sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Speculaas – os biscoitos de especiarias holandeses para o Natal


O Natal está aí... e logo virá o Ano Novo. Este foi um ano difícil para mim, mas com muitos aprendizados. Então, gostaria de hoje compartilhar algo que tivesse, além de informação, significado real para mim. 
Não foi difícil chegar no tema para esta postagem, pois reuni nela elementos que estão bastante presentes no meu cotidiano: as especiarias. Assim, hoje apresento nesta confraria os Speculaas, biscoitos de especiarias natalinos.





Você pode estar resmungando aí que: biscoitos, são apenas biscoitos. Que, muitas vezes não contam muito na história da gastronomia. Mas há aqueles que são mais radicais e acreditam que biscoitos não são considerados dignos o suficiente para serem apresentados nas mesas natalinas. É aí, onde eu entro para questionar: - será que os biscoitos realmente não são importantes, mesmo quando eles podem conter historias importantes de descobertas, inovações e trocas?
Há quem diga que Speculaas é uma resposta dos Holandeses e dos belgas ao gingerbread existente nas ilhas britânicas.


Ginger Bread by Anton Pieck (1895 - 1987)


Gingerbread
 No caso dos Speculaas, eles foram criados numa época onde os ingredientes que o compõem eram considerados luxuosos: manteiga, açúcar, farinha (de trigo ou amêndoa); e seus aromas: café, laranja, especiarias orientais como pimenta, canela, cravo, gengibre, cardamomo, noz-moscada.... Já pensou nisso sendo usado num simples biscoitinho?



Esse biscoito natalino pode ainda ser conhecido como spekulatius (em alemão), Speculoos (em francês), bolachas holandesas de moinho de vento (uma das formas do biscoito bastante conhecida na Holanda), biscoito de especiarias belgas, biscoitos Biscoff (biscuit + coffee - termo para Biscoito + Café. Pois passou a ser muito consumido acompanhado de café. Embora, se saiba que em Hasselt, na Bélgica, a tradição pedia que o biscoito fosse acompanhado de um gim muito fresco (um "drèpke"). Aliás, em Hasselt existe uma variedade local desse biscoito que foi licenciada desde 1870).



O nome Speculaas é frequentemente usado na Holanda e deriva do latim “speculum”, que significa espelho. Refere-se às imagens que são moldadas / “espelhadas” a partir dos carimbos de madeira usados para decorar e dar forma aos biscoitos. Outra explicação para o nome refere-se à palavra latina “speculator”, que significava ‘bispo’ (“aquele que vê tudo”) - e acabou sendo como referência a São Nicolau (O Papai Noel), que era o bispo de Mira. Mas, também outra origem advém do termo em holandês "Specerij", a palavra para especiaria, é outra possível origem.








Speculaas são biscoitos especiarados originários da Holanda. Mas existem diferentes variedades em diferentes partes da Europa: as speculaas holandesas são mais parecidas com bolos, as especulas belgas são biscoitos fortemente temperados. Espécies alemãs também são como biscoitos, porém menos temperados.





Para fazer Speculaas, é necessária uma mistura de especiarias chamada speculaaskruiden (speculaas spices) que devem conter, pelo menos, canela, cravo, gengibre, além de ter mais especiarias a gosto, como: pimenta preta (do reino), cardamomo, sementes de coentro, anis estrelado e noz-moscada. Aqui, te digo que o luxo da receita está no fato de que essas especiarias não eram comumente disponíveis até o século XVII, quando passaram a ser fornecidas pela “Companhia Holandesa das Índias Orientais” – você deve ter ouvido falar dessa Companhia nas aulas de história do Brasil...


Bandeira da Companhia Neerlandesa das Índias Orientais - em holandês,Vereenigde Oost-Indische Compagnie, com a sigla VOC.
Edifício principal da VOC em Amsterdam.
Historicamente, esses biscoitos eram servidos em 5 e 6 de dezembro para celebrar o Dia de São Nicolau; assim speculaas foram tradicionalmente criados na forma de São Nicolau, a fim de honrar a vida de São Nicolau.
São Nicolau é a figura que deu origem ao Papai Noel, no final do século III em Patara (uma antiga cidade da Turquia, na Ásia Menor) e faleceu num dia 6 de dezembro de 350. Embora ele tivesse uma rica experiência, ele realmente passou sua vida dando seu dinheiro e presentes para os pobres. Com a morte de São Nicolau, bispo de Mira, muitos ainda queriam honrar seu espírito de generosidade e bondade, então começaram a celebrar o dia 6 de dezembro como o Dia de São Nicolau.


São Nicolau

Como uma tradição na véspera de São Nicolau, na Holanda e na Bélgica, as crianças colocavam seus sapatos (há quem diga que eram apenas as meias) perto da chaminé de casa antes de irem para a cama, e as crianças bem-comportadas seriam recompensadas com speculaas em seus sapatos (ou meias – fico imaginando essa situação entre aqueles que tinham chulé rs). Hoje Speculaas não são apenas essenciais nas festividades de São Nicolau, mas tornaram-se populares durante toda época de Natal.

Speculaas não são biscoitos, mas joias de viagens...

Minha formação em turismo, minha dedicação e pesquisas sobre cultura gastronomia me permitem aqui fazer um parêntese nessa história para salientar a importância e a representatividade para mim que tem esse biscoito.
Boa parte dos insumos dessa preparação vieram da Ásia: noz-moscada, canela, gengibre, cravo, cardamomo. Logo, poderia ser um biscoito do outro lado desse Éden planetário. O sabor complexo, delicioso, que abre o paladar é resultado das Grandes Navegações, do enfrentamento de mares bravios, da resistência e do empenho de navegantes, desbravadores, de curiosos. Nada mais terreno, aparentemente, do que a textura arenosa de um biscoito esfarelando. Neste caso, no entanto, ainda diria que se trata de algo mais iodado, mais marítimo. 


Caixa de Speculaas
Por volta do século XVI, os principais portos do Norte europeu estavam amplamente abertos à Ásia e as empresas puderam cuidar das especiarias vindas de muitos lugares distantes, como do arquipélago Malulu (Ilhas Molucas, indonésia) entre outros lugares do Pacífico, e despejar suas cargas em Bruges e Amsterdã. Diante do preço exorbitante desses bens de luxo, as famosas especiarias, os chefs de confeitaria tiveram a feliz ideia de encontrar uma maneira de oferecer o sabor luxuoso das especiarias, limitando a quantidade utilizada.  


Foi graças a esse contexto, a essa ideia, que os speculaas surgiram para nos permitir sentir nas papilas gustativas os sabores curiosos e sedutores do Oriente – além de ser uma saída mais barato para as especiarias serem consumidas. 
Cabe lembrar que o açúcar para esse preparo não era o de beterraba, mas o açúcar mascavo, caribenho ou brasileiro, que chegava por mar à Europa. Isso me remete ao império do açúcar que já foi o Brasil, e sobre a importância do açúcar no desenvolvimento da doçaria nordestina (aliás, foi no Nordeste brasileiro que se concentrou o império do açúcar feito de cana). Àquela época, açúcar chegava a valer mais que ouro – mas seu valor maior se detinha no prazer em adoçar vidas e evoluir gostos e sabores ao longo do tempo.
Se você é do tipo que adora um biscoitinho para mergulhar em café, gesto banal no nordeste brasileiro (e em muitos outros lugares por aí), saiba que àquela época em que os speculaas foram inventados café diário era coisa de ricos, da elite – mas, com o tempo, a bebida também se popularizou.







Vejam a mistura que já temos no preparo desse biscoitinho singelos, mas que mais valia uma caixa de joias: as melhores farinhas vindas das planícies de Beauce, na França; o Açúcar de cana do Brasil; o cardamomo da Índia; a canela do antigo Ceilão (atual Sri Lanka); a noz-moscada e o cravo das ilhas Molucas, na indonésia; o gengibre da Ilha de Java, da Índia e da China; a pimenta-preta [pimenta do reino] da Índia; a baunilha do México e de Madagascar; o anis estrelado, do Vietnã e da China; e para acompanhar, café - planta nativa das altas terras da Etiópia, que tem hoje o Brasil é o maior produtor [2,7 milhões de tonelada em 2017], sendo seguido respectivamente pelo Vietnã, Colômbia, Indonésia e Etiópia. Depois que o cultivo do café se espalhou pelo mundo árabe (foi torrado pela primeira vez ainda na Pérsia), e ganhou o mundo.
Mistura maravilhosas de aromas e sabores feitas com temperos e especiarias de espécies distintas; ocasionados por encontros e conquistas mergulhadas em culturas diferentes e viagens para explorar tudo isso.  Não é à toa que quando se fala de Gastronomia se fala sobre mistura, sincretismo, reuniões, trocas, experiências, aprendizado, história, cultura... E isso é tudo o que forma a identidade de uma região, um povo. É também uma forma de amar aos outros. E é tudo isso que eu desejo a vocês, leitores amigos, para este Natal.






Que preparem este singelo, porém luxuoso biscoito; que ele lhe desperte o melhor, na boca e na vida, hoje e sempre. Boas Festas.
Obs: meu presentinho de Natal será, além da recita do biscoito, uma de créme bruleé de Speculaas que você vai querer comer sempre.
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Speculaas

1/2 xícara de manteiga sem sal em temperatura ambiente (115 g)
6 colheres de sopa de açúcar granulado branco (75 g)
3/4 de xícara de açúcar mascavo escuro (165 g)
1/4 de colher de chá de bicarbonato de sódio
1/2 colher de chá de sal
2 1/2 colher de chá de canela em pó
3/4 de colher de chá de noz moscada
3/4 de colher de chá de cravo moído
1/2 colher de chá de gengibre moído
1/4 de colher de chá de pimenta branca moída
1/4 de colher de chá de pimenta preta moída
1/4 de colher de chá de cardamomo moído
1 e 1/2 colher de chá de extrato de baunilha
1 ovo grande
1 e 3/4 de xícara de farinha de trigo (235 g)
Papel manteiga para assar.

Preparo: Forre uma assadeira com papel manteiga, reserve. Corte a manteiga em cubos e adiciona na batedeira com os açúcares, bicarbonato de sódio, sal e especiarias. Junte o ovo e o extrato de baunilha e bata mais um pouco até ficar homogêneo. Junte a farinha em seguida até incorporar bem. Coloque a massa em filme plástico e leve para a geladeira para descansar por 15 minutos. Depois disso abra a massa numa superfície enfarinhada na espessura de meia polegada daí você tem algumas opções para cortar: 1) se tiver um rolo decorado, use-o para marcar a massa; se tiver cortadores ou moldes para biscoito, use-os também; mas se não tiver nenhuma dessas opções, corte com a ajuda de uma faca em formato retangular que já fica ótimo. Com cuidado, coloque os biscoitos na assadeira e leve na geladeira por 30 minutos – isso é muito importante para o sucesso do seu biscoito. Quando faltar 10 minutos antes desses 30 minutos na geladeira acabarem, pré-aqueça o forno a 180 graus. Asse os biscoitos por 9-11 minutos ou até que eles tenham as bordas douradas. Deixe esfriar na assadeira por 10 minutos antes de mover os cookies para uma gradinha para secar em temperatura ambiente. Os biscoitos vão endurecer enquanto esfriam.

crème brulée au speculoos

1/2 litro de creme de leite fresco
90 g de açúcar
120 g de gemas
6 biscoitos speculaas quebrados grosseiramente
5 folhas de gelatina sem sabor
Uma colher de chá da mistura de especiarias (canela, cravo, noz moscada, pimenta preta, cardamomo)

Preparo: coloque as folhas de gelatina para hidratar em agua gelada. Ferva o creme com metade do açúcar e as especiarias. Adicione os speculoos e retire do fogo. Misture o resto do açúcar com as gemas até obter um creme branco suave. Adicione delicadamente a mistura de creme come speciarias e biscoito, misture bem e retorne a mistura ao fogo apenas para dar uma cozidinha nas gemas e engrossar um pouco (uns 2-3 minutos). Retire do fogo. Retire a gelatina da agua, esprema e misture ao creme ainda quente para dissolver. Coloque em forminhas e leve à geladeira para gelar. Desenforme ou sirva nas forminhas. Para finalizar colocar açúcar em cima do creme gelado e queimar com um maçarico, ou com as costas de uma colher bem quente.  Pode decorar com mais speculaas quebradinhos.

terça-feira, 20 de novembro de 2018

O almoço de Sua Alteza Real, o Príncipe George de Gales em homenagem a visita da Sua Majestade o Rei D. Manuel II, de Portugal.



O Menu data de 20 de novembro de 1909, referente a um almoço na Frogmore House, Windsor, organizado por Suas Altezas Reais o Príncipe e a Princesa de Gales (futuros Rei George V e Rainha Maria) em homenagem a uma visita da Sua Majestade o Rei D. Manuel II de Portugal.

Sua Majestade o Rei Manuel II de Portugal e Sua Alteza Real o Príncipe George de Gales, mais tarde rei da Grã-Bretanha e Imperador da Índia
Frogmore House, Windsor
No início daquela semana, o rei D. Manuel II, então com vinte e um anos, iniciou a sua visita ao Reino Unido como convidado do rei Eduardo VII e da sua esposa, a rainha Alexandra.
Neste dia, o monarca português foi levado para o Frogmore Estate, perto do Castelo de Windsor, para inspecionar o Mausoléu Real, onde a falecida Rainha Vitória e seu consorte, o príncipe Albert, foram enterrados. Depois, o grupo real fez este almoço na Frogmore House.
Mausoléu Real em Frogmore

Interior do Mausoléu Real

Efígies da rainha Vitória e do príncipe Albert no Mausoléu Real, em Frogmore.

Galinholas, perdizes e lagostas foram oferecidas ao rei de Portugal no almoço de 1909 oferecido pelo então príncipe de Gales em sua casa, a Frogmore House. O cardápio deste almoço foi gravado com a cifra pessoal do Príncipe de Gales e oferece aos visitantes seis preparações -  e concluindo duas sobremesas ornamentadas, uma delas fazendo referência ao Brasil.
 Os jardins da Frogmore House eram famosos por fornecer as frutas usadas em jantares e banquetes reais para convidados de grande importância. É, portanto, provável que a abundância de berries usadas em uma das sobremesas neste almoço foram 'cultivada em casa'.
Durante o passeio o rei de Portugal foi investido com a insígnia da Nobilíssima Ordem da Jarreteira por Eduardo VII.
Armas da ordem da Jarreteira - a mais antiga ordem de cavalaria da Inglaterra.
Insígnias da Ordem da Jarreteira. 
Apenas seis meses depois de receber o almoço, o príncipe e a princesa de Gales se tornaram o rei George V e a rainha Mary. 

Rei George V e Rainha Mary de Teck.
A imagem abaixo mostra Nove Soberanos em Windsor por ocasião do funeral do Rei Eduardo VII, momento fotografado em 20 de maio de 1910. De pé, da esquerda para a direita: o rei Haakon VII da Noruega, o czar Fernando dos Búlgaros, o rei Manuel II de Portugal e o Algarve, o cáiser Guilherme II da Alemanha e da Prússia, o rei Jorge I dos helenos e o rei Alberto I dos belgas. Sentados, da esquerda para a direita: o rei Alfonso XIII de Espanha, o rei Jorge V do Reino Unido e o rei Frederico VIII da Dinamarca.


O rei de Portugal convidado ilustre para o almoço real, no entanto, estaria reinando mais um ano antes de ser derrubado na revolução portuguesa de outubro de 1910.


MENU
Consommé à la Castellane
Galinhola (Woodcock) guarnecida com vegetais em cubos e em julienne de peito de galinhola assada

Petits Homards Soufflés
Pequenos soufflés de lagosta

Cotelettes d’Agneau à la Vicomtesse
Costeletas de borrego com molho viscondessa espesso feito com presunto, cogumelos e ovos

Perdreaux en casserole à la Forestière
Caçarola de perdizes que foram recheadas com morchella

Gateaux Mazarins à la Brésilienne
Bolo tipo babá embebido em kirsch e maraschino, servido com bananas e coberto com molho sabyaon feito de vinho branco, gema de ovo e açúcar

Mousselines Diplomate a la Montmorency
Pequenos bolos aromatizados com água de flor de laranjeira; preenchido com um puré de framboesas e morangos aromatizados com Curaçao; cercado por um anel de frutas frescas; e servido com um creme de caramelo e amêndoa, pistaches e um pouco de kirsch
Desse menu se apresenta abaixo a segunda preparação apresentada à mesa real.

Petits Homards Soufflés
400 g de carne de lagosta (ou carne de caranguejo)
1 cebola
1 ramo de cebolinha
50 ml de vinho branco seco
250 ml de leite
40 g de Farinha de Farinha Francine
50 g de manteiga
3 gemas
5 claras de ovos
Sal
Pimenta do reino
2 pitadas de 5 especiarias de sua preferência
Farinha de trigo e manteiga para passar nos ramequins

Preparo: inicialmente, prepare quatro ramequins pequenos passando manteiga generosamente em seu interior, e depois passe farinha de trigo. Isso feito, leve-os para a geladeira até a momento de usar. Em seguida, pré-aqueça o forno a 210 ° C. Corte a lagosta em pequenos cubos. Descasque a cebola, pique em cubinhos pequenos e refogue em uma frigideira por 2 minutos com 10 g de manteiga, adicione os cubos de lagosta, sal e pimenta e refogue por 1 minuto. Despeje o vinho branco na mistura e cozinhe por mais 1 minuto, em seguida, retire a panela do fogo e deixe esfriar para então jogar a cebolinha picada nessa mistura. Reserve e prepare o bechamel: derreta a manteiga restante em uma panela, adicione a farinha de trigo misturando bem por 2 minutos. Junte o leite na panela, deixe até ferver misturando bem até ficar bem cremoso. Retire a panela do fogo, acrescente as gemas uma a uma com a ajuda de um batedor e, em seguida, tempere com sal, pimenta e as especiarias de seu gosto. Junte o bechamel com a preparação de lagosta e reserve. Bata as claras em neve com uma pitada de sala até formar picos firmes, em seguida misture 1/3 das claras em neve na mistura com bechamel para incorporar suavemente – depois repita esse processo duas vezes até acabar as claras em neve e elas estiverem delicadamente misturadas. Encha os moldes que estavam na geladeira e leve ao forno por 19-20 minutos. Servir imediatamente.

domingo, 28 de outubro de 2018

Uma Breve História sobre Boxty: a Panqueca de Batata irlandesa para o Halloween



Uma tradicional e antiga rima irlandesa diz: 
Boxty on the griddle,
Boxty in the pan,
If you can’t make boxty,
You’ll never get a man.
Boxty on the griddle,
Boxty in the pan,
The wee one in the middle,
That’s the one for Mary Anne.

A rima pode estar desatualizada, mas definitivamente mostra a importância cultural deste prato. Mas o que exatamente é boxty?



Embora as batatas e a Irlanda sejam elementos inseparáveis um do outro, nem sempre foi assim.  As batatas foram levadas da América do Sul para a Europa durante o século XVI, e logo se arraigaram. As batatas chegaram a figurar de uma fração mínima para uma parte maciça na dieta irlandesa, particularmente por conta dos pobres do país.
No início do século XIX, um irlandês adulto médio comia cerca de 6 kg de batatas por dia. Isso se explica no fato das batatas crescerem na maioria dos tipos de solo, eles estão disponíveis para todos, e uma grande parte dos pratos icônicos do país dependem principalmente desse tubérculo ou o tem na composição. Para os irlandeses, a batata ainda é um alimento básico.



Quanto ao boxty, nada mais é que uma ‘panqueca’ de batata feita com batata ralada, farinha, bicarbonato de sódio e soro de leite coalhado.
Boxty é uma palavra inglesa, mas a maioria dos dicionários mencionam, simplesmente que sua origem é irlandesa, sem divulgar os detalhes precisos. Mas, observando um dicionário irlandês-inglês temos a seguinte explicação: o dicionário referencia ‘bacstaid’ um "pão feito da polpa crua de batatas; e a ele dá o nome de boxty". Nenhuma etimologia é dada, mas assumimos que ela está relacionada às palavras bacail, "o ato de assar", bacalaide "a baker" e bacus, "uma padaria". Como o último é claramente uma versão hibérnica para casa de pães (padaria), é bem provável que todas essas palavras tenham sua origem na palavra inglesa bake (Hibérnia era o nome antigo da Irlanda. Logo hibérnico significa irlandês antigo).  Há quem diga que o nome vem do termo irlandês ‘arán bocht tí’, que significa “pão da casa pobre” – o que pode ser uma boa sugestão quando se compreende o contexto e o uso da batata na Irlanda.
Boxty ainda pode ser reconhecido por outros nomes tais como: slims, fadge, potato cake, potato pancakes, farls, and tattie scones in Scotland, Bacstaí (em Gaélico) poundy ou poundies.



Tradicionalmente feito com 70% de batata a 30% de outros ingredientes, o boxty é misturado e depois frito em uma panela como uma panqueca normal. Isso dá ao boxty uma textura única, em algum lugar entre uma panqueca e um hash brown. Seu análogo mais próximo é provavelmente o rösti suíço.
Boxty também pode ser cozido como um bolinho de massa ou assado como um pão, mas a forma frita é de longe a mais comum. Como o interesse na culinária irlandesa aumenta, muitas interpretações diferentes do prato chegaram ao local, com caixas agora temperadas com especiarias, recheadas com carne ou usadas como tortilla em um envoltório.




Boxty é um prato muito popular no Norte / Oeste da Irlanda, e existem 3 variedades distintas e muito diferentes de Boxty irlandês tradicional: Pan Boxty, Loaf Boxty e Boiled Boxty, cada denominação recebe estes termos por conta do seu método de cozimento.
"Pan" ou "Pancake style” Boxty é um prato de batata saborosa tipo uma panqueca plana. É feito usando batata, farinha e um toque de sal e depois frita em uma panela bem quente para dourar  bem de ambos os lados, e geralmente é cortado em triângulos antes de servir. Boxty é sempre melhor servido diretamente de uma panela quente como costumava ser servido anos atrás.






O Loaf Boxty é o preparado estilo "pão de forma" que foi assado no forno. Ele combina os mesmos ingredientes que os outros tipos, mas com quantidades variadas de cada um e é assado em vez de cozido ou frito. Quando feito em asa, ele deve ser fatiado até a espessura desejada e frito em uma panela quente em um pouco de óleo ou margarina até ficar crocante e dourado.




Boiled Boxty (Boxty Fervido Boxty) é feito em forma de bolinho que foi fervido para manter a sua forma original. Depois de fervido, pode ser frito em uma panela quente em um pouco de óleo ou margarina até ficar crocante e dourado – pode vir já recheado, e deve ser servido imediatamente.






Feito quase inteiramente de batatas, o boxty era um aspecto central das dietas do povo irlandês a partir de 1700. Era um prato barato e satisfatório para a população mais pobre, que dependia completamente das batatas para sobreviver. Boxty e outros pratos à base de batata, como colcannon (já tratamos dele AQUI) bolos de maçã com batata e o pão de batata, foram muito populares entre as classes mais baixas por mais de 100 anos.



No entanto, muitos irlandeses perderam até mesmo suas batatas em 1847-1849, durante a Grande Fome na Irlanda, que foi causada por uma praga que destruiu a cultura da batata. Foi um dos piores períodos da história na Irlanda, onde mais de um milhão de pessoas morreram de fome e outro milhão foram forçados a emigrar para sobreviver.
Depois que a batata se tornou disponível novamente na Irlanda, em meados da década de 1850, os pratos de batatas e outros retornaram como a principal dieta irlandesa. O Boxty ainda pode ser encontrado em cardápios de pubs e restaurantes na Irlanda.
Estamos agora na temporada em que o Boxty se destaca. Este prato era tradicionalmente consumido no Halloween ou no Samhain, como é conhecido em irlandês no dia 31 de outubro. Provavelmente porque a colheita principal de batatas necessárias para fazer Boxty é abundante no outono e inverno e foi uma refeição que poderia sustentar e satisfazer no tempo frio. O Boxty também foi incluído como parte do banquete de Ano Novo. Com o passar dos anos, o Boxty tornou-se um prato regular para a família comer em qualquer época do ano.

Irish Boxty

2 xícaras de farinha de trigo
1 colher de chá de fermento
1 colher de chá Kosher ou sal marinho
1 xícara purê de batatas, cozidos em água salgada
1 e 1/2 xícaras de batata crua ralada em ralo grosso
1 xícara de buttermilk (ou mais, se necessário) – pode ser 1 leite com algumas gotas de limão para talhar
manteiga para fritar

Preparo: Em uma tigela pequena, coloque a farinha, o fermento e o sal; deixe de lado. Usando uma tigela grande, misture o purê de batatas com a batata crua ralada, junte a farinha e misture bem. Em seguida, adicione lentamente o leite talhado e mexa delicadamente (não misture demais). A mistura deve ser como uma massa muito firme e espessa. Aqueça uma frigideira antiaderente ou panela de ferro fundido em fogo médio-alto, e adicione uma porção de manteiga, pouco antes de colocar um pouco da massa na panela. Achatar e moldar em uma forma de panqueca redonda e frite até dourar na parte inferior. Vire e continue a cozinhar até dourar no topo também. Consequentemente, diminua o calor se eles estiverem dourando muito rápido (lembre-se que há batatas cruas  e que por isso precisa cozinhar). Continue a adicionar um pouco de manteiga e frite até que toda a massa esteja pronta. Sirva o tradicional irlandês boxty quente, como desejar, com ou sem coberturas.