Imagine adormecer ao som de valsas vienenses, daquelas que giram dentro do peito como um fluido vestido em festa — ou uma saudade sem nome. Era uma noite morna, e a brisa que atravessava a janela trazia o aroma doce de castanhas tostadas e de algo que ainda não acontecera, mas que já se lembrava. No sonho, salões reluzentes abriam-se em espelhos, sapatos deslizavam em compassos exatos, e ao centro, nas mãos de dois corpos que se buscavam, repousava algo embrulhado com a ternura de um gesto íntimo — um bombom que parecia pulsar.
Ao despertar, ainda com a
névoa da dança nos olhos, estava lá, sobre a mesinha de cabeceira: um pequeno
invólucro cor-de-rosa maravilha. Foi desembrulhado devagar, como quem desvenda
uma carta guardada entre páginas de um livro antigo. E então, sem surpresa —
mas com espanto doce — compreendeu: aquele bombom era o próprio sonho. Um Sonho
de Valsa.
Criado em 1938, quando o Brasil ainda vivia de gestos mais lentos e de
silêncios mais intensos, o bombom da @Lacta surgiu como um mimo: feito a partir
de uma casquinha de wafer crocante, recheio macio com castanha de caju, duas
camadas de chocolate (uma meio amargo e outra ao leite, bem finas) que se
derretiam sem pressa.
Durante os primeiros anos de
sua existência, o Sonho de Valsa habitava o universo quase exclusivamente
feminino, repousando em bombonières tão sofisticadas quanto os pequenos luxos
que a época permitia. Era vendido a granel, como se confidências pudessem ser
medidas a quilo — cada unidade um segredo embrulhado em estanho e silêncio
cintilante. Àquela altura, o chocolate ainda era visto como um ingrediente
sutil, quase aristocrático — reservado a paladares sensíveis, a ocasiões que
pediam um toque de refinamento. E a Lacta, com sua vocação para a elegância,
cultivava esse ar de distinção com zelo quase litúrgico.
Mas o tempo, sempre
coreógrafo, moveu as intenções. Em 1942, a marca teve um lampejo: convidar os
rapazes a presentear suas namoradas com aquele bombom que dizia tanto sem
precisar de palavras. Nascia o slogan “Saboreie um bombom com a sua namorada” —
e com ele, uma nova tradição.
Não mais apenas um
chocolate, mas um rito de aproximação.
O Sonho de Valsa cresceu em tamanho e importância. Desceu dos salões para os
bares e mercearias, passou a habitar também os bolsos dos tímidos, os corações
dos decididos. A embalagem mudou: o violão solitário original deu lugar a um
casal dançando em traje de gala, e a partitura de uma valsa surgiu nas laterais
— um trecho da opereta "Ein Walzertraum" de Oscar Straus , e não
Johann Strauss como muitos ainda pensam. Um toque europeu em meio à tropicalidade
do gesto.
Com o avanço da tecnologia
nacional, o celofane transparente deu lugar ao rosa maravilha — nome de flor
brasileira, cor de romance latino. E assim, o Sonho de Valsa se transformou em
algo maior do que o próprio recheio: virou metáfora.
Hoje, quatro em cada dez
bombons consumidos no Brasil são Sonhos de Valsa, com esse nome que parece ter
saído de um livro de música e de um diário adolescente ao mesmo tempo. São mais
de 330 milhões de unidades vendidas por ano, cada uma delas pequena testemunha
de encontros, aniversários, reconciliações e desejos ainda por dizer. Desde
1938, mais de vinte bilhões desses pequenos sonhos foram entregues — cada um
preservando, intacto, o segredo do seu recheio que desafia o tempo e resiste há
87 anos. Não é apenas um doce, mas uma tradição que se revelou um verdadeiro
fenômeno cultural brasileiro.
Quando, em 1996, a gigante
americana Kraft/Mondelez Internacional assumiu a Lacta, encontrou algo muito
além de um produto: descobriu uma história doce, entrelaçada com memórias e
gostos que cruzam gerações. Hoje, essa marca celebra um faturamento de seiscentos
milhões anuais, ultrapassa fronteiras, exportando para dez países — e
dificilmente existe brasileiro que, ao menos uma vez, não tenha cedido ao seu
encanto.
Mas o mais curioso talvez
seja isso: não se dá um Sonho de Valsa apenas pelo sabor — embora ele seja, de
fato, uma alquimia de texturas e lembranças. Dá-se porque há nesse gesto algo
de antigo, de permanente. Porque desembrulhar um bombom é, às vezes, a única
forma possível de dizer “estou pensando em você”.
Talvez cozinhar seja,
afinal, o gesto que torna o amor visível — um movimento delicado que transforma
o invisível em sabor, afeto e memória. E o Brasil, com engenho e ternura, soube
moldar esse gesto em chocolate, fazendo dele uma instituição doce. Não apenas
um bombom, mas um convite para um instante em que o tempo se dobra, e cada
mordida desenha uma dança: às vezes solitária, às vezes a dois, sempre envolta
numa valsa de memórias, desejos e silenciosos encantos.
Um sonho entregue, um ritual
doce. E ao fim de cada mordida — como no último giro de uma valsa bem dançada —
algo em nós se rende, comovido. Porque há afetos que não se dizem, lembranças
que não se nomeiam. Só se dançam. Há promessas doces que o tempo guarda em
silêncio — e, às vezes, em chocolate.
Obs.: Para os que cultivam a
curiosidade como um deleite, deixo abaixo o vídeo com a opereta inteira, pronta
para ser ouvida em sua plenitude. E que, ao som dessa valsa, possamos dançar
suavemente, mordida a mordida, enquanto o Sonho de Valsa se desfaz em poesia no
paladar.
PAVÊ SONHO DE VALSA
Primeiro creme
1 lata de leite condensado
1 lata de leite (use a lata de leite
condensado pra medir)
3 gemas peneiradas
Segundo creme
400 mililitros de leite
2 colheres de sopa de amido de milho
2 colheres de sopa de cacau em pó
5 colheres de sopa de açúcar
Montagem
Sonho de Valsa a gosto picado
Biscoitos champanhe a gosto
Leite a gosto
3 claras
3 colheres de sopa de açúcar
1 lata de creme de leite gelado sem soro
Preparo: Primeiro creme - Em uma panela, coloque leite
condensado, leite e gema peneirada. Leve ao fogo, mexendo sempre, até
engrossar. Despeje em refratário retangular transparente e reserve. Segundo
creme - Dissolva o amido no leite, junte os demais ingredientes e leve ao
fogo até engrossar. Reserve. Montagem: Espalhe um pouco de bombom picado
sobre o primeiro creme e cubra com biscoitos champanhe umedecidos no leite. Distribua
o segundo creme, espalhe um pouco de bombom picado e cubra com mias biscoitos
umedecidos. Misture as claras com o açúcar e leve ao banho-maria, mexendo
sempre, até amornar. Bata na batedeira até obter picos firmes. Incorpore o
creme de leite, batendo rapidamente. Em seguida, despeje sobre o pavê e decore
com o restante do bombom picado. Leve à geladeira por, no mínimo, 4 horas antes
de servir.
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