitar a casa de outra pessoa, o anfitrião sempre oferecia chocolate e era sinal de má-educação, rudeza, se o convidado tomasse o chocolate. Então, ninguém deveria se surpreender que, na véspera da Revolução de Maio, o chocolate era algo comum.



A Revolução de Maio foi uma série de eventos que ocorreram entre 18 e 25 de maio de 1810 na cidade de Buenos Aires, capital do Vice-Reino do Rio da Prata. Esta era uma colônia do Império Espanhol que incluía aproximadamente os territórios dos atuais países da Argentina, Bolívia, Paraguai e Uruguai. O resultado foi a remoção do vice-rei Baltasar Hidalgo de Cisneros e o estabelecimento de um governo local, a Primeira Junta. A Revolução de Maio foi a primeira revolta bem-sucedida no processo de independência da América do Sul.
Contudo, a história do chocolate quente de 25 de maio entra para os anais da história num episódio bélico, como bem conta o jornalista e pesquisador Daniel Balmaceda, autor de La comida en la historia argentina.


Em 25 de maio de 1826, durante a Guerra da Cisplatina, conflito ocorrido entre o Império do Brasil e as Províncias Unidas do Rio da Prata (no período de 1825 a 1828, pela posse da Província Cisplatina, a região da atual República Oriental do Uruguai), as forças navais patrióticas comandadas por William Brown, conhecido naquela região como Guillermo Brown, dispararam suas armas na área do atual Puerto Madero para os navios brasileiros, que não responderam. Em navios patrióticos eles celebravam com chocolate quente. A partir daquele episódio, graças a Brown, a tradição do chocolate quente surgiu como a bebida oficial dos dias patrióticos.

Almirante William (Guillermo) Brown

Nessa data, 25 de maio, se celebra o Dia da Pátria, na Argentina, que foi quando o Primeiro Governo Crioulo foi formado em frente ao Cabildo, em 1810. Essa data nada tem a ver com a independência argentina – a Declaração de Independência do Reino espanhol ocorreu vários anos depois (9 de julho de 1816). Igualmente ambos os fatos estão relacionados, já que com a Revolução de Maio, a Independência da Argentina começou a tomar forma.



Cabildo era uma corporação municipal instituída na América Espanhola durante o período colonial que se encarregava da administração geral das cidades coloniais. Era o órgão que dava representatividade legal à cidade, através do qual os habitantes resolviam os problemas administrativos, econômicos e políticos do município.

Plaza de Mayo e o Cabildo de Buenos Aires, em 1867.

O cabildo é derivado de instituições similares da Espanha medieval, transplantadas à América pelos primeiros conquistadores já no século XVI. Os membros do cabildo eram escolhidos entre os principais habitantes da cidade, que detinham assim amplos poderes jurídicos e administrativos. Com o tempo, os cabildos foram perdendo muito do seu poder devido às tendências centralizadoras do poder colonial espanhol, que se observaram na América espanhola a partir do século XVIII. Os cabildos permaneceram, porém, como os representantes máximos da oligarquia dos criollos, os descendentes dos colonizadores espanhóis.


O chocolate crioulo era menos espesso do que o que é normalmente era consumido na Espanha, ou na Europa em geral. E o hábito de tomar chocolate no inverno já estava tão arraigado que, faz alguns séculos, os teólogos tiveram que pedir uma dispensa ao Papa para que excluísse a bebida das normas de jejum, caso contrário, tudo seria em pecado Madrid. Tudo por conta do “Liquidum non rumpit jenjunium" - o líquido não quebra o jejum.
O churro, herança espanhola, é o aliado tradicional da xícara de chocolate e é muito popular em Castilla, mas os churros são consumidos em Espanha têm geralmente uma forma de ferradura, enquanto na Argentina churros retos, que a rigor podem parecer bastões, e lá são os mais consumidos. Às vezes, esses bastões são recheados com doce de leite ou creme e, em geral, polvilhados com açúcar.




Assim, quem acompanhou o programa Chaves, vai entender a ligação do chocolate quente com churros e considerar as ligações do México com a Nova Espanha. E quem visitar Madrid, Argentina, Uruguai, vai perceber que existem muitos lugares para apreciar chocolate quente com churros, como também existem em outros países americanos.


Depois, tratarei da origem dos churros mas, por enquanto, deixo abaixo duas receitas práticas para chocolate quente e churros que podem te inspirar a comemorar este 25 de maio.

Chocolate quente cremoso

(rende de 2 a 3 xícaras)
250ml de leite integral
250ml de creme de leite fresco
100 g de chocolate meio amargo picado
50 g de chocolate ao leite picado
1 pitada generosa de canela em pó
Para decorar: chantilly caseiro, cacau ou canela em pó (opcional)

Preparo: Leve o leite e o creme de leite para ferver, com a pitada de canela. Depois que levantar fervura e começar a subir, desligue o fogo e tampe a panela para infusionar mais com a canela, por 2 minutos. Em seguida, adicione os chocolates picados no leite quente. Misture. Coloque a panela em fogo moderado e deixe engrossar delicadamente por 5 a 10 minutos, misturando. Retire do fogo quando a consistência combina estiver a seu gosto (eu prefiro mais grossinho e cremoso). Sirva chocolate quente imediatamente, com um pouco de chantilly e cacau (ou canela) em pó para decorar.

Churros rápidos

250 g de farinha de trigo
250 a 280 ml de água
1 pitada de sal
2 colheres de sopa de azeite (ou óleo)
1 pitada de bicarbonato (opcional)
Óleo de fritar neutro
Açúcar e canela para passar os churros

Preparo: coloque a água pra ferver com o azeite. Enquanto isso, misture os ingredientes secos (farinha, sal, bicarbonato). Adicione o óleo e água fervente aos ingredientes secos e misture energeticamente com uma colher de pau. A massa deve ser pegajosa, se não for o caso, adicione um pouco mais de água. Despeje em um saco de confeiteiro (ou nun caso de açúcar seco, com uma ponta larga e canelada. Coloque o óleo pra esquentar. Aperte o saco de confeiteiro e deixe cair  a massa num tamanho de 10 a 15 cm de comprimento na panela com óleo já quente, frite por 3 minutos, ou até que os churros fiquem dourados. Polvilhe com o açúcar e canela, sirva com chocolate quente.