Estava eu na cozinha
querendo comer algo que nem eu sabia o quê. Comecei a juntar o que tinha à
vista, peguei uns pães, alho, pimentões, azeite... e lembrei das Migas. Estava
feita uma refeição.
As migas são conhecidas
preparações típicas de algumas regiões da Península Ibérica, principalmente do
centro e do sul, nomeadamente do Alentejo, em Portugal, e da Mancha, Múrcia,
Andaluzia, Estremadura e Aragão, em Espanha. As migas mais comuns são confeccionadas
à base de pão, mas também existem migas de batata no Alentejo e de farinha
(gatxamiga em catalão ou gachamiga em espanhol) no sudeste da Península
Ibérica.
Precursoras ancestrais: as protomigas
Se a história nos ensinou
alguma coisa é que a grande maioria dos bocados que nós degustamos e aprendemos
a amar são frutos de sucessivas tentativas e erros ao longo de séculos, tendo a
causalidade como vetor evolutivo inspirador e a oportunidade como centelha
oportuna que acende a luz revolucionária e ilumina os criativos fazendo surgir
uma nova preparação.
Antes das migas (pão
embebido e recozido para se tornar prato principal) tal como se conhece hoje,
houve também os Hormigos, as Gachasmigas e os Turryones. Todas elas cocções
diretas de farinha sem panificar necessárias para digerir o trigo. Os hormigos,
um guisado de trigo ou tortilhas de pão, que o autor Gallego Morell atribuí
origem árabe, mencionados na peça A exuberante andaluza (La lozana Andaluza )
de 1528 e, portanto, considerados por muitos como precursor medieval de migas
atuais.
-Señoras, ¿En qué habláis, por mi vida? -Teresa Hernández:
En que para mañana queríamos hacer unos hormigos torcidos -Lozana: ¿Y tenéis
culantro verde? Pues dejá hacer a quien de un puño de buena harina y tanto
aceite, si lo tenéis bueno, os hará una almo fía llena, que no los olvidéis
cuando muráis. -Beatriz: Prima, así gocéis, que no son de perder. Toda cosa es
bueno probar… (La Lozana Andaluza, mamotreto VIII. Francisco Delicado 1528)
A autora Isabel
González Turmo cita em seu livro ‘Comida de rico, comida de pobre’ que
considera provável que as técnicas de cocção de trigo para torná-lo comestível
são anteriores à presença muçulmana.
As gachamigas são
derivadas de um mingau conhecido no século XV, era preparado com peças ou
'pedaços' de pão ralado cozido em água e sal. Tal como conta os professores
Nestor Lujan e Juan Perucho em El libro de
la Cocina Española:
Vienen luego las gachamigas manchegas. Las gachas,
conocidas ya en el siglo XV o antes, son pedazos o cachos de pan desmenuzado –
de ahí su nombre- cocidos con agua y sal. Las gachas manchegas, en la recta
antigua, se hacían con papada de cerdo, pimentón, clavo, alcaravea y pimienta.
La harina era de almorta. Cuando se hace con harina gruesa de trigo, bien
tostado antes de molerlo, se llaman griñones. A veces se comen también, como
acompañamiento, uvas moscatel.
Os Turriyones é um
prato típico invernal da região de Aliste. Seu desenvolvimento está intimamente
ligado à matança do porco, geralmente realizada entre os meses de dezembro e
janeiro. Seus ingredientes essenciais são uma ligeira mistura de um elemento
gorduroso chamado manto de porco, migalhas (Croutons) de pão e um elemento de
adoçante (açúcar ou mel). Eles muitas vezes servem como um poderoso café da
manhã que fornece energia suficiente para os participantes do abate
tradicional.
O nome Turriyones é plural, em raras ocasiões, usou o singular:
Turriyón. Esta palavra pode vir etimologicamente dialeto leonés de Zamora:
Turrare o que significaria tostar-se o pão ou outro alimento. Dele vem o termo
torrere (tostar). A etimologia vem a indicar o procedimento culinário mediante
o qual são elaborados: um tostado de
pequenos pedaços de pão com ingredientes gordurosos e doces.
Turryones |
A grande surpresa sobre a origem das migas
Ao contrário do que
parece, as migas – entendidas por muitos como migalhas - tem origem palaciana e
na classe superior, mas estão iconicamente associadas ao mundo rural;
As migas (também
chamadas migas de pastor) são pratos típicos onde se aproveitam as sobras de
pão duro - embora existam as migas de farinha, típicas do sudeste espanhol. As
migas talvez provenham do cuscuz Maghreb; nos territórios cristãos eram feitas
com pão e torresmos de porco para distingui-la da comida árabe e judaica.
Geralmente se atribui a
origem deste prato as camadas mais necessitadas da sociedade pelo motivo a
seguir: O pão sentao (maneira para
designar o pão ontem) era habilmente reutilizado pelos pastores e camponeses
para aproveitar o pão velho. Assim, pastores e camponeses, podiam transportar
em sacos a preparação com pães na forma de crouton, misturados com alho e
azeite. Esses três elementos são a base e os únicos imprescindíveis para o
preparo das migas.
No entanto, estudos
recentes fornecem uma visão paradoxal e interessante. Francisco Abad, autor do
livro Migas, um clássico popular de origem árabe (2005) relata em seu livro
como a invasão árabe introduz na península o tharid, preparação de pão espesso
cozido ou salteado em um meio, mais ou menos, úmido com gordura animal
adicionado opcionalmente carnes (de carneiro, de porco).
O Tharid na sua versão
atual, é uma sopa com pão, grão de bico e cordeiro. Esse prato era um grande
presente para visitantes ilustres em visitas a palácios e casas de alto nível.
Um presente bastante apreciado nas classes altas muçulmanas. Ou seja, nada de
mendigos cortando um pedaço de pão velho para fritar em azeite oxidado com um
dente de alho para aromatizar. Estamos falando de uma origem surpreendentemente
aristocrática deste prato aparentemente tão popular. Os anos e a ilusão de uma
cozinha de miséria adaptaram o tharid até transformá-lo nas migas que
conhecemos. Com séculos de adaptação perdeu umidade e ganhou variedade de
aromas e sabores.
Na metade do século.
XVI o preparo das migas era muito semelhante ao que se conhece hoje, e já havia
se espalhado entre os agricultores com a presença de ingredientes como
embutidos e toucinho, assim como pimentão ou sardinhas. As rotas migratórias de
pastores explicam as peculiaridades e semelhanças entre as migas regionais que
partilham pelo caminho: migas de Albarracín, feitas com bastante pimentão ao
mesmo estilo que em Extremeñas. E também na região do Alentejo Português, onde
as migas são tão tradicionais como na Espanha. No entanto, as migas espanholas
não aparecem nos receituários cristãos até 1611, na recopilação de Martínez
Montiño, cozinheiro real nas cortes de Felipe II a Felipe IV. O receituário de
Montiño contém a primeira receita de migas com registro escrito.
Tharid |
Eu não posso resistir a
incluir nesta revisão histórica a descrição da Condesa Pardo Bazán em sua obra
La cocina española antigua sobre migas chamadas de ‘de la Academia’ e sobre a
possível origem do prato. Não se pode expressar melhor o amor por um prato que
se supõem que esteve semrpe presente. ´rimitivo e ibericamente encantador.
. Las migas son un plato enteramente primitivo, ibérico.
Seguramente las comieron los que anduvieron a la greña con romanos y
cartagineses (…) Cortado el pan de hogaza, en cubos de medio centímetro
próximamente, se le humedece en agua con sal y pimentón, la víspera del día que
quiera comerlas, y así se tienen hasta el momento de pasarlas por la sartén con
poco aceite, agitándolas constantemente con una paleta. Deben echarse pedazos
de ajo en la sartén.
Migas manchegas ou ruleras: são comuns na área de
La Mancha. É feito com pão amanhecido embebido com um pouco de água por pelo
menos duas horas. Alho, azeite, salsichas, bacon e outros ingredientes de
porco. Geralmente é misturado com pão embebido e com um pouco de farinha. No
azeite são fritos alhos e vagens, junta-se o pão em fogo baixo até que as migas
tenham perda de umidade. É geralmente atribuído o nome pelas voltas que deve
ser dada durante o cozimento. É comum para come-la com algumas frutas como
uvas, romã e melão.
Migas turolenses: Essas migas são umedecidas em uma salmoura
durante toda uma noite. No dia seguinte, uma meia hora antes de servir, frite
um pouco de alho em uma panela que são retirados antes de estarem bem dourados.
No final do cozimento são adicionados pedações de presunto, às vezes pedaços de
chouriço, barriga de porco e o que mais quiser.
Migas aragonesas: Elas são feitas com pão dormido, chouriço,
toucinho fresco de barriga de porco, cebola, alho, sal, páprica doce e azeite.
A presença da cebola é essencial para que seja ao estilo de Aragonês. Servido
com uvas.
Migas andaluzas: A base de pão amanhecido, azeite e alho e se
pode agregar matalahúva (anis) e torremos, que é uma de suas marcas. É muitas
vezes acompanhada de pepino, azeitonas ou rabanete. Trata-se ainda de um
simples salteado de alho, tomate, pimentões e cebolas que se junta para
aproveitar o pão duro.
Migas
de Almería: feito com trigo ou semolina e comido com sardinha, anchova
frita, bacalhau, pimentão frito, pimentas secas frito, tomate seco, tomate
picado, berinjela frita, "tajás" (pedaços de carne magra, lombo e
toucinho frito) e chouriço. Em outras palavras, um festival de sabores. Ainda
são acompanhadas por uvas, romãs, favas, rabanete, azeitonas, alho e outras
coisas.
Migas extremeñas: são preparados como na Andaluzia e La Mancha,
se caracterizam por levar pimentões. Geralmente servidas acompanhadas de
toucinho, linguiças, pimentão, sardinha, etc.
Migas a la alentejana: Estes usam o pão tradicional do
Alentejo, que é de textura forte e rígida. Eles usam uma mistura de carne magra
e costelas de porco salgados convenientemente deixado de molho na véspera. O
restante procedimento é semelhante para todos os anteriores.
Migas canas: São migas que ao invés de serem umedecidas em
aguas são demolhadas com leite, daí o nome de reminiscência albina. A condessa
de Pardo Bazán com em seu livro que, se você quiser fazer a preparação doce,
deve-se eliminar o alho da receita tradicional.
Migas de gato: São migas realizadas exclusivamente a crosta
de pães e que não são salteadas já que são fervidas e ao final da preparação se
junta um pouco de gordura bem quente.
Assim sendo, você
escolhe uma dessas para preparar, ou inventa uma nova, quem sabe. E se
inventar, compartilhem aqui contando sua aventura.
300g de carne de porco
200 g de pão do dia anterior
3 colheres de sopa de farinha de ervilhaca
(almortas)
2 colheres de sopa de farinha de milho
2 dentes de alho
Azeite o quanto baste
Uma colher de sopa rasa páprica
Cominho
Erva doce (um pouquinho)
Pimenta moída
Preparo: Você começa a fritar
em uma frigideira grande, que, uma vez frito o alho previamente esmagado,
reserva-se. Sem seguida frita-se a carne de porco, e reserva-se, e depois o pão
cortado em pequenos cubos. Toos fritos e reservados, na mesma frigideira
adicione o pimentão, a farinha de ervilhaca, cominho, erva doce, refogue
bem. Despeje um litro e meio de água
quente mais a farinha de milho diluída em pouco dessa agua. Deixe cozinhar
lentamente, mexendo sempre com uma espátula ou colher de pau, por cerca de 20
minutos, até que a farinha esteja bem cozida. Experimente o sal, e depois
misture os ingredientes fritos anteriormente e sirva em seguida.
1 maço grande de espinafre
4 pães de milho (200g de broas)
300 g de feijão ou ervilha
Azeite o quanto baste
3 dentes de alho, finamente picados
Sal e pimenta
Preparo: Limpar o espinafre retirando
as folhas danificadas e os talos mais grossos. Lave e escorra. Ferva por 3-5
minutos em água temperada com sal. Escorra, reservando um pouco da água do
cozimento. - Corte o espinafre e reserve. Esfarele o pão de milho com as mãos,
em pedaços pequenos e reserve. Coloque um pouco de azeite e o alho em uma
frigideira. Doure o alho, misture o restante dos ingredientes, menos o pão e
refogue. Adicione o pão de milho esfarelado e deixe dourar. Polvilhe com um
pouco da água do cozimento reservada e / ou azeite para que ele não seque.
Tempere com sal e pimenta. Sirva imediatamente.
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