O
Natal está aí... e logo virá o Ano Novo. Este foi um ano difícil para mim, mas
com muitos aprendizados. Então, gostaria de hoje compartilhar algo que tivesse,
além de informação, significado real para mim.
Não foi difícil chegar no tema para esta postagem, pois reuni nela elementos que estão bastante presentes no meu cotidiano: as especiarias. Assim, hoje apresento nesta confraria os Speculaas, biscoitos de especiarias natalinos.
Não foi difícil chegar no tema para esta postagem, pois reuni nela elementos que estão bastante presentes no meu cotidiano: as especiarias. Assim, hoje apresento nesta confraria os Speculaas, biscoitos de especiarias natalinos.
Você
pode estar resmungando aí que: biscoitos, são apenas biscoitos. Que, muitas
vezes não contam muito na história da gastronomia. Mas há aqueles que são mais
radicais e acreditam que biscoitos não são considerados dignos o suficiente
para serem apresentados nas mesas natalinas. É aí, onde eu entro para
questionar: - será que os biscoitos realmente não são importantes, mesmo quando
eles podem conter historias importantes de descobertas, inovações e trocas?
Há
quem diga que Speculaas é uma resposta dos Holandeses e dos belgas ao gingerbread
existente nas ilhas britânicas.
No caso dos Speculaas, eles foram criados numa
época onde os ingredientes que o compõem eram considerados luxuosos: manteiga,
açúcar, farinha (de trigo ou amêndoa); e seus aromas: café, laranja, especiarias
orientais como pimenta, canela, cravo, gengibre, cardamomo, noz-moscada.... Já
pensou nisso sendo usado num simples biscoitinho?
Ginger
Bread by Anton Pieck (1895 - 1987)
|
Gingerbread |
Esse
biscoito natalino pode ainda ser conhecido como spekulatius (em alemão),
Speculoos (em francês), bolachas holandesas de moinho de vento (uma das formas
do biscoito bastante conhecida na Holanda), biscoito de especiarias belgas,
biscoitos Biscoff (biscuit + coffee - termo
para Biscoito + Café. Pois passou a ser muito consumido acompanhado de café.
Embora, se saiba que em Hasselt, na Bélgica, a tradição pedia que o biscoito
fosse acompanhado de um gim muito fresco (um "drèpke"). Aliás, em
Hasselt existe uma variedade local desse biscoito que foi licenciada desde 1870).
O
nome Speculaas é frequentemente usado na Holanda e deriva do latim “speculum”,
que significa espelho. Refere-se às imagens que são moldadas / “espelhadas” a
partir dos carimbos de madeira usados para decorar e dar forma aos biscoitos.
Outra explicação para o nome refere-se à palavra latina “speculator”, que
significava ‘bispo’ (“aquele que vê tudo”) - e acabou sendo como referência a
São Nicolau (O Papai Noel), que era o bispo de Mira. Mas, também outra origem
advém do termo em holandês "Specerij", a palavra para especiaria, é
outra possível origem.
Speculaas
são biscoitos especiarados originários da Holanda. Mas existem diferentes
variedades em diferentes partes da Europa: as speculaas holandesas são mais
parecidas com bolos, as especulas belgas são biscoitos fortemente temperados.
Espécies alemãs também são como biscoitos, porém menos temperados.
Para
fazer Speculaas, é necessária uma mistura de especiarias chamada speculaaskruiden
(speculaas spices) que devem conter, pelo menos, canela, cravo, gengibre, além
de ter mais especiarias a gosto, como: pimenta preta (do reino), cardamomo, sementes
de coentro, anis estrelado e noz-moscada. Aqui, te digo que o luxo da receita
está no fato de que essas especiarias não eram comumente disponíveis até o
século XVII, quando passaram a ser fornecidas pela “Companhia Holandesa das Índias
Orientais” – você deve ter ouvido falar dessa Companhia nas aulas de história
do Brasil...
Historicamente,
esses biscoitos eram servidos em 5 e 6 de dezembro para celebrar o Dia de São
Nicolau; assim speculaas foram tradicionalmente criados na forma de São
Nicolau, a fim de honrar a vida de São Nicolau.
Bandeira da Companhia Neerlandesa das Índias Orientais - em holandês,Vereenigde Oost-Indische Compagnie, com a sigla VOC. |
Edifício principal da VOC em Amsterdam. |
São
Nicolau é a figura que deu origem ao Papai Noel, no final do século III em
Patara (uma antiga cidade da Turquia, na Ásia Menor) e faleceu num dia 6 de
dezembro de 350. Embora ele tivesse uma rica experiência, ele realmente passou
sua vida dando seu dinheiro e presentes para os pobres. Com a morte de São
Nicolau, bispo de Mira, muitos ainda queriam honrar seu espírito de generosidade
e bondade, então começaram a celebrar o dia 6 de dezembro como o Dia de São
Nicolau.
São Nicolau |
Como
uma tradição na véspera de São Nicolau, na Holanda e na Bélgica, as crianças
colocavam seus sapatos (há quem diga que eram apenas as meias) perto da chaminé
de casa antes de irem para a cama, e as crianças bem-comportadas seriam recompensadas
com speculaas em seus sapatos (ou meias – fico imaginando essa situação entre
aqueles que tinham chulé rs). Hoje Speculaas não são apenas essenciais nas
festividades de São Nicolau, mas tornaram-se populares durante toda época de
Natal.
Speculaas não são biscoitos,
mas joias de viagens...
Minha
formação em turismo, minha dedicação e pesquisas sobre cultura gastronomia me
permitem aqui fazer um parêntese nessa história para salientar a importância e
a representatividade para mim que tem esse biscoito.
Boa
parte dos insumos dessa preparação vieram da Ásia: noz-moscada, canela,
gengibre, cravo, cardamomo. Logo, poderia ser um biscoito do outro lado
desse Éden planetário. O sabor complexo, delicioso, que abre o paladar é
resultado das Grandes Navegações, do enfrentamento de mares bravios, da
resistência e do empenho de navegantes, desbravadores, de curiosos. Nada mais
terreno, aparentemente, do que a textura arenosa de um biscoito esfarelando.
Neste caso, no entanto, ainda diria que se trata de algo mais iodado, mais marítimo.
Caixa de Speculaas |
Por
volta do século XVI, os principais portos do Norte europeu estavam amplamente
abertos à Ásia e as empresas puderam cuidar das especiarias vindas de muitos
lugares distantes, como do arquipélago Malulu (Ilhas Molucas, indonésia) entre
outros lugares do Pacífico, e despejar suas cargas em Bruges e
Amsterdã. Diante do preço exorbitante desses bens de luxo, as famosas
especiarias, os chefs de confeitaria tiveram a feliz ideia de encontrar uma
maneira de oferecer o sabor luxuoso das especiarias, limitando a quantidade
utilizada.
Foi
graças a esse contexto, a essa ideia, que os speculaas surgiram para nos
permitir sentir nas papilas gustativas os sabores curiosos e sedutores do
Oriente – além de ser uma saída mais barato para as especiarias serem consumidas.
Cabe
lembrar que o açúcar para esse preparo não era o de beterraba, mas o açúcar
mascavo, caribenho ou brasileiro, que chegava por mar à Europa. Isso me
remete ao império do açúcar que já foi o Brasil, e sobre a importância do
açúcar no desenvolvimento da doçaria nordestina (aliás, foi no Nordeste
brasileiro que se concentrou o império do açúcar feito de cana). Àquela época, açúcar
chegava a valer mais que ouro – mas seu valor maior se detinha no prazer em
adoçar vidas e evoluir gostos e sabores ao longo do tempo.
Se
você é do tipo que adora um biscoitinho para mergulhar em café, gesto banal no
nordeste brasileiro (e em muitos outros lugares por aí), saiba que àquela época
em que os speculaas foram inventados café diário era coisa de ricos, da elite –
mas, com o tempo, a bebida também se popularizou.
Vejam
a mistura que já temos no preparo desse biscoitinho singelos, mas que mais
valia uma caixa de joias: as melhores farinhas vindas das planícies de Beauce,
na França; o Açúcar de cana do Brasil; o cardamomo da Índia; a canela do antigo
Ceilão (atual Sri Lanka); a noz-moscada e o cravo das ilhas Molucas, na
indonésia; o gengibre da Ilha de Java, da Índia e da China; a pimenta-preta
[pimenta do reino] da Índia; a baunilha do México e de Madagascar; o anis
estrelado, do Vietnã e da China; e para acompanhar, café - planta nativa das
altas terras da Etiópia, que tem hoje o Brasil é o maior produtor [2,7 milhões
de tonelada em 2017], sendo seguido respectivamente pelo Vietnã, Colômbia, Indonésia
e Etiópia. Depois que o cultivo do café se espalhou pelo mundo árabe (foi torrado
pela primeira vez ainda na Pérsia), e ganhou o mundo.
Mistura
maravilhosas de aromas e sabores feitas com temperos e especiarias de espécies
distintas; ocasionados por encontros e conquistas mergulhadas em culturas
diferentes e viagens para explorar tudo isso. Não é à toa que quando se
fala de Gastronomia se fala sobre mistura, sincretismo, reuniões, trocas,
experiências, aprendizado, história, cultura... E isso é tudo o que forma
a identidade de uma região, um povo. É também uma forma de amar aos outros. E é
tudo isso que eu desejo a vocês, leitores amigos, para este Natal.
Que preparem este singelo, porém luxuoso biscoito; que ele lhe desperte o melhor, na boca e na vida, hoje e sempre. Boas Festas.
Que preparem este singelo, porém luxuoso biscoito; que ele lhe desperte o melhor, na boca e na vida, hoje e sempre. Boas Festas.
Obs: meu
presentinho de Natal será, além da recita do biscoito, uma de créme bruleé de
Speculaas que você vai querer comer sempre.
1/2
xícara de manteiga sem sal em temperatura ambiente (115 g)
6
colheres de sopa de açúcar granulado branco (75 g)
3/4 de
xícara de açúcar mascavo escuro (165 g)
1/4 de
colher de chá de bicarbonato de sódio
1/2
colher de chá de sal
2 1/2
colher de chá de canela em pó
3/4 de
colher de chá de noz moscada
3/4 de
colher de chá de cravo moído
1/2
colher de chá de gengibre moído
1/4 de
colher de chá de pimenta branca moída
1/4 de
colher de chá de pimenta preta moída
1/4 de
colher de chá de cardamomo moído
1 e 1/2
colher de chá de extrato de baunilha
1 ovo
grande
1 e 3/4
de xícara de farinha de trigo (235 g)
Papel
manteiga para assar.
Preparo: Forre uma assadeira
com papel manteiga, reserve. Corte a manteiga em cubos e adiciona na batedeira
com os açúcares, bicarbonato de sódio, sal e especiarias. Junte o ovo e o
extrato de baunilha e bata mais um pouco até ficar homogêneo. Junte a farinha
em seguida até incorporar bem. Coloque a massa em filme plástico e leve para a
geladeira para descansar por 15 minutos. Depois disso abra a massa numa
superfície enfarinhada na espessura de meia polegada daí você tem algumas
opções para cortar: 1) se tiver um rolo decorado, use-o para marcar a massa; se
tiver cortadores ou moldes para biscoito, use-os também; mas se não tiver nenhuma
dessas opções, corte com a ajuda de uma faca em formato retangular que já fica
ótimo. Com cuidado, coloque os biscoitos na assadeira e leve na geladeira por
30 minutos – isso é muito importante para o sucesso do seu biscoito. Quando
faltar 10 minutos antes desses 30 minutos na geladeira acabarem, pré-aqueça o
forno a 180 graus. Asse os biscoitos por 9-11 minutos ou até que eles tenham as
bordas douradas. Deixe esfriar na assadeira por 10 minutos antes de mover os
cookies para uma gradinha para secar em temperatura ambiente. Os biscoitos vão
endurecer enquanto esfriam.
crème brulée au speculoos
90 g
de açúcar
120 g de
gemas
6 biscoitos
speculaas quebrados grosseiramente
5
folhas de gelatina sem sabor
Uma colher
de chá da mistura de especiarias (canela, cravo, noz moscada, pimenta preta,
cardamomo)
Preparo: coloque as folhas de
gelatina para hidratar em agua gelada. Ferva o creme com metade do açúcar e as
especiarias. Adicione os speculoos e retire do fogo. Misture o resto do açúcar
com as gemas até obter um creme branco suave. Adicione delicadamente a mistura
de creme come speciarias e biscoito, misture bem e retorne a mistura ao fogo
apenas para dar uma cozidinha nas gemas e engrossar um pouco (uns 2-3 minutos).
Retire do fogo. Retire a gelatina da agua, esprema e misture ao creme ainda quente
para dissolver. Coloque em forminhas e leve à geladeira para gelar. Desenforme
ou sirva nas forminhas. Para finalizar colocar açúcar em cima do creme gelado e
queimar com um maçarico, ou com as costas de uma colher bem quente. Pode decorar com mais speculaas quebradinhos.