Desde que alcancei a maioridade, tanto de fato quanto de direito, passei a observar o mundo com um interesse curioso pelos cuidados do corpo — e, em menor, mas não menos importante medida, da mente. Descobri na alimentação não apenas sustento, mas um caminho fundamental de equilíbrio, capaz de harmonizar cada gesto, cada pensamento, cada suspiro. Porém, à medida que amadureço e a compreensão do mundo se aprofunda, percebo que a ciência e a tecnologia oferecem ferramentas poderosas para aprimorar ainda mais essa alquimia entre corpo e mente.
É nesse cenário de possibilidades que surgem os suplementos
variados, promessas concentradas de saúde, vitalidade e foco, destinados a
múltiplos propósitos. Hoje, desejo dirigir minha atenção a um deles, um grupo
especial de substâncias que prometem não apenas nutrir, mas expandir os
horizontes da consciência: os nootrópicos. Já ouviu falar deles?
Há muito tempo, antes que a ciência tivesse um nome, o ser humano já
desejava lembrar-se melhor de si mesmo.
Não bastava viver: era preciso entender, expandir, ultrapassar.
Da argila e do sonho nasceu essa inquietação — e dela, o primeiro gole de
algo que prometia mais do que saciar: prometia despertar.
Hoje chamamos essas substâncias de nootrópicos.
Mas antes que os laboratórios lhes dessem forma em cápsulas translúcidas,
os mitos já as haviam pressentido.
A ALQUIMIA DA MENTE
O termo “nootrópico” veio de um cientista romeno, Corneliu Giurgea, em
1972, que acreditava ter encontrado, no piracetam, um catalisador para o
cérebro — um elixir moderno do pensamento.
“Noos”, mente. “Tropos”, direção.
Algo que move o pensamento.
Um vento sobre o espelho da consciência.
Giurgea sonhava com uma droga que não ferisse o corpo, mas o elevasse.
Um alimento da mente que iluminasse o raciocínio, fortalecesse a memória
e protegesse a alma elétrica do esquecimento.
O que ele não sabia é que, muito antes de seus frascos de laboratório, os
deuses já bebiam disso — em copos de ouro, em taças de marfim ricamente
decorado, ou, direto de folhas e raízes.
BOCADOS E
GOLES DO INFINITO: O ALVORECER DOS NÉCTARES PERDIDOS
Antes que o tempo fosse medido em relógios e laboratórios, antes que a
ciência começasse a mapear a mente e suas potencialidades, o homem buscava o
toque do divino através do que a terra e as crenças ofereciam. Cada fruto, cada
resina, cada néctar que se experimetava carregava o segredo da vitalidade e da
clareza, a promessa de prolongar a juventude e expandir a consciência, a
imortalidade. Era nesse labor silencioso, entre mãos que trituravam raízes e
olhares que reverenciavam o céu, que se revelavam os primeiros bocados e goles
do infinito — encontros íntimos e sensoriais com os néctares que hoje posso chamar
de nootrópicos ancestrais.
Nos vales da Índia, sacerdotes moíam uma planta misteriosa e
misturavam-na com leite e mel – segundo os hinos védicos, era o Soma, uma
bebida divina que prometia a imortalidade. Dizia-se que seu aroma dourado
penetrava a alma antes de tocar os lábios, despertando visões e clareza que
apenas os deuses podiam conceder. Na China, a deusa Xi Wangmu cultivava
pêssegos que floresciam a cada três mil anos; quem deles se alimentava via a
juventude perpetuar-se, e cada mordida trazia a doçura de jardins que jamais
murchavam.
No Egito, sacerdotes ferviam resinas e flores do Nilo, criando infusões
que diziam equilibrar o coração e abrir as portas da mente — misturas de mirra,
loto e vinho que perfumavam templos e tumbas, enquanto faraós buscavam
prolongar sua presença entre os vivos e os mortos. Em Roma, os convívios
luxuosos exaltavam néctares e meles fermentados, temperados com ervas raras; os
césares acreditavam que certos vinhos misturados a óleos aromáticos e essências
de plantas despertavam a mente e adocicavam o tempo.
Os gregos falavam da Ambrósia e do Néctar, alimentos dos deuses do Olimpo — fragrantes, luminosos, capazes de deter o tempo e conferir não apenas força física, mas claridade de pensamento. No deserto da Mesopotâmia, Gilgamesh mergulhou até o fundo do mundo em busca da planta da vida, apenas para vê-la furtada por uma serpente astuta, lembrando que a imortalidade era um prêmio sempre esquivo, entregue apenas em sonhos e narrativas sagradas.
Entre os maias e astecas, os chás de cacau eram elevados a cerimônia:
fervido com especiarias, às vezes misturado com flores e sementes, prometia
vigor e insight. No Japão antigo, o matcha não era apenas chá, mas ritual de
atenção plena, clareando a mente, equilibrando energia e espírito. E mesmo nos
confins do norte, entre os nórdicos, a fermentação de frutos e raízes produzia
hidromel e elixires que, acreditavam, davam coragem, sabedoria e resistência ao
frio cortante.
Nos confins das matas brasileiras, os povos indígenas descobriram que
certas plantas carregavam não apenas sabor, mas portais. A Jurema, com
sua casca rugosa e folhas terrosas, era transformada em bebida sagrada,
fumegante e amarga, capaz de abrir os caminhos da mente e do espírito. Ao beber
dela, o xamã sentia a clareza atravessar cada célula, e a comunidade reunida
acompanhava a viagem invisível da consciência, um mergulho em rios de insight,
memórias ancestrais e visões que a realidade comum não podia oferecer. Assim, a
mente era nutrida e expandida, e o corpo se preparava para enfrentar desafios
maiores do que qualquer caçada ou batalha diária.
Na imensidão da floresta amazônica, frutos e sementes de cores vívidas,
muitas vezes desconhecidos para os olhos do mundo moderno, são triturados,
fermentados ou misturados com água e mel. Cada sabor carrega uma promessa:
resistência, vitalidade, vigor mental. O cacau, em especial, com sua amargura
terna, era reservado para rituais especiais, conferindo alegria, força e
atenção àqueles que dele participavam, tornando-se uma ponte entre a
experiência física e o despertar da mente.
Nos terreiros de Candomblé e nos ritos de Umbanda, as oferendas aos
Orixás traduzem-se em alimentação ritualizada, mas também em elixires de
alma. A mistura de dendê, frutas, farinhas e especiarias não é mera comida; é
uma poção de energia espiritual. Ao degustar cada elemento, o devoto sente o
corpo preenchido e a mente despertada, como se a própria história dos ancestrais
e dos deuses se incorporasse às suas veias. Cada erva, cada bebida, cada gesto
carrega um efeito quase alquímico, equilibrando energia, clareza e conexão com
o sagrado — uma forma de nootrópico ancestral, que nutre corpo e espírito
simultaneamente.
E assim, do Norte ao Sul, das aldeias indígenas aos terreiros, a tradição
brasileira revela que a busca pelo elixir da mente e da vitalidade não é
invenção moderna. Cada planta, cada fruto, cada mistura ritualizada é um
fio na tapeçaria antiga da humanidade, lembrando que, muito antes de cápsulas e
laboratórios, a mente e o corpo humanos procuravam os néctares que prolongam a
clareza, a força e, talvez, a própria eternidade.
Por toda a humanidade, de oriente a ocidente, do deserto ao vale fértil,
a busca por elixires da mente e do corpo se repetiu: vinhos, chás, resinas,
raízes, frutas de crescimento milagroso, substâncias aromáticas e viscosas que
prometiam juventude, vigor, clareza e, acima de tudo, a ilusão de imortalidade.
E é nessa linha ancestral que hoje podemos traçar a origem poética dos
nootrópicos, herdeiros modernos de uma busca tão antiga quanto a própria
consciência humana.
Afinal, o ser humano sempre quis um pouco do que só os deuses tinham.
Quis lembrar eternamente, pensar melhor, sentir mais, morrer nunca.
DO TEMPLO AO LABORATÓRIO
Hoje, o velho sonho veste jaleco.
O Soma virou cápsula de modafinil, o Néctar virou cafeína purificada, e o
Pêssego da Imortalidade se condensou em NAD+ e resveratrol.
Chamamos de biohacking o que os antigos chamavam de magia.
Silicon Valley é o novo Olimpo, onde os deuses bebem café com óleo e
batizam seus computadores com nomes de anjos.
E ainda assim, o desejo é o mesmo: a mente clara, a juventude estendida,
o corpo obediente ao espírito.
Transumanismo, chamam — o sonho de superar o humano, de soldar carne e
silício, pensamento e máquina.
Desde que o biólogo inglês Julian Huxley (1887‑1975) usou,
em 1957, o título “Transhumanism” (Transumanismo) no ensaio contido em New Bottles for New Wine — onde ele escreveu:
The human species can, if it wishes, transcend itself — not just sporadically, an individual here in one way, an individual there in another way, but in its entirety, as humanity. We need a name for this new belief. Perhaps transhumanism will serve: man remaining man, but transcending himself, by realizing new possibilities of and for his human nature.
A espécie humana pode, se assim o desejar, transcender‑se
a si mesma — não apenas
esporadicamente, um indivíduo aqui de uma forma, um indivíduo ali de outra forma, mas em sua totalidade, como humanidade.
Precisamos de um nome para essa nova crença. Talvez
‘transumanismo’ sirva: o
homem permanecendo homem, mas transcendo‑se a si mesmo, ao realizar novas
possibilidades de e para a sua própria natureza
humana)
Assim, emergiu, com elegância e inquietude, uma visão audaciosa: a de que
a humanidade não é o destino final, mas apenas um degrau numa escada que ela
própria está concluindo.
Huxley, primeiro diretor‑geral da UNESCO a partir de 1946,
via na evolução não apenas
um fenómeno biológico, mas
um chamado ético‑científico:
humanos capazes de assumir conscientemente o papel de agente da evolução, dirigindo seu próprio progresso.
Para ele, o transumanismo era menos
sobre próteses metálicas e mais sobre a realização das possibilidades humanas
latentes — expansão da mente, do espírito, da forma e da função.
E é aqui que os nootrópicos se inserem, como discretos heraldos desta
nova era: pequenas fórmulas, substâncias que prometem claridade, memória
ampliada, foco prolongado, um corpo que demora mais a obedecer ao relógio do
desgaste. São os primeiros acordes de um concerto cujo movimento final é a
fusão da carne com o circuito, da sinapse com o silício. Assim como os templos
antigos ofereciam elixires míticos à alma, os laboratórios modernos oferecem
cápsulas e pilhas bioquímicas à mente inquieta.
Hoje, olho ao redor e percebo “transumanos” caminhando entre nós — não
necessariamente em trajes de ficção científica, mas em formas sutis e
cotidianas: o executivo que toma nootrópicos para multiplicar suas horas de
produtividade; o ciclista que usa sensores neurais para traduzir esforço em
dados em tempo real; a paciente que abandona prótese mecânica por uma interface
cérebro‑máquina e sente, pela primeira vez, o mundo responder ao
pensamento. Essas manifestações discretas já vivem o ideal central de Huxley: humanidade que permanece
humana, mas que se transcende — H+, para os modernistas.
Em suma, o transumanismo se tornou o grande palco da modernidade: onde o
templo da antiguidade reverenciava o néctar dos deuses, o laboratório
contemporâneo reverencia a molécula, o chip e a sinapse aprimorada. Mas há algo
que nem os circuitos entendem: a mente clara e o espírito vivo não se compram;
a juventude prolongada não se codifica. E, no entanto, a busca continua — com a
mesma fome antiga de imortalidade e clareza, agora em jaleco branco e luz azul
de tela.
E o que os nootrópicos representam nesse teatro? São os acordes iniciais
da sinfonia transumanista — pequenas substâncias, cápsulas, extratos que
prometem expandir a mente, afinar o foco, prolongar a juventude. Assim como os
antigos deuses do Olimpo saboreavam a Néctar e a Ambrósia para alcançar o
divino, os adeptos do transhumanismo tomam cápsulas e pilhas de suplementos
para aproximarem‑se de um estado h+ (humano aumentado).
Mas os “transumanos” já caminham entre nós — talvez mais discretos do que
se imagina: o ciclista que usa um implante de pedal sensorial para traduzir
movimento em dados, a mulher que controla sua prótese robótica apenas com o
pensamento, o empresário que toma nootrópicos para “otimizar” a atenção das dez
horas do dia. Cada um deles, sem perceber, ensaia a fusão carne‑silício, mente‑algoritmo, corpo‑máquina.
E, no entanto, há algo silencioso e quase trágico nessa nova alquimia:
muitas vezes, você nem sabe que ela existe. As pílulas que prometem foco, as
moléculas que restauram energia celular, os extratos que afinam a mente e
apaziguam o cansaço — tudo isso circula em laboratórios, fóruns e clínicas
discretas, quase como segredos de uma casta iniciada.
A maioria de nós caminha sem perceber que há ferramentas que poderiam
aliviar o peso dos dias, clarear a mente turva, devolver o vigor que o tempo ou
a rotina consomem. É a velha barreira entre o saber e o poder: alguns ignoram
por desinformação, outros por descrença, e muitos simplesmente porque o preço
do progresso, hoje, ainda se paga em moedas que poucos têm. O acesso ao
aprimoramento tornou-se o novo privilégio, e talvez essa seja a ironia mais
amarga do transumanismo — querer elevar o humano, mas erguer muralhas cada vez
mais altas entre os que podem e os que não podem transcender.
E assim, no laboratório onde os jalecos brilham e os LEDs piscam,
enquanto o velho sonho do templo ressoa, a alquimia humana modernizou‑se:
já não é preciso voar até o Éden ou beber do cálice dos deuses
— basta abrir a mente, ingerir o suplemento,
conectar‑se ao chip e pedir que o tempo se dobre. Mas não importa o quão rápido o silício pense ou o corpo execute — há algo que nem os circuitos
compreendem: a doçura não se
programa.
Mas há algo que nem os circuitos entendem: a doçura não se programa.
Talvez por isso, em meio à pressa dos algoritmos e às promessas de
imortalidade sintética, seja preciso retornar à cozinha — esse templo nem
sempre silencioso onde o fogo e o tempo ainda obedecem ao toque humano. É ali,
entre o perfume do açúcar e o canto do leite fervendo, que reencontramos o que
nenhuma máquina consegue emular: o gesto de cuidado, o calor da lentidão, a
alquimia do afeto.
A DOÇURA QUE NOS HUMANIZA
Antes de nos transumanizarmos, antes de sonharmos com elixires que
prometem eternidade e clareza divina, talvez devêssemos recordar o que ainda —
e apenas — nos faz humanos. Em meio às telas luminosas, às vozes sintéticas e
às mentes exaustas, parece cada vez mais raro encontrar gestos verdadeiramente
humanos: a pausa, o toque, o olhar que não pede nada em troca.
Há dias em que ser humano, humano mesmo, soa quase como uma
excentricidade. Enquanto uns almejam o pós-humano, o H+ (do inglês Human Plus —
“Humano Mais”), esquecemos o simples — a lentidão das manhãs, o cheiro de algo
cozinhando devagar, o consolo do doce depois de um dia áspero. E talvez seja aí
que se esconda o verdadeiro antídoto contra a frieza das máquinas: naquilo que
nos devolve o sabor da imperfeição e o calor da alma.
No Brasil, há um doce que carrega, com discreta ironia, o mesmo nome que
o alimento dos deuses: ambrosia. Seu perfume atravessa séculos e oceanos, vindo
das cozinhas conventuais de Portugal. Quando essa receita cruzou o Atlântico,
encontrou novos ventos e novas mãos. No Brasil, o saber ibérico se misturou ao
indígena e ao africano; o leite fresco das fazendas substituiu as medidas
austeras da metrópole, e o fogo tropical ensinou outra cadência ao cozimento.
Sob o calor paciente das cozinheiras mestiças, a ambrosia se transformou: o
leite talhava lentamente, o açúcar se dourava até o ponto de caramelizar, e o
aroma, denso e levemente tostado, passava a ter o gosto da terra nova. Nascia,
enfim, a ambrosia brasileira — menos celestial, mais humana; menos promessa de
eternidade, mais memória viva do afeto.
Diz-se que o segredo não está na receita, mas no tempo. É preciso
deixá-la descansar, talhar, ferver devagar — como se cada bolha que estoura no
tacho libertasse um fragmento de lembrança. Em cada colherada, há um eco de
infância, um sussurro de eternidade possível. O sabor — doce, quase melancólico
— é talvez o mais humano dos elixires: não afina a mente como um nootrópico
moderno, mas a acalma; não expande a consciência, mas a adoça.
E é nessa simplicidade que o Brasil, com sua vocação para o improviso
sagrado, devolve à palavra “ambrosia” o que os deuses esqueceram: o prazer da
imperfeição, o consolo do sabor compartilhado, a doçura que nos humaniza. Era
simples e sublime — como se o céu, ao se derreter, tivesse o sabor de infância
e eternidade.
A ambrosia brasileira não promete imortalidade, mas entrega algo mais
humano: lembrança e consolo.
Cada colherada é uma travessia pelo tempo — o leite do agora, o ovo do
renascimento, o açúcar do prazer. É a química da alma, o nootrópico do afeto,
que ativa não o córtex, mas o coração.
Enquanto os transumanistas empilham suplementos e algoritmos em busca da
eternidade, as avós do interior, sem saber, criaram o antídoto perfeito: um
doce que não quer durar para sempre, apenas ser inesquecível.
EPÍLOGO: A VERDADEIRA IMORTALIDADE
Os nootrópicos prometem que pensaremos mais rápido.
O transumanismo promete que viveremos mais tempo.
Mas é a ambrosia — essa modesta poção de leite e memória — que nos ensina
o segredo que os deuses esqueceram: A eternidade não está em durar, mas em ser
oinesquecivel.
O verdadeiro elixir não mora nas cápsulas nem nas máquinas, mas na doçura
que compartilhamos, na inteligência dos gestos, no calor da colher que raspa o
fundo da panela e toca o tempo.
E talvez, quando a última máquina silenciar e o brilho do ‘silício’ se
apagar, restará apenas o gosto doce daquilo que fomos capazes de sentir.
Porque, no fim, o que nos salva não é o corpo aperfeiçoado nem a mente ampliada
— é o coração que ainda treme diante do sabor de um instante. Ser humano é
lembrar. E não há eternidade maior do que essa.
Nenhum chip conhece a ternura do fogo lento, nem algoritmo algum entende
o milagre de uma lembrança doce. O humano, afinal, é a chama que insiste em
arder dentro da máquina.
E talvez, quando o homem enfim se tornar deus, descobrirá o vazio da
perfeição — e pedirá de volta o calor das mãos que mexem o tacho, o aroma do
açúcar derretendo, o erro, o toque, o tempo. Só o que sentimos permanece. E não
há nootrópico mais poderoso do que o sabor de ser — humano e fugazmente — vivo.
Dica de leitura:
HUXLEY, Julian. Transhumanism. In: NEW BOTTLES FOR NEW WINE. London: Chatto & Windus, 1957. p. 13‑17.
AMBROSIA: O NOOTRÓPICO AFETIVO DO BARÃO
DE GOURMANDISE (SEM OVOS)
3 litros de leite integral (ou desnatado, se a leveza for o seu desejo)
Suco de 3 limões grandes ou 4 pequenos
Raspas e suco de 2 laranjas
3 xícaras (chá) de açúcar (ou, para os
que evitam o pecado doce, 1 xícara de adoçante culinário)
Cravos-da-índia e canela em pau a gosto
Preparo: Fora do fogo, despeje o leite em uma
panela grande e clara. Junte o suco de limão e observe — é o primeiro milagre:
o leite se parte, talha, separa-se entre corpo e espírito. Acrescente então o suco e as raspas de
laranja, metade do açúcar, os cravos e a canela. Misture com calma, como quem
conversa com o tempo. Leve ao fogo e deixe cozinhar sem mexer, por cerca de uma
hora. O doce deve borbulhar em paz, formando pequenas ilhas douradas de sabor. À
parte, caramelize o restante do açúcar até que atinja a cor de âmbar e o
perfume de infância — e verta-o lentamente sobre a ambrosia. Cozinhe por mais
vinte ou trinta minutos mais, até que o líquido se transforme em calda e o doce
ganhe sua textura cremosa, quase celestial. Sirva em temperatura ambiente ou
gelada.
Obs.: Há quem prefira atalhos, quem não
aguarde as horas silenciosas do fogo paciente, mas ainda assim encontre magia.
Nesse método, o açúcar se transforma primeiro em caramelo dourado, dançando no
calor da panela. Então, lentamente, o leite é convidado a juntar-se à festa,
trazendo consigo as raspas de limão e laranja, o aroma dos cravos e da canela. O
encanto acontece quase sozinho: o caramelo dissolve no leite, o leite começa a
talhar, pequenas pérolas de ouro líquido surgem, e basta deixar que a mistura
cozinhe até atingir a textura desejada — ora cremosa e delicada, ora firme como
lembranças cristalizadas. Mais ou menos caldo, mais ou menos consistência, tudo
ao gosto de quem saboreia.
E mesmo nesta pressa — que ignora os tempos conventuais e as mãos que aprenderam a paciência — a ambrosia mantém seu poder: toca o coração, desperta memórias, aquece a alma. Um nootrópico afetivo, legado do Barão de Gourmandise, que prova que não é preciso esperar eternidades para sentir a doçura da vida.
AMBROSIA BRASILEIRA (com ovos)
Ingredientes:
1 litro de leite integral
2 xícaras de açúcar
5 ovos
Casca de 1 limão
1 pau de canela
1 pitada de sal
1 colher de sopa de mel — oferenda aos
deuses antigos (opcional)
Preparo: primeiro, bata as claras em neve, até formar picos firmes, então junte as gemas e bata bem até ficar uma mistura fofa e clara. Reserve. Numa panela grande e funda, derreta o açúcar para formar um caramelo, depois disso, junte o leite, o limão, a canela e o sal e espere o caramelo derreter por completo e junte o leite, quando caramelo já estiver misturado ao leite e fervendo, baixe o fogo e junte todo o conteúdo dos ovos batidos e não misture, ela vai subir, o fogo deve ser reduzido ainda mais, se for preciso tire do fogo para ela baixar. Quando ver que as laterais já estão cozidas, você vai misturar devagar, e esperar o doce dar o ponto que desejar, uns 30 minutos são suficientes. Retire do fogo quando o doce estiver cremoso e levemente talhado. Sirva frio, como se servisse uma lembrança.





























