domingo, 24 de julho de 2022

As origens eróticas do Cannoli

 


Provavelmente a sobremesa mais famosa da Itália, os cannoli são orgulhosamente exibidos em quase todos os cafés e pasticceria sicilianos, homenageados até no site oficial da ilha (veja AQUI) e imortalizados pelos sicilianos em ‘O Poderoso Chefão’, com a famosa frase "Deixe a arma, pegue os cannoli" , confira o momento no vídeo abaixo: 


Mas se você já viu um cannolo e pensou: "sim, parece um...", você não está sozinho. O amado doce siciliano realmente se assemelha a um falo - e por boas razões.

Reza a lenda que na cidade siciliana de Caltanissetta durante o domínio árabe (por volta de 1000 d.C.), um harém de mulheres criou o deleite - uma concha de massa tubular frita feita de farinha, açúcar e manteiga e recheada com queijo ricota doce e cremoso - para exaltar a masculinidade de seu Emir (trata-se de um título aristocrático árabe equivalente a príncipe). Embora essa história não possa ser comprovada, já que não há registros escritos, a noção dessa pastelaria erótica remonta a séculos. Por lá era chamado de “Verga di Mosè” ("Vara" de Moisés) ou de “Scettro del Re“ (Cetro do rei). vale ressaltar, ainda, que 'Caltanissetta' deriva do árabe 'qal-at-nisa', que se traduz como a "cidade das mulheres"". o que  justifica a presença de harém com muitas mulheres.



Outra versão conta que, após a expulsão dos sarracenos pelos normandos, algumas concubinas do sultão escaparam do harém e se refugiaram em um convento onde se converteram ao cristianismo e estabeleceram um forte vínculo com as freiras. Se assim fosse, o cannolo seria fruto do feliz encontro entre a tradição clássica e a tradição árabe.

Embora existam vestígios de um “cannoli” primordial que remonta à época romana, a receita que existe hoje é de origem árabe. O testemunho mais antigo que temos é fornecido pelo orador romano Marco Túlio Cícero, que por volta de 70 a.C, quando era questor na Sicília (Magistrado da antiga Roma que tinha a seu cargo as finanças, também poderia ser o Juiz criminal entre os romanos), provou uma sobremesa muito semelhante aos cannoli que ele definiu como “tubus farinarius, dulcissimo, edulio ex lacte factus” (“cilindro preparado com farinha, recheado com um recheio de leite muito doce”).

Na Grécia Antiga, durante as festividades da Thesmophoria em homenagem às deusas Perséfone e Deméter, as pessoas consumiam mel e bolos de gergelim no formato de seios para celebrar a fertilidade e a maternidade. Essa prática, que se acredita ter se originado em rituais anteriores realizados no Antigo Egito para adorar a deusa Ísis, mais tarde se espalhou para o resto do Mediterrâneo e para a Sicília pré-romana.

Assim, os órgãos sexuais não eram considerados tabu nos mundos grego e romano antigos, eram antes reverenciados como símbolos de abundância. As formas sexuais das sobremesas sicilianas derivam desse mundo antigo. Naquela época, era importante ter muitos filhos, pois eles cultivariam a terra e sustentariam a família.

No século XI, os conquistadores normandos converteram a Sicília ao catolicismo e as tradições antigas se misturaram às tradições católicas: as observações do solstício de inverno se misturaram ao Natal, e os ritos de fertilidade se fundiram à Páscoa. As antigas sobremesas duraram e foram conservadas pelas freiras, que faziam as confecções dentro dos seus conventos para festas e feriados religiosos.

Por exemplo, a cassata (já escrevi sobre ela no blog, confira AQUI ), que se pensava ter nascido durante o domínio árabe para celebrar a renovação da primavera, tornou-se uma especialidade da Páscoa.

                                                      Cassata

E, como cannoli, uma série de outras sobremesas italianas antigas com formas eróticas foram transmitidas através dos tempos. O Minne Di Sant'Agata ou Minni di Virgini (uma meia esfera cheia de ricota coberta com glacê branco e cereja cristalizada, também já tratei sobre essa sobremesa AQUI) foi feita para parecer um peito em homenagem a Santa Agatha, uma mártir da era romana cujos seios foram cortados por recusar os avanços de um homem, enquanto o Fedde del Cancellieri (creme e geleia de damasco entre dois biscoitos de amêndoa num formato de concha) foi criado em tom de brincadeira para se assemelhar às nádegas de um chanceler.

                                            Minne Di Sant'Agata 
                                             Fedde del Cancellieri

As freiras não faziam sobremesas em formato erótico, como algumas pessoas pensam, porque eram sexualmente reprimidas e queriam se divertir, mas porque herdaram uma tradição antiga.

Desde o tempo da Grécia Antiga, a confecção e, portanto, o consumo de símbolos comestíveis estava associado ao ritual de sacrifício e pensava-se que aproximava as pessoas dos deuses. Como essa noção foi transportada para o catolicismo, as freiras foram autorizadas a desenvolver a confeitaria apesar das regras monásticas medievais que proibiam a gula, para o Carnaval, uma celebração pré-quaresma enraizada em um antigo festival em homenagem a Baco, o deus romano do vinho e do êxtase (Dionísio em grego) - as regras eram rigorosas. Mas, as regras às vezes precisam ser derrubadas para serem reafirmadas - e o carnaval permitia exatamente isso.

Era a única época do ano em que o pudor católico deixava espaço para o excesso e a auto expressão desinibida – e era a hora de comer cannoli. Os homens dariam o doce tubular às mulheres para sugerir seus desejos sexuais, cantando: "Ogni cannolu è scettru d 'ogni Re ... lu cannolu è la virga di Mosè" (Todo cannolo é o cetro de todo rei ... o cannolo é o pênis de Moisés).

Infelizmente, a maioria dos conventos que usavam as receitas tradicionais de cannoli (como a Abbazia Nova em Palermo) fechou, e apenas um punhado de freiras mais velhas ainda sabe como fazê-los. Um mito sustenta essa idea sobre a abadia de apalermo, afirmando que as “mulheres dentro do castelo” tiveram a ideia de rechear a massa frita com ricota, para receber seu amado de volta de Palermo. Aparentemente o cannoli era considerado uma sobremesa ideal que podia ser preparada rapidamente, perfeito para receber alguém em sua chegada»,

Embora os cannoli sejam agora onipresentes em toda a Itália, e pelo mundo, os melhores e mais "autênticos" podem ser encontrados apenas em alguns cafés sicilianos, como Caffè Sicilia em Noto, Euro Bar em Dattilo e alguns lugares na comuna de Piana degli Albanesi. 

Embora em todas as partes da ilha, o cannoli seja delicioso e sua receita seja sempre a mesma, coberta com açúcar em pó ou canela e sempre recheada instantaneamente para manter a sua "crocância", a diferença substancial está no seu recheio : de fato, além do recheio clássico com creme de ricota, existem versões de chocolate, creme de pistache e Nutella, 

Para seguir a tradição, o recheio utiliza-se da ricota de leite de ovelha, muito densa e encorpada, com um sabor mais forte especialmente no território de Palermo e Catania, ao contrário do Zona de Ragusa, onde se prefere a ricota de leite de vaca, mais fina e espumosa, com sabor mais delicado. Outra característica interessante desta sobremesa especial, podemos encontrá-la em sua decoração final, por exemplo, em Catania são usados ​​grãos de pistache ou avelã, enquanto em Palermo são usadas a cereja cristalizada (em dialeto siciliano "cirasa") ou os filetes de casca. laranja.

Se você desejar preparar o seus em casa, abaixo segue uma receita considerada tradicional e apresenta pelo site oficial da ilha italiana que o deixou famoso. Aproveite.

 

Cannoli siciliani

Ingredientes (para 4 – 6 cannoli)

para as conchas de massa:

 150 g de farinha de trigo

50 g de açúcar

25 g de banha (ou lardo, ou manteiga)

10g de cacau em pó

1 ovo

1 colher de sopa de vinho tipo marsala (ou vinho branco)

Azeite, banha ou óleo para fritar

para o recheio:

500 g de ricota de leite de ovelha

150 g de açúcar

extrato de baunilha

gostas de chocolate escuro

casca de laranja cristalizada picada

pistache picado

Preparo: Massa – Coloque todos os ingredientes numa tigela e misture, acrescentando um pouco de vinho, tendo em conta que, no final, a massa deve ter a mesma consistência da massa de pastel. Cubra a massa com um pano de prato e deixe descansar por cerca de 30 minutos, depois abra com um rolo para criar folhas finas. Corte formas ovais (ou circulares), se necessário use um molde de papel de manteiga como modelo ou um cortador de metal. Enrole as massas em torno de tubos de estanho especiais (os juncos já foram usados ​​para este fim, daí o nome; se não tiver isso, pedaços de madeira bem cobertos com papel alumínio resolvem), sobrepondo as bordas da massa em alguns milímetros e pincelando com clara de ovo levemente batida para segurar no lugar e evitar que os cannoli se abram durante o cozimento. Frite-os em banha quente ou azeite. Deixe secar e esfriar. Remova cuidadosamente os tubos de estanho. Uma versão envolve a adição de cacau à massa, mas isso só serve para tornar as cascas mais escuras e tem pouco efeito sobre o sabor. Preparo o recheio –Passe a ricota por uma peneira fina (não é recomendado o uso de batedeiras, pois deixarão a ricota muito fina), adicione o extrato de baunilha, os flocos de chocolate e o açúcar. Misture muito bem e recheie as massas já frias. Quando todos os cannoli estiverem cheios, decore com a casca de laranja cristalizada e pistache moído, depois polvilhe com açúcar de confeiteiro. 

sábado, 9 de julho de 2022

Bebinca: Como uma freira e muitas sobras de gema de ovo criaram a 'rainha das sobremesas de Goa

Goa é um estado no oeste da Índia com um litoral que se entende pelo Mar Arábico. Sua longa história como colônia portuguesa antes de 1961 é evidente nas igrejas preservadas do século XVII e nas plantações de especiarias tropicais. Goa também é conhecida por suas praias, que vão de Baga e Palolem, muito procuradas, às praias de vilarejos pesqueiros tranquilos, como Agonda.

Mas, se você não conhece Goa eu tenho uma maneira de te levar a sentir o gosto daquele lugar: comendo uma fatia (com certeza, mais de uma) de Bebinca, um tradicional doce que, se servido com espuma de ghee encapsula a identidade cultural e histórica única daquele lugar delirando ao longo das sete camadas de brilho reluzente que essa sobremesa possui.

Saboroso resquício do passado colonial daquele Estado, Bebinca é tão única em Goa quanto as deliciosas ilustrações do cartunista Mario Miranda que retratam a vida dos goeses.

                                Mario Miranda e algumas de suas obras retratando a vida em Goa.             









E é por isso que não é surpresa que o ministro-chefe do estado, Pramod Sawant, tenha anunciado recentemte uma Indicação Geográfica (IG) para a sobremesa, além da manga Mankurad, feni ou femim, um aguardente de coco local, berinjela Taleigao, Saat Shireacho Bhendo (quiabo) e o saree Kunbi (indicações geográficas aliás, são alvo de alguns de alguns estudos acadêmicos meus, obviamente analisando o caso Brasileiro - e você poderá lê-los pelo meu blog em "Publicações do Barão").

Mas por baixo da deliciosa fatia de várias camadas de felicidade quente, muitas vezes servida com sorvete de baunilha, encontram-se histórias interessantes das aventuras culinárias de Goa.


alguns dos sabores que aparecem nas bebincas de Goa

Também conhecida como ‘bibik’, esta sobremesa de influência portuguesa é indiscutivelmente a iguaria doce mais popular de Goa. Faz aparições especiais em todas as ocasiões, seja um casamento, Natal ou qualquer outra festa. Isso de fato rendeu a Bebinca o apelido de 'Rainha das Sobremesas Goas'.

No entanto, sua origem ainda está envolta em mistério. Algumas lendas afirmam que, assim como outras confeitarias do convento (doces conventuais em português), a Bebinca também foi inventada por freiras portuguesas no século XVII. Mas o que se destaca é sua abordagem de cozimento sem desperdício.

Ao contrário da maioria dos alimentos assados que usam clara de ovo, aqui as gemas ganham destaque. Usar claras de ovos para engomar roupas era uma prática comum dos colonizadores que ainda prevalece em partes da Velha Goa. Como resultado disso, a maioria das pessoas, assim como as freiras portuguesas do Convento de Santa Mônica em Velha Goa, acabariam com sobras de gemas de ovos. Reza a lenda que a Bebinca veio para ser uma solução para sobras de gemas.

Convento e Igreja de Santa Mônica em Velha Goa

Estas histórias e um livro de destaque da historiadora Fátima da Silva Gracias, Cozinha de Goa: História e Tradição da Comida Goanense, afirma que uma dessas freiras do Convento de Santa Mônica se chamava Bebiana. Ela inventou um pudim de sete camadas usando as gemas restantes para simbolizar as sete colinas da cidade velha de Goa e Lisboa.



Este pudim foi então enviado aos padres, possivelmente os que moravam no Convento de Santo Agostinho – a Ordem a que pertencia Santa Mônica – que, embora impressionados, apontaram que sete camadas não eram suficientes para eles. Eles aconselharam Bebiana a aumentar o tamanho da sobremesa para acomodar pelo menos uma dúzia de camadas. Hoje, este pudim é conhecido como Bebinca em sua homenagem e possui de 7 a 16 camadas.

Não há nada como cortar as camadas de Bebinca para revelar as maravilhas de sabores complexos criados com ingredientes bastante simples.

O calor trancado dentro de cada camada, derretendo o sorvete de baunilha enquanto você dá uma mordida, é bastante espetacular e é resultado de quatro ingredientes principais – ovos, farinha de trigo (maida, farinhade trigo refinada), leite de coco e açúcar. Para realçar os sabores e criar as camadas em cascata, adiciona-se muito ghee e uma pitada de noz-moscada.

Mas o único ingrediente crítico ao assar Bebinca é a paciência. Um verdadeiro trabalho de amor, é preciso mantê-lo de lado por 4 a 12 horas para seguir religiosamente a receita. Faça as duas massas separadas (uma escura e uma clara), despeje uma camada fina de cada massa, unte com ghee derretida por cima, asse e repita, alternando entre as camadas escuras e claras. Em outras palavras, no caso de uma Bebinca de 16 camadas, você precisaria cuidadosamente fazer camadas, untar e assar cada camada de massa 16 vezes!

Tizal, uma faiança local para fazer bebinca - Goa Chitra Museum

Especialistas em alimentos dizem que os melhores resultados podem ser alcançados apenas seguindo o método tradicional de assar, que envolve o uso de um forno de barro especial chamado tizals. Ao contrário de outras sobremesas assadas, a Bebinca feita nessas panelas não é assada no fogo, mas colocando algumas cascas de coco queimando sobre a tampa. Um truque para quem cozinha no forno convencional é selecionar a configuração da fonte de calor que permite que o calor seja liberado por cima e não por baixo da Bebinca. Este método permite que o calor se espalhe uniformemente e ajuda o açúcar a caramelizar lentamente e criar um sabor mais arredondado com tons esfumaçados.

A joia da coroa de Goa, Bebinca, não é apenas sensacional na Índia, mas em todo o mundo. Os portugueses o levaram por suas colônias, de Goa ao Sri Lanka, África Oriental, Malásia, Indonésia, Filipinas até o Havaí e o Pacífico. A cada viagem, influenciou uma variação - seja o bibingka sem camadas nas Filipinas ou o bibikkan no Sri Lanka - apenas para ser imortalizado como uma das muitas maravilhas gastronômicas indianas.

Bebinca

200 g de farinha de trigo refinada (peneire bem)

12 gemas

450 gramas de açúcar

750 ml de leite de coco

1 colher de chá de caradamomo (ou noz-moscada em pó)

1/4 de colher de chá de sal

200 gramas de manteiga ghee

Preparo: misture bem as gemas. Junte o leite de como, o açúcar, o sal e misture bem. Junte a farinha e mexa até dissolver- cuidado para não deixar grupos de massa. Depois da massa listinha adicione o cardamomo em pó e misture bem. Passe a mistura por uma peneira para garantir que a massa fique sem grumos. Numa assadeira untada com ghee despeje 1 xícara de massa e leve pra assar até dourar levemente. Tire do forno pincele com ghee, junte mais uma xícara de massa e volte a assar. Repita o processo até a massa acabar. Vire a bebinca de cabeça para baixo e deixe esfriar antes de servir.

DICAS: se seu forno tiver a opção de calor também em cima, ligue.

Se desejar, também pode separar a madda em duas partes e numa delas acrescentar um pouco de caramelo pra deixar a mistura mais escura e assim deixar as camadas com mais destaque de cor.

O forno deve ser pré-aquecido antes e a temperatura na mais baixa que tiver. Por isso um pouco de paciência. 

domingo, 5 de junho de 2022

Platinum Pudding - o Pudim de Platina em comemoração aos 70 anos de reinado da rainha Elizabeth II

 

Uma sobremesa cremosa, com camadas de diferentes sabores e texturas, geladinha, é algo que agrada muita gente, não é? No Brasil, generalisticamente, elas são chamadas de cremes e pavês – quem nunca comeu um creme de abacaxi delicioso? Pois bem, nas terras da rainha, sobremesas em camadas tem nome próprio, são os Trifles, que podem sem encaixados na categoria de pudins – mas isso é uma discussão histórica séria que merece ser discutida noutra ocasião. Hoje, porém, eu vim apresentar para vocês o Platinum Pudding (pudim de Platina), que na realidade é um trifle que foi elaborado para um concurso de culinária britânico em homenagem aos setenta anos de reinado de Elizabeth II.



Basicamente, um Trifle é composto de três ou quatro camadas feitas com pão de ló geralmente embebidos em xerez ou outro vinho fortificado, acrescido de um creme e frutas frescas ou geleia, o que permite uma variedade imensa de combinações, algumas até renunciando inteiramente às frutas e usando outros ingredientes, como chocolate, castanhas, suspiros, café ou baunilha. Não basta—se isso, depois de montada recebe uma cobertura de mesa montada chantilly ou, mais tradicionalmente, syllabub (Já tratei dele no blog e você pode ler AQUI).

Um exemplo de Trifle

O nome trifle (significa em português algo como bagatela, ninharia) foi usado para outra sobremesa britânica conhecida como Fruit Fool ou Foole (tolo de frutas), no século XVI. Um Fruit Fool é uma sobremesa inglesa feitas com misturando purê de frutas cozidas (classicamente groselhas) com um creme doce – as receitas modernas de um Fruit Fool geralmente pulam o creme tradicional e usam chantilly e adicionam um agente aromatizante, como água de rosas.

Fruit Fool 

O termo Foole foi mencionado pela primeira vez como uma sobremesa em 1598, quando ainda era feito de creme de groselha, embora as origens do Foole de groselha possam remontar ao século XV. Alguns autores como Janie Hibler, (em seu “The Berry Bible, Harper Collins Publishers, 2000) acreditam que o o termo Foole deriva do verbo francês fouler que significa "esmagar" ou "pressionar" (no contexto de prensar uvas para vinho), mas essa derivação é descartada pelo Oxford English Dictionary como infundada e inconsistente com o início uso da palavra.

Seguindo o percurso histórico do Trifle, o primeiro uso do nome Trifle foi em uma receita para um creme espesso aromatizado com açúcar, gengibre e água de rosas, no livro de 1585 de Thomas Dawson de culinária inglesa The Good Huswifes Jewell. Assim, o Trifle evoluiu a partir do Fruit Fool, sendo que originalmente os dois nomes eram usados de forma intercambiável para ambas.

O uso de geleia foi registrado pela primeira vez como parte da receita de um Trifle em edições posteriores do livro do século XVIII de Hannah Glasse, The Art of Cookery. Em sua receita, ela instruiu o uso de Hartshorn ou de ossos de pés de bezerro como ingrediente base (para fornecer colágeno/gelatina) para a geleia.

Em virtude das comemorações do Jubileu de Platina da rainha Elizabeth II, muitos eventos foram programados, um deles foi um concurso de culinária para escolher o Pudim do Jubileu.

Assim, a Platinum Pudding Competition foi criada em 2021 pela Fortnum & Mason a partir de uma ideia do diplomata e escritor britânico de gastronomia, cultura e viagens Ameer Kotecha e do ex-diplomata e curador britânico Jason Kelly. A competição foi lançada em todo o Reino Unido em 10 de janeiro de 2022, quando a Ministra da Cultura, Nadine Dorries, disse: "o Concurso de Pudim de Platina é uma maneira maravilhosa de celebrar os 70 anos de reinado de Sua Majestade e sei que inspirará pessoas de todas as idades em todo o Reino Unido a cozinhar”

Concordando com a competição e promovendo-a, o Palácio de Buckinham se pronunciou oficialmente, e garantiu: “A receita vencedora será disponibilizada ao público e o pudim será saboreado nos Grandes Almoços do Jubileu durante o fim de semana do Jubileu, e pelas próximas gerações". A competição do "pudim de platina" segue a tradição de pratos relacionados à realeza, como o Frango da Coroação, inventado para a coroação da rainha em 1953 (já falei dele no blog, veja AQUI).

Entretanto, as inscrições da competição do pudim de platina aconteceram em 04 de fevereiro de 2022, com a primeira rodada de julgamento tendo sido feita pelos chefs da Fortnum & Mason, que escolheram cerca de 40 receitas que passariam para a segunda etapa da competição. Na segunda rodada, apenas cinco receitas foram escolhidas, que passaram para a terceira e última fase, quando os cinco finalistas tiveram que preparar a iguaria ao vivo na Fortnum & Mason. Os outros quatro finalistas foram: Passionfruit and thyme frangipane tart, Four Nations pudding, Rose falooda cake e Jubilee bundt cake. 

as receitas finalistas

Os cinco finalistas, criaram suas próprias receitas de pudim a partir do zero, enfrentaram um júri composto pela escritora de culinária e apresentadora de televisão inglesa Mary Berry, escritora de culinária, o pesquisador, autor e confeiteiro Dr. Rahul Mandal e o chef confeiteiro Matt Adlard – para citar apenas alguns.

A receita vencedora foi a (uma geleia de limão e laranja), anunciada em 12 de maio de 2022, pela BBC: a vencedora do concurso do Pudim do Jubileu de Platina foi Jemma Melvin, justamente com um Trifle composto de camadas de Swiss roll (rocambole), St Clements jelly (uma geleia de limão e laranja), Lemon custard (um creme de limão), Amaretti biscuit (biscoitos de amêndoa). Mandarin coulis (calda grossa de tangerina), Whipped cream (creme batido)

A vencedora e sua criação.

Jemma Melvin, de Southport em Merseyside, é uma redatora de 31 anos e se inspirou ambas as avós, uma das quais a ensinou a cozinhar e a outra adorava Trifle antes de ela falecer tristemente.

O Trifle criado por Jemma tem uma estreita ligação com a rainha, pois o posset de limão e os biscoitos amaretti foram servidos em sua recepção de casamento. Jemma entendeu aquele perfil de sabor que a rainha gostaria e depois o transformou num Trifle. Tendo perdido o príncipe Philip em 2021, certamente o pudim lembrará a rainha dos tempos felizes.

A receita vencedora em formato individual

Abaixo deixo a receita original, que eu traduzi para o português. Ela parece complicada, mas são processo fáceis. Caso queira verificar a receita original, em inglês, veja ela AQUI.

Se testar, depois me conte o que achou.

JEMMA’S LEMON SWISS ROLL AND AMARETTI TRIFLE

INGREDIENTES

Para os rolos suíços (rocamboles):

4 ovos grandes

100g de açúcar refinado, mais extra para polvilhar

100g de farinha de trigo com fermento, peneirada

Manteiga, para untar

Para o Curd de Limão:

4 gemas grandes de ovos

135g de açúcar granulado

85g de manteiga com sal, amolecida

Raspas de um limão

80m de suco de limão fresco

Para a geleia de São Clemente:

6 folhas de gelatina incolor

4 limões

3 laranjas

150g de açúcar refinado

Para o Creme:

425ml creme de leite fresco

3 gemas grandes de ovos (use 4 se forem pequenas)

25g1oz de açúcar de confeiteiro

1 colher de amido de milho

1 colher de chá de extrato de limão

Para os biscoitos Amaretti:

2 claras de ovos

170g de açúcar refinado

170g/ de amêndoas moídas

1 colher de sopa de amaretto (licor de amêndoas)

Manteiga ou óleo, para untar

Para o coulis grosso de Tangerina (mandarina)

397g tangerinas enlatadas ou da fruta sem casca e sem sementes

45g de açúcar refinado

16g de araruta (ou maisena, ou polvilho)

Suco de meio limão

Para a decoração de chocolate

50g casca de cítricos cristalizados

1 colher de sopa de açúcar cristalizado (se precisar)

200g de chocolate branco, quebrado em pedaços

Para montar:

600ml de creme de leite fresco 

PREPARO: Para fazer os rolos suíços, pré-aqueça o forno a 180C/ 160C. Unte e enfarinhe as 2 formas de rocambole com manteiga e papel manteiga. Em uma tigela grande, bata os ovos e o açúcar juntos com um batedor de mão elétrico por aproximadamente 5 minutos ou até ficar claro e pálido. Usando uma colher de metal, adicione delicadamente a farinha. Divida entre as duas formas e leve ao forno por 10-12 minutos ou até que as massas estejam levemente douradas e cozidas. Retire do forno. Polvilhe um pouco de açúcar refinado extra em dois panos de prato limpos, em seguida, vire as massas sobre os panos de prato açucarados. Retire o papel manteiga com cuidado, ainda quente, enrole os dois a partir da extremidade curta formando um rolo apertado usando o pano de prato pra ajudar a enrolar, Deixe esfriar.

Para fazer o curd de limão, coloque as gemas, açúcar, manteiga, raspas de limão e suco de limão em uma tigela de vidro sobre uma panela com água fervente (não deixe a tigela tocar a água). Bata até misturar bem, continuamente enquanto o curd cozinha até engrossar. Este deve demorar cerca de 15 minutos. Despeje em uma tigela limpa e reserve para esfriar.

Para fazer a geleia de São Clemente, molhe as folhas de gelatina em água fria por 5 minutos para amolecer. descasque 6 tiras da casca de um limão e 6 tiras da casca de uma laranja e coloque-as em uma panela com o açúcar e 400ml de água. Leve ao fogo médio, mexendo de vez em quando até que o açúcar se dissolva. Retire do fogo e descarte as cascas. Retire a gelatina da água apertando pra sair o máximo de água, coloque a gelatina na panela e mexa até dissolver bem, deixe esfriar. Esprema o limão e a laranja, então você terá 150ml de suco de limão e laranja, misture na panela com a gelatina, mexa na panela e coe a gelatina numa peneira fina em um jarro e leve à geladeira até esfriar, mas não endurecer.

Para fazer os biscoitos amaretti, pré-aqueça o forno a 180C. Em uma tigela grande, bata as claras até ficarem firmes. Misture o açúcar e as amêndoas delicadamente. Adicione o amaretto e envolva delicadamente até obter um

pasta lisa. Coloque um pouco de papel manteiga em uma assadeira e pincele levemente com manteiga ou óleo. Usando uma colher de chá, coloque pequenos montes de a mistura aproximadamente 2cm de distância, pois eles expandem durante o cozimento. Asse por aproximadamente 15-20 minutos ou até dourar. Retire do forno e reserve para esfriar.

Para fazer o coulis grosso de tangerina, se usar a de lata:  coe uma das duas latas de mandarinas (tangerinas), descarte o suco e coloque a fruta em uma panela com o açúcar e leve ao fogo brando até desmanchar (Se fizer com a frutas, tire as sementes e aquela parte branca para não amargar, você deve ficar apenas com as pagas de tangerina sem aquela pele branca – daí o processo é o mesmo Junte o açúcar e cozinhe até desmanchar bem) Retire do fogo. Em uma tigela pequena, misture a araruta (ou a maisena, ou o polvilho) com 2 colheres de sopa de água fria para fazer uma pasta, em seguida, adicione na mistura de tangerinas ainda quente. Adicione o suco de limão e misture bem antes de despejar e volte ao fogo para engrossar. Tire do fogo, Coe a outra lata de tangerinas, descarte o suco, e misture a fruta com o creme de tangerina cozido, misture e deixe esfriar. (faça o mesmo procedimento com o restante das frutas frescas).

Para fazer a decoração de chocolate, se as cascas cristalizadas estiverem úmidas, passe no açúcar para absorver qualquer umidade. Derreta o chocolate branco em uma tigela sobre uma panela de água fervendo suavemente. Despeje o chocolate branco sobre uma assadeira forrada com papel manteiga e espalhe as cascas de cítricos cristalizadas por cima. Deixe secar, em seguida, quebre o chocolate em fragmentos.

Para montar, desenrole os rolos suíços resfriados e espalhe o curd de limão. Enrole novamente e corte um em 2,5 cm fatias e coloque na vertical em torno da borda inferior da travessa de servir deixando o rocambole visível nas laterais. Cubra toda a lateral e o fundo com o rocambole. Despeje a geleia de São Clemente sobre a camada de rocambole e reserve na geladeira para endurecer completamente. Isso levará aproximadamente 3 horas. Depois de pronto, despeje sobre o creme em seguida, disponha uma única camada de biscoitos amaretti, mantendo uma poucos voltam para o topo. Despeje sobre o coulis de tangerina. Em uma tigela grande, bata o creme de leite até formar picos moles

em seguida, coloque isso sobre o coulis. Decore com a casca de chocolate

fragmentos.

Nota: abaixo deixo do vídeo com o preparo da receita pra descomplicar qualquer dúvida que vocês possam ter.

sexta-feira, 3 de junho de 2022

O Jubileu de Platina da rainha Elizabeth II e o frango da coroação (Coronation Chicken)


 Imagine você dedicar setenta anos de sua vida, abdicando dela, em função do cargo que ocupa. Hoje, foi assim que me peguei pensando quando liguei a TV e vi, em todos os canais, reportagens e mais reportagens sobre o Jubileu de Platina da Rainha Elizabeth II. Entre guerras, escândalos familiares, morte da princesa Diana e mais recentemente do Príncipe Philip, duque de Edimburgo, além de enfrentar a Covid19, a rainha completou setenta anos de reinado sustentando a monarquia britânica, sendo a segunda monarca da história recente com mais tempo no poder – ela só perde pra Luís XIV da França, que passou 73 anos no poder.


A Parada do Jubileu de Platina

Jubileu de Platina da rainha Elizabeth II, com membros da família real

PLATINUM JUBILEE MINIATURE SHORTBREAD TUBE - Essa encantadora lata/tubo de biscoitos foi um dos souvenires oficiais vendidos pelo Royal Collections Shop para celebrar o Jubileu de Platina de Sua Majestade a Rainha Elizabeth II em 2022, Apresentando o brasão real, que foi especialmente pintado para a ocasião e inclui os emblemas nacionais do Reino Unido, este delicioso tubo de biscoito em miniatura contém dez deliciosas rodelas de biscoito amanteigado, assadas nas Terras Altas da Escócia. Tamanho 13x5x5cm. Ao custo de £2.95

Obviamente que esse feito histórico não passaria desapercebido e foi celebrado com a pompa que merece, com celebrações não apenas na terra da rainha, mas em todos os países-membros da Commonwealth. Dentre os eventos programados pela monarquia para celebrar a data, as imagens do desfile de membros da família real e oficiais britânicos empolgou a população que se espremia nas ruas em frente ao castelo de para saudar a rainha.

A rainha e membros de sua família na coroação de 1953

O Convite do Príncipe Charles para a coroação da rainha, em 1953.

Para mim, entretanto, um momento mais simbólico foi quando nesta quinta-feira (02/06/2022), a Rainha Elizabeth II fez sua segunda aparição do dia e acendeu a luz principal que iluminou a "Árvore das Árvores" — representando o milhão de árvores plantadas no ano do Jubileu — em celebração aos seus 70 anos de reinado (momento que  você poderá ver AQUI).

A rainha ascendendo a àrvore das árvores.



Alguns dos souvenires comemorativos do Jubileu de Platina disponíveis para venda

Como ainda (por enquanto) não consegui nenhuma informação sobre os cardápios das celebrações internas nos palácios da rainha, hoje trago uma receita igualmente histórica envolvendo a monarca: o frango da coroação.

Curiosamente, analisando menus históricos, me dei conta de que frango preparando de algum modo aparece nos menus britânicos de jubileus reais: é como ocorreu no Jubilei de Prata de George V, em 1935, e no Jubileu de Ouro da rainha Elizabeth II, em 2002.

Mas, o que seria o frango da coroação?

O menu do Coronation Luncheon de 1953.

O Coronation Chicken foi criado pelo Le Cordon Bleu London para ser servido no Coronation Luncheon de 1953, e tornou-se um dos exemplos mais significativos do Le Cordon Bleu Londres.

Le Cordon Bleu, mundialmente conhecida pela melhor educação em culinária, é usada como referência de excelência na indústria desde o século XVI. Essa prestigiosa escola de culinária sempre se orgulhou de sua rede diversificada de alunos e foi Rosemary Hume, uma ex-estudante de Paris que abriu L'Ecole du Petit Cordon Bleu em Marylebone, Londres em 1933 - tornando Le Cordon Bleu London uma das mais antigas culinárias escolas no Reino Unido.

Vinte anos depois que a escola abriu suas portas, seu sucesso foi confirmado quando preparou o almoço de coroação para a rainha Elizabeth II em 2 janeiro de 1953, para o qual foi criada a receita Coronation Chicken.

Sir David Eccles, o Ministro das Obras, pediu exclusivamente a Rosemary Hume e seus alunos para realizar o almoço para os convidados de Sua Majestade, que eram principalmente representantes de outros países. Assim, as fundadoras Constance Spry e Rosemary Hume decidiram que um prato de frango frio coberto com um molho cremoso de curry seria "muito fácil de servir". 

Angela Wood estava no último período de um curso com duração de mais de um ano naquela escola de culinária quando foi convidada a desenvolver a receita do frango da coroação.

O prato desenvolvido por Angela Wood foi servido aos convidados da coroação da rainha Elizabeth II de todo o mundo


A receita original do molho do frango da coroação foi reproduzida no The Constance Spry Cookery Book em 1956.

Angela Wood estava no último período de um curso com duração de mais de um ano quando foi convidada a desenvolver a receita do frango da coroação

A maior parte do racionamento de guerra havia terminado, mas a disponibilidade de alimentos importados ainda era limitada e os ingredientes tinham que ser facilmente obtidos na Grã-Bretanha.

A Sra. Wood, que tinha acabado de completar 19 anos, e revelou que "Por um mês ou mais, esteve cozinhando um frango por dia e teve que alterar o equilíbrio dos temperos no molho para acertar. A receita elaborada foi cozida e servida pela equipe e alunos do Cordon Bleu alguns meses depois no banquete. Seu molho incluía especiarias moídas na hora, cebola picadinha, vinho tinto, purê de damasco, maionese e creme e "ainda é o melhor".

Assim, a escola teve a honra de estar envolvida nessa ocasião tão especial e serviu o banquete do Dia da Coroação para trezentas e cinquenta pessoas no Grande Salão da Escola de Westminster, em Londres, a maior festa que já aconteceu ali. Sir David Eccles tinha muita fé nas habilidades dos alunos e, sem problemas, o almoço foi servido às duas horas, com perfeição.

Outros convites para cozinhar para a realeza vieram do sucesso daquele evento. O prato original que foi servido pode ser encontrado no menu como Poulet Reine Elizabeth, que no mundo de hoje se traduz em Frango de Coroação.

Servir o Coronation Chicken para um número tão grande de pessoas com diferentes preferências poderia ter sido visto como um desafio. No entanto, através do frango cuidadosamente temperado e dos delicados sabores de nozes que percorrem o molho, foi marcado como um enorme sucesso.



Os ingredientes utilizados eram notáveis para a época, muitos deles apenas começando a se tornar disponíveis, enquanto a maior parte do país ainda estava sob as restrições do racionamento do pós-guerra. Uma versão um pouco mais desenvolvida da receita Coronation Chicken ainda é a favorita do país hoje e é servida como prato de almoço no Café Le Cordon Bleu London. Embora possa acompanha uma boa salada, fica perfeita para preparar um sanduiche delicioso.

 

Coronation Chicken (versão simples)

1 peito de frango defumado

2 cebolinhas, cortadas em fatias finas

2 g de carry suave

2 g açafrão moído

60g de maionese

15 g de crème fraîche

5g de ketchup de tomate

15 g de nappage de damasco (compota peneirada)

suco de 1 limão

folhas de coentro pequeno

2 pães de brioche

sal e pimenta

Guarnição, enfeite, adorno

Sirva com uma salada de sua preferência.

Preparo: Pique finamente o peito de frango e corte as cebolinhas finamente, em seguida, coloque em uma tigela grande. Polvilhe sobre o curry em pó e açafrão moído. Adicione a maionese, crème fraîche, ketchup de tomate, curry em pó, a geleia de damasco e suco de limão e mexa para combinar. Tempere com sal e pimenta. Pique grosseiramente as folhas de coentro. Adicione à mistura de frango e mexa para envolver no molho. sirva com brioche e salada.