quinta-feira, 16 de setembro de 2010

O Barão contando história I: O luxo do chocolate quente!

Logo que acordo, depois de tomar banho, vou imediatamente para a cozinha no sentido de tomar o desjejum. Lá, sempre fico na dúvida do que beber: se chá, café, suco, capuchino... Dúvida que acaba rapidinho se vejo uma latinha de Nescau ou uma caixinha de chocolate dois frades por perto. Sempre foi assim desde pequeno. E lembro-me que, lá em casa, tanto meu pai quanto minha mãe sempre diziam que “o melhor chocolate para se tomar de manhã era aquele, dos frades”. Até então eu não sabia o porquê que tinha de ser o chocolate dos frades. Não sei se mais alguém também teve esta mesma dúvida. E eu fui pesquisar. Acabei solucionando e entendendo porque os frades entram no jogo do chocolate como fonte de oferecer a melhor bebida.

Mas cabe aqui uma explicação: depois de uma vida inteira descobri recentemente que o nome correto pro chocolate da caixinha é DOIS prades ou dos padres, segundo explicação da chef Rita Lobo:

O prato perfeito - Alessandro
Sani
Deposi desta breve explicação, dedico esta inspiração a Sua Graça, a Marquesa do "Cratinho de Açúcar" Célia Augusta, amiga de todas as horas. Agora vamos à história:

O Chocolate era uma bebida de luxo, segundo o livro Amor, Luxo e Capitalismo – de Werner Sombart: " o luxo ligado à comida nasce na Itália durante os séculos XV e XVI, quando se assiste à formação da “arte culinária”, juntamente com as outras artes. Antes só existia o “devorar”. Agora, refina-se esse prazer e substitui-se a quantidade pela qualidade. Esse luxo passa para França em finais do século XVI.” 
Rei Luis XIII
     Com o casamento do Rei Luís XIII da França com a Infanta de Espanha, Ana de Áustria (Em 25 de Outubro 1615) o Chocolate fixa-se em terras francesas, pois tinha sido esta iguaria um dos presentes de casamento ofertado aos noivos pelos monges espanhóis, que acabaram agradando muito pelo fato de saber que tratava-se de um material ainda pouco conhecido mas fundamental para ser o chocolate a bebida favorita da Rainha – o chocolate quente.

Rainha Ana de Áustria
Françoise d'Aubigné - A Marquesa de Maintenon
Deste casamento real nasceu o Rei-Sol (Luís XIV), que afirmou o seu gosto pelo Chocolate logo depois de tomar o trono e casar-se com a Infanta espanhola, Maria Teresa; e Divulgando a partir de Versalhes, a pedido da Madame de Maitenon um gosto pela bebida exótica. Desde o final do séc. XVII, era quase que obrigatório qualquer integrante da nobreza ou corte ter em casa Chocolate ou bombons. Ficando, neste caso, evidenciado uma "relação íntima entre o consumo de doces e a mulher [...] foi a causa do rápido alastramento por toda a Europa de excitantes, como o café, o Cacau e o chá [...] constituem fatos importantes no desenvolvimento do capitalismo", ilustrado no livro "Amor, Luxo e Capitalismo".


O Rei Sol - Luis XIV
 
Infanta Maria Teresa

Contudo, as cartas da Madame de Sévigne, a Marquesa  Marie de Rabutin-Chantal,  “dizem que, conforme os dias ou boatos, o Chocolate ou fazia furor ou caía em desgraça na Corte” (BRAUDEL: 1992, 214); ao mesmo tempo o Cardeal Richelieu mandou redigir um tratado intitulado de "Du Chocolat" que tratava dos benefícios da doce bebida para a saúde.
Caedeal Richelieu


Marie de Rabutin-Chantal, Marquesa de Sévigné






















No século XVII foram realizados numerosos tratados das bebidas da moda: Chocolate, Café e Chá, e dentre os estudiosos e suas obras sobressaem: "Philippe-Sylestre Dufour (Traités nouveaux et curieux du café, du thé et du Chocolat, 1671)" e Nicolas de Blegny com sua obra "Le bon usage du thé, du caffé et du Chocolat, 1687". Mais adiante o Chocolate aparece nos livros de receitas e o primeiro foi Massialot em 1692.

Naquele tempo o comércio do chocolate  era controlado pela Espanha, a França então  inicia plantações de cacau na Martinica e posteriormente em Madagascar, para poder ter sua própria produção.

Em 1687 apareceu a primeira Chocolateira Artesanal apareceu, em Baiona. E deve-se aos chocolateiros judeus a introdução do Cacau nesta zona, que formavam uma cooperação de comerciantes, e acabaram sendo por ser expulsos desta zona (assim como foram anteriormente expulsos de Portugal e Espanha), por irem a casa dos potenciais clientes para lhes dar a provar o Chocolate.

O Chocolate feito artesanalmente cativava mais o público daí haver um pouco de resistência  para a mecanização, como vem relatado no livro "Amor, Luxo e Capitalismo": "Os artesãos parecem as pessoas mais felizes deste mundo. Tirando proveito da sua indústria e destreza, permanecem no lugar, coisa tão prudente como rara. Sem ambição nem vaidade apenas trabalham para a manutenção e divertimento. São honestos e bem-educados com toda a gente, porque precisam de toda a gente. A vida de Artesãos era regrada".
  
Entretanto com a  mecanização da fabricação dp chocolate só apareceu em 1732 por Du Buisson. Contudo, a própria Maria Antonieta criou o emprego "Chocolateiro da Rainha", entregue a um cavaleiro de Saint-Louis, preparando a bebida com "pó de orquídea, flor de Laranjeira e leite de amêndoas e algumas vezes com âmbar-cinzento". Uma das heranças desta altura são as "pistolas"de Maria Antonieta, que são bombons com os mesmos ingredientes que a bebida. O emprego de Chocolateiro foi mais tarde sucedido pelo Chocolateiro Debauve.

Rainha Maria Antonieta
 O rei Luís XIV concedeu o privilégio, em 1659, de David Chaillon de "vender e fornecer uma certa composição que se chama de Chocolates" na sua loja. Em 1692 é concedido a outro burguês o privilégio abordado na "História da Alimentação" de "vender chás, cafés, sorvetes de chocolate com as drogas com que é composto, como Cacau e baunilha [...] os clientes não eram muitos, porque o Chocolate era duas ou três vezes mais do que uma chávena de chá ou de café". Todavia no ano seguinte é levantado o imposto e Chocolate torna-se muito mais barato. Logo que o aval regente foi dado ao chocolate, despertou interesse de todos mas nem todos podiam tomarem 1768 “diz-se «os Grandes o tomam algumas vezes, os velhos com frequência, o povo nunca,” (BRAUDEL: 1992, 214).
Rei Luis XV
O Chocolate servido como bebida de forma pastosa foi introduzido como desjejum na França do século XVIII, porque era considerado estimulante para os soldados que ficavam de vigia à noite. Em 1752 devido à importância deste alimento criou-se um artigo para as enciclopédias de Diderot e D'Almert.

Contudo, surgiu em França a primeira chocolataria industrial, data de 1770 e chamava-se: "Companhia Francesa dos Chocolates e dos Chás Pellier & Cie", mas quem deu verdadeiro contributo foram dois grandes homens: Émile-Justin Menier e Victor-Auguste Poulain. O primeiro, Menier, controlava todo o processo do Cacau desde a plantação até à venda, no fim da sua vida a sua chocolataria já se utiliza a máquina a vapor, atualmente ainda existe mas como sede da Nestlé-França. O segundo homem Poulain, que constrói sua própria chocolataria em 1862 cria a própria sua fábrica, devido à aderência de consumidores de Chocolate a tão baixos preços, popularizou o Chocolate em pó e com publicidade chamativa, ainda vive nos dias de hoje a indústria, porém comandada pela Cadbury inglesa..

Com a Revolução Francesa em 1789, foi um marco fundamental para a implantação do Cacau nas ementas. Durante esta altura dá-se também uma revolução na mesa, porque se criou o hábito de tornar o almoço a refeição do meio-dia, porque até essa altura a refeição a meio da jornada, chamava-se “jantar”. Até esta altura a primeira refeição do dia constituía, regra geral, por pão, sopa e, por vezes, vinho; agora o pequeno-almoço aparece e inicia-se o dia a tomar café, chá ou Chocolate. Todavia, os deputados da Assembléia Constituinte,  empurram o jantar para o fim da tarde, devido ao horário de trabalho e no final dos trabalhos da manhã é que começaram a almoçar por volta das 11h.

Relativamente à ceia só a partir do século XVIII é que se tornou hábito. Passou a ser vista como uma refeição tomada a horas “desusadas”, se foi impondo entre as classes mais abastadas. Saint-Simon, o pai francês da sociologia, evoca as ceias de Regent: “nas ceias, as iguarias eram preparadas em locais expressamente reservados para esse fim, em que todos os utensílios eram de prata”.Continham uma faustosa ementa com um elevado número de pratos: rins de javali em marinada, ostras com natas, seguindo-se bolos, tortas, saladas, pé de porco, ervilhas com ovos escalfados, maças reinetas à chinesa.

A moda da ceia prolongou-se no reinado de Luís XV, como momento de alguma intimidade, dado à invenção de novas receitas, e a uma certa dose de misticismo. De entre as novas receitas, com a particularmente da conservação do gelo e com o gelado de Chocolate bastante divulgado na época, parecem os famosos profiteroles e pêra Belle-Hélène, designada desta maneira por "ser baseada na opereta de 1864 - é a aliança pelo perfume com o gelado de baunilha, e o contraste, pela temperatura, com o molho de Chocolate quente", referido no "ABCedário do Chocolate" . Até meados do século XIX a ceia surgia como final de um gracioso serão. Pouco tempo depois, foi substituída  por bufetes, tornando-se comum a ingestão de chá, caldos, Chocolate, cafés, sandes e vinhos.

Contudo, só em plena industrialização do séc. XIX, o fabrico artesanal do Chocolate caiu em desuso, embora fossem verdadeiros artistas e ainda hoje reconhecido pelo requinte do sabor e gosto. Embora neste mesmo século XIX o Chocolate de Baiona tem maior impulso, criando a "Academia do Chocolate de Baiona" para artesãos e a sua maior especialidade era Chocolate quente. Durante este século já existiam diversas fábricas de latoeiros, que fabricavam os moldes para os Chocolates, mas estes moldes tradicionais eram de aço inoxidável, sendo muito caros, e com a evolução tecnológica apareceram novos moldes que tiveram maior divulgação como: plástico termoformado, Flexipan (vidro e silicone) ou só silicone. Das principais fábricas deste ramo conhecem-se: Pinat, Cadot e essencialmente a Letang. Esta última ainda se encontra em funcionamento.

O aparecimento da pastelaria, o chocolate, foi amplamente divulgado no séc. XIX com o cremes, charlottes e mousses tornaram-se tradição dentro das casas francesas, pela sua fácil confecção. Também nesta altura de expansão da pastelaria francesa descobre-se o "ganache", por mero percalço, ao verter leite em cima de tabletes de Chocolate «De todas as guarnições possíveis, a ganache é certamente a mais interessante, pois é aquela que utiliza mais Cacau», afirma o chocolateiro Robert Linxe".Este "ganache" é a base do artesão chocolateiro. Esta base é aromatizada por múltiplas especiarias: canela, cardomono, curcuma, cravo-de-cabecinha, menta, pimenta, açafrão e outros; ou com outras bebidas: café, chá, verbena ou álcool. Porém, no início do século XX a esta base é acrescentada natas ou manteiga derretida, graças à mestria dos artesãos é criada a trufa. Caracterizada por ser uma pequena bola irregular de Chocolate preto, salvaguardava o húmido interior e depois envolvido em Cacau em pó. No caso da chocolataria francesa em Quiberon criam segundo o ABCedário " «a trufa de tufa», casamento inédito entre macia ganache e a trufa fresca [...] para que leve mais tempo a derreter-se na boca"    

Estas inovações introduzidas na culinária francesa criaram novas tartes de Chocolate realçando-se ainda hoje: Philippe Conticini, Pierre Hermé e outros, no entanto foram renovadas antigas receitas de Chocolate destacando-se o contributo de Gaston Lenôtre.
A corte francesa bebendo chocolate.

O Chocolate sempre foi a bebida da Corte Francesa; e apesar de os franceses serem os primeiros na Europa a conhecer o fabuloso sabor do Cacau, hoje são consumidores modestos comparativamente com os restantes europeus, com um consumo médio de três quilos anuais. Conseqüentemente, muitas crianças francesas mantém a tradição, pela manha tomar uma caneca de Chocolate quente.

Aceita uma canequinha de chocolate?

• 2 xícaras (chá) de leite
• 3 colheres (sopa) de Chocolate em Pó DOIS FRADES
• 4 colheres (sopa) de açúcar
• 1 caixa de Creme de Leite
• 1 pau de canela

Em um liquidificador, bata o leite com o Chocolate em Pó DOIS FRADES e o açúcar. Despeje em uma panela com a canela e e leve ao fogo baixo, mexendo sempre até ferver. Desligue, adicione o Creme de Leite e mexa bem até ficar homogêneo. Retire a canela e sirva quente.

Um comentário: