quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

A receita do primeiro molho de tomate registrado na literatura

 

Os tomates são hoje uma parte essencial da culinária brasileira, americana e europeia, de onde seu uso pode ser observado em uma infinidade de preparações que vão desde saladas, sopas, ensopados, tortas, pizzas, molhos para massas, dentre outras possibilidades.

Outro dia eu estava no supermercado e observei uma conversa acirrada entre amigos que girava sobre o que seria mais rápido de preparar para comer. Obviamente, macarrão com molho de tomate foi citado pela rapidez e deliciosidade. Pensando nisso, e observando alguns perfis com fotos de comida no Instagram, notei como o macarrão como molho de tomate se tornou uma opção mundialmente utilizada para facilitar a vida dos esfomeados.

Assim, resolvi ir atrás da primeira receita de molho de tomate registrada na literatura: inicialmente fiquei curioso em saber como seria essa receita inicial; depois, poderia até observar as alterações que ela sofreria com o passar do tempo. Descobri que o primeiro registro sobre o molho do tomate tem aproximadamente 329 anos, e tudo começa quando os europeus levaram os tomates da América para a Europa.

Alguns estudiosos acreditam que a origem dos tomates aparece nos Andes: em torno do atual Peru, Equador e regiões próximas, incluindo Chile, Colômbia, Bolívia e México, onde são cultivados silvestres – e de onde se espalharam.

Mas, a palavra 'tomate' vem do termo nahuatl 'tomatl' – o Nahuatl é a língua asteca, e sabe-se que os tomates foram cultivados pela primeira vez pelos astecas e incas há mais de 2.000 anos: as versões nativas dos tomates eram pequenas, como tomates cereja, mas muito ácidas, eram pertencentes à espécie chamada Lycopersicon esculentum e usadas pelos astecas e outros povos na Mesoamérica, predominantemente no atual México, em sua culinária.

Deve-se a introdução do tomate na Europa justamente à descoberta das Américas e à presença de Portugueses e Espanhóis no continente americano: mesmo sabendo da chegada de Cristóvão Colombo na América. em 12 de outubro em 1492, não se sabe se ele foi o responsável por introduzir o tomate na Europa após suas expedições; ou, se se isso ficou de fato a cargo dos conquistadores espanhóis, depois que Hernán Cortés conquistou a cidade asteca de Tenochtitlan, agora Cidade do México, em 1521 -  ou, se isso ocorreu pouco depois que Francisco Pizarro conquistou o Império Inca e estabeleceu a cidade de Lima em 1535. Apesar das inconsistências, muitos dão credito aos espanhóis pela introdução do tomate não apenas na Europa, mas, também nas suas colônias, incluindo as Filipinas, de onde se espalhou para outras partes do sudeste da Ásia e depois para todo o continente asiático.

As primeiras referências ao tomate aparecem no século XVI, a partir de escritos botânicos e naturalistas que revelavam muito pouco sobre a história anterior a sua vida para a Europa. O fato é que a origem precisa do tomate e a identidade do sujeito que levou a fruta para a Europa ainda continuam sendo motivos de especulação e investigação.


A referência europeia ao tomate mais antiga encontra-se no trabalho de um médico e botânico de Siena, Itália, Pietro Andrea Mattioli: o Dr. Mattioli descreveu cem novas plantas em seu “Discorsi” (Comentários) sobre a Matéria Médica de Dioscórides, que apareceu pela primeira vez em 1544. Na versão atualizado deste mesmo livro publicado por volta de 1554 com notas adicionais, ele se refere aos tomates como Pomi d'oro.


Outra antiga referência ao tomate pode ser encontrada nas notas do médico e naturalista Costanzo Felici, no período 1569-1572, onde ele escreve sobre as novas plantas introduzidas na Europa e observa que os tomates da época eram intensos, amarelos ou vermelhos, e acrescenta que 'al mio gusto è più presto bello che buono', ou seja, pata o  paladar dele, era melhor olhar o tomate do que comê-lo.

Já a primeira referência escrita ao cultivo do tomate na Espanha foi feita pelo padre Gregorio de los Ríos, em seu trabalho de jardinagem intitulado Agricultura de Jardines, em 1592, referindo-se aos tomates como “pomates” e observando que eles são bons para o preparo de molhos.

Os climas do mediterrâneo foram bastante felizes para o cultivo dos tomates na Espanha e Itália, inicialmente como plantas ornamentais, já que os europeus desconfiados pensavam que os tomates eram venenosos e, até afrodisíacos, estimulando com isso os desejos sexuais – supostamente por causa de sua conexão com as mandrágoras, variedades de Solanáceas usadas em feitiçaria e, portanto, raramente eram usados na culinária cotidiana europeia daquele período.

Os nomes dados ao tomate também passaram por alusões: os italianos chamaram os tomates de ‘pomodoro' (maçã de ouro) – aparentemente devido à sua cor amarela brilhante dos tomates conhecidos; os franceses os chamam de 'pomme d'amour' (maçã do amor); enquanto os alemães ficaram conhecidos por se referirem aos tomates como 'paradeisapfel', que significa 'maçã do paraíso' em um antigo dialeto alemão.

De plantas ornamentais e de decoração de mesas até chegar gradualmente na culinária, foram as cozinhas espanhola e italiana que começaram a adaptar-se ao sabor da fruta deixando de lado o medo e as superstições sobre ela.

Embora receitas publicadas com tomates não existam no século XVI, o trabalho do pintor barroco espanhol Bartolomé Murillo 'La cocina de los ángeles' (A cozinha dos anjos), pintado em 1646 para o Convento Franciscano de Sevilha, representa a preparação de um prato com tomate e abóbora, sugerindo que os tomates eram usados na cozinha durante o início do século XVII.

A primeira receita de molho de tomate aparece no final do século XVII no livro de receitas de Antonio Latini 'Lo scalco alla moderna' (O Stwerad/Cumim Moderno), Nápoles, vol. I 1692, vol. II 1694. Antonio Latini foi mordomo de padre Stefano Carillo y Salcedo, primeiro ministro do vice-rei espanhol de Nápoles, e descreve o uso de tomates em sua receita chamada 'Salsa di Pomodoro alla Spagnola' (molho de tomate ao estilo espanhol) cuja receita você confere pela imagem e descrição abaixo.

“Pegue meia dúzia de tomates maduros, coloque-os para assar nas brasas e, quando estiverem chamuscados, retire a casca com cuidado e pique-os finamente com uma faca. Adicione as cebolas picadas finamente, a critério; malagueta picante, também picada finamente; e tomilho, em pequena quantidade. Depois de misturar tudo, ajuste com um pouco de sal, óleo e vinagre”.

Esta não é apenas a receita mais antiga registrada para um molho de tomate, mas também a primeira sugestão de que os tomates eram usados na culinária italiana.

Durante o século XVIII, o tomate já era usado em mais receitas, especialmente na parte sul da Itália, como fica evidente no livro de receitas de Vincenzo Corrado publicado em 1773 em Nápoles.

Receitas impressas de macarrão com tomate apareceram pela primeira vez no livro de Ippolito Cavalcanti 'Cucina teorico-pratica' (em 1837) e Cucina casareccia (Cozinha Caseira), em 1839.


O livro de receitas de Pellegrino Artusi publicado em 1891, duas décadas após a unificação da Itália, revela a popularidade do tomate na culinária italiana. Artusi foi o primeiro a incluir receitas de todas as diferentes regiões da Itália em um único livro de receitas intitulado 'La scienza in cucina e l'arte di mangiare bane' ('A ciência de cozinhar e a arte de comer bem');

À medida que os tomates se tornaram uma parte importante da culinária italiana, variedades exclusivas de tomates foram desenvolvidas para usos específicos, como tomates secos, tomates para molho, tomates para pizza e aqueles com vida útil longa.

Na cozinha espanhola, o livro de Maria Rosa Calvillo de Teruel intitulado 'Libro de apuntaciones de guisos y dulces' (Livro de notas sobre guisados e doces), publicado por volta de 1740, inclui mais de uma dúzia de receitas com tomates. Este livro também é considerado o primeiro livro de receitas escrito por uma mulher na Espanha e as receitas são escritas para as famílias de classe média de seu tempo.

Em 1745, Juan Altamiras, um frade franciscano de Aragão, publicou seu caderno de receitas 'Nuevo arte de cocina' (A nova arte de cozinhar), que também contém uma variedade de receitas usando tomates com carne, aves, peixes, ovos e vegetais.

Em ambos os livros de receitas espanhóis é evidente que o tomate havia se tornado parte da culinária espanhola em meados do século XVIII. Mais tarde, a popular sopa andaluza conhecida como gaspacho, que originalmente usava pão, azeite, água, vinagre e alho, incorporou os tomates na receita para criar a versão moderna da sopa.

Na segunda metade do século XVIII, as receitas à base de tomate começaram a se espalhar para outros países da Europa, onde eram usados em sopas, molhos, guisados e como guarnição. Sabe-se que os tomates foram cultivados na Inglaterra no final do século XVI, mas sua introdução na culinária britânica demorou um pouco, pois sua influência culinária é vista principalmente durante o século XVIII.

Na França, a culinária provençal é considerada uma das primeiras a adotar o tomate, e na França se tem pratos clássicos do sul da França com tomate, como bouillabaisse (ensopado de frutos do mar) e o ratatouille (ensopado de vegetais). Depois de se estabelecer na culinária britânica, o tomate foi introduzido no cultivo em partes do Oriente Médio por volta do final do século XVIII, pelo Cônsul britânico em Aleppo.

A referência mais antiga ao cultivo de tomates na América do Norte britânica data de 1710, quando o fitoterapeuta inglês William Salmon, conhecido por ter viajado para a América do Norte e o Caribe, relatou tê-los visto no que hoje é a Carolina do Sul em sua principal obra intitulada Botanologia. Uma possível explicação para a observação de William Salmon é a influência da Flórida ou do Caribe que eram então colônias espanholas, e os tomates podem ter sido introduzidos ali via colônias, no século XVII. Outra possibilidade é que os colonos britânicos, possam tê-los introduzido na área que hoje é as Carolinas.

Thomas Jefferson também é conhecido por ter exportado sementes de tomate da França durante o início da década de 1780, com base em seus escritos em 1781, 'Notas sobre o estado da Virgínia', onde ele observa que 'Os jardins produzem melões almiscarados, melancias, tomates, quiabo, romã, figo e as plantas esculentas da Europa”. Seu livro de jardinagem também registra o plantio de tomates na horta Monticello de 1809 a 1824, período durante o qual Jefferson manteve registros detalhados de jardins.

Jefferson é conhecido por ter creditado a John de Sequeyra, por introduzir o tomate como planta alimentar na Virgínia em meados do século XVIII. John de Sequeyra era um médico nascido em uma família hispano-portuguesa e mudou-se para Williamsburg, Virgínia, em 1745.

Alexander W. Livingston desempenhou um papel importante na melhoria do sabor do tomate. Seu trabalho transformou o tomate de uma pequena fruta azeda em uma grande e com um sabor mais doce. Livingston passou duas décadas criando seu tomate 'Paragon', que conseguiu em 1870.



            Tomate Paragon

O trabalho de Alexander W. Livingston envolveu um processo cuidadoso de seleção de sementes de tomateiros que exibiam características específicas nas quais ele estava interessado. Ele desenvolveu diferentes outras variedades de tomates antes de sua morte em 1898. Sua Livingston Seed Company continuou o trabalho, e em ao todo, A. W Livingston e sua empresa introduziram trinta e cinco variedades de tomates.

O trabalho de Livingston ajudou a tornar os tomates mais populares na culinária americana. Botanicamente, um tomate é uma fruta, mas nos EUA é considerado um 'vegetal culinário' e comumente servido como parte de uma salada ou prato principal de uma refeição, ao invés de sobremesa.

O primeiro debate sobre a classificação do tomate como vegetal ou fruta ocorreu como resultado da Lei Tarifária de 1883, quando o Congresso cobrou uma taxa de dez por cento sobre os vegetais importados.

Em 1886, John Nix importou tomates das Índias Ocidentais para Nova York, mas pagou o imposto sob protesto, afirmando que os tomates eram uma fruta e não um vegetal. Ele apelou aos tribunais de Nova York contra o coletor de impostos Hedden, mas depois de anos passando por tribunais e tribunais de apelação, o caso foi levado à Suprema Corte.

A Suprema Corte resolveu o caso Nix v. Hedden em 1893, declarando que o tomate é um vegetal, com base na definição popular que classifica os vegetais pelo uso, que geralmente são servidos com o jantar e não com a sobremesa.

Embora o tomate fosse consumido por poucos durante o período de Jefferson e usado principalmente pelos imigrantes das colônias espanholas, seu uso mais amplo na culinária americana aconteceu a partir de meados do século XIX, influenciado pelos imigrantes, principalmente do sul da Itália, Espanha e na França, onde estava bem estabelecido.

Junto com os tomates frescos, produtos de tomate enlatado como ketchup e sopa de tomate também se tornaram populares durante o final do século XIX e início do século XX. Duas das mais conhecidas empresas de conservas da América foram fundadas em 1869, H.J. Heinz em Sharpsburg, Pensilvânia e Anderson & Campbell em Camden, Nova Jersey, que mais tarde ficou conhecida como a Joseph Campbell & Company depois que Campbell comprou seu sócio Anderson em 1876. Produtos de tomate enlatado e molhos também tornaram o tomate mais facilmente disponível para as pessoas.

Acredita-se que o uso do tomate na culinária brasileira acontece com a chegada dos imigrantes italianos que aqui desembarcaram em 1870, que já dominavam algumas de suas formas de preparos. Nas duas décadas seguintes, somente em São Paulo, chegaram 800 mil procedentes de Nápoles, da Calábria e da Sicília. Eles trouxeram sementes do San Marzano, o tomate alongado, sulcado, carnoso, com poucas sementes, de sabor e aroma incomparáveis.

Tomate San Marzano

No final do século XIX, foram instaladas por membros da colônia italiana em São Paulo as primeiras tratorias do país. Mas, só por volta de 1910, nasceria em São Paulo a primeira pizzaria. Em pouco tempo, a culinária italiana com suas massas e molhos à base de tomate foi se difundindo nos grandes centros urbanos. Na virada para o século XX, destacava-se, entre as variedades mais cultivadas no estado de São Paulo, a Rei Umberto, uma ramificação do San Marzano. A variedade do tomate Rei Umberto, por sua vez, originou a variedade Santa Cruz em 1945, a qual manteve-se na liderança do mercado brasileiro até fins da década de 1990.

Hoje, a produção brasileira de tomates abrange quase todas as variedades conhecidas da fruta. Porém, os tipos mais populares são os tomates caqui (longa-vida ou convencional), tomate Santa Cruz/Santa Clara/Débora, tomate Italiano ou Saladette, tomate mesa rasteiro e tomate industrial, tomate cereja e tomate grape. As principais diferenças estão no formato e tamanho dos frutos, e como eles são cultivados (com estacas, todos os grupos) ou rasteiros (tomate mesa rasteiro e tomate industrial)". E só para contar, o tomate é a segunda hortaliça mais cultivada no mundo, sendo superada apenas pela batata inglesa.

Receita do primeiro molho de tomate registrado - versão moderna com algumas quantidades sugeridas

1 quilo de tomates (aprox. 6 grandes)

1/3 xícara de cebola picada

½ colher de chá de tomilho seco

1 pimenta Jalapeño (ou outro pimenta ardida)

1-2 colheres de sopa de azeite

1 colher de chá de vinagre de maçã

Sal e pimenta a gosto

Preparo: Pré-aqueça o forno a 450 °F / 230 graus célsius. Corte uma cruz sobre a ponta dos tomates e coloque-os em uma assadeira. Asse-os no forno por 15 a 20 minutos ou até que as cascas se partam e os tomates fiquem macios. Depois disso, retire os tomates e deixe esfriar. Em seguida, retire as cascas e descarte as cascas e as sementes. Corte a pimenta em tiras finas, descartando as sementes. Pique a pimenta e coloque no processador de alimentos com os tomates, a cebola e o tomilho. Processe até ficar bem misturado.Tempere a gosto com sal e pimenta moída na hora e, em seguida, acrescente uma colher de sopa de azeite e o vinagre. Prove e adicione mais azeite, sal ou pimenta, se necessário. Sirva imediatamente com carnes ou cozinhe por 5 minutos e sirva com macarrão.

Obs.: Cozinhe por mais 5 minutos se quiser guardar o molho para usar no dia seguinte ou até mais tarde.

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