Hoje é dia de receber
doces – e ainda não é o halloween. É dia de Cosme e Damião, santos conhecidos
como protetores das crianças. E como eu ainda me considero uma criança [risos]
não poderia deixar de falar deles nesta data.
E se você receber doces no dia de hoje faça um pedido e ele logo se
realizará – pelo menos é o que dizem.
Mas apesar de eu amar
doces, hoje vou falar de salgado e, particularmente de um ingrediente que muita
gente detesta: o quiabo, elemento base do Caruru - considerado um quitute
dedicado a Cosme e Damião. Porem para entendermos melhor esta ligação, faz
necessárias algumas explicações.
Popularmente
conhecidos como os santos meninos, os gêmeos Cosme e Damião, na verdade,
chamavam-se Acta e Passio e eram médicos árabes. Eles viveram em plena época do
Império Romano e realizavam verdadeiros milagres, não cobrando pelas suas consultas.
Toda essa fama dos irmãos incomodou o imperador Deocleciano, que mandou prender
os dois que, depois de mortos, passaram a ser os padroeiros das crianças.
No Candomblé e na
Umbanda, o dia de Cosme e Damião é 27 de setembro. Nessas crenças, eles são
conhecidos como os orixás Ibejis. São filhos gêmeos de Xangô e Iansã. Os
devotos e simpatizantes têm o costume de fazer caruru (uma comida típica da
tradição afro-brasileira), chamado também de “Caruru dos Santos” e “Caruru dos
sete meninos” que representam os sete irmãos (Cosme, Damião, Dou, Alabá,
Crispim, Crispiniano e Talabi), e dar para as crianças.
Numa antiga lenda africana, dois príncipes gêmeos traziam sorte para o reino, resolvendo todo tipo de problema, pedindo em troca apenas doces, balas e brinquedos. Bastante bagunceiros, um deles se acidentou ao brincar numa cachoeira. O irmão que sobrou ficou tão triste que pediu para se encontrar com o outro no céu. Assim, Orunmilá atendeu o desejo do pequeno príncipe, deixando na terra duas imagens feita de barro, representando os meninos.
Numa antiga lenda africana, dois príncipes gêmeos traziam sorte para o reino, resolvendo todo tipo de problema, pedindo em troca apenas doces, balas e brinquedos. Bastante bagunceiros, um deles se acidentou ao brincar numa cachoeira. O irmão que sobrou ficou tão triste que pediu para se encontrar com o outro no céu. Assim, Orunmilá atendeu o desejo do pequeno príncipe, deixando na terra duas imagens feita de barro, representando os meninos.
O caruru de Cosme e
Damião está inserido nos cultos afro-brasileiros que celebram os santos gêmeos
a 27 de setembro, um dia após os mesmos serem lembrados pela Igreja Católica.
Os santos Acta e Passio, alguns dizem que eram originários da Síria e Armênia,
pregavam o cristianismo, "curando as doenças em nome de Jesus Cristo e
pelo seu poder". Passaram depois a ser conhecidos como Cosme (O Enfeitado)
e Damião (O Popular). Foram perseguidos e mortos por Diocleciano (303), acabaram
padroeiros de cirurgiões, físicos, farmacêuticos e faculdades de medicina em
geral. Além de barbeiros e cabeleireiros.
Veremos a seguir que
Cosme e Damião acabaram juntando crenças dos três povos que formaram a base da
nação brasileira: índios, brancos e negros. A devoção em Cosme e Damião foi
trazida pelos colonizadores portugueses, mas os escravos que aqui vieram, todos
da África Ocidental (Angola, Costa do Marfim, Guiné, Congo), mantiveram os
rituais religiosos e a fé nos deuses de sua terra distante. Inclusive nos
orixás-meninos (Ibejís). Os africanos então aprenderam a sincretizar seus
orixás com os santos católicos, cujos cultos lhes eram impostos.
Na festa manda a
tradição distribuir brinquedos e doces com a criançada; porque, segundo se
acredita, só assim serão atendidos os pedidos feitos aos Santos. Em muitos
lugares, especialmente na Bahia, a celebração se faz sobretudo com mesa farta,
servindo-se pratos preparados com azeite (de dendê, claro), usado sobretudo em
peixes, mariscos e vegetais, próprios para dias de abstinência e jejum. Entre
eles abará, acarajé, bobó de camarão, efó, frigideiras, maxixadas, moquecas,
vatapá, xinxim de galinha; e, principalmente, o Caruru. Diz a tradição que
primeiro caruru deve-se se servir a sete crianças (preferencialmente meninos)
que o comem com as mãos, sentadas no chão.
O termo caruru vem de
caá (folha) ruru (inchada), receita indígena feita originalmente apenas de
ervas socadas com pimenta, no pilão. Os escravos africanos foram acrescentando
novos ingredientes: amendoim, azeite de dendê, camarão seco, castanha de caju,
cebola, gengibre, quiabo. E quanto mais quiabo tenha o caruru, mais importante
é o prato. A receita foi depois levada de volta para África, em cada lugar
recebendo nomes diferentes: calulu em Moçambique, Congo, Cabinda e São Tomé;
funji de peixe, em Luanda; obbé em Nigéria e Daomé.
A história da devoção a São Cosme e São Damião é antiga e atravessa continentes. Na Bahia, a fé nos santos irmãos ganhou importância principalmente pelo sincretismo com Ibeji, o orixá duplo dos nagôs, que representa os gêmeos. A mistura foi tão completa que ultrapassou a fronteira das religiões e classes: católicos e adeptos do candomblé, ricos e pobres oferecem a mesma comida sacrificial do candomblé às imagens dos santos cristãos. E mais, chega-se a fabricar imagens dos santos que incorporam uma terceira figura – Doú – uma corruptela de “idowu”, o nome dado, numa família nagô, àquele que nasce depois de um par de gêmeos. “Sempre tidos como muito traquinas, os idou deram origem ao ditado nagô: Exu lehin Ibeji – Exu vem depois dos Ibeji”.
Os santos são
católicos, mas a forma de homenageá-los é africana. Os iorubás, em suas várias
etnias, entendem o sacrifício, o ebó, como a forma essencial da sua comunicação
com os orixás”. O caruru – dos Ibeji ou de São Cosme e São Damião “seria,
então, mais do que uma oferenda, mas um sacrifício: o que na Bahia, o
povo-de-santo chama de ‘obrigação’, que tem um preço e custa dinheiro. É como
se desfazer de algo muito valioso.
A história da devoção a São Cosme e São Damião é antiga e atravessa continentes. Na Bahia, a fé nos santos irmãos ganhou importância principalmente pelo sincretismo com Ibeji, o orixá duplo dos nagôs, que representa os gêmeos. A mistura foi tão completa que ultrapassou a fronteira das religiões e classes: católicos e adeptos do candomblé, ricos e pobres oferecem a mesma comida sacrificial do candomblé às imagens dos santos cristãos. E mais, chega-se a fabricar imagens dos santos que incorporam uma terceira figura – Doú – uma corruptela de “idowu”, o nome dado, numa família nagô, àquele que nasce depois de um par de gêmeos. “Sempre tidos como muito traquinas, os idou deram origem ao ditado nagô: Exu lehin Ibeji – Exu vem depois dos Ibeji”.
Ibeji |
Nas últimas décadas,
tem sido feita frequentemente uma associação entre os santos católicos e os
erês, que é um estado infantilizado do transe no candomblé. Por isso, inclui-se
a distribuição de balas, doces e refrigerantes nas homenagens aos santos,
especialmente no Rio de Janeiro. Mas são poucas as casas de candomblé que fazem
obrigações para os Ibeji, geralmente discretas e não necessariamente em
setembro. Outro detalhe é que não se tem notícias de filhos-de-santo de Ibeji
na Bahia.
Pontos interessantes dessa história toda:
A fertilidade das
iorubás, que tem inclusive motivado pesquisas médicas, provavelmente é um dos
motivos da importância dos santos e orixás irmãos. A Nigéria, inclusive, é o
país com o maior índice de nascimento de gêmeos no mundo inteiro.
No modo africano de
homenagear os Ibeji e também outros orixás, o pedido de esmola para a
preparação da comida é um ponto fundamental. A mesma tradição já existiu na
Bahia, mas foi abandonada pela maioria das pessoas. Entretanto, ainda é
possível encontrar quem mantenha esse costume, inclusive fora da Bahia.
Existem várias
recomendações para quem faz o caruru, que cada um escolhe obedecer ou adaptar.
Quem oferece o caruru deve cortar o primeiro quiabo e, depois de pronto,
colocar a comida aos pés dos santos em vasilhas novas e fazer um pedido. A
galinha do xinxim não pode ser comprada morta. Durante a festa não deve ser
servida bebida alcoólica. E quem encontrar no prato um quiabo inteiro deve
oferecer um caruru no próximo ano.
E se você se
interessou por esta historia poderá descobrir mais com as indicações de leitura
abaixo. E, apesar de eu não ser do candomblé ou da umbanda, não custa nada
distribuir uns docinhos e nem preparar um caruru.
LIMA, Vivaldo da
Costa. Cosme e Damião: o culto aos santos gêmeos no Brasil e na África.
Salvador: Corrupio, 2005.
____. Oferendas e
sacrifícios: uma abordagem antropológica. In: FORMIGLI, Ana Lúcia (Org). Parque
Metropolitano de Pirajá: história, natureza e cultura. Salvador: Centro de
Educação Ambiental São Bartolomeu/Editora do Parque, 1998, p. 57-65.
TAVARES, Odorico.
Bahia: imagens da terra e do povo. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio
Editora, 1951..
CARURU
Ingredientes
2 kg de quiabo
5 cebolas
300 gr de camarão seco
250 gr de amendoim
250 gr de castanha de caju
1 colher de chá de gengibre ralado
1 xícara de azeite de dendê
Sal
Preparo:
Lave
o quiabo, deixe escorrer e seque bem. Pique bem miúdo. Reserve. Passe as
cebolas no processador. Reserve. Passe metade do camarão seco no processador.
Reserve. Bata no liquidificador o amendoim e a castanha com meio copo de água.
Reserve. Em uma panela coloque azeite de dendê. Refogue cebola e quiabo. Junte
os camarões secos (os triturados e os inteiros). Depois, junte também gengibre,
castanha e amendoim. Se necessário, coloque sal. Deixe no fogo, até engrossar e
os caroços do quiabo estiverem meio rosados. Retire do fogo e sirva com arroz
branco.