segunda-feira, 28 de julho de 2025

UM SONHO EMBRULHADO EM ROSA-MARAVILHA: ou, crônica do bombom mais brasileiro, o Sonho de Valsa.

 

Imagine adormecer ao som de valsas vienenses, daquelas que giram dentro do peito como um fluido vestido em festa — ou uma saudade sem nome. Era uma noite morna, e a brisa que atravessava a janela trazia o aroma doce de castanhas tostadas e de algo que ainda não acontecera, mas que já se lembrava. No sonho, salões reluzentes abriam-se em espelhos, sapatos deslizavam em compassos exatos, e ao centro, nas mãos de dois corpos que se buscavam, repousava algo embrulhado com a ternura de um gesto íntimo — um bombom que parecia pulsar.

Ao despertar, ainda com a névoa da dança nos olhos, estava lá, sobre a mesinha de cabeceira: um pequeno invólucro cor-de-rosa maravilha. Foi desembrulhado devagar, como quem desvenda uma carta guardada entre páginas de um livro antigo. E então, sem surpresa — mas com espanto doce — compreendeu: aquele bombom era o próprio sonho. Um Sonho de Valsa.
Criado em 1938, quando o Brasil ainda vivia de gestos mais lentos e de silêncios mais intensos, o bombom da @Lacta surgiu como um mimo: feito a partir de uma casquinha de wafer crocante, recheio macio com castanha de caju, duas camadas de chocolate (uma meio amargo e outra ao leite, bem finas) que se derretiam sem pressa.

Durante os primeiros anos de sua existência, o Sonho de Valsa habitava o universo quase exclusivamente feminino, repousando em bombonières tão sofisticadas quanto os pequenos luxos que a época permitia. Era vendido a granel, como se confidências pudessem ser medidas a quilo — cada unidade um segredo embrulhado em estanho e silêncio cintilante. Àquela altura, o chocolate ainda era visto como um ingrediente sutil, quase aristocrático — reservado a paladares sensíveis, a ocasiões que pediam um toque de refinamento. E a Lacta, com sua vocação para a elegância, cultivava esse ar de distinção com zelo quase litúrgico.

Mas o tempo, sempre coreógrafo, moveu as intenções. Em 1942, a marca teve um lampejo: convidar os rapazes a presentear suas namoradas com aquele bombom que dizia tanto sem precisar de palavras. Nascia o slogan “Saboreie um bombom com a sua namorada” — e com ele, uma nova tradição.

Não mais apenas um chocolate, mas um rito de aproximação.
O Sonho de Valsa cresceu em tamanho e importância. Desceu dos salões para os bares e mercearias, passou a habitar também os bolsos dos tímidos, os corações dos decididos. A embalagem mudou: o violão solitário original deu lugar a um casal dançando em traje de gala, e a partitura de uma valsa surgiu nas laterais — um trecho da opereta "Ein Walzertraum" de Oscar Straus , e não Johann Strauss como muitos ainda pensam. Um toque europeu em meio à tropicalidade do gesto.

Com o avanço da tecnologia nacional, o celofane transparente deu lugar ao rosa maravilha — nome de flor brasileira, cor de romance latino. E assim, o Sonho de Valsa se transformou em algo maior do que o próprio recheio: virou metáfora.

Hoje, quatro em cada dez bombons consumidos no Brasil são Sonhos de Valsa, com esse nome que parece ter saído de um livro de música e de um diário adolescente ao mesmo tempo. São mais de 330 milhões de unidades vendidas por ano, cada uma delas pequena testemunha de encontros, aniversários, reconciliações e desejos ainda por dizer. Desde 1938, mais de vinte bilhões desses pequenos sonhos foram entregues — cada um preservando, intacto, o segredo do seu recheio que desafia o tempo e resiste há 87 anos. Não é apenas um doce, mas uma tradição que se revelou um verdadeiro fenômeno cultural brasileiro.

Quando, em 1996, a gigante americana Kraft/Mondelez Internacional assumiu a Lacta, encontrou algo muito além de um produto: descobriu uma história doce, entrelaçada com memórias e gostos que cruzam gerações. Hoje, essa marca celebra um faturamento de seiscentos milhões anuais, ultrapassa fronteiras, exportando para dez países — e dificilmente existe brasileiro que, ao menos uma vez, não tenha cedido ao seu encanto.

Mas o mais curioso talvez seja isso: não se dá um Sonho de Valsa apenas pelo sabor — embora ele seja, de fato, uma alquimia de texturas e lembranças. Dá-se porque há nesse gesto algo de antigo, de permanente. Porque desembrulhar um bombom é, às vezes, a única forma possível de dizer “estou pensando em você”.

Talvez cozinhar seja, afinal, o gesto que torna o amor visível — um movimento delicado que transforma o invisível em sabor, afeto e memória. E o Brasil, com engenho e ternura, soube moldar esse gesto em chocolate, fazendo dele uma instituição doce. Não apenas um bombom, mas um convite para um instante em que o tempo se dobra, e cada mordida desenha uma dança: às vezes solitária, às vezes a dois, sempre envolta numa valsa de memórias, desejos e silenciosos encantos.

Um sonho entregue, um ritual doce. E ao fim de cada mordida — como no último giro de uma valsa bem dançada — algo em nós se rende, comovido. Porque há afetos que não se dizem, lembranças que não se nomeiam. Só se dançam. Há promessas doces que o tempo guarda em silêncio — e, às vezes, em chocolate.

Obs.: Para os que cultivam a curiosidade como um deleite, deixo abaixo o vídeo com a opereta inteira, pronta para ser ouvida em sua plenitude. E que, ao som dessa valsa, possamos dançar suavemente, mordida a mordida, enquanto o Sonho de Valsa se desfaz em poesia no paladar.


PAVÊ SONHO DE VALSA

Primeiro creme

1 lata de leite condensado

1 lata de leite (use a lata de leite condensado pra medir)

3 gemas peneiradas

Segundo creme

400 mililitros de leite

2 colheres de sopa de amido de milho

2 colheres de sopa de cacau em pó

5 colheres de sopa de açúcar

Montagem

Sonho de Valsa a gosto picado

Biscoitos champanhe a gosto

Leite a gosto

3 claras

3 colheres de sopa de açúcar

1 lata de creme de leite gelado sem soro

Preparo:  Primeiro creme - Em uma panela, coloque leite condensado, leite e gema peneirada. Leve ao fogo, mexendo sempre, até engrossar. Despeje em refratário retangular transparente e reserve. Segundo creme - Dissolva o amido no leite, junte os demais ingredientes e leve ao fogo até engrossar. Reserve. Montagem: Espalhe um pouco de bombom picado sobre o primeiro creme e cubra com biscoitos champanhe umedecidos no leite. Distribua o segundo creme, espalhe um pouco de bombom picado e cubra com mias biscoitos umedecidos. Misture as claras com o açúcar e leve ao banho-maria, mexendo sempre, até amornar. Bata na batedeira até obter picos firmes. Incorpore o creme de leite, batendo rapidamente. Em seguida, despeje sobre o pavê e decore com o restante do bombom picado. Leve à geladeira por, no mínimo, 4 horas antes de servir.

 

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