sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Speculaas – os biscoitos de especiarias holandeses para o Natal


O Natal está aí... e logo virá o Ano Novo. Este foi um ano difícil para mim, mas com muitos aprendizados. Então, gostaria de hoje compartilhar algo que tivesse, além de informação, significado real para mim. 
Não foi difícil chegar no tema para esta postagem, pois reuni nela elementos que estão bastante presentes no meu cotidiano: as especiarias. Assim, hoje apresento nesta confraria os Speculaas, biscoitos de especiarias natalinos.





Você pode estar resmungando aí que: biscoitos, são apenas biscoitos. Que, muitas vezes não contam muito na história da gastronomia. Mas há aqueles que são mais radicais e acreditam que biscoitos não são considerados dignos o suficiente para serem apresentados nas mesas natalinas. É aí, onde eu entro para questionar: - será que os biscoitos realmente não são importantes, mesmo quando eles podem conter historias importantes de descobertas, inovações e trocas?
Há quem diga que Speculaas é uma resposta dos Holandeses e dos belgas ao gingerbread existente nas ilhas britânicas.


Ginger Bread by Anton Pieck (1895 - 1987)


Gingerbread
 No caso dos Speculaas, eles foram criados numa época onde os ingredientes que o compõem eram considerados luxuosos: manteiga, açúcar, farinha (de trigo ou amêndoa); e seus aromas: café, laranja, especiarias orientais como pimenta, canela, cravo, gengibre, cardamomo, noz-moscada.... Já pensou nisso sendo usado num simples biscoitinho?



Esse biscoito natalino pode ainda ser conhecido como spekulatius (em alemão), Speculoos (em francês), bolachas holandesas de moinho de vento (uma das formas do biscoito bastante conhecida na Holanda), biscoito de especiarias belgas, biscoitos Biscoff (biscuit + coffee - termo para Biscoito + Café. Pois passou a ser muito consumido acompanhado de café. Embora, se saiba que em Hasselt, na Bélgica, a tradição pedia que o biscoito fosse acompanhado de um gim muito fresco (um "drèpke"). Aliás, em Hasselt existe uma variedade local desse biscoito que foi licenciada desde 1870).



O nome Speculaas é frequentemente usado na Holanda e deriva do latim “speculum”, que significa espelho. Refere-se às imagens que são moldadas / “espelhadas” a partir dos carimbos de madeira usados para decorar e dar forma aos biscoitos. Outra explicação para o nome refere-se à palavra latina “speculator”, que significava ‘bispo’ (“aquele que vê tudo”) - e acabou sendo como referência a São Nicolau (O Papai Noel), que era o bispo de Mira. Mas, também outra origem advém do termo em holandês "Specerij", a palavra para especiaria, é outra possível origem.








Speculaas são biscoitos especiarados originários da Holanda. Mas existem diferentes variedades em diferentes partes da Europa: as speculaas holandesas são mais parecidas com bolos, as especulas belgas são biscoitos fortemente temperados. Espécies alemãs também são como biscoitos, porém menos temperados.





Para fazer Speculaas, é necessária uma mistura de especiarias chamada speculaaskruiden (speculaas spices) que devem conter, pelo menos, canela, cravo, gengibre, além de ter mais especiarias a gosto, como: pimenta preta (do reino), cardamomo, sementes de coentro, anis estrelado e noz-moscada. Aqui, te digo que o luxo da receita está no fato de que essas especiarias não eram comumente disponíveis até o século XVII, quando passaram a ser fornecidas pela “Companhia Holandesa das Índias Orientais” – você deve ter ouvido falar dessa Companhia nas aulas de história do Brasil...


Bandeira da Companhia Neerlandesa das Índias Orientais - em holandês,Vereenigde Oost-Indische Compagnie, com a sigla VOC.
Edifício principal da VOC em Amsterdam.
Historicamente, esses biscoitos eram servidos em 5 e 6 de dezembro para celebrar o Dia de São Nicolau; assim speculaas foram tradicionalmente criados na forma de São Nicolau, a fim de honrar a vida de São Nicolau.
São Nicolau é a figura que deu origem ao Papai Noel, no final do século III em Patara (uma antiga cidade da Turquia, na Ásia Menor) e faleceu num dia 6 de dezembro de 350. Embora ele tivesse uma rica experiência, ele realmente passou sua vida dando seu dinheiro e presentes para os pobres. Com a morte de São Nicolau, bispo de Mira, muitos ainda queriam honrar seu espírito de generosidade e bondade, então começaram a celebrar o dia 6 de dezembro como o Dia de São Nicolau.


São Nicolau

Como uma tradição na véspera de São Nicolau, na Holanda e na Bélgica, as crianças colocavam seus sapatos (há quem diga que eram apenas as meias) perto da chaminé de casa antes de irem para a cama, e as crianças bem-comportadas seriam recompensadas com speculaas em seus sapatos (ou meias – fico imaginando essa situação entre aqueles que tinham chulé rs). Hoje Speculaas não são apenas essenciais nas festividades de São Nicolau, mas tornaram-se populares durante toda época de Natal.

Speculaas não são biscoitos, mas joias de viagens...

Minha formação em turismo, minha dedicação e pesquisas sobre cultura gastronomia me permitem aqui fazer um parêntese nessa história para salientar a importância e a representatividade para mim que tem esse biscoito.
Boa parte dos insumos dessa preparação vieram da Ásia: noz-moscada, canela, gengibre, cravo, cardamomo. Logo, poderia ser um biscoito do outro lado desse Éden planetário. O sabor complexo, delicioso, que abre o paladar é resultado das Grandes Navegações, do enfrentamento de mares bravios, da resistência e do empenho de navegantes, desbravadores, de curiosos. Nada mais terreno, aparentemente, do que a textura arenosa de um biscoito esfarelando. Neste caso, no entanto, ainda diria que se trata de algo mais iodado, mais marítimo. 


Caixa de Speculaas
Por volta do século XVI, os principais portos do Norte europeu estavam amplamente abertos à Ásia e as empresas puderam cuidar das especiarias vindas de muitos lugares distantes, como do arquipélago Malulu (Ilhas Molucas, indonésia) entre outros lugares do Pacífico, e despejar suas cargas em Bruges e Amsterdã. Diante do preço exorbitante desses bens de luxo, as famosas especiarias, os chefs de confeitaria tiveram a feliz ideia de encontrar uma maneira de oferecer o sabor luxuoso das especiarias, limitando a quantidade utilizada.  


Foi graças a esse contexto, a essa ideia, que os speculaas surgiram para nos permitir sentir nas papilas gustativas os sabores curiosos e sedutores do Oriente – além de ser uma saída mais barato para as especiarias serem consumidas. 
Cabe lembrar que o açúcar para esse preparo não era o de beterraba, mas o açúcar mascavo, caribenho ou brasileiro, que chegava por mar à Europa. Isso me remete ao império do açúcar que já foi o Brasil, e sobre a importância do açúcar no desenvolvimento da doçaria nordestina (aliás, foi no Nordeste brasileiro que se concentrou o império do açúcar feito de cana). Àquela época, açúcar chegava a valer mais que ouro – mas seu valor maior se detinha no prazer em adoçar vidas e evoluir gostos e sabores ao longo do tempo.
Se você é do tipo que adora um biscoitinho para mergulhar em café, gesto banal no nordeste brasileiro (e em muitos outros lugares por aí), saiba que àquela época em que os speculaas foram inventados café diário era coisa de ricos, da elite – mas, com o tempo, a bebida também se popularizou.







Vejam a mistura que já temos no preparo desse biscoitinho singelos, mas que mais valia uma caixa de joias: as melhores farinhas vindas das planícies de Beauce, na França; o Açúcar de cana do Brasil; o cardamomo da Índia; a canela do antigo Ceilão (atual Sri Lanka); a noz-moscada e o cravo das ilhas Molucas, na indonésia; o gengibre da Ilha de Java, da Índia e da China; a pimenta-preta [pimenta do reino] da Índia; a baunilha do México e de Madagascar; o anis estrelado, do Vietnã e da China; e para acompanhar, café - planta nativa das altas terras da Etiópia, que tem hoje o Brasil é o maior produtor [2,7 milhões de tonelada em 2017], sendo seguido respectivamente pelo Vietnã, Colômbia, Indonésia e Etiópia. Depois que o cultivo do café se espalhou pelo mundo árabe (foi torrado pela primeira vez ainda na Pérsia), e ganhou o mundo.
Mistura maravilhosas de aromas e sabores feitas com temperos e especiarias de espécies distintas; ocasionados por encontros e conquistas mergulhadas em culturas diferentes e viagens para explorar tudo isso.  Não é à toa que quando se fala de Gastronomia se fala sobre mistura, sincretismo, reuniões, trocas, experiências, aprendizado, história, cultura... E isso é tudo o que forma a identidade de uma região, um povo. É também uma forma de amar aos outros. E é tudo isso que eu desejo a vocês, leitores amigos, para este Natal.






Que preparem este singelo, porém luxuoso biscoito; que ele lhe desperte o melhor, na boca e na vida, hoje e sempre. Boas Festas.
Obs: meu presentinho de Natal será, além da recita do biscoito, uma de créme bruleé de Speculaas que você vai querer comer sempre.
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Speculaas

1/2 xícara de manteiga sem sal em temperatura ambiente (115 g)
6 colheres de sopa de açúcar granulado branco (75 g)
3/4 de xícara de açúcar mascavo escuro (165 g)
1/4 de colher de chá de bicarbonato de sódio
1/2 colher de chá de sal
2 1/2 colher de chá de canela em pó
3/4 de colher de chá de noz moscada
3/4 de colher de chá de cravo moído
1/2 colher de chá de gengibre moído
1/4 de colher de chá de pimenta branca moída
1/4 de colher de chá de pimenta preta moída
1/4 de colher de chá de cardamomo moído
1 e 1/2 colher de chá de extrato de baunilha
1 ovo grande
1 e 3/4 de xícara de farinha de trigo (235 g)
Papel manteiga para assar.

Preparo: Forre uma assadeira com papel manteiga, reserve. Corte a manteiga em cubos e adiciona na batedeira com os açúcares, bicarbonato de sódio, sal e especiarias. Junte o ovo e o extrato de baunilha e bata mais um pouco até ficar homogêneo. Junte a farinha em seguida até incorporar bem. Coloque a massa em filme plástico e leve para a geladeira para descansar por 15 minutos. Depois disso abra a massa numa superfície enfarinhada na espessura de meia polegada daí você tem algumas opções para cortar: 1) se tiver um rolo decorado, use-o para marcar a massa; se tiver cortadores ou moldes para biscoito, use-os também; mas se não tiver nenhuma dessas opções, corte com a ajuda de uma faca em formato retangular que já fica ótimo. Com cuidado, coloque os biscoitos na assadeira e leve na geladeira por 30 minutos – isso é muito importante para o sucesso do seu biscoito. Quando faltar 10 minutos antes desses 30 minutos na geladeira acabarem, pré-aqueça o forno a 180 graus. Asse os biscoitos por 9-11 minutos ou até que eles tenham as bordas douradas. Deixe esfriar na assadeira por 10 minutos antes de mover os cookies para uma gradinha para secar em temperatura ambiente. Os biscoitos vão endurecer enquanto esfriam.

crème brulée au speculoos

1/2 litro de creme de leite fresco
90 g de açúcar
120 g de gemas
6 biscoitos speculaas quebrados grosseiramente
5 folhas de gelatina sem sabor
Uma colher de chá da mistura de especiarias (canela, cravo, noz moscada, pimenta preta, cardamomo)

Preparo: coloque as folhas de gelatina para hidratar em agua gelada. Ferva o creme com metade do açúcar e as especiarias. Adicione os speculoos e retire do fogo. Misture o resto do açúcar com as gemas até obter um creme branco suave. Adicione delicadamente a mistura de creme come speciarias e biscoito, misture bem e retorne a mistura ao fogo apenas para dar uma cozidinha nas gemas e engrossar um pouco (uns 2-3 minutos). Retire do fogo. Retire a gelatina da agua, esprema e misture ao creme ainda quente para dissolver. Coloque em forminhas e leve à geladeira para gelar. Desenforme ou sirva nas forminhas. Para finalizar colocar açúcar em cima do creme gelado e queimar com um maçarico, ou com as costas de uma colher bem quente.  Pode decorar com mais speculaas quebradinhos.

4 comentários:

  1. Quanto conhecimento e quanta generosidade. Obrigada.

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  2. Deve ser uma maravilha esse biscoito, obrigada por suas postagens sempre cheias de cultura e conhecimento.

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  3. Adoro Speculas, só não sabia fazer. Obrigada por compartilhar!

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  4. Muito obrigada pela generosidade de compartilhar esses conhecimentos.

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