terça-feira, 20 de outubro de 2015

Baixaria acreana

Calma. Não vá pensando besteiras. Essa baixaria não é do tipo que ultimamente tem ganhado força nos noticiários dos telejornais. Trata-se apenas de uma expressão que ganhou força nas ruas do Acre - e há quem diga que essa baixaria é deliciosa...
A baixaria acreana é uma preparação culinária que se comia no mercado do Borque, naquele estado, tempos atrás, quando se saia das festas (baladas), mas que atualmente se encontra em todos os lugares podendo ser comido a qualquer hora. Por lá, todo mundo conhece e se fala dessa baixaria com naturalidade. 
Para o batismo deste prato existiram diversas baixarias, contadas com particularidade, nas ruas acreanas, vejamos algumas delas:


Pelos anos de 1970, período em que o Acre foi invadido subitamente pro vaqueiros e fazendeiros, certo dia, muito cedo, chega ao Mercado do Bosque, em Rio Branco, um desses vaqueiros capas de comer um boi em cada refeição e foi logo perguntando: ô Dona Maria, que tem para comer aí? A mulher respondeu que tinha o de sempre: mingau, pão de milho (cuscuz), tapioca, carne moída, café... enfim falou tudo o aquela dispunha. O Vaqueiro emendou: Pois me coloquei ai então pão de milho, carne moída e frita dois ovos. A Dona Maria para tornar o prato imenso, mas querendo deixa-lo bonitinho, acrescentou cheiro verde por cima e entregou ao vaqueiro que devorou tudo, e só depois perguntou: Então Dona Maria, quanto é que fica toda essa baixaria que comi? E desse episódio surge o nome para este prato típico da culinária acreana que tornou-se repetido no mercado do Bosque, ganhando fama e espalhando o nome pela população.


Outra versão conta que, o nome surgiu para separar uma briga depois que dois jornalistas debocharam de um grupo de pessoas que chegava de uma festa para tomar café no mercado. Eles já estavam bêbados, quando chegou umas senhoras de vestido longo e uns homens de fraque e gritaram: 'lá vem a baixaria', então para não virar uma confusão uma certa senhora chamada Toinha disse que baixaria era o prato que eles pediram.


Mas independente da baixaria que originou o prato, o nome pegou e foi popularizado nos anos 80 pelo jornalista Wilson Barros, que publicou algumas matérias comentando sobre a novidade no mercado.
Eu adoro cuscuz de muitas maneiras, mas confesso que não sou muito fã de carne moída, mas essa baixaria é algo interessante para se experimentar.

Baixaria acreana
Cuscuz:
200g Flocos de milho pré-cozidos
½ xícara (chá) de água
1 colher (sopa) de manteiga derretida
Sal a gosto
Carne moída:
: ½ kg musculo moído
1 colher (chá) rasa de sal
Pimenta-do-reino moída ½ colher (chá)
Pimenta-malagueta curtida a gosto
1 colher (chá) de Vinagre de vinho tinto
6 dentes de alhos picados
3 colheres (sopa) de óleo
3 tomates maduros, sem sementes e em cubos pequenos
1 cebola pequena, em cubos médios
Colorau: 1 colher (chá) de colorau
½ xícara (chá) de agua
6 ovos
Cebolinha picada a gosto

Preparo: Cuscuz: Hidrate os flocos de milho na água, deixe descansar por 15 minutos. Misture o sal e a manteiga derretida. Coloque numa cuscuzeira e leve ao fogo por 25 minutos. Reserve. carne moída: Tempere a carne moída com o sal, a pimenta-do-reino, a pimenta-malagueta, o vinagre e o alho. Incorpore a mistura com as mãos. Acerte o sal. Numa panela aqueça o óleo, junte a carne e refogue. Antes que o líquido liberado pela carne seque completamente, junte o tomate, a cebola e o colorau. Refogue mais 15 minutos. Acrescente água e cozinhe por mais 10 minutos. Finalização: Monte o prato com o cuscuz esfarelado, regado com um molhinho de carne moída. Coloque sobre a mistura um ovo frito na hora, com a gema mole, e salpique cebolinha.

domingo, 11 de outubro de 2015

Mãe-Benta – patrimônio da doçaria carioca

Quem já provou os bolinhos conhecidos por mãe-benta sabe que eles viciam. Embora estes bolinhos estejam sendo esquecidos ao longo dos anos, eles são fáceis de fazer, deliciosos e podem ser resgatados do ostracismo nas suas aventuras culinárias. Por isso, hoje o post desta confraria é dedicado a este bolinho peculiar, que sempre rende boas histórias, a começar pela origem do preparado.


Tantas vezes o padre Diogo Antônio Feijó, ministro da Justiça de 1831 a 1832 e regente do Império Brasileiro entre 1835 e 1837, era visto na Rua das Violas, hoje Teófilo Ottoni, no centro do Rio de Janeiro, indo para a casa do cônego Geraldo Leite Bastos, seu amigo pessoal, de vida religiosa, correligionários e irmão de Maçonaria. Nessas visitas, além de trocarem ideias políticas, bebiam café passado no coador, limonada bastante açucarada e se deleitavam com mãe-benta. As línguas maldosas diziam sempre que a gula era o pretexto para esses encontros.

Padre Feijó
Esses bolinhos, cuja receita é patrimônio da doçaria carioca, são pouco produzidos hoje, mas naquela época era uma espacialidade de Dona Benta Maria da Conceição Torres, mãe do cônego Bastos, e se tornou famosa ao ponto que o bolinho ganhou o nome de mãe-benta.
Uma receita simples a base de farinha de arroz, leite de coco ou coco ralado, manteiga, ovos e açúcar, o doce foi apelidado pelo cônego de Mãe-benta. No entanto, apesar dos registros afirmarem que foi a mãe do cônego que inventou a receita, ela na verdade pode ter feito uma variação de algum bolo já existente, variando ingredientes até porque no Brasil colonial e imperial existiam outros docinhos com o mesmo nome e ingrediente semelhantes, também vendidos em tabuleiros, mas ninguém superava a especialidade preparada pela mãe do cônego. 



Nem mesmo as freiras do Convento da Ajuda, primeiro mosteiro carioca para mulheres, construído ainda no século 18. As freiras daquele convento eram confeiteiras renomadas e, apesar de garantirem que seguiam a mesma receita, o povo achava muito diferente. O Convento da Ajuda era conhecido por preparar doces elogiadíssimos, antes do aparecimento de confeiteiros na cidade do Rio de janeiro.
"Não tinham aparecido o Canceller, o Guimarães, o Francioni, O Neves do lardo do Capim, a viúva Castagner do Braço de Ouro (Rua do Ourives), o Castelões, o Deroche, o Camarinha, o Justina da Rua da Cadeia etc." (Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade, Coleção Rio Quatro Séculos, v.5. Livraria José Olympio, Rio de Janeiro, 1965). "Nos copos d'água (merendas oferecidas aos amigos), doces que não viessem da Ajuda não tinham valor algum".

Convento da Ajuda no Rio de Janeiro, hoje demolido.
Assim, os deliciosos mães-bentas disputavam a preferência dos comensais com o bom-bocado, suspiro, canudo desfolhado, filós, baba de moça e pastel de santa clara. E por muito tempo sempre foi o mais prestigiado.
As negras escravas vendiam sob as ordens das sinhás, cantando: " Mãe-benta, me fia um bolo? / Não posso senhor tenente/ os bolos são de iaiá/ Não se fia a toda gente".
Apesar do nome, nada tem a ver com o doce conhecido como Nhá Benta, popularizado pela indústria paulistana Kopenhagen, lançado em 1950 como o nome inicial de Pão de açúcar, sendo este um combinado de wafer, chocolate, marshmallow e açúcar.


Os bolinhos mãe-benta no entanto, são feitos com dois ingredientes conhecidos a bastante tempo pelos brasileiros: o leite de coco e a farinha de arroz - o arroz é cultivado no Brasil desde 1584, na Bahia, e desde 1745, no Maranhão. Mas somente em 1766 Portugal autorizou a instalação da primeira descascadora de arroz, no Rio de Janeiro. E só a partir deste perigoso começou-se a introduzir receitas com arroz, dentre as mais populares está o arroz doce ou arroz de leite.



Mãe-benta acabou conquistando muitos fãs nacionais e internacionais: o presidente da república francesa Paul Doumer e o historiador italiano Guglielmo Ferrero, que o conheceram o início do século 20 ficaram encantados com o sabor. Mas, garanto que eles podem te conquistar também, veja como é fácil e se aventure na cozinha para preparar estas delícias.

Mãe-benta
Para 40 unidades
12 gemas
2 claras
2 e 3/4 de xícara de chá de açúcar
2 e 3/4 de xícara de chá de manteiga
2 e 1/2 de xícara de chá de farinha de arroz
xícara de chá de leite de coco
Manteiga para untar

Preparo: Bata muito bem as gemas com as claras e o açúcar, até dobrarem de volume, ficado esbranquiçadas. Coloque a manteiga e misture bem. Junte a farinha aos poucos e alterne com o leite de coco, misture até ficar homogêneo. Disponha a massa e formas de empadas previamente untadas (ou em forminhas de papel), e asse por cerca de 40 a 50 minutos (ou até dourar). Sirva ainda morno.

domingo, 4 de outubro de 2015

La Bête Noire – A besta negra


Antes de iniciar a leitura, eu peço que vá até o final desta postagem e dê o play na música, e só então volte para o começo do texto. Isso é fundamental para a experiência que eu quero lhes propor hoje. Se permita. Dê o play na música e volte.

Concentre-se. Inspire. Inspire o máximo de ar que for capaz de inspirar, pois a minha história só vai durar o tempo necessário para você segurar sua respiração. Por isso leia o mais rápido que puder.

A fome me despertou como seu chamado sobrenatural avisando que era o momento de eu resgatar minha força. Cada célula despertara gritando, emitiam um sinal de alerta para o prazer que viria. Lutar contra a fome é algo terrível.

O frio conspirava contra mim, me fazendo tremer. Foi quando senti a rajada fria do vento cortando a minha pele. Mesmo assim, eu senti o aroma sedutor que vinha não de tão longe, do mesmo modo como eu sentia o cheiro do cedro trazido pelo vento que me açoitava. Naquele momento minhas entranhas se retorciam, faziam um barulho estranho e perfeitamente audível. Eu precisava urgente me alimentar.

Resistindo ao frio e as dores no estomago me pus em pé e, com a ajuda do interruptor, trouxe luz para a escuridão. A luz me doía os olhos. A boca seca expandia o hálito devastador. Os músculos se contraiam com o frio e dificultava meu caminhar... uma agonia louca percorria cada veia - que emitam sinais de que secariam se eu não arranjasse logo uma vítima para me regozijar.

Um privilégio de poucos é deparar-se com uma fonte de energia sem ter muito trabalho para isso. Mas eu preciso sentir o corpo cheio de adrenalina para não fazer de minhas vítimas apenas mais uma. Por isso, retive meus pensamentos. Concentrei-me e , usando meus poderes, deslizei suavemente pelo caminho com os olhos brilhando. Fui em direção ao ponto exato para o ataque.

Confesso que ter reflexos felinos é uma arte para poucos – além de dar uma elegância ao caminhar, permite que quem possua este dom faça coisas inacreditáveis com o corpo, como dar um salto improvável sobre a vítima, daqueles que não deixa a presa escapar.

Minhas faculdades mentais cheias de artifícios me permitem ser ávido no ataque, e faz minha boca ávida roubar cada nutriente de minhas presas com uma rapidez incalculável, sugando cada fração de vida, de energia, com tanta habilidade que leva a presa em pouco tempo à exaustão.

Meu corpo é meu santuário. Sou soberano neste domínio. Inatingível e intrépido. Dominar todas as minhas habilidades antes era uma aflição. Fui obrigado a lutar contra minha própria integridade, mas no fim o essencial era a energia que aprendi a controlar e que me faz dar investidas certeiras, ter a liberdade do voo sem asas, de olhares penetrante como flechas – que rasgam a alma e queimam corações.

Perdi muito tempo divagando aqui. Talvez aí, tenha-se um defeito: eu amo os detalhes. Reavalio a nocividade de minha lâmina, sinto a dor voltar a percorrer meu corpo. A vítima parece atordoada está imóvel. Em uma distância fatal para ambos. 

Sinto uma pressão invadir meu corpo. A loucura se aproxima para me consumir. Não vejo mais nada depois do golpe certeiro, cirúrgico, da lâmina afiada que brilhou até voltar suja para mim.

A visão voltou-me com o aroma inebriante da vitória. Eu não podia mais esperar. Coloquei um pedaço daquilo na boca. Todos os meus sentidos explodiam em alegria enquanto o veneno me corria as veias até o cérebro para entrar na combustão do êxtase. Um sorrisinho maligno surge no canto de minha boca, enquanto eu abocanhava mais uma fatia daquela besta negra...



Olá, amigos. Espero que tenham gostado do conto que escrevi para estrear as postagens de outubro, mês de muitas celebrações, das quais mais gosto do Dia das bruxas. Para tanto resolvi trazer a receita de um bolo particularmente delicioso e de nome bastante apelativo e que cabe bem nesta data: La Bête Noire, a besta negra.



É um bolo sem farinha e que talvez leve esse nome em referência ao chocolate amargo utilizado no preparo que deixa o bolo negro e forte. Não consegui achar as origens desta preparação e por esse motivo resolvi criar um conto, para deixar o mistério no ar. Espero que sejam ousados e se permitam ser acompanhados pela besta negra!


La Bête Noire

Ingredientes para o bolo:
1 xícara de água;
3/4 de xícara de açúcar;
9 colheres de sopa [135g] de manteiga sem sal, em fatias;
510g de chocolate 56% cacau picado;
6 ovos.

Ingredientes para a ganache:
1 xícara de creme de leite fresco;
240g de chocolate 56% cacau picado.

Creme de leite fresco gelado batido em picos macios, frutas ácidas ou sorvete para acompanhar.

Prepare o bolo: Pré-aqueça o forno a 170 graus. Coloque uma chaleira de água para esquentar, para o banho-maria. Unte com manteiga uma fôrma redonda de 23cm de diâmetro e fundo removível. Cubra o fundo interno da fôrma com um disco de papel manteiga de mesmo diâmetro e unte-o também. Envolva a fôrma em 3 folhas de papel alumínio, externamente, uma sobre a outra, para que a água do banho-maria não entre pelo fundo removível. Reserve. Em uma panela pequena coloque a água e o açúcar. Leve ao fogo médio, mexendo apenas para o açúcar se dissolver. Deixe ferver por 5 minutos e retire do fogo. Em uma panela grande, derreta a manteiga em fogo baixo. Adicione o chocolate picado e misture bem até tudo derreter. Apague o fogo e junte a calda de açúcar, misturando até ficar homogêneo. Deixe esfriar. Junte os ovos, um a um, misturando bem com um fouet após cada adição. Passe a mistura para a fôrma preparada. Coloque a fôrma dentro de uma assadeira retangular grande, de laterais altas, e coloque dentro do forno. Complete a assadeira com água quente até metade da altura da fôrma de dentro. Asse por 50 minutos, até que o bolo firme mas o meio ainda se mantenha um pouco mole. Remova a forma do banho-maria e deixe que esfrie completamente.

Prepare a ganache: Coloque o chocolate picado em uma tigela. Aqueça o creme de leite fresco até quase ferver e despeje-o, quente, sobre o chocolate. Deixe descansar por uns minutos, então misture com delicadeza, até que a ganache fique uniforme e brilhante. Espalhe a mistura sobre o bolo frio, ainda na fôrma. Leve à geladeira por 2 horas. Desenforme depois de gelado, antes de servir.