quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

A receita original dos Cookies com gotas de chocolate

 

Me peguei aqui observando um pacote de cookies com cobertura de chocolate que eu comprei e tenho demorado para comer. Anteriormente esse pacote de biscoitos seria devorado completamente em instantes. Hoje em dia, entretanto, eu só consigo comer no máximo dois – e guardo o restante para a hora em que o desejo por doce ataca. Ocorre que, com o passar dos anos, eu tenho preferido doces menos doces e chocolate meio amargo, esses biscoitos comprados prontos extrapolam meu paladar na quantidade de açúcares. E, por mais formiga que eu seja, tudo tem limites (risos). Foi aí que percebi que esse assunto renderia um bom post, considerando que os cookies com gotas de chocolate tronaram-se bastante populares no Brasil faz alguns anos, e hoje você pode encontra-los com muitos recheios, todos bem doces – uma característica bastante comum para o paladar dos brasileiros em geral.

Você talvez possa não saber, mas o Cookie com gotas (ou chips) de chocolate comemorou seu 91º aniversário este ano. Ao contrário dos inventores anônimos de produtos básicos americanos como o cachorro-quente, o sanduíche de queijo grelhado e o milkshake, o criador desse biscoito com gotas de chocolate sempre foi conhecido por nós: Ruth Wakefield, que dirigia o popular restaurante Toll House Inn em Whitman, Massachusetts, com seu marido, Kenneth, de 1930 a 1967, criou o Toll House Chocolate Crunch Cookie no final dos anos trinta. A receita, que foi ajustada ao longo das décadas seguintes, fez sua primeira aparição impressa na edição de 1938 do livro de receitas "Tried and True" de Wakefield – e você vai tê-la no final desta postagem, não se preocupe.


Criado inicialmente para acompanhar sorvetes, o cookie com gotas de chocolate rapidamente se tornou tão celebrado que Marjorie Husted – mais conhecida como Betty Crocker – o apresentou em seu programa de rádio.

Em 20 de março de 1939, Wakefield deu à Nestlé o direito de usar sua receita para esse tipo de biscoitos e o nome Toll House. Em uma barganha que rivaliza com a compra de Manhattan por Peter Minuit, o preço foi um dólar - um dólar que Wakefield disse mais tarde que nunca recebeu (embora ela tenha recebido chocolate grátis pelo resto da vida e também foi paga pela Nestlé para trabalhar como consultora).

Embora sempre tenhamos conhecido quem, onde e quando das origens do cookie de chocolate; o como e o porquê permaneceram um tanto obscuros. Um conjunto de mitos da criação frequentemente repetidos cresceu em torno dos produtos assados favoritos do país.

A história reproduzida com mais frequência é que Wakefield inesperadamente ficou sem nozes para uma receita regular de biscoito de sorvete e, em desespero, substituiu-as por pedaços cortados de uma barra de chocolate amargo Nestl & # 233. 

O mito da criação afirma que ela apenas cortou um pouco de chocolate e adicionou à massa de biscoito como um atalho, esperando obter biscoitos de chocolate. Não acho que a Wakefield, Dietista Registrada, se rebaixaria a atalhos. Na década de trinta, o método padrão para tratar o chocolate era derreter o chocolate completamente em banho-maria antes de adicioná-lo às massas. Mas ela não fez isso. Ela já sabia fazer biscoitos de chocolate. Não foi um erro de novato. E não, não "acabou" as nozes e ela as substituiu por chocolate picado. Ruth Graves Wakefield graduou-se no Departamento de Artes Domésticas da Escola Normal do Estado de Framingham em 1924. Ela trabalhava como nutricionista e lecionava sobre comida. A receita em seu livro, Toll House Tried and True Recipes (você pode conferir AQUI), que antecede os Cookies Crunch de Chocolate Toll House ™, é para biscoitos de chocolate feitos da maneira tradicional. Tanto seu livro de receitas quanto o Joy of Cooking daquele período têm cookies de caramelo à base de açúcar mascavo que se parecem com a massa básica da Toll House. A receita básica está bem ali, à vista de todos! A pura verdade não deve ter sido excitante o suficiente para o pessoal da publicidade.

Muitas histórias afirmam que ela estava tentando adicionar chocolate a uma antiga receita colonial chamada de “butter drop do” (algo como gota de manteiga). Isso é fácil de verificar, uma vez que o livro de Amelia Simmons (a primeira obra publicada sobre culinária americana) está disponível em formato online. Mas isso acabou sendo uma invenção completa por parte de algum publicitário que queria vincular o Toll House™ Cookie às tradições da culinária colonial. Essa história tem sido repetida com frequência, sem que muitos questionamentos, sem alguém explicar o motivo de ser verdade ou não verdade. Se dermos uma olhada rápida no texto em questão, podemos ver prontamente que a receita de Amelia Simmons não pode ser a fonte: não existe uma receita de biscoito como uma "Drop Do”. Existe uma variação listada de uma receita de biscoito de gengibre, e a variação número três é a que está em questão. Está claro como o dia na edição fac-símile que NÃO é nem mesmo chamado de "Drop Do". É chamado de Butter Drop e, em seguida, D O com um ponto final. D O com um ponto é uma abreviatura comum dos séculos 18 e 19 para DITTO. Como em “outra dessas receitas de biscoitos de gengibre, novamente, chamada de gota de manteiga, ou gota de manteiga, DITO. Ou outra variação, chamada Butter Drop, Ditto (mesmo procedimento acima). Muita gente simplesmente engoliu essa fantasia (receita colonial antiga modernizada! Receita tradicional tornada moderna!) E pareciam nunca ter verificado com ninguém que tivesse qualquer conhecimento mínimo em história da comida colonial que pudesse contestar essa teoria de origem maluca da Toll House ™. Quase todos os primeiros artigos referem-se preguiçosamente ao primeiro conto de fadas do livro de receitas americano de Amelia Simmons sem nunca olhar para a fonte primária.

Em "American Cookery", de Amelia Simmons, publicado em 1796, página 36: "Butter Drop Do. No. 3. Esfregue um quarto de libra de manteiga, uma libra de açúcar, polvilhe com mace, em uma libra e um quarto de farinha, adicione quatro ovos, um copo de água de rosas, asse como No. 1. [Asse por 15 minutos]”

Ao ler a receita acima, observe que não há açúcar mascavo (como nos biscoitos de gota chocolate) e isso tornaria algo completamente diferente. Um pedaço de manteiga mais meio quilo de açúcar, mace (uma especiaria feita a partir da casca da noz-moscada), quatro ovos e um copo de água de rosas (baunilha não era comumente usada na culinária da era colonial) não chegam perto de um cookie com gotas de chocolate – que usam uma combinação de açúcar mascavo e branco, menos ovos, mais manteiga ... as receitas claramente não estão relacionadas.

Você provavelmente está se perguntando, bem, como você sabe que "Do e um ponto final" é uma abreviatura de Dito? Quando se estuda história da alimentação, nos textos de fonte primária de outras pesquisas, principalmente relativas ao século XIX, essa era uma abreviatura comum. Eles gostavam de escrever "o tempo faz". que significava "Clima idem, ou o mesmo clima de antes". 


Uma variação desse conto mostra Wakefield substituindo as nozes por chips de chocolate depois de acabar o chocolate dos padeiros. Outra história ainda mais improvável postula que as vibrações de uma batedeira industrial fizeram com que o chocolate armazenado em uma prateleira da cozinha da Toll House caísse em um tanque de massa de biscoito enquanto estava sendo misturada.

Nada disso, ao que parece, é verdade. A escritora de culinária Carolyn Wyman oferece uma narrativa mais verossímil em seu livro “Great American Chocolate Chip Cookie Book”, embora um pouco menos encantada. Wyman argumenta, de forma persuasiva, que Wakefield, tinha o seu diploma em Artes Domésticas, trabalhava como nutricionista e lecionava sobre comida; tinha uma reputação de perfeccionismo, e não teria permitido que seu restaurante, que era famoso por suas sobremesas, ficasse sem ingredientes essenciais como chocolate de confeitaria ou nozes.



Em vez disso, a explicação mais plausível é que Wakefield desenvolveu o biscoito de chocolate "por meio de treinamento, talento [e] trabalho duro". Por mais preparada que estivesse, no entanto, é improvável que a diligente proprietária da Toll House pudesse ter previsto que sua combinação de manteiga, farinha, açúcar, nozes e chocolate se tornaria uma comida americana icônica, adorada por adultos e crianças, criando fortunas e gerando inúmeras imitações e variações.

O biscoito de Wakefield foi o antídoto perfeito para a Grande Depressão. Em uma única porção de mão barata, continha a própria riqueza e conforto que milhões de pessoas foram forçadas a viver sem no final dos anos trinta. A ingestão de um biscoito com gotas de chocolate quente oferecia aos comensais uma breve trégua de sua angústia cotidiana.

A entrada dos EUA na Segunda Guerra Mundial apenas aumentou a popularidade da criação de Wakefield. Os biscoitos da Toll House eram um componente comum em embalagens de produtos especiais enviadas para soldados americanos no exterior. Embora o chocolate estivesse em falta no mercado interno por causa do esforço de guerra, as mulheres no front doméstico foram encorajadas a usar o pouco que tinham para assar biscoitos para “aquele seu menino soldado”, como disse um anúncio da Nestlé.

Só a loja de presentes do restaurante Toll House enviava milhares de biscoitos para militares uniformizados no exterior. “Como Spam e Coca-Cola”, escreve Wyman, a fama dos biscoitos de chocolate foi impulsionada pelo consumo de soldados em tempos de guerra. Antes da guerra, eles eram uma moda passageira em grande parte da Costa Leste; depois os cookies de Toll House rivalizaram com a torta de maçã como a receita de sobremesa mais popular do país.

Nos anos do pós-guerra, o cookie com gotas de chocolate seguiu o caminho percorrido por muitas inovações culinárias americanas: do caseiro ao produzido em massa, do balcão da cozinha ao chão da fábrica, do fresco ao franqueado. Na década de 1950, tanto a Nestlé quanto a Pillsbury começaram a vender massa refrigerada de cookies com gotas de chocolate em supermercados.

A Nabisco, por sua vez, lançou Chips Ahoy, sua linha de biscoitos embalados, em 1963. A geração Baby Boom, criada a partir dos biscoitos Toll House, buscou resgatar o sabor original dessas guloseimas caseiras nas lojas que vendiam biscoitos recém-assados. Os famosos Amos, Mrs. Fields e David’s Cookies abriram as primeiras lojas nos anos setenta e prosperaram nos anos oitenta. Em meados daquela década, havia mais de 1.200 barracas de biscoitos em funcionamento nos Estados Unidos.




A história de Wally (Famous) Amos sugere que pode haver algo mais do que uma relação homonímica entre "biscoito" e "excêntrico". Um agente de talentos da William Morris que contratou Simon e Garfunkel e representou as Supremes e Dionne Warwick, Amos decidiu entrar no negócio de alimentos depois que um cliente famoso, Hugh Masekela, o deixou como agente e outro cliente, um ator, fraturou sua perna pouco antes de fazer um filme que prometia lançar sua carreira. Amos montou sua primeira barraca de biscoitos em Sunset Boulevard em 1975 com financiamento de Marvin Gaye, entre outros. Incapaz de desenterrar os fatos concretos das origens do biscoito de chocolate, um sócio de Amos sonhou com algumas informações para imprimir nas sacolas de sua loja: o biscoito nasceu "em uma pequena cozinha de casa de fazenda em Lowell, Massachusetts", e "passou a ser conhecido como quinta-feira marrom.” Amos, que vestiu um chapéu panamá e uma camisa bordada e adotou a saudação “Tenha um dia muito marrom”, admite que foi um crupiê mais bem-sucedido do que um empresário ou confeiteiro. Ele pode ter sido capa da revista Time, mas entre 1985 e 1989 a propriedade da Famous Amos mudou de mãos quatro vezes, deixando Wally Amos com cada vez menos participação na empresa que ele fundou. (Como Amos, Debbie Fields e David Liederman não são mais donos dos negócios que levam seus nomes, embora todos os três continuem ativos no negócio de biscoitos.)

Enquanto isso, o cookie com gotas de chocolate, a tribulação dos produtos de confeitaria americanos, continuava se reproduzindo de maneiras copiosas e inesperadas. Veio o Chipwich, o Taste of Nature Cookie Dough Bite e o Pookie (uma torta coberta com massa de biscoito com gotas de chocolate).

Talvez nenhuma dessas variações tenha sido mais culinariamente ou culturalmente significativa do que o lançamento, em 1984, do sorvete Ben & Jerry's Chocolate Chip Cookie Dough em sua loja em Burlington, Vermont. A ideia surgiu de uma nota anônima deixada por um cliente e logo teve alta demanda nos pontos de venda vizinhos. A Ben & Jerry’s levou cinco anos para encontrar uma maneira de mecanizar o processo de misturar manualmente a massa do biscoito congelada com o sorvete, mas foi lucrativo. Em 1991, o Chocolate Chip Cookie Dough substituiu o Heath Bar Crunch como o produto mais vendido da empresa. Duas décadas depois, ainda está entre os favoritos de Ben & Jerry.

Desnecessário dizer que ler sobre tudo isso me fez ansiar por alguns cookies com gotas de chocolate – mas eu já tinha me prometido que na próxima vez que os fosse comer, eu mesmo os faria para controlar o açúcar - na massa e do chocolate. Mas eu lembro, perfeitamente, da primeira vez que preparei cookies, anos atrás: eu ainda gostava muito de chocolate ao leite, e na época ainda em difíceis de serem encontradas prontas as gostas ou chips de chocolate na cidade onde eu morava, eu comprei uma barra de chocolate de um quilo (risos) eu pretendia cortá-la em pedaços para fazer os biscoitos e o restante, comer... hoje em dia, se não for chocolate meio amargo ou amargo eu já nem consigo comer tanto. Diferentemente dos norte-americanos, eu nunca gostei de comer biscoitos com leite, pelo menos não os biscoitos doces – já os salgados, eu geralmente pego uns crackers pequenos, salteio na manteiga e os como acompanhado de leite gelado.

Outra coisa interessante de preparar cookies, é que dependendo da receita que você tiver eles podem ter textura diferentes depois de assar. Isso, pra mim, é um fator crucial, pois a forma como eles são acomodados depois de retirados do forno vão lhe conferir texturas – nesse ponto, ter um gradinha para esfriar os biscoitos, ou um lugar onde o ar possa circular entre elas faz toda a diferença no resultado final.

Obviamente, existem centenas de receitas para cookies – Wyman, por exemplo, registrou cerca de setenta e cinco em seu livro completo e divertido. A beleza do cookie de chocolate - e grande parte de sua popularidade duradoura - é sua fungibilidade. Você pode fazer com gordura vegetal, margarina ou manteiga; você pode fazer biscoitos grandes ou pequenos; você pode usar nozes, castanhas, avelãs, amendoim, ou manteiga de amendoim; você pode usar mais açúcar mascavo ou menos; você pode trocar em xarope de milho ou melaço; adicione um ovo extra ou substituir o leite por água; você pode usar marcas de luxo de sal marinho e caramelo e chocolate feito à mão extremamente caro ou as marcas genéricas disponíveis no supermercado local. Não importa. O que sai ainda será reconhecível como um cookie com gotas de chocolate e, provavelmente, terá um gosto bom. Vai bem com leite, café e chá e, até, com vinho tinto ou uísque. Infelizmente, parece que a única coisa que você não pode fazer com um cookie, como Malcolm Gladwell descobriu em 2005, é torná-lo saudável sem alterar sabor nem suas características (mas isso logo será resolvido...) Em sua capacidade de absorver uma lista tão heterogênea de ingredientes e ainda manter sua identidade e apelo, o cookie de chocolate é representativo das aspirações do país pelo qual se tornou o deleite preferido.

Nesse mundo espetacularizado de hoje em dia, é difícil crer que a criadora de um pedaço tão icônico da cultura norte-americana publicasse uma autobiografia e fizesse aparições regulares na Food Network, mas Wakefield não se apresentou. Um vizinho de Toll House sugeriu a Wyman que Wakefield havia "mudado", especialmente depois que ela e seu marido venderam o restaurante, em 1967. Wakefield morreu em 1977.

Wyman acha que é possível que Wakefield, uma empresária de sucesso e autora de livros de receitas, não queria que suas outras conquistas fossem ofuscadas por seu famoso biscoito que, afinal, fora inventado apenas como acompanhamento para sorvete. Os rolos de noz-pecã de Wakefield, a torta de creme de Boston e o pudim indiano eram muito populares antes de serem suplantados pelo cookie Toll House. Existem inúmeras outras sobremesas de seu livro de receitas "Tried and True" que provavelmente valem ser apreciadas.

Um fato interessante de marcar, especialmente nesta época do ano, é que o restaurante Toll House queimou espetacularmente na véspera de Ano Novo em 1984 e o local agora é o lar de uma Wendy's. As autoridades em Whitman exigiram que o restaurante fast-food incluísse um pequeno museu para Wakefield e a Toll House em suas instalações. E, se por acaso, você estifer de férias pelos EUA e estiver na estrada entre Boston e New Bedford, dê uma passada e uma olhada no lugar. Mas, faça o que fizer, não peça um cookie. Em vez disso, asse uma boa fornada deles, preparando do zero quando chegar em casa, pois a receita original da criadora está logo aí abaixo.

Receita original de Ruth Wakefield Toll House Cookies

1 xícara de manteiga sem sal e mais para assadeiras

3/4 de xícara de açúcar mascavo

¾ de xícara de açúcar granulado

2 ovos grandes batidos

1 colher de chá de bicarbonato de sódio dissolvido em 1 colher de chá de água quente

2 1/4 xícaras de farinha de trigo peneirada

1 colher de chá de sal de mesa

1 xícara de nozes picadas (opcional)

2 xícaras de gotas de chocolate meio amargo

1 colher de chá de extrato de baunilha

Preparo: Pré-aqueça o forno a 180 °C. Bata a manteiga e os açúcares. Adicione os ovos batidos. Adicione o bicarbonato de sódio dissolvido em água quente. Peneire a farinha e o sal e acrescente à mistura de manteiga. Em seguida, acrescente as nozes, as gotas de chocolate e a baunilha. Refrigere a massa por trinta minutos na geladeira. Depois disso, despeje porções de massa com a ajuda de uma colher de sopa em assadeiras levemente untadas e leve ao forno até dourar nas bordas, por 10 a 12 minutos. Retire do forno, coloque em gradinhas pra esfriar. Servir.

 

segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

Sobre o velho hábito de assar carnes para o Natal...

 

Fiquei relembrando minhas postagens anteriores sobre os pratos centrais das mesas natalinas, e me dei por conta de que os assados são sempre muito representativos. De tal modo, já tratei sobre alguns deles; o peru de Natal (AQUI e AQUI); desvendei o que seria o Tender (AQUI) e o misterioso Chester (AQUI); obviamente os presuntos/pernis não poderiam ter ficado de fora (Já tratei sobre eles AQUI). Mas eu queria mais. Precisava entender o motivo dos assados figurarem nas mesas de celebração. É sobre isso o post de hoje. 


Provavelmente você conhece ou, pelo menos, já ouviu falar de "Um Conto de Natal” (A Christmas Carol), um livro clássico natalino e mundialmente famoso, escrito por Charles Dickens - até já virou filmes, e tem muitas traduções em português. A história fala de Ebenezer Scrooge, um homem avarento que abomina a época natalícia. Ele trabalha num escritório em Londres com Bob Cratchit, o seu pobre, mas feliz empregado, pai de quatro filhos, com um carinho especial pelo frágil Pequeno Tim, que tem problemas nas pernas.


Numa véspera de Natal Scrooge recebe a visita do seu ex-sócio Jacob Marley, morto há sete anos naquele mesmo dia. Marley diz que o seu espírito não pode descansar em paz, já que não foi bom nem generoso em vida, mas que Scrooge tem uma chance, e que três espíritos o visitarão. Após a visita dos três espíritos, Scrooge amanhece como um outro homem. Passa a amar o espírito de Natal, e a ser generoso com os que precisam, e a ajudar o seu empregado Bob Cratchit, tornando-se um segundo pai para Pequeno Tim. Diz-se que ninguém celebrava o Natal com mais entusiasmo que ele.

Precisei fazer essa introdução pois vou pegar um gancho na história - e queria facilitar para quem não a conhece... Vamos lá... quando, na manhã de Natal, Scrooge quis se consertar, mandou um garoto de recados comprar o maior peru disponível, “não o peru premiado, o grande”. Na época vitoriana, como hoje, nada dizia mais do que um grande feriado, e a surpresa de Scrooge para a família Cratchit transmite o máximo em comemoração. Mas como essas crenças de longa data sobre a comida festiva se enraizaram?

Uma ilustração de Scrooge entregando um peru em "A Christmas Carol"

Para compreender a importância atribuída a esses tipos de refeições, recorro ao antropólogo francês Claude Lévi-Strauss. Segundo ele, a diferença fundamental entre as refeições normais que servimos aos nossos familiares imediatos e as que fazemos por companhia ou nas férias é que a comida do dia-a-dia é cozida e não assada.

Remontando pelo menos à Idade Média na Europa, os grandes cortes de carne, considerados adequados para assar, eram vistos apenas nas cozinhas dos mais ricos - naquela época, a nobreza. Consequentemente, oferecer carne assada aos convidados era conferir-lhes status nobre.

A noção de Lévi-Strauss também reflete a realidade das cozinhas francesas da época: a maioria não continha fornos. Para ocasiões especiais como o Natal ou a chegada de convidados de honra, grandes pássaros ou pernis cuidadosamente postos em banha eram carregados para a boulangerie local, ou padaria, para assar nos enormes fornos de assar pão.

À luz disso, eu diria que não é o método de cozimento em si, mas o esforço extra despendido que indica o status mais elevado das refeições para ocasiões especiais.

Uma das funções principais dos feriados é a promoção e afirmação da coesão do grupo. As memórias e rituais compartilhados que definem nossas famílias - e nossas sociedades - são renovados e restaurados durante o preparo e ingestão de alimentos tradicionais. Esse é um caso a ser observado com cautela, por exemplo, se comparamos feriados importantes no Brasil é nos EUA.

No caso norte americano, o ingrediente essencial em qualquer refeição de Ação de Graças é sua invariabilidade. Outros feriados, como o Natal, permitem alguma experimentação, mas a refeição de Ação de Graças é um ritual que deve ser realizado com absoluta adesão às tradições da família. Mas essa invariabilidade é transferida para o Natal, no caso brasileiro, considerando que aqui não se comemora o Dia de Ação de Graças com a mesma intensidade que nos EUA.

É curioso, então, que o menu do jantar de Natal, um mero mês após o Dia de Ação de Graças, muitas vezes repete certos alimentos. Alguns itens aparecem em ambos os menus precisamente porque são os favoritos da família, mas outros ocupam seu lugar na mesa devido a tradições sociais que se estendem mais longe do que as gerações imediatas.

Por exemplo, muitos detalhes das celebrações do Natal americano são baseados em modelos ingleses, como o registro de Natal, a repetição de canções sazonais e, é claro, a recontagem anual, ou re-televisionamento, de A Christmas Carol l de Dickens. Mas por que os ingleses não celebram o banquete americano de Ação de Graças, um peru assado no Natal não é redundante na Inglaterra, como é nos Estados Unidos?

Além disso, embora a combinação de doces e salgados no mesmo prato seja incomum - os ingleses costumam mantê-los separados - não é desconhecido.

Durante a Idade Média e o Renascimento, imediatamente anterior à era da exploração e da colonização da América, essas combinações doces-salgadas eram comuns. Portanto, se a sua refeição de Natal tem o objetivo de servir como uma reconstituição ritual dos costumes antigos, os cranberries fazem todo o sentido.


Na tradição ocidental, apenas carnes assadas são normalmente servidas com um acompanhamento doce: perna de cordeiro com geleia de menta, presunto glaceado com abacaxi ou ganso assado com geleia de groselha. Embora nem sempre sejam refeições de férias, geralmente são reservadas para ocasiões especiais.

Da mesma forma, deve-se notar que essas refeições comemorativas muitas vezes terminam com outra antiga combinação de doces e salgados, frutas e carne: a torta de carne moída.

Nos últimos anos, a combinação de frutas e carnes tornou-se mais comum, em grande parte devido ao aumento da popularidade de cozinhas não europeias.

Os chineses, por exemplo, geralmente não reservam espaço para a sobremesa porque cada um de seus pratos equilibra os quatro sabores básicos: doce, azedo, salgado e amargo. A maioria dos americanos pede pratos doces e salgados em restaurantes étnicos e estão começando a apreciá-los em casa também.

Enquanto no caso dos brasileiros, sempre haverá algo para a sobremesa e, de preferência, em variedades muito doces (É o nosso jeitinho). Mesmo depois de servir um peru à Califórnia, cheio de frutas em calda, acompanhado de farofas ricas e que, assim como no arroz festivo, ostentam as uvas passas (abominação por muitos, mas que eu adoro).

Talvez em consonância com essa ampliação do paladar americano e de um interesse mais geral em nossa história e genealogia cultural, cozinheiros aventureiros estão experimentando cozinhas muito mais antigas.

Interessante ressaltar que no Brasil no século XIX, assados especiais figuravam nas mesas de banquetes especiais, principalmente o “Dindonneau à la brésilienne” cuja receita advém de tempos imperiais e estava presente e assemelha-se ao “Faisan à la brésilienne”, que aparece na obra La Grande Cuisine Simplifiée, de 1845, e era assim apresentado: “um faisão recheado com foie gras, carne de galinhola, toucinho e especiarias. Envolto em papel manteiga, colocado em uma frigideira e depois assado com vinho de Málaga. Depois de assado é trinchado e disposto em uma travessa, acompanhado de croûtons guarnecidos com purê de galinhola. É servido com molho Périgueux (à base de vinhos e trufas). Esse prato era servido como entrada”.

Observando a influência francesa no nome do preparado a terminologia à la brésilienne já passaram a figurar em livros de receitas franceses, mesmo que somente a partir de 1900 viesse a aparecer nos livros impressos brasileiros.

Esse inclusive é o caso da receita para “Dinde à la brésilienne”, ou Peru recheado à brasileira, que pode ser encontrada impressa no livro O Cozinheiro Popular (primeira edição – 1917), dito como o prato mais aguardado dos banquetes do Império, sendo preparado assim: “Toma-se o peru, depena-se, abre-se, limpa-se, enche-se com um recheio feito pela seguinte forma: toma-se um pouco de carne de porco, um pouco de presunto, toucinho, os miúdos do peru, depois de aferventados, ovos cozidos duros, salsa e cebolas verdes, cebola seca e pimenta comari; pica-se tudo bem miúdo e amassa-se com um pouco de miolo de pão, amolecido em vinho, adicionando-se manteiga, farinha de amendoim torrado e um pouco de sal. Enche-se com esse recheio o papo do peru no espeto, lardeia-se-lhe o peito de toucinho, põe-se o peru no espeto, envolve-se em um papel untado de manteiga e assa-se”


O “Peru à brasileira”, marcava os cardápios do poeta Olavo Bilac – um deles de 1916 já o trazia com a terminologia escrita em português mesmo, contrariando os modismos terminológicos em francês usados nos cardápios.

Essa preparação especial a base de peru também esteve presente nos cardápios de outro grande intelectual brasileiro, Mario de Andrade: ele colecionou cardápios de banquetes que frequentou, desde 1915 a 1940; nos seus guardados, a receita aparecia sempre em língua francesa, pois frequentava restaurantes importantes paulistanos como “Rôtisserie Sportsman” (1915), “Salão Trianon” (1927), “Hotel Terminus” (1937), além da destacada “Vila Fortunata” (1924), localizada na atual Avenida Paulista.. Mas, dentro dessa coleção de cardápios de Mario de Andrade, apenas um Menu de 1931 aparece escrito em português e revela o recheio de farofa que acompanhava a ave. Outro detalhe importante, é que mesmo sem constar o motivo e o local do banquete o cardápio foi ilustrado por Tarsila do Amaral, e ainda trazia uma ludicidade nos nomes das receitas apresentadas.

O fato é que uma boa farofa é marca registrada brasileira, e elas caem muito bem para acompanhar belos assados, ressaltando os sabores e ressaltando a brasilidade nas mesas.

Não obstante já se observa o movimento de reencenadores históricos, geralmente grupos de pesquisadores ligadas à alimentação, que se esforçam para criar alimentos “autênticos” em simulações de batalhas da Guerra Civil e Revolucionária, e os membros da Sociedade para o Anacronismo Criativo reproduzem com a maior precisão possível a culinária da Idade Média e Renascimento.

A imagem dos antigos hábitos alimentares está mudando. A maioria de nós agora sabe que as refeições históricas não consistiam apenas em mingau para os camponeses e trazeiros gigantes de caça assada para a realeza. A comida da Idade Média e do Renascimento era rica e variada com ingredientes exóticos, preparações e apresentações elaboradas e um nível de consumo conspícuo que poderia ser a inveja dos gourmets da moda de hoje.

Assim como nosso conhecimento sobre a herança da nossa cozinha está aumentando, os livros de receitas de hoje estão começando a procurar maneiras de incorporar esse conhecimento à culinária moderna.

Um exemplo perfeito é o livro de Francine Segan, Shakespeare’s Kitchen: Renaissance Recipes for the Contemporary Cook. A Sra. Segan procurou receitas de época, que ela inclui, mas em vez de recriá-las servilmente, ela as fez de novo para os gostos modernos. Isso não é geográfico ou cultural, mas sim culinária de fusão cronológica. Esta é a nossa própria herança culinária, revivida e recarregada após 400 anos.

Qual a melhor maneira de celebrar o Natal e se reconectar com nosso passado coletivo do que fazer algumas receitas clássicas inglesas?

O esforço extra despendido nestes pratos comunica à família e amigos que eles são especiais e honrados.

Diz, assim como o Bardo do Avon em As You Like It, “Sente-se e alimente-se e seja bem-vindo à nossa mesa”. No entanto, de acordo com os gostos modernos, neste Natal, vamos deixar de lado o enorme assado fumegante - com desculpas ao Scrooge reformado - e revisitar algumas guloseimas antigas, ao mesmo tempo salgadas e doces. Procure saber mais sobre as tradições gastronômicas da sua família, resgate receitas, inove como nos velhos tempos... 

Peru com Farofa de Natal

1 Peru inteiro de 3,5kg

250g de páprica doce

5ml de vinagre

200g de alho picado

5ml de vinho branco

200g de sal e pimenta-do-reino

30g de louro

30g de alecrim

2ml de azeite

Tomilho a gosto

2 litros de água filtrada

1 cenoura picada grosseiramente

1 cebola picada grosseiramente

1 aipo em pedaços grandes

Para a Farofa: (Existe inúmeras receitas para farofa. Use aquela que mais vocês gostar. Abaixo deixo apenas uma sugestão)

500g de miolo de pão campanha cortado em cubinhos

250g de manteiga clarificada

500g de castanha-do-pará picada

100g de passas pretas

100g de damascos picados

10g de sal refinado

Pimenta-do-reino moída (a gosto)

Preparo do Peru: Antes de começar você deve limpar bem o peru. Em seguida coloque ele em uma tigela grande junto com a cebola, a cenoura picada e o aipo em pedaços grandes. Acrescente as folhas de louro, o alho amassado, o tomilho e o alecrim. Adicione a páprica doce e a pimenta moída na hora. Tempere com vinho branco, azeite e sal. Adicione o vinagre, cubra com filme plástico e deixe o peru marinando 24 horas dentro da geladeira. Pré-aqueça o forno a 180ºC e leve o peru para assar por 60 minutos ou até dourar. Modo de Preparo da Farofa: Em uma panela derreta a manteiga, em fogo médio, acrescente as uvas passas, os damascos e a farinha de miolo de pão. Misture bem e adicione a castanha-do-pará, tempere com sal e pimenta-do-reino e mexa até dourar. Espere a farofa esfriar e com auxílio de uma colher, vá recheando o peru com a farofa. Sirva em seguida.

Lombo com Purê de Maçã

2 kg de lombo de porco

suco de 2 limões

4 dentes de alho picados

sal e pimenta branca moída a gosto

2 folhas de louro

4 colheres (sopa) de óleo

1/2 litro de caldo de carne

Purê :

12 maçãs fujji descascadas e em cubos

1 pitada canela em pó

suco de 1 limão

1/2 xícara (chá) de água

Preparo: Tempere o lombo com o limão, o alho, o sal, a pimenta, o louro e deixe marinar por 30 minutos. Aqueça o óleo e doure o lombo na panela de todos os lados. Pingue aos poucos o caldo na lateral da panela até que o lombo fique macio, mantendo a panela sempre com a tampa fechada. Enquanto isso faça o purê: pingue o limão nas maçãs e coloque em uma panela com a água para cozinhar por 15 minutos ou até que estejam macias. Passe pelo processador, volte ao fogo, deixe apurar por 2 minutos e acrescente a canela. Coloque o lombo fatiado em uma travessa, guarneça com o purê e sirva quente.

 Pernil de Natal Glaceado

4kg de pernil suíno

Água

Sal

1 Cenoura grande

1 Cebola

1 Salsão

Pimenta do reino em grãos

Sementes de Coentro

3 Folhas de Louro

2 paus de Canela

Pimenta do reino moída

250ml de Melaço de cana

frutas para decorar

Preparo: Amarre com um barbante todo o seu pernil se ele estiver desossado. Coloque em uma panela funda o pernil. Cubra com água. Coloque uma colher de sal. Adicione cenoura, cebola e salsão em pedaços. Esmague levemente a pimenta do reino em grãos e sementes de coentro e coloque no caldo. Coloque 3 folhas de louro e dois paus de canela. Deixe ferver e após 60 minutos retire o pernil da panela. Com cuidado retire com ajuda de uma faca o couro mas deixe toda a gordura. Com a ponta da faca, corte apenas a gordura em diamante. Pré aqueça o forno a 170 graus. Coloque o pernil em uma assadeira funda e leve ao forno por 20 minutos. Retire e regue com o caldo do fundo da assadeira. Tempere com pimenta do reino moída. Cubra toda a peça com melaço de cana.

Leve ao forno por mais 30 minutos a 170 graus. Retire e regue toda a peça novamente com ajuda de um pincel. Retorne ao forno por mais 20 minutos. Retire do forno e pincele novamente. Deixe descansar por 30 minutos antes de fatiar.

 

quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

A receita do primeiro molho de tomate registrado na literatura

 

Os tomates são hoje uma parte essencial da culinária brasileira, americana e europeia, de onde seu uso pode ser observado em uma infinidade de preparações que vão desde saladas, sopas, ensopados, tortas, pizzas, molhos para massas, dentre outras possibilidades.

Outro dia eu estava no supermercado e observei uma conversa acirrada entre amigos que girava sobre o que seria mais rápido de preparar para comer. Obviamente, macarrão com molho de tomate foi citado pela rapidez e deliciosidade. Pensando nisso, e observando alguns perfis com fotos de comida no Instagram, notei como o macarrão como molho de tomate se tornou uma opção mundialmente utilizada para facilitar a vida dos esfomeados.

Assim, resolvi ir atrás da primeira receita de molho de tomate registrada na literatura: inicialmente fiquei curioso em saber como seria essa receita inicial; depois, poderia até observar as alterações que ela sofreria com o passar do tempo. Descobri que o primeiro registro sobre o molho do tomate tem aproximadamente 329 anos, e tudo começa quando os europeus levaram os tomates da América para a Europa.

Alguns estudiosos acreditam que a origem dos tomates aparece nos Andes: em torno do atual Peru, Equador e regiões próximas, incluindo Chile, Colômbia, Bolívia e México, onde são cultivados silvestres – e de onde se espalharam.

Mas, a palavra 'tomate' vem do termo nahuatl 'tomatl' – o Nahuatl é a língua asteca, e sabe-se que os tomates foram cultivados pela primeira vez pelos astecas e incas há mais de 2.000 anos: as versões nativas dos tomates eram pequenas, como tomates cereja, mas muito ácidas, eram pertencentes à espécie chamada Lycopersicon esculentum e usadas pelos astecas e outros povos na Mesoamérica, predominantemente no atual México, em sua culinária.

Deve-se a introdução do tomate na Europa justamente à descoberta das Américas e à presença de Portugueses e Espanhóis no continente americano: mesmo sabendo da chegada de Cristóvão Colombo na América. em 12 de outubro em 1492, não se sabe se ele foi o responsável por introduzir o tomate na Europa após suas expedições; ou, se se isso ficou de fato a cargo dos conquistadores espanhóis, depois que Hernán Cortés conquistou a cidade asteca de Tenochtitlan, agora Cidade do México, em 1521 -  ou, se isso ocorreu pouco depois que Francisco Pizarro conquistou o Império Inca e estabeleceu a cidade de Lima em 1535. Apesar das inconsistências, muitos dão credito aos espanhóis pela introdução do tomate não apenas na Europa, mas, também nas suas colônias, incluindo as Filipinas, de onde se espalhou para outras partes do sudeste da Ásia e depois para todo o continente asiático.

As primeiras referências ao tomate aparecem no século XVI, a partir de escritos botânicos e naturalistas que revelavam muito pouco sobre a história anterior a sua vida para a Europa. O fato é que a origem precisa do tomate e a identidade do sujeito que levou a fruta para a Europa ainda continuam sendo motivos de especulação e investigação.


A referência europeia ao tomate mais antiga encontra-se no trabalho de um médico e botânico de Siena, Itália, Pietro Andrea Mattioli: o Dr. Mattioli descreveu cem novas plantas em seu “Discorsi” (Comentários) sobre a Matéria Médica de Dioscórides, que apareceu pela primeira vez em 1544. Na versão atualizado deste mesmo livro publicado por volta de 1554 com notas adicionais, ele se refere aos tomates como Pomi d'oro.


Outra antiga referência ao tomate pode ser encontrada nas notas do médico e naturalista Costanzo Felici, no período 1569-1572, onde ele escreve sobre as novas plantas introduzidas na Europa e observa que os tomates da época eram intensos, amarelos ou vermelhos, e acrescenta que 'al mio gusto è più presto bello che buono', ou seja, pata o  paladar dele, era melhor olhar o tomate do que comê-lo.

Já a primeira referência escrita ao cultivo do tomate na Espanha foi feita pelo padre Gregorio de los Ríos, em seu trabalho de jardinagem intitulado Agricultura de Jardines, em 1592, referindo-se aos tomates como “pomates” e observando que eles são bons para o preparo de molhos.

Os climas do mediterrâneo foram bastante felizes para o cultivo dos tomates na Espanha e Itália, inicialmente como plantas ornamentais, já que os europeus desconfiados pensavam que os tomates eram venenosos e, até afrodisíacos, estimulando com isso os desejos sexuais – supostamente por causa de sua conexão com as mandrágoras, variedades de Solanáceas usadas em feitiçaria e, portanto, raramente eram usados na culinária cotidiana europeia daquele período.

Os nomes dados ao tomate também passaram por alusões: os italianos chamaram os tomates de ‘pomodoro' (maçã de ouro) – aparentemente devido à sua cor amarela brilhante dos tomates conhecidos; os franceses os chamam de 'pomme d'amour' (maçã do amor); enquanto os alemães ficaram conhecidos por se referirem aos tomates como 'paradeisapfel', que significa 'maçã do paraíso' em um antigo dialeto alemão.

De plantas ornamentais e de decoração de mesas até chegar gradualmente na culinária, foram as cozinhas espanhola e italiana que começaram a adaptar-se ao sabor da fruta deixando de lado o medo e as superstições sobre ela.

Embora receitas publicadas com tomates não existam no século XVI, o trabalho do pintor barroco espanhol Bartolomé Murillo 'La cocina de los ángeles' (A cozinha dos anjos), pintado em 1646 para o Convento Franciscano de Sevilha, representa a preparação de um prato com tomate e abóbora, sugerindo que os tomates eram usados na cozinha durante o início do século XVII.

A primeira receita de molho de tomate aparece no final do século XVII no livro de receitas de Antonio Latini 'Lo scalco alla moderna' (O Stwerad/Cumim Moderno), Nápoles, vol. I 1692, vol. II 1694. Antonio Latini foi mordomo de padre Stefano Carillo y Salcedo, primeiro ministro do vice-rei espanhol de Nápoles, e descreve o uso de tomates em sua receita chamada 'Salsa di Pomodoro alla Spagnola' (molho de tomate ao estilo espanhol) cuja receita você confere pela imagem e descrição abaixo.

“Pegue meia dúzia de tomates maduros, coloque-os para assar nas brasas e, quando estiverem chamuscados, retire a casca com cuidado e pique-os finamente com uma faca. Adicione as cebolas picadas finamente, a critério; malagueta picante, também picada finamente; e tomilho, em pequena quantidade. Depois de misturar tudo, ajuste com um pouco de sal, óleo e vinagre”.

Esta não é apenas a receita mais antiga registrada para um molho de tomate, mas também a primeira sugestão de que os tomates eram usados na culinária italiana.

Durante o século XVIII, o tomate já era usado em mais receitas, especialmente na parte sul da Itália, como fica evidente no livro de receitas de Vincenzo Corrado publicado em 1773 em Nápoles.

Receitas impressas de macarrão com tomate apareceram pela primeira vez no livro de Ippolito Cavalcanti 'Cucina teorico-pratica' (em 1837) e Cucina casareccia (Cozinha Caseira), em 1839.


O livro de receitas de Pellegrino Artusi publicado em 1891, duas décadas após a unificação da Itália, revela a popularidade do tomate na culinária italiana. Artusi foi o primeiro a incluir receitas de todas as diferentes regiões da Itália em um único livro de receitas intitulado 'La scienza in cucina e l'arte di mangiare bane' ('A ciência de cozinhar e a arte de comer bem');

À medida que os tomates se tornaram uma parte importante da culinária italiana, variedades exclusivas de tomates foram desenvolvidas para usos específicos, como tomates secos, tomates para molho, tomates para pizza e aqueles com vida útil longa.

Na cozinha espanhola, o livro de Maria Rosa Calvillo de Teruel intitulado 'Libro de apuntaciones de guisos y dulces' (Livro de notas sobre guisados e doces), publicado por volta de 1740, inclui mais de uma dúzia de receitas com tomates. Este livro também é considerado o primeiro livro de receitas escrito por uma mulher na Espanha e as receitas são escritas para as famílias de classe média de seu tempo.

Em 1745, Juan Altamiras, um frade franciscano de Aragão, publicou seu caderno de receitas 'Nuevo arte de cocina' (A nova arte de cozinhar), que também contém uma variedade de receitas usando tomates com carne, aves, peixes, ovos e vegetais.

Em ambos os livros de receitas espanhóis é evidente que o tomate havia se tornado parte da culinária espanhola em meados do século XVIII. Mais tarde, a popular sopa andaluza conhecida como gaspacho, que originalmente usava pão, azeite, água, vinagre e alho, incorporou os tomates na receita para criar a versão moderna da sopa.

Na segunda metade do século XVIII, as receitas à base de tomate começaram a se espalhar para outros países da Europa, onde eram usados em sopas, molhos, guisados e como guarnição. Sabe-se que os tomates foram cultivados na Inglaterra no final do século XVI, mas sua introdução na culinária britânica demorou um pouco, pois sua influência culinária é vista principalmente durante o século XVIII.

Na França, a culinária provençal é considerada uma das primeiras a adotar o tomate, e na França se tem pratos clássicos do sul da França com tomate, como bouillabaisse (ensopado de frutos do mar) e o ratatouille (ensopado de vegetais). Depois de se estabelecer na culinária britânica, o tomate foi introduzido no cultivo em partes do Oriente Médio por volta do final do século XVIII, pelo Cônsul britânico em Aleppo.

A referência mais antiga ao cultivo de tomates na América do Norte britânica data de 1710, quando o fitoterapeuta inglês William Salmon, conhecido por ter viajado para a América do Norte e o Caribe, relatou tê-los visto no que hoje é a Carolina do Sul em sua principal obra intitulada Botanologia. Uma possível explicação para a observação de William Salmon é a influência da Flórida ou do Caribe que eram então colônias espanholas, e os tomates podem ter sido introduzidos ali via colônias, no século XVII. Outra possibilidade é que os colonos britânicos, possam tê-los introduzido na área que hoje é as Carolinas.

Thomas Jefferson também é conhecido por ter exportado sementes de tomate da França durante o início da década de 1780, com base em seus escritos em 1781, 'Notas sobre o estado da Virgínia', onde ele observa que 'Os jardins produzem melões almiscarados, melancias, tomates, quiabo, romã, figo e as plantas esculentas da Europa”. Seu livro de jardinagem também registra o plantio de tomates na horta Monticello de 1809 a 1824, período durante o qual Jefferson manteve registros detalhados de jardins.

Jefferson é conhecido por ter creditado a John de Sequeyra, por introduzir o tomate como planta alimentar na Virgínia em meados do século XVIII. John de Sequeyra era um médico nascido em uma família hispano-portuguesa e mudou-se para Williamsburg, Virgínia, em 1745.

Alexander W. Livingston desempenhou um papel importante na melhoria do sabor do tomate. Seu trabalho transformou o tomate de uma pequena fruta azeda em uma grande e com um sabor mais doce. Livingston passou duas décadas criando seu tomate 'Paragon', que conseguiu em 1870.



            Tomate Paragon

O trabalho de Alexander W. Livingston envolveu um processo cuidadoso de seleção de sementes de tomateiros que exibiam características específicas nas quais ele estava interessado. Ele desenvolveu diferentes outras variedades de tomates antes de sua morte em 1898. Sua Livingston Seed Company continuou o trabalho, e em ao todo, A. W Livingston e sua empresa introduziram trinta e cinco variedades de tomates.

O trabalho de Livingston ajudou a tornar os tomates mais populares na culinária americana. Botanicamente, um tomate é uma fruta, mas nos EUA é considerado um 'vegetal culinário' e comumente servido como parte de uma salada ou prato principal de uma refeição, ao invés de sobremesa.

O primeiro debate sobre a classificação do tomate como vegetal ou fruta ocorreu como resultado da Lei Tarifária de 1883, quando o Congresso cobrou uma taxa de dez por cento sobre os vegetais importados.

Em 1886, John Nix importou tomates das Índias Ocidentais para Nova York, mas pagou o imposto sob protesto, afirmando que os tomates eram uma fruta e não um vegetal. Ele apelou aos tribunais de Nova York contra o coletor de impostos Hedden, mas depois de anos passando por tribunais e tribunais de apelação, o caso foi levado à Suprema Corte.

A Suprema Corte resolveu o caso Nix v. Hedden em 1893, declarando que o tomate é um vegetal, com base na definição popular que classifica os vegetais pelo uso, que geralmente são servidos com o jantar e não com a sobremesa.

Embora o tomate fosse consumido por poucos durante o período de Jefferson e usado principalmente pelos imigrantes das colônias espanholas, seu uso mais amplo na culinária americana aconteceu a partir de meados do século XIX, influenciado pelos imigrantes, principalmente do sul da Itália, Espanha e na França, onde estava bem estabelecido.

Junto com os tomates frescos, produtos de tomate enlatado como ketchup e sopa de tomate também se tornaram populares durante o final do século XIX e início do século XX. Duas das mais conhecidas empresas de conservas da América foram fundadas em 1869, H.J. Heinz em Sharpsburg, Pensilvânia e Anderson & Campbell em Camden, Nova Jersey, que mais tarde ficou conhecida como a Joseph Campbell & Company depois que Campbell comprou seu sócio Anderson em 1876. Produtos de tomate enlatado e molhos também tornaram o tomate mais facilmente disponível para as pessoas.

Acredita-se que o uso do tomate na culinária brasileira acontece com a chegada dos imigrantes italianos que aqui desembarcaram em 1870, que já dominavam algumas de suas formas de preparos. Nas duas décadas seguintes, somente em São Paulo, chegaram 800 mil procedentes de Nápoles, da Calábria e da Sicília. Eles trouxeram sementes do San Marzano, o tomate alongado, sulcado, carnoso, com poucas sementes, de sabor e aroma incomparáveis.

Tomate San Marzano

No final do século XIX, foram instaladas por membros da colônia italiana em São Paulo as primeiras tratorias do país. Mas, só por volta de 1910, nasceria em São Paulo a primeira pizzaria. Em pouco tempo, a culinária italiana com suas massas e molhos à base de tomate foi se difundindo nos grandes centros urbanos. Na virada para o século XX, destacava-se, entre as variedades mais cultivadas no estado de São Paulo, a Rei Umberto, uma ramificação do San Marzano. A variedade do tomate Rei Umberto, por sua vez, originou a variedade Santa Cruz em 1945, a qual manteve-se na liderança do mercado brasileiro até fins da década de 1990.

Hoje, a produção brasileira de tomates abrange quase todas as variedades conhecidas da fruta. Porém, os tipos mais populares são os tomates caqui (longa-vida ou convencional), tomate Santa Cruz/Santa Clara/Débora, tomate Italiano ou Saladette, tomate mesa rasteiro e tomate industrial, tomate cereja e tomate grape. As principais diferenças estão no formato e tamanho dos frutos, e como eles são cultivados (com estacas, todos os grupos) ou rasteiros (tomate mesa rasteiro e tomate industrial)". E só para contar, o tomate é a segunda hortaliça mais cultivada no mundo, sendo superada apenas pela batata inglesa.

Receita do primeiro molho de tomate registrado - versão moderna com algumas quantidades sugeridas

1 quilo de tomates (aprox. 6 grandes)

1/3 xícara de cebola picada

½ colher de chá de tomilho seco

1 pimenta Jalapeño (ou outro pimenta ardida)

1-2 colheres de sopa de azeite

1 colher de chá de vinagre de maçã

Sal e pimenta a gosto

Preparo: Pré-aqueça o forno a 450 °F / 230 graus célsius. Corte uma cruz sobre a ponta dos tomates e coloque-os em uma assadeira. Asse-os no forno por 15 a 20 minutos ou até que as cascas se partam e os tomates fiquem macios. Depois disso, retire os tomates e deixe esfriar. Em seguida, retire as cascas e descarte as cascas e as sementes. Corte a pimenta em tiras finas, descartando as sementes. Pique a pimenta e coloque no processador de alimentos com os tomates, a cebola e o tomilho. Processe até ficar bem misturado.Tempere a gosto com sal e pimenta moída na hora e, em seguida, acrescente uma colher de sopa de azeite e o vinagre. Prove e adicione mais azeite, sal ou pimenta, se necessário. Sirva imediatamente com carnes ou cozinhe por 5 minutos e sirva com macarrão.

Obs.: Cozinhe por mais 5 minutos se quiser guardar o molho para usar no dia seguinte ou até mais tarde.