Perguntaram-me — com voz
entre irônica e doce — se eu não ia falar, no blog, sobre o morango do amor. A
pergunta vinha com o cheiro de feira e de festa, com aquela aura de expectativa
que se tem diante de algo que todos estão comentando, fotografando, querendo.
Como se meu silêncio soasse... fora de moda.
Mas, veja: há momentos em
que não é desdém, mas delicadeza não participar do coro.
Vivemos sob o feitiço do que
chamam hoje de FOMO — Fear of Missing Out — esse medo bem moderno de estar
ausente do que todos parecem celebrar. De não provar o doce da hora, de não
entrar na fila, de não postar, de não ter uma opinião a tempo. Mas a maturidade
— ou o paladar bem treinado — ensina que nem toda ausência é perda. Às vezes, é
escolha.
Porque eu já conheci o
encantamento da fruta envolta em cristal. Já me emocionei diante da beleza
inútil de um morango envolto em açúcar caramelizado...
Antonin Carême, o arquiteto
da pâtisserie imperial, já fazia disso um espetáculo. No início do século XIX,
ele montava verdadeiras catedrais com frutas glaceadas, moldadas com disciplina
de engenheiro e fantasia de poeta. À mesa de Talleyrand ou nos salões de Viena,
o morango era mais que fruta: era enfeite, metáfora, adorno comestível. Mas
também era artifício. Ilusão. Gula camuflada de glória.
No outro lado do mundo, uma
outra interpretação do desejo cristalizado: o Ichigo Ame, vendido em espetinhos
nas ruelas de Tóquio durante os festivais de primavera. Surgido nos anos 1980,
como uma adaptação moderna do Ringo Ame (a maçã do amor japonesa, feita desde o
pós-guerra), o doce de morango ganhou espaço como símbolo de efemeridade — e
elegância. Nele, a fruta é mantida intacta, ainda orvalhada, e só se cobre com
uma fina película de caramelo duro, transparente como laca. Nada de recheios ou
artifícios sentimentais. Só fruta e técnica. O prazer ali vem do contraste: o
estalo vítreo que cede ao toque dos dentes, a doçura sutil que abre caminho ao
frescor ácido do morango. É um amor que não se explica — apenas se quebra e se
dissolve. Um amor silencioso, como tantos que vivem bem por não dizer demais.
O morango do amor que se vê
inundando nas Telas das redes sociais vem com uma camada adicional, espessa e
familiar: um brigadeiro branco feito de leite condensado — essa invenção
absolutamente brasileira, doce de urgência e consolo, que jamais esteve nas
vitrines da França napoleônica nem nos banquetes de Carême. Mas está, sim, em
quase toda mesa nacional onde há desejo de agradar — porque o leite condensado,
no Brasil, é um gesto de afeto. Esse recheio transforma a fruta em algo mais:
uma bomba de doçura previsível, certeira, desenhada para paladares que
aprenderam a associar carinho ao açúcar em excesso. E não há mal nisso — há
estratégia, há código cultural. É o doce que não falha, que beija a boca antes
que ela pense. Mas talvez por isso mesmo, já não me surpreende. Porque o que
consola, muitas vezes, já vem domesticado.
Hoje, ao ver essas versões —
banhadas em açúcar duro e anunciadas como revelações sentimentais — não me
comove mais o brilho. Não por arrogância. Mas por já ter provado antes da
moda...
Eu respeito o gesto. Sei que
há ternura em oferecer um morango banhado em caramelo. Mas também sei o peso
que existe em se esperar que todos se emocionem por ele. E às vezes, o mais
amoroso dos gestos é não morder. É deixar que o outro brilhe, enquanto se busca
sabores mais quietos.
Talvez por isso eu prefira
agora um Sauvignon Blanc com jalapeño. Uma bebida que arde em silêncio. Que não
grita por atenção, mas recompensa quem se arrisca. Uma mistura que não promete
amor em palito, mas entrega algo mais raro: a surpresa depois do cansaço.
E se isso me faz parecer fora da moda, fico em paz. Há elegância também em não estar em todo banquete.
Morango do amor
Brigadeiro branco
1 leite condensado ou 395 gramas
1 creme de leite ou 200 gramas
4 colheres de sopa de leite em pó
1 colher de sopa de manteiga
10 morangos grande ou 500 gramas
Calda
2 xícaras de açúcar refinado ou 400
gramas
Meia xícara de água ou 120 mililitros
1 colher de sopa de vinagre ou 15
mililitros
150 gramas de xarope de glucose ou 15
mililitros
1 colher de sopa de corante em gel
vermelho
Palitos de churrasco pra facilitar o
banho dos morangos
Preparo: Em uma panela fora do fogo, misture bem o leite condensado, a caixinha de creme de leite, o leite em pó, a manteiga. Depois leve ao fogo médio, mexendo sem parar por mais ou menos 20 minutos ou até ficar em ponto de brigadeiro firme e soltando do fundo da panela. Apague o fogo, transfira o brigadeiro para um prato untado, cubra com um plástico e deixe esfriar na geladeira. Lave bem 10 morangos, seque muito bem, retire delicadamente os cabinhos e reserve (os morangos secos e os cabos separadamente). Pegue porções de 50 gramas do brigadeiro já frio, abra na palma das mãos untadas, coloque o morango no meio do brigadeiro e modele cobrindo todo o morango. Espete 1 palito de churrasco em cada morango e reserve. Coloque em uma panela fora do fogo o açúcar, a água, o vinagre, o xarope de glucose de milho branca, o corante em gel vermelho e misture bem. Leve ao fogo baixo por mais ou menos 15 minutos sem mexer até atingir a temperatura de 145 graus Célsius (ou faça o teste pingando 1 colher da calda quente em uma tigela com água fria e se a calda endurecer rapidamente, a calda está na temperatura certa). Apague o fogo e mergulhe cada espeto de morango na panela com a calda vermelha, deixe escorrer para tirar o excesso de calda e coloque em uma assadeira forrada com papel manteiga até endurecer por mais ou menos um minuto. Sirva em seguida.
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