sábado, 18 de julho de 2020

De quando gim-tônica combatia a malária...


No meio desse isolamento social no qual vivemos, por causa da Covid19, acabei me interessando por estudar a evolução das pandemias no mundo, desde a antiguidade, na ambição de produzir um texto acadêmico que continua em processo de investigação. Entre achados históricos curiosos, muitas histórias terríveis por ações impensadas e por falta de conhecimento e tecnologias o mundo sofreu – e continua sofrendo – com inimigos letais infectocontagiosos que aparecem de tempos em tempos causando rebuliço nas sociedades e ceifando a vida de milhares de pessoas. Com a existência de uma pandemia, tudo muda nas sociedades, inclusive a maneira de comer e beber. Um reflexo disso é a medicalização da alimentação, tão remota quanto o mais remoto dos tempos, onde o alimento torna-se o medicamento, e vice e versa.
Analisando cuidadosamente alguns casos onde a alimentação se transformou por conta da pandemia acabei chegando a conclusão de que, existem algumas coincidências que se repetem em tempos diferentes em lugares igualmente diferentes, uma dessas coincidências eu trago a público agora; é o caso da gim-tônica: uma bebida que serviu como medicamento numa época onde a febre amarela assombrava a vida humana.


E tudo começa com a quinina, já ouviu falar dela? A quinina é retirada de um arbusto conhecido como Quina (Cinchona) típico das áreas tropicais da América, usado como remédio contra a malária. É um alcaloide de gosto amargo que tem funções antitérmicas, antimaláricas e analgésicas. A descoberta da quinina pelo Ocidente data do final do século XVI e início do século XVII, durante a conquista do Império Inca pelos espanhóis na região do Peru. Nessa época, os invasores espanhóis tomaram conhecimento de uma árvore usada pelos índios para curar febre.
Uma lenda espanhola diz que um soldado, sofrendo de um acesso de malária no meio da selva, bebeu a água amarronzada de uma pequena lagoa onde árvores de quinina haviam caído. Ele então foi dormir, e quando acordou sua febre havia desaparecido. O soldado concluiu que a água foi responsável pela cura e que ela era um tipo de "chá" feito do tronco e casca das árvores embebidos na água. Maravilhado, ele espalhou a notícia. Outra lenda conta que os índios observavam que animais doentes bebiam água nas lagoas onde árvores de quinina se encontravam.


Cinchona - ilustração do século XIX.





Em 1633 um jesuíta chamado Padre Antonio de la Calancha descreveu as propriedades de cura da árvore em seu livro Crônica Moralizada da Ordem de Santo Agostinho: "Uma árvore cresce, que eles chamam de árvore da febre, na região de Loxa, cuja casca tem cor de canela. Quando transformada em pó, juntando-se uma quantidade equivalente ao peso de duas moedas de prata, e oferecida ao paciente como bebida, ela cura febre e ... tem curado miraculosamente em Lima."



Jesuítas no Peru começaram a utilizar a casca da árvore para prevenir e tratar malária. A cinchona é uma árvore especial até para padrões amazônicos. Ou melhor: várias, já que existem pelo menos 40 membros dentro desse gênero, plantas que são parentes distantes dos cafeeiros. Elas têm entre 15 e 20 metros de altura e crescem na área oriental da Cordilheira dos Andes – aquela que é voltada para o Brasil e perto da nascente do Rio Amazonas.
Algumas das árvores do gênero cinchona têm casca rica em quinina, uma molécula alcaloide. O poder de cura de uma infusão da casca já era bem conhecido pelos povos nativos. Com o desembarque dos conquistadores – e da malária – a quinina foi logo escalada pelos andinos no tratamento contra a nova doença. E deu certo.
Mais de cem anos e várias gerações depois, o poder da quinina contra a malária já era conhecimento comum nos Andes, mas a informação ainda não tinha viajado para a Europa. É nesse ponto da história que entram uma lenda referente ao conde e a condessa de Chinchón, um título da nobreza espanhola e que em 1630 era ocupado por Luis Jerónimo de Cabrera, Vice-Rei do Peru. A mulher dele, Ana de Osório (1599-1625), a primeira condessa de Chinchón, teve malária em 1638. Depois de tentarem todos os remédios europeus disponíveis, sem sucesso, ela foi tratada com quinina por recomendação de médicos e políticos locais, o que a salvou da morte. 
Publicada em 1663 por Sabastiano Bado, essa história não é verdadeira, pois Ana de Osório morreu na Espanha três anos antes de seu marido ser nomeado Vice-rei do Peru.  mesmo assim, tal não foi o impedimento para que no século XVIII, o botânico sueco Carolus Linnaeus chamasse Cinchona spp. à árvore cuja casca era a base da produção de quinino, usada no tratamento da malária. Dessa forma, o nome da condessa, que nunca foi ao Peru, ficou ligado para sempre a esta plante, cujo nome vulgar é Quina.
Depois de salvar a vida da condessa e impressionar o Vice-Rei, a quinina não era mais um segredo do conhecimento andino. Era informação. Naquela década, a Companhia de Jesus passou a usar a quinina no tratamento e até na prevenção da malária.
Alguns anos depois, o padre Bartolomé Tafur levou cascas da cinchona para Roma. Não demorou para a quinina conquistar o clero. E bastou a morte do Papa Inocêncio X para que o poder da substância ficasse ainda mais evidente. “O conclave papal de 1655 foi o primeiro em que não se registrou nenhuma morte por malária entre os cardeais participantes. Logo os jesuítas começaram a importar grandes quantidades de quina e a vendê-la por toda a Europa”, contam Penny Le Couteur e Jay Burreson.

 Em 1654 a casca peruana foi introduzida na Inglaterra , onde para tornar esse ingrediente potável, os britânicos da Índia do século XIX o misturaram com açúcar e água.
Apesar de a fama da casca peruana ter se espalhado rapidamente, sua classificação botânica permanecia desconhecida. Nenhum botânico havia publicado descrição ou desenho da árvore da qual se originava, pois ela crescia somente em florestas tropicais de difícil acesso, na região dos Andes.
Em 1735 um botânico francês chamado Joseph de Jussieu viajou à América do Sul, e depois de muitas viagens descobriu e descreveu a árvore como sendo da família Rubiaceae, ou família do café.
Em 1739, o taxonomista sueco Carolus Linnaeus batizou o gênero de Cinchona, um anagrama do nome de uma condessa espanhola que, diz a lenda, foi curada pela casca. Cinchona spp é como geralmente se definem as espécies produtoras de quinina. É difícil a classificação devido à ocorrência de cerca de 40 variedades diferentes. O gênero com maior teor de quinina são C. ledgeriana e C. officinalis.
Em 1820, os químicos franceses Joseph Pelletier e Joseph Caventou isolaram a quinina das cascas de Cinchona e a identificaram como sendo um alcalóide. Só muito mais tarde foi reconhecida como um alcaloide da classe dos quinolínicos. A biossíntese da quinina envolve a condensação da triptamina e secologanina, levando a estriquitosidina, posteriormente ao corinanteol e finalmente após sucessivos rearranjos à quinina.


Cascas de Quina (Cinchona)



A exportação de cascas de Cinchona tornou-se um negócio lucrativo, pois os produtores de quinina dependiam de grandes demandas de cascas coletadas de árvores silvestres. Em 1880 a Colômbia sozinha exportou 6 milhões de libras para a Europa. O valor de exportação da casca de Cinchona era tão grande que Bolívia, Colômbia, Equador e Peru proibiram a exportação de sementes e plantas, em uma tentativa de manter o monopólio das exportações.
Mas a tentação de quebrar o monopólio latino-americano tornou-se irresistível. Em 1852, Justus Hasskarl, diretor de um Jardim Botânico holandês em Java, começou secretamente a contrabandear sementes de Cinchona da América do Sul. Entretanto, a quantidade de quinina contida nas cascas era muito pequena. Claramente, a quantidade de alcaloides produzidos variava devido às inúmeras variedades existentes. Uma segunda coleta de sementes seria necessária para produzir uma indústria viável em Java.
Outra oportunidade para estabelecer uma indústria de quinina holandesa surgiu com o australiano Charles Ledger em 1861. Ledger havia tentado em várias ocasiões coletar sementes de Cinchona, mas foi confundido pela diversidade do gênero - existem 40 espécies e cada uma possui inúmeras variedades. As sementes que Ledger vendia para o governo inglês continham quase nenhuma quinina. Ledger acabou convencendo um índio Aymará, Manuel Incra, a contrabandear sementes de uma espécie boliviana de Cinchona que, dizia-se, possuía grande quantidade de quinina. Ledger voltou à Europa e tentou vender as sementes para o governo inglês que, decepcionado com a pequena quantidade de quinina contida nas árvores de Cinchona fornecidas por Ledger no passado, recusou-se a comprá-las. A notícia chegou ao governo holandês, que pagou a quantia de 20 dólares pelas sementes.
Enquanto as árvores cresciam, o governo holandês espantava-se com a quantidade de alcaloides contidos nas cascas, um recorde de 13%. Com o crescimento da produção de variedades ricas em quinina em Java, o comércio de exportação na América do Sul entrou em declínio. Em 1930 as plantações holandesas em Java produziam 22 milhões de libras de casca, equivalente a 97% da quinina mundial.
Em 1940, durante a Segunda Guerra Mundial, o exército alemão apoderou-se de toda a reserva de quinina da Europa quando invadiu Amsterdã. Quando os japoneses invadiram a Indonésia em 1942 os EUA e seus aliados ficaram quase sem fornecimentos de quinina.
Havia uma pequena plantação de quinina nas Filipinas, mas esta também foi tomada pelos japoneses algumas semanas depois da invasão de Java. Entretanto, o último avião aliado a deixar as Filipinas, antes desta cair nas mãos dos japoneses, levava uma preciosa carga: 4 milhões de sementes de Cinchona. Estas foram diretamente para Maryland, EUA.
Depois de germinadas, estas foram enviadas para a Costa Rica para serem plantadas. Entretanto havia poucas esperanças de que estas plantas amadurecessem a tempo de atender às necessidades de quinina na guerra. Mais de 600.000 soldados das tropas americanas na África e Pacífico Sul haviam contraído malária, e a média de mortalidade era de 10%.
A falta de cascas de Cinchona tornara-se um problema sério. Poucas semanas depois da captura das Filipinas, o botânico Raymond Fosberg recebeu a missão, juntamente com outros botânicos americanos, de coletar novas espécies de Cinchona na América do Sul e assegurar um carregamento de cascas para os EUA , estabelecendo plantações.
Para assegurar a rapidez das coletas, os EUA mandaram grupos de pesquisa para Colômbia, Equador, Peru e Bolívia. Durante estas expedições Fosberg e seus colegas aprenderam muito a respeito da biologia da Cinchona.
Entre 1943 e 1944, Fosberg e seus colegas asseguraram 12,5 bilhões de libras de cascas de Cinchona para os países aliados. Enquanto isso, químicos das forças aliadas procuravam por substitutos da quinina, porém os fármacos sintéticos antimaláricos não tinham a eficácia da quinina, além de produzir efeitos desagradáveis como náuseas, diarreia, e amarelamento da pele.
Entende-se que o Gim-tônica se originou no exército da Companhia Britânica das Índias Orientais como a única maneira de fazer com que os soldados consumissem limões /limas (para a prevenção do escorbuto) e quinino (para evitar a malária). É conhecido a partir de referências de meados do século XIX, embora, em 1883, Hugh Wilkinson em suas terras e mares ensolarados: uma viagem na SS. 'Ceilão' tinha que explicar o que era um 'gin-tônica'.
Definitivamente conhecido por esse nome apenas desde uma referência no artigo 'A Morning With a Bobbery Pack' reproduzida em vários jornais e revistas de 1882: "Estávamos bebendo gim e tônica sob a velha árvore no maidan de Calcutá, depois de um jogo muito disputado no pólo." 


Gim-Tônica está associado ao jogo de Polo na Índia

Surpreendentemente, o termo atual 'gim e tônico' não parece aparecer na ficção antes de 'Right Ho, Jeeves ', de PG Wodehouse em 1922, embora' Gin and Bitters 'seja conhecido pelo menos em um artigo de' The Reading Mercury 'na segunda-feira 07 de agosto de 1780 (p3); "O capitão me disse que eu era bem-vindo a bordo e perguntou me se tivesse um copo de gin e bitters? "
Winston Churchill, um grande fã de levantar um copo, supostamente disse certa vez, e por boas razões: "Gim-tônica salvará mais vidas e cabeças inglesas do que todos os médicos do Império". Uma metáfora para o mundo colonial globalizado, no qual uma bebida genuinamente europeia e uma mistura sul-americana se reuniram em um país asiático para apoiar o Império Britânico. O casamento entre gim e a tônica foi consumado no Raj britânico do século XIX.
As guerras coloniais travadas pelos britânicos durante os séculos XVII e XVIII foram salpicadas de desastres causados por doenças tropicais transmitidas por mosquitos. Demorou meio século para aprender a lição.



Desde o final do século XVIII até meados do século XIX, a Companhia das Índias Orientais (British East India Company) anexou à força grandes áreas da Índia. Essa era a joia da coroa e a exploração de seus recursos possibilitou a revolução industrial no país anglo-saxão, mas a Grã-Bretanha teve que pagar um preço muito alto. Dezenas de novas doenças dizimaram invasores, colonos e soldados de pele branca. A malária era uma delas, talvez a pior.


Tropas coloniais britânicas da Índia tomam quinino diariamente.

O controle britânico da Índia colonial exigia a capacidade de combater a doença. Na década de 1840, soldados e cidadãos britânicos residentes na Índia usavam 700 toneladas de casca de quinino em pó anualmente - uma árvore reconhecida como um antídoto para a malária que foi testada pela primeira vez na condessa de Chinchón - importada dos domínios espanhóis na América tropical.
O quinino é amargo; portanto, para tornar o pó remotamente potável, eles o misturaram com açúcar e água. Assim nasceu um refrigerante medicinal, Indian Tonic Water, que ainda continua a aparecer nas modernas latas de tônicos.
Tornou-se a bebida preferida dos anglo-indianos e manteve as tropas britânicas vivas. Permitiu que as autoridades sobrevivessem nas terras insalubres e nas regiões úmidas da Índia e, finalmente, possibilitou que uma população britânica estável prosperasse nas colônias tropicais
Mas algo estava faltando. A amargura da quinina não foi interrompida com o açúcar de cana. A coragem do soldado não foi reforçada por algumas gotas de água tônica. Álcool barato era um ingrediente mais eficaz para mitigar a amargura e incutir valor. Ideal para lidar com as longas campanhas de guerra nas colônias britânicas. E se misturarmos o refrigerante com um gim, deve ter sugerido algum intendente que gosta de mollate.
O gim pode ser destilado a partir de qualquer grão. Começou a ser usado na Holanda sob o nome holandês Jenever e tornou-se popular na Grã-Bretanha quando o holandês William of Orange se tornou o rei William III da Inglaterra. Naquela época, o gim já estava sendo produzido na Inglaterra, porque a mistura havia sido descoberta por marinheiros britânicos quando apoiaram a Holanda durante a Guerra da Independência Holandesa em 1568 e puderam verificar que o destilado transformou seus aliados holandeses em javalis. Eles chamaram isso de "coragem holandesa" e levaram a receita para seu país.
Durante o conturbado reinado inglês de Guilherme III e Maria II, iniciado em 1688, a fabricação de gim se tornou uma ferramenta de política econômica para fornecer uma alternativa ao conhaque francês em um momento de conflito político e religioso entre a Grã-Bretanha e a França. Entre 1689 e 1697, o governo aprovou uma série de leis destinadas a restringir as importações de conhaque através da imposição de tarifas pesadas. Ao mesmo tempo, para aumentar a venda de produtos domésticos, ele ofereceu benefícios fiscais para ajudar súditos britânicos a destilar seu próprio espírito de "bom cereal inglês".
Gin era mais seguro que beber água (para chamar assim) e dez vezes mais barato que cerveja ou qualquer outro refrigerante, e era inesgotável. Como não podia ser menor, tornou-se o licor dos pobres, que era uma maioria esmagadora. Ao final dos dois primeiros anos de execução das leis que favoreciam seu consumo, a produção nacional de gin subiu para mais de dois milhões de litros por ano.
Em 1721, as contas fiscais especiais da Inglaterra indicaram que cerca de um quarto dos residentes de Londres estavam empregados na produção de gim. Isso foi equivalente a quase 9,1 milhões de litros de produtos isentos de impostos por ano.
Na década seguinte, o consumo de gim (permitido para maiores de 15 anos) dobraria novamente, e as cidades de meio milhão de pessoas poderiam comprar um copo de gim por pouco mais de um centavo de uma gama de quase 7.000 gins diferentes.
Portanto, se restava alguma coisa na Inglaterra, era a capacidade de destilar o gin. E se os marinheiros da Marinha Real tinham direito a uma porção de rum por dia, por que não adicionar gin barato à água da Índia para reduzir seu sabor amargo e, sem dúvida (embora não tenha sido dito), por causa do efeito intoxicante que infundia. coragem para as tropas?
A mistura com álcool foi a desculpa para socializar um medicamento essencial para a sobrevivência da colônia. Quando os soldados retornaram ao Reino Unido e pediram a combinação dos clubes, eles se identificaram como os heróis do Oriente, o que incentivava seu consumo por emulação. A combinação quintessencial do império britânico e de outro império nascera, a de um alemão inteligente, Johann Jacob Schweppe (1740-1821).
Schweppe desenvolveu um método para carbonatação de água na cidade suíça de Genebra (bastante premonição), onde fundou a Schweppe's em 1783. Em 1792, mudou-se para a populosa Londres para desenvolver o negócio até se aposentar em 1798, deixando o negócio aberto para ele. Futura expansão sob o nome de J. Schweppe & Co. A expansão internacional ocorreu por volta de 1870, quando o tônico apareceu, uma água gaseificada com vários ingredientes, entre outros com quinina.



Era uma empresa com boa sorte. Quando ele quis estabelecer seu negócio na América, enviou seu primeiro chefe de exportação, Walter James Hawksford, a bordo do Titanic: ele foi um dos passageiros que escaparam vivos do naufrágio.
Em 2012, uma das garrafas Schweppes originais, que Hawksford carregou com ele e afundou com o navio, foi encontrada em perfeitas condições. A partir de então, decidiu-se relançar a primeira versão da garrafa para ser utilizada na linha tônica Premium.
O tônico era uma bebida direta e original herdada dos ingleses que haviam servido (ou enriquecido) na Índia. Lá eles tomaram quinino e se acostumaram a misturá-lo com limão e refrigerante. O resultado, sozinho ou misturado com o gim, acabou sendo tão bem-sucedido que eles o levaram de volta à Inglaterra e o tornaram a bebida nacional. Nasceu a gim-tônica, uma bebida "longa, animada e leve", uma companhia perfeita tanto para um aperitivo quanto para o jantar ou depois da noite.
No Brasil, após uma visita da realeza inglesa, a bebida foi inicialmente recomendada por Juscelino Kubitschek a Joaquim Pires Sobrinho, que viraria prefeito da pacata cidade de Jaguariúna (SP) em 1963, o que a ajudou a difundi-la pelo interior de SP. A garrafa doada por Juscelino se encontra no museu da Maria-Fumaça de Jaguariúna.
O mercado da bebida destilada, à base de zimbro, vem crescendo no Brasil. Só de 2016 para 2017, o consumo de gim cresceu 111% no país, de acordo com um levantamento da International Wine and Spirits Research (IWSR), consultoria de consumo de bebidas alcoólicas. Só em São Paulo já existem mais de 10 bares que servem somente gin; e nos últimos três anos, mais de 20 marcas brasileiras começaram a produzir gin. Os produtos nacionais já estão até ganhando destaque e prêmios mundo afora. É o caso do Amázzoni, que menos de um ano após o lançamento conquistou o prêmio de melhor produto artesanal do ano no World Gin Awards 2018.
Atualmente é bastante difundido no mundo, especialmente no Reino Unido e consiste na mistura de gim, água tônica de quinino gaseificada (uma espécie de refrigerante) e lima, em variadas proporções.
Se você gosta de gim-tônica, esqueça o caráter medicinal da combinação moderna. Não há desculpa terapêutica que conta. A tônico está sem a quantidade original de quinino (algumas versões Premium estão voltando às origens) devido aos efeitos colaterais de sua ingestão, e a maioria dos gins, filhas da química, está a anos-luz do London Gin original : um destilado seco, sem adoçantes, com um sabor puro de nebrina obtido de zimbros de Menorca e feito com conhaque de cereais.

Gin-tônica Vapt e Vupt

falite fitas fininhas de pepino e acomode-as em espiral dentro de um copo alto (tipo long drink) 
Encha de gelo até a borda. 
Despeje gim até encher um terço do copo. 
Complete com água tônica. e decore com uma fatia de limão ou laranja.

Gin-tônica perfeita

60 ml de gin (deixe sua garrafa de gin no congelador antes de preparar, isso pode deixar a bebida ainda mais geladinha)
1 limão siciliano (você pode fazer com limão taiti e limão galego, mas o siciliano é menos ácido!)
cubos de gelo
100 ml de água tônica

Preparo:  em um copo de boca larga coloque 1 rodela de limão no fundo do copo. Adicione os cubos de gelo até o topo, o copo precisa estar cheio.
Despeje o gin e a água tônica com cuidado. Com a ajuda de uma colher, dê uma leve misturada. Sirva muito gelado e consuma logo!

sábado, 11 de julho de 2020

A dramática história do fermento em pó



Eu estava aqui ouvindo a música do Criolo, 'Fermento pra massa' (inclui o audio no final dessa postagem), e rememorando meu livro de receitas do Fermento em Pó Royal, chamava Receitão, mas era um livreto fininho, retangular, que cabia na palma da mão. Foi com ele que aprendi a preparar bolinhos de arroz deliciosos, quando eu ainda era uma criança... Hoje em dia, com a internet, são raras as empresas que ainda distribuem livros de receitas impressos para os consumidores – a desculpa é a praticidade, preparam livretos que ficam disponíveis on line. Mas eu confesso que adoro um livrinho impresso, seja ele de receitas ou não.


Ocorre que nos anos 80 e 90, essa era uma prática bastante comum e que já vinha de décadas anteriores. Queria ter esse meu livretinho aqui para mostrar a vocês, mas ele se foi... embora eu cuide bem dos meus livros, esse foi um dos que sumiu das minhas vistas...
Me peguei refletindo agorinha mesmo: quem fica pensando em fermento em pó com tanta coisa acontecendo no mundo? Pra ter resposta fui para a internet. Descobri que a historiadora da alimentação Linda Civitello, em algum momento, também pensou em fermento em pó – assim como eu –, a diferença é que isso lhe rendeu um livro chamado “Baking Powder Wars: The Cutthroat Food Fight that Revolutionized Cooking”, que em português soaria como ‘As Guerras do fermento em Pó: a briga de comida cruel que revolucionou a culinária’. Fui espreitar mais sobre o livro e fiquei ainda mais curioso pra saber mais a esse respeito... e, agora, divido o que aprendi aqui, com vocês.



Esse danadinho do fermento em pó, é um humilde e quase invisível item na cozinha, geralmente não costuma ser confundido com bicarbonato de sódio, mas é responsável por você não levar horas em processos de fermentação nas suas receitas.
Seguramente, a invenção do fermento em pó foi um divisor de águas, uma criação que economiza muito trabalho e eliminava a necessidade de manter o cultivo do seu próprio fermento e, assim, tornar possível que apenas com a abertura de uma latinha, ou rasgando um pacotinho, lhe permitir criar todo tipo de guloseimas deliciosas, de biscoitos modernos, bolo de aniversário complexos e até bons pães.
Antes de fermento em pó, você estaria fadado a passar muitas horas esperando a ação da fermentação para ter bons resultados nas suas preparações. Se você quisesse que seu bolo ficasse fofo e suave, em vez de denso e solado, você precisaria fazer um trabalho sério para fazê-lo crescer.
Durante a maior parte da história da humanidade, o principal agente de crescimento tem sido o fermento. À medida que esses pequenos fungos crescem e se dividem, eles respiram oxigênio e liberam dióxido de carbono, como nós. Misture-os em massas e eles acabarão preenchendo-as com as conhecidas bolhas de dióxido de carbono que fazem os produtos de panificação subirem - um processo conhecido como fermentação.


No século XVIII e antes, a maioria das preparações de forno que necessitavam de fermentação eram ditadas pelos delicados caprichos da respiração do fermento – isso não se refere a fermento seco ou fermento fresco das novidades comerciais. Primeiro você tinha que fazer o fermento, deixando fermentar frutas, verduras ou grãos. Depois de fazer isso, seu agente em ascensão suado ainda poderia ser morto ou enfraquecido por temperaturas muito quentes ou muito frias, ou sofrer contaminação por bactérias – por isso, muitas receitas iniciais recomendam a ajuda de um servo. Então o que mudou? Em uma frase, fermento em pó. Sem essa substância branca milagrosa, literalmente não teríamos bolo como o conhecemos agora.
Aí, me surgiu outro questionamento: como alguém que pesquisa e prepara comidas, e que usa fermentos em algumas delas, não tem noção nem certeza do que compõe o fermento em pó que consume? No meu caso, quando aprendi a usar fermento nas receitas ainda na infância, não sabia o que diferenciava o antigo fermento em pó de antes do que consumo hoje. E assim como eu, muita gente talvez nem saiba que ‘coisa é essa’ que faz as receitas crescerem e se tornarem melhores(certo?). Algumas pessoas pensam que fermento em pó é bicarbonato de sódio, outras nem sabem que relação eles têm.
É necessário informar aqui que o fermento em pó é um fermento químico, que é diferente do fermento original que são organismos vivos. O fermento em pó é mais uma invenção norte-americana, uma criação que serve de atalho para deixar as coisas mais fáceis e práticas. É uma substancia praticamente infalível, quando não está com validade vencida, pois não depende dos caprichos do clima, temperatura ou habilidade do cozinheiro. Portanto, é um torna-se um atalho democrático, mas trata-se de fermentação química.
 Antes da invenção do fermento em pó, quando se escolhia uma preparação que levava fermento na composição o processo poderia ser demorado ao extremo principalmente se você desejasse ter produções em quantidade: gastava-se horas na feitura do fermento, horas no preparo, mais horas para receitas que necessitam de segunda e terceira fermentações para desenvolver a massa, e mais horas para que asasse. E, ainda tinha que assar em fornos com temperaturas corretas. Mas imagine, em tempos em que os fornos eram de barro, de tijolos, sem controle de temperatura como os que hoje existem nos fogões de nossas casas. Ah, e ainda precisavam cuidar das cincas... era uma trabalheira. E, mesmo assim, saiam coisas deliciosas (às vezes não).
O protótipo do fermento em pó está registrado em 1796, no “American Cookery” de Amelia Simmons, que é o primeiro livro de receitas escrito por um americano publicado na América. Antes disso, tinha-se livros de receitas escritos na Inglaterra e em outras partes da Europa.


No século XVIII, os padeiros americanos já estavam experimentando maneiras menos intensas de mão-de-obra para fazer as ‘coisas subirem’. Além de incluir ar aos ovos (batendo em espumas e usando claras em neve, eles costumavam usar pearlash, ou potassa, é esse o registro que aparece no primeiro livro de receitas americano, o American Cookery, em 1796. Feito de cinzas de lixívia e madeira, ou amônia de padeiro, o pearlash consistia principalmente de carbonato de potássio, que também produz dióxido de carbono de maneira rápida e confiável. Mas esse agente era difícil em usar, por ser cáustico e geralmente fedido.


Em 1846, a introdução do bicarbonato de sódio, um sal que pode reagir com um ácido para criar dióxido de carbono, facilitou as coisas. Mas o bicarbonato de sódio ainda precisava ser misturado com um ácido. Por ser barato e amplamente disponível, os padeiros costumavam usar leite azedo – por esse motivo você encontra o uso de leitelho (buttermilk) em muitas receitas do Sul dos estados Unidos até hoje. O leitelho é o liquido que sobra do batimento da manteiga, tem uma acidez e azedume característico no cheiro que dão o diferencial nas preparações. É muito comum em lugares de climas quentes como os Bálcãs, o sul da Ásia, o Oriente Médio e o Sul dos Estados Unidos – e quando não se tem o leitelho original você pode prepara um ‘falso’ com apenas leite e suco de limão ou vinagre. O que importa é a reação química que isso vai contribuir na receita. É justamente esse processo, essa reação química, que precisava acontecer e ser controlada: naquele tempo era mais difícil de saber o quão ácido era um leitelho, o que significava que era difícil saber quanto bicarbonato de sódio usar ou por quanto se deveria assar a preparação para obter um resultado perfeito.
Aqui, vou me permitir fazer um adendo para falar do uso de um processo curioso de fermentação que me deparei aqui no meu Estado e que vai de encontro a um dado histórico que acusa que as algumas donas de casa norte americanas faziam a adição de sais para obter fermentação. Logo, era comum tê-las cheirando os sais para saber qual usar. Ninguém hoje diria, oh, eu vou entrar no meu armário de remédios aqui e ver o que posso adicionar neste bolo.
Então, aqui no Ceará, meu estado e que se encontra no nordeste brasileiro, era muito comum o uso de tabletes de Sonrisal (bicarbonato de sódio, carbonato de sódio e ácido cítrico) no preparo de bolos. Essa é uma prática antiga, bastante presente nos interiores, onde nem sempre se tinha uma vendinha por perto. 


Um exemplo famoso desse uso, é um bolo com banana bastante famoso encontrado na, internacionalmente famosa, praia de Jericoacoara onde a boleira prepara a massa usando Sonrisal, e há filas de comensais para degustar aquela preparação. Muitos dos comensais só saberiam desse detalhe diferencial quando os moradores locais acabam confessando o segredo em conversas.
Parece piada, eu sei, mas não é. E não é tão ultrajante quanto parece, porque na Alemanha alguns alemães usavam hartshorn, que é amônia. A amônia tem propriedades leves de fermentação. É um sal volátil, mas tem cheiro forte, fedido. O problema da amônia para assar é justamente ela ser amônia. Se você não acertar na precisão da dosagem isso deixará um gosto de amônia e um cheiro de urina. É por isso que agora é geralmente usado apenas em pequenas coisas nítidas, porque evapora rapidamente. Se você tem algo denso e rico em gordura que mantém o sabor e o aroma, e se não cozinhar completamente, sua cozinha vai cheirar a urina, e isto é um problema.


O primeiro produto semelhante ao fermento em pó foi criado pelo químico inglês Alfred Bird, no final da década de 1840, o Cremor Tártaro, um pó ácido composto de bitartarato de potássio, e bicarbonato de sódio, mantendo os dois separados até que fossem utilizados, para que não reagissem muito cedo. Infelizmente, o cremor tártaro era um subproduto caro da produção de vinho que precisava ser importado da Europa, o que significava estar fora do alcance de muitos americanos mais pobres.


Em 1856, a necessidade de uma alternativa viável levou um jovem químico Eben Norton Horsford a criar e patentear o primeiro fermento em pó moderno. Horsford trabalhou em um momento em que a química estava apenas começando a ser considerada um campo respeitado e acabou criando o primeiro laboratório de química moderna nos Estados Unidos na Universidade de Harvard. Ao ferver os ossos dos animais para extrair fosfato monocálcico, Horsford desenvolveu um composto ácido que poderia reagir com o bicarbonato de sódio para criar as bolhas desejáveis de CO2 - foi realmente o primeiro produto químico e abriu as comportas para o uso de produtos químicos em alimentos.


Mais tarde, Horsford teve a ideia de juntar os dois em um mesmo recipiente. A água os ativava, então ele os misturou com amido de milho para absorver o excesso de umidade e impedir que eles reagissem prematuramente. Agora, em vez de comprar dois ingredientes separados na farmácia (onde os produtos químicos eram vendidos na época) e ter que medir com precisão cada um deles, os possíveis padeiros e confeiteiros poderiam pegar um recipiente da prateleira do supermercado e estar prontos para levar para casa e usar.
Na década de 1880, a empresa de Horsford mudou para a mineração do fosfato monocálcico, em vez de extraí-lo dos ossos fervidos, porque era mais barato. Comercializado sob o nome "Rumford" (nomeado com nome do Conde Rumford, que era o benfeitor de Horsford enquanto ele era professor em Harvard), o fermento ainda é vendido hoje na mesma formulação.


Mas Rumford não ficou sozinho por muito tempo na indústria de fermento em pó. A empresa Royal Baking Powder rapidamente aproveitou o tradicional cremor tártaro usado ad hoc pelas donas de casa, enquanto as empresas Calumet e Clabber Girl pretendiam ser mais modernas usando o fosfato de alumínio e sódio ácido (alúmen), que era mais barato e muito mais forte do que outros ácidos de fermento em pó. Centenas de pequenos fabricantes surgiram em todo o país e, no final do século XIX, a indústria de fermento em pó valia milhões de dólares.
Vemos experimentações até 1900 e mesmo depois disso, as pessoas estavam produzindo seus próprios pós de panificação, em pequenos lotes em pequenos locais nos Estados Unidos. Deste modo, haviam 543 empresas de fermento em pó nos Estados Unidos. Muitos dessas seriam como se você tivesse em pouca quantidade para muitos supermercados. E, se você estivesse perto de ferrovias que podia trazer esses minerais, tudo o que você precisava eram algumas latas - até então tinha-se um bom alumínio -, um rótulo e você poderia ter seu próprio rótulo de fermento em pó.





Aqui começa a fazer sentido o termo cruel mencionado no título do livro de Linda: a competição cruel dos fermentos em pó. Sempre houve concorrência em todas as áreas. Ainda existe! Espionagem industrial e truques sujos não são novidade. Mas no século XIX, uma das maiores competições ocorreu entre as antigas formas artesanais de fazer alimentos e a nova maneira industrial, que era mais barata, mais rápida e possuía economias de escala que você não possuía com produtos artesanais.
A guerra já estava acontecendo, por exemplo, com o chocolate. Você tinha o novo processo industrial e empresas mais antigas, como a Cadbury, que disseram que seu chocolate era puro, como o Royal Baking Powder, esse é o nome original do pó royal, também afirmava que era. Se você está no caminho da pureza, se está dizendo que todos esses outros chocolates ou pós de confeitaria que contêm esses ingredientes não são puros, não pode ir e fazer você mesmo esse produto, porque se comprometeu com o seu slogan. Tudo o que você pode fazer é combatê-lo na publicidade. Inclusive, já fiz um post sobre A Guerra do Chocolate em pó que você pode ler AQUI.
E uma das maneiras pelas quais a publicidade se espalhava foi pela a existência de milhares de jornais nos Estados Unidos. Você tinha pequenos jornais e, em seguida, começa a receber revistas nacionais por volta de 1900 por causa, novamente, das ferrovias. Centenas de páginas de publicidade em coisas como o catálogo da Sears, o catálogo da Montgomery Ward, para que você estivesse recebendo publicidade. Esses pequenos jornais locais não conseguiram se manter apenas com as receitas locais, então recebiam receitas de empresas nacionais como a Royal Baking Powder.
A Manteiga foi outro caso notório nesse aspecto. Quando a margarina surgiu no século XIX, a indústria de manteiga no estado de Nova York disse que não queriam essa competição, que isso era veneno, uma coisa terrível e que não poderia parecer manteiga. A margarina era branca - eles passaram a adicionar corante para dar a aparência de manteiga – a concorrência queria que fosse tingido de vermelho, roxo ou preto, ou alguma cor hedionda e nada apetitosa. Então, as pessoas que usavam margarina, mesmo no início do século XX, vinha com uma pequena cápsula que você misturava para que parecesse manteiga. Foi daí que a competição acirrou. Você tinha vastas novas economias de produtos em escala e o método artesanal. É claro que agora, vamos voltar, de várias maneiras, para essas formas artesanais menores de fazer as coisas. Parece que há uma nova “corrida do ouro” - eles estão inventando muitas coisas e se espalhando, mas, é apenas uma luta enorme.
Certo, certo! E como você está em uma economia laissez-faire, não há nenhuma agência governamental ou algo do momento, no século XIX, que estivesse supervisionando ou tivesse o poder de fazer qualquer coisa por publicidade ou impressão. Você poderia fazer as reivindicações que desejasse com alerta direto. Você é o comprador - depende de você. E, inversamente, se você tiver o dinheiro, poderá comprar qualquer coisa. Um dos argumentos para você poder comprar qualquer tipo de fermento em pó que você quisesse, desde que estivesse tudo bem com o produto, você poderia usar o tipo de fermento que quisesse  – houve uma época onde havia cocaína na Coca-Cola (VEJA AQUI) e heroína em remédio para tosse, mas como era legal, estava tudo bem... mas tudo muda. Também é interessante você perceber que você obteria muito conteúdo patrocinado antecipadamente. Todas essas empresas estavam fazendo seus próprios livros de receitas exaltando as virtudes do fermento em pó.
Era óbvio: você precisaria educar o público sobre como usar seu produto. Assim, induziam as donas de casa pelos livros de receitas que distribuíam. E, ao mesmo tempo, apresentavam receitas com ou sem fermento, e isso causava desconfiança de algumas pessoas. As empresas de fermento em pó fariam demonstrações e iriam de porta em porta demonstrando e entregando os livretos – o meu Receitão, mencionado no início deste poste, pode servir como exemplo: uma amiga da escola recebeu vários exemplares desse livretinho de alguém que ela conhecia que trabalhava para a empresa distribuidora do pó royal, que pediu pra ela distribuir. E ela fez isso, na escola, assim eu ganhei o meu. Um fato, muito importante é a necessidade de você ensinar ao público como usar corretamente o seu produto. Os livros de receitas distribuídos gratuitamente ou as recitas patrocinadas em páginas de jornais e revistas eram uma maneira de fazer isso.
Apesar disso, a maneira de assar com fermento não se adaptou imediatamente a essa nova revolução, já que a maioria das receitas que as mulheres e os livros de receitas existentes tinham eram construídas em torno da velha maneira de combinar um ácido com um sal. As empresas de fermento em pó trabalharam para mudar isso lançando seus próprios livros de receitas, que serviam como manuais de marketing e instruções para seus produtos.veja detalhadamente um exemplo abaixo:








Alguns desses livros de culinária são mantidos hoje nas coleções do Museu Nacional de História Americana, parte do Instituto Smithsonian. Nessa mesma coleção, remanescentes das feias guerras travadas na crescente indústria de fermento em pó na virada do século XX. Como empresas de fermento em pó de alume como Calumet e Clabber Girl conquistaram cada vez mais o mercado de fermento em pó, o Royal Baking Powder, em particular, lutou para desacreditá-los.



Nos anúncios, a o Pó Royal, que dispunha de cremor tártaro na sua composição, explicitava seu slogan "absolutamente puro", pois além de seu produto dispor de um ingrediente mais caro e de qualidade comprovada alegava, ao mesmo tempo, que outros pós de cozimento eram prejudiciais para a saúde já que eles usavam alume. Deste modo, a empresa mexeu com o medo do consumidor de alimentos adulterados e iniciou lobby para proibir variedades de alume.
A luta culminou em 1899, quando Royal conseguiu subornar a legislatura do Missouri para aprovar uma lei que proibia a venda de todos os pós de cozimento de alume naquele estado norte-americano. Durante seis anos de luta, milhões de dólares em subornos foram pagos, dezenas de pessoas foram enviadas para a cadeia por simplesmente vender fermento em pó, e a imprensa de forçagem forçou a renúncia do vice-governador do estado.





Quando os muckrakers da época descobriram, explodiu em um enorme escândalo - os muckrakers eram jornalistas reformistas na Era Progressista nos Estados Unidos, que expunham instituições e líderes estabelecidos como corruptos; e eles geralmente tinham um grande público em revistas populares. Mesmo com a revogação da proibição, os fabricantes de fermento em pó lutaram por décadas no século XX por meio de batalhas publicitárias e intensas guerras de preços.
Eventualmente, as empresas de fermento em pó de alume venceram, e Royal e Rumford foram adquiridas pela Clabber Girl, deixando a Calumet como as empresas americanas reinantes no mercado.
Você não precisa procurar muito para notar que a hegemonia do fermento em pó continua hoje: cozinheiros de todo o mundo o usam em tudo, de cupcakes a crepes, muffins a madeleines, danishes a rosquinhas. O fato de você poder encontrá-lo em todos os lugares diz algo sobre como ele foi adotado e aceito no mundo gastronômico. E, para além das latinhas, caixinhas e pacotinhos de fermento, hoje eles também podem vir adicionados á farinhas de trigo e a misturas prontas para bolo. Então, agradeça à química e à ciência moderna que você não é um daqueles primeiros cozinheiros antigos com trabalhos exaustivos para comer um simples delicinha que leva fermento na composição.
A receita de hoje vai ser uma das mais práticas e saborosas, encontradas nas publicidades divulgadas em páginas de revistas.