quinta-feira, 14 de agosto de 2025

RITA LEE E SEU MACARRÃO COM LINGUIÇA E PIMENTÃO: ENTRE A MÚSICA E O PRATO

 

Estava na hora de pensar no que preparar para o almoço, esse ritual sagrado e cotidiano que, para alguns, flui naturalmente, mas que para mim sempre soa como um desafio — e não um pequeno. Há em mim uma inquietação quase infantil diante da repetição; enjoo fácil da mesmice dos temperos, dos pratos reciclados do dia anterior, da cozinha feita apenas por obrigação. Eu preciso, confesso, de um pouco de encantamento no prato. Preciso de algo novo, algo que “alegre meu estômago” — sim, é isso. Comer, para mim, é sempre uma conversa entre o que sinto e o que desejo.



Foi nessa busca silenciosa por inspiração — com a mente leve, quase vazia, e o coração pulsando de vontades — que Rita Lee começou a sussurrar baixinho nos meus fones de ouvido. Meu Doce Vampiro. A melodia, tão íntima, sempre me arranca um sorriso oblíquo, desses que desarmam, como se eu não soubesse o motivo exato. Mas, no fundo, eu sei: é a lembrança de um fascínio antigo, quase secreto, pelos vampiros — criaturas sombrias e sedutoras que, ainda na infância, me encontraram nas páginas originais de Drácula, de Bram Stoker, lidas em inglês, com a pureza e o assombro de uma descoberta inaugural. Mais tarde, as crônicas vampíricas de Anne Rice se apoderaram da minha imaginação, enredando-me em tramas tão sedutoras que me inspiraram a escrever sobre esse universo. Textos que, certa vez, enviei à própria autora (confira aqui  AQUI e AQUI). Para minha surpresa — e deleite — ela gostou tanto que publicou um deles em sua página no Facebook.

Anos depois, presenteou-me com uma homenagem singela: deu meu segundo nome a um de seus personagens — Reuben (sem o “s” final do meu segundo nome, Reubens). Não era um dos sedutores vampiros que tanto amo, mas um lobisomem. Confesso que senti um leve desapontamento, como quem recebe um beijo no lugar de uma mordida prometida. Ainda assim, o gesto guardou-se em mim com carinho intacto, profundo e constante.

E toda vez que ouço Rita Lee cantar Meu Doce Vampiro, o sorriso retorna — discreto, como quem prova um segredo guardado no fundo da boca. Nesse encontro entre literatura, música e memória, cada nota se acende como uma chama viva, acalentando o fogo que alimenta tanto a cozinha quanto o coração.

A voz de Rita Lee — irreverente e encantada, como uma taça de vinho erguida à meia-noite — atravessou a cozinha como um feixe de sol inesperado, dourando as paredes e os instantes. Mas junto à luz veio também uma saudade diferente: não aquela que oprime o peito, mas a que se derrama quente, como um caldo lento, sobre a memória. Desde que Rita partiu deste mundo, sua música tornou-se mais do que melodia; é presença invisível, perfume que insiste em ficar no ar. Rainha do rock brasileiro, ela segue viva no eco de cada acorde — fogo, memória e vida latejando — como se, ao cantar, ainda mordesse delicadamente a eternidade.

Lembrei que, ao longo da vida, Rita Lee foi muitas: musa psicodélica, garota transgressora, depois mãe, amante dos bichos, e, por fim, mulher que se fez vegana, cuidadosa ao pensar o mundo e o futuro. Mas nem sempre foi assim. No início, Rita era tão humana quanto nós — com fraquezas, vícios e prazeres (que devia incluir os da mesa). Às vezes me pergunto se, naquela juventude elétrica, ela também se rendia a um prato fumegante de macarrão, desses que têm o gosto simples e festivo das cozinhas populares, e que abraçam o estômago com a mesma ternura ardente com que uma boa canção envolve a alma.

Se ela comia macarrão com linguiça e pimentão? Quem sabe. Mas ela fez até música sobre isso (ouça no final da postagem). Porque Rita sabia, como poucos, que o sabor também é uma forma de revolução. E é possível imaginar Rita na cozinha, com esse dom raro de transformar o trivial em feitiço, como quem joga uma pitada de anarquia na frigideira e serve afeto em forma de prato. Talvez, ela entendesse que cozinha também é palco — onde o fogo é dramaturgo e o aroma, trilha sonora.

E se não cantou literalmente sobre comida, cantou sobre entrega, sobre vertigem, sobre aquele momento em que os sentidos se rendem ao prazer: "Me aqueça, me vira de ponta-cabeça..." — e de algum modo, não é isso que a comida boa faz? Ela nos vira do avesso e depois nos acolhe. Era isso que eu queria: abrir a boca, fechar os olhos, e deixar que cada colherada me ensinasse a viver com mais coragem, mais gosto, mais sal.

Pensei nos tempos em que Rita, jovem e sem filtros, cantava ser a “ovelha negra da família” — talvez num jantar de domingo, enquanto o resto da casa ainda acreditava em bifes bem passados e feijão sem poesia. Mas ela já mirava além. Via jardins brotando entre tijolos, liberdade servida no prato e no palco. Na minha cozinha, senti algo parecido: o desejo de preparar um prato que fosse, ao mesmo tempo, protesto e celebração — que incendiasse o tédio e acendesse os sentidos, como se cada garfada fosse um gesto de insubmissão e afeto.

Então decidi: hoje seria o dia do macarrão com linguiça e pimentão que Rita Lee transformou em canção. Um prato simples, mas carregado de símbolos, onde cada ingrediente guarda algo da Rita que me encanta. A linguiça, com sua gordura generosa e cheia de sabor, lembra o excesso delicioso de seus refrões — sempre intensos, sempre impossíveis de esquecer. O pimentão, vivo e audacioso, é a Rita dos anos 70: colorida, insolente, deixando marcas em quem se aproximava. E o macarrão, que se enlaça no molho como quem se rende a um abraço, maleável e surpreendente, é metáfora perfeita para uma carreira que nunca se deixou prender, sempre pronta a mudar de forma e a seduzir de novo.

Enquanto os pimentões cediam à lâmina — em cortes largos, quase teatrais —, a música trocou de pele. E, com ela, Rita sussurrou pela boca invisível da cozinha, como se a própria casa confessasse sua mágoa:
"Eu não queria magoar você / Foi ciúme, sim / Fiz greve de fome / Guerrilhas, motim, perdi a cabeça / Esqueça." "Desculpe o Auê", ela disse, mas parecia um feitiço, não um pedido.

Às vezes, cozinhar é isso — um ato de rebelião contida, de erotismo canalizado em vapor e azeite, de mágoas temperadas em sal e alho. Uma alquimia onde se misturam rancor e desejo, ternura e raiva, tudo reduzido, lentamente, até virar sabor.

Porque na cozinha, como no amor, não há espaço para o fingimento. Cada gesto carrega algo de feroz: uma fúria contida no estalar do alho na frigideira, um perdão implícito no dourado perfeito de uma cebola.

Há, sim, tumulto — sempre há. E um pouco de desordem também. Mas acima disso, há amor. Um amor quente, imperfeito, intenso. Daquele que cozinha em fogo baixo, mas arde até o fim.

Era como se Rita sorrisse pra mim. Um sorriso lento, cúmplice, como quem finalmente aceita: Não se nasce para a moderação quando o sangue pede intensidade. Nem no prato. Nem na paixão. Nem na música que insiste em doer bonito.

Enquanto a cebola dourava lentamente na panela, seu aroma doce e terroso se espalhava pela cozinha como uma promessa sutil — não de paz, mas de verdade. Daquelas que só se revelam no tempo certo, depois do fogo baixo, depois da espera. Meus pensamentos, leves e inquietos, estouravam como pipocas — pequenas alegrias impacientes que pulsam no calor do agora, antes de caírem de volta ao fundo da panela, onde tudo — tudo mesmo — acaba se misturando.

Era como se Rita estivesse ali, não como um fantasma, mas como uma memória em carne viva, encostada na moldura da porta, com os olhos semiabertos e a voz translúcida, quase rindo. Ela não falava sobre finais — falava sobre danças. Sobre o brilho dos instantes antes da explosão. Sobre a beleza trêmula do quase. "Se Deus quiser / Um dia eu morro bem velha / Na hora H, quando a bomba estourar / Quero ver da janela / E entrar no pacote de camarote" — canta ela, e há um sabor de ironia nisso, sim, mas também uma sabedoria quase pagã, um amor pela efervescência do agora.

A vida, no fundo, é essa panela — quente, agitada, às vezes um pouco perigosa. E a colher que mexe, quase sempre com força, também acalma. Mexer é um gesto de fé. Continuar ali, entre aromas e lembranças, é um modo secreto de resistir.

Enquanto o vapor subia e se enroscava em meus cabelos, senti que estar ali, presente — inteiro — era um ato sagrado. Não um espetáculo, mas um rito. Porque há um poder silencioso no simples: no escutar da música certa, no cheiro que abraça antes mesmo de tocar, no gosto que explode depois da espera.

E é isso. É isso que eu celebro. Não as grandes entradas, nem os finais dramáticos. Mas o miolo da coisa. O instante que cozinha. O momento que, por ser tão comum, chega a ser eterno.

A verdade é que, por trás de cada gesto à beira do fogão, há resistência. Não a resistência heroica das grandes causas, mas a cotidiana — íntima, silenciosa, e, por isso mesmo, feroz. Há dias em que o fogo na cozinha não é apenas chama para cozer, mas um reflexo exato do incêndio de dentro.

A cebola chia na frigideira, entregando seu perfume como uma oferenda. A gordura da linguiça estala em pequenos aplausos, não de plateia, mas de um palco solitário, onde cada movimento é confissão.

Rita sussurra outra vez, agora com a voz embriagada de desejo e provocação: "Pegar fogo nunca foi atração de circo" — ela dizia em Jardins da Babilônia — e, naquele instante, compreendo. O fogo não é para entreter. É para revelar.

Porque a cozinha, nesse exato momento, torna-se espetáculo, sim — mas um espetáculo íntimo, aceso por dentro. Não há público, não há cortinas, só o calor e eu. A colher dança como batuta, conduzindo uma sinfonia feita de óleo, memória, desejo. Cada ingrediente um acorde, cada estalo uma lembrança que se solta do osso da alma.

Cozinhar, afinal, é isso: arder por dentro com uma ternura antiga. É queimar sem se destruir. É deixar que o fogo revele, camada por camada, o que ainda pulsa. Sem medo da labareda. Sem medo do que sobra depois que tudo — inclusive você — é reduzido ao essencial.

Foi então que me encontrei suspenso — entre a colher e a lembrança —, imerso na luz preguiçosa da manhã que se adensa. A cozinha se aquecia aos poucos, como um corpo que desperta. E não era apenas o calor do fogão: era algo mais antigo, quase mítico, acendendo sob a pele, entre os cheiros e os gestos.

A linguiça ainda chiava, impaciente, e os pimentões — apenas vermelhos, rubros como desejo bem guardado — liberavam seus óleos com uma docilidade que parecia querer seduzir o próprio ar. Tudo em mim se embebia dessa mistura — desejo, lembrança, fome.

Havia, ali, um amor que não se direcionava a ninguém em particular, mas que era vasto e terno como o calor de uma tarde de verão. Um amor que nascia, inteiro, do simples ato de criar algo com as mãos.

E como todo rito — e Rita Lee, que é mais rito do que gente — merece sua oferenda, preparei a minha bebericagem com a solenidade que se dá às coisas simples quando feitas com desejo. Um cuba-libre, servido com esmero lânguido, sem nenhuma pressa, como se o tempo escorresse junto ao rum dourado e a Coca‑Cola — líquido ambíguo, quase um vício, quase um feitiço – se encontrando como amantes noturnos. Gelo em profusão, e limão espremido com a preguiça voluptuosa dos dias que pedem rendição ao calor. Uma ausência d’água que ninguém contesta, porque há momentos em que o excesso é uma forma legítima de oração.

O gesto, embora simples, parecia carregado de magia doméstica — uma alquimia cotidiana entre sombra e prazer. Algo que, talvez, a própria Rita aprovasse com aquele sorriso enviesado que era metade sarcasmo, metade carinho. Como quem ergue um brinde à beira do caos — e dança, mesmo assim, entre os escombros e as melodias.

Na cozinha, o vapor da panela se elevava como um incenso doméstico, enquanto o primeiro gole me escapava pelos lábios — e então, como se invocada pela canção que irrompia nos fones, ela veio: "ai, ai, meu Deus, o que foi que aconteceu?" — o lamento elétrico de Arrombou a Festa soando como uma pergunta que nunca quis resposta.

E ali, com o molho se formando na panela e a alma em suspenso, compreendi: Rita ainda era capaz de bagunçar meus dias. Mesmo ausente, ela se insinuava entre os objetos e os afetos, desordenando o automatismo morno de comer apenas por comer. Em vez disso, eu cozinhava comovido, transbordando daquela emoção que só artistas de verdade provocam — os que não se contentam em existir, mas transfiguram o mundo.

A cozinha, por instantes, foi palco. O almoço, um espetáculo íntimo de rock e ternura. E eu, sacerdote e espectador, brindava à mesa não apenas uma refeição, mas um ritual de memória e criação. Porque Rita, como toda boa bruxa, nunca se vai por completo...

A comida enfim estava pronta — não apenas pronta, mas consagrada. Provei o molho como quem prova uma memória antiga, dessas que se desdobram na boca com o peso de uma saudade esquecida. Ajustei o sal com o cuidado devoto de um maestro afinando sua orquestra antes do primeiro acorde, escutando o silêncio para melhor ouvi-lo.

Escorri o macarrão com a solenidade de um gesto aprendido pela repetição amorosa dos dias, e o envolvi naquele abraço quente de sabores que havia construído com as próprias mãos. Sobre tudo, deixei cair uma chuva quase cerimonial de cheiro-verde — não apenas um tempero, mas um último aceno, um aplauso verde e silencioso ao espetáculo recém-nascido no prato.

Sentei-me, e o vapor ainda subia como um espírito leve dançando no ar, traçando espirais entre a luz da porta da cozinha e o som de Rita, que embalava meus pensamentos como uma velha amiga que nunca foi embora de verdade.

Foi ali que compreendi: aquele almoço era mais que refeição. Era rito. Era travessia. Um instante suspenso entre o que já partiu e o que ainda pulsa. Um lugar onde o corpo se nutre, sim — mas onde, sobretudo, a alma desperta, se estica, se espreguiça... e canta.

Olho o prato finalizado e, quase sem querer, deixo escapar: “Meu bem, você me dá água na boca” — como cantou Rita, numa canção onde o corpo é território de desejo, mas que ali, naquele instante, podia muito bem ser uma ode ao próprio prato. Afinal, entre os dois — o corpo e a comida — a distância é mínima. Há sabores que não saciam apenas a fome do estômago, mas tocam uma sede mais funda, mais secreta: a ânsia de sentir, de estar inteiro, de viver com apetite.

O macarrão com linguiça calabresa e pimentão tem esse dom raro. Não se limita a alimentar — ele seduz. Sorri. Convida. Abraça. Carrega o calor de uma festa inventada no susto, a cumplicidade preguiçosa de um domingo sem pressa, o conforto de uma lembrança boa que voltou no vapor da panela, sem ser chamada.

E talvez por isso Rita o teria cantado — porque entendia, como só os que vivem com fúria e doçura sabem entender, que certos pratos são também canções. Que algumas receitas, quando feitas com desejo, tornam a cozinha o lugar mais erótico da casa: onde o toque é íntimo, o tempo é lento, e cada gesto carrega a promessa de prazer.

E foi ali, com o prato diante de mim e a música ainda vibrando no ar como um perfume antigo, que compreendi: não era só fome que me movia — era o desejo de pertencer ao instante. De fazer parte desse milagre silencioso onde um corpo cozinha, outro canta, e o mundo, por um segundo, se torna belo demais para ser real. Porque há momentos — raros, quase sagrados — em que comer é uma forma de amar o que já se perdeu e, ainda assim, continua vivo. E naquele vapor que subia do prato como uma oferenda discreta, eu vi Rita. Não como ausência, mas como presença acesa. Ardente. Como só os eternos sabem ser.

 

Macarrão com linguiça e pimentão da Rita Lee*

 

1/2 xícara de azeite de oliva

200 g de linguiça calabresa picada ao seu gosto

1 cebola picadinha

Um pouco de salsinha a gosto

4 tomates batidos no liquidificador

2 pimentões vermelhos picados (ou em tiras finas)

2 colheres sopa de massa de tomate

1 tablete de caldo de carne

Macarrão tipo caracol (o nome original dela é Chifferi)

Sal a gosto

Preparo:  Aqueça o azeite e frite a linguiça picada ao seu gosto até ficar douradinha. Adicione a cebola e refogue até murchar. Acrescente o tomate batido, os pimentões e o extrato de tomate. Dissolva o tablete de caldo (não precisa ser em banho-maria como na música, tá? Mas, se seu coração quiser deixar a receita mais fiel, não discuta com a instrução da mestra) e coloque na panela. Tempere com sal e finalize com salsinha. Enquanto isso, cozinhe o macarrão em água fervente com sal até ficar al dente. Escorra e misture no molho. sirva quentinho. 

* Nota deste Barão cozinheiro: a música não revela todos os segredos do preparo, e a intuição pode ser a melhor aliada. Para quem gosta do prato mais molhadinho, um pouco mais de molho nunca será demais; para os amantes de sabores concentrados, deixar o molho secar um pouco mais fará a festa também.

 

domingo, 3 de agosto de 2025

O GOSTO DO DELÍRIO: ENTRE A LANÇA E A MESA QUIXOTESCA

  

Foi num gesto simples — quase irrelevante — que tudo começou: recuperei da geladeira o resto de um vinho manchego que abrira dias antes. Um Finca Antigua Crianza, rubi na cor, memória na taça. Há quem torça o nariz diante de vinhos reencarnados pela refrigeração doméstica, mas ignorei o julgamento. Segurei a taça numa mão, o celular na outra, e me joguei no sofá. Na tela, uma colega portuguesa — dessas que, assim como eu, não perdem a chance de falar de comida como quem evoca santos — publicava, num grupo sobre viagens, uma matéria sobre o roteiro gastronômico pelas terras de Dom Quixote.


Sorvi o vinho. Rubi escuro, frutado, com aquela solenidade doméstica de algo que quase se perdeu, mas ainda resiste. Como o próprio espírito da região de La Mancha: vasta, ensolarada, e teimosa em reinventar-se. Pensei na Airén, essa uva que cobre o mundo em hectares de silêncio; na Tempranillo — ou seria Cencibel, como chamam por lá? — que insiste em se fazer notar nas taças do século XXI, depois de décadas em que vinho era apenas vinho, tinto ou branco, e bastava assim.

E ali, entre um gole e outro, enquanto as palavras iam se organizando em mensagens improvisadas e salvas no celular, senti que aquele instante era mais que banalidade: era um chamado.

Afinal, não estamos falando de qualquer região. La Mancha é a maior Denominação de Origem do mundo, com vinhedos que cobrem mais de 150 mil hectares, um verdadeiro oceano de vinhas em plena Espanha central. Para quem, como eu, que também pesquisa e produz cientificamente sobre as Indicações Geográficas no Brasil, isso tem peso, história, e um certo fascínio técnico que beira o épico. Porque La Mancha não é só cenário literário — é território sensorial. Onde vinhas amadurecem entre o vento e o sol para se transformar em vinho que já foi banal e agora busca excelência.

É também a pátria do queijo manchego, o mais famoso da Espanha, que carrega na casca o selo de sua origem como um brasão de honra — como os que os cavaleiros de Cervantes jamais deixariam para trás. Não é pequeno o espanto de descobrir que essas terras que deram ao mundo um fidalgo louco também alimentam corpos com manchego curado, pão rústico e caldos que cheiram a infância.

Foi ali, entre o vinho que resistiu à pressa e a notícia partilhada como pão, que se acendeu a ideia deste texto: na urgência de compreender Dom Quixote, não apenas com os olhos de quem lê, mas com o paladar de quem prova. Porque algumas histórias não se entendem de barriga vazia — é preciso mastigá-las, deixar que dissolvam na boca da memória.

E assim nasceu esta escrita — como nasce uma ceia: entre a fome de entender e a sede de sentir.

Mas antes de servir o prato, é preciso começar pelo fogo. Começar do começo.

Imagine: eu, menino da década de 1980, morador da mais alta serra do Ceará, onde tudo era verde e substancial, encontrando um livro que contava sobre um homem meio doido, meio encantado, lá do outro lado do mar. Chamava-se Dom Quixote, e vinha de uma terra tão seca quanto muitos ainda pensam do meu Estado, mas onde os moinhos giram com o vento, feito cata-vento de feira. Dizem que era fidalgo, mas daqueles que trocam o cavalo branco por um pangaré magricela, e as honrarias por sonhos.

Mas eu digo: para quem cresceu devorando os contos europeus — Andersen, os Irmãos Grimm, Esopo —; delirando com As Brumas de Avalon, de Marion Zimmer Bradley; resenhando A Morte de Arthur, de Sir Thomas Malory; decorando trechos do Sítio do Picapau Amarelo, de Monteiro Lobato, para encenar no quintal — ou onde bem entendesse —, afiando-se com a altivez de Emília, a boneca de pano falante; e gargalhando com os disparates geniais do Barão de Münchhausen, cujas façanhas mirabolantes foram eternizadas por Rudolf Erich Raspe, voando com ele até a Lua ou cavalgando balas de canhão, como se tudo isso fosse a mais natural das verdades... então esse alguém entende Dom Quixote direitinho.

Porque Emília, com seus olhos de tinta e língua afiada, era mais do que brinquedo: era pensamento solto, crítica em miniatura, filosofia de quintal. Feita de retalhos e coragem, desafiava adultos com a mesma facilidade com que inventava reinos, misturando lógica e loucura, ciência e sonho. Falava pelos cotovelos — e o que dizia, por mais absurdo que soasse, sempre trazia um fundo de verdade que fazia rir e pensar. Era, no fundo, uma pequena Quixote: teimosa, inventiva, e fiel ao próprio delírio — tão capaz de combater moinhos como de subir pela própria trança para sair de enrascadas, como o velho Barão.
Entre Quixote, Emília e Münchhausen, há um fio invisível: o da imaginação que recusa limites, da fantasia que revela, por meio do absurdo, a verdade mais sutil — aquela que nem sempre cabe nos livros de história, mas que pulsa, viva, nos livros de estória.

E se, além de tudo isso, esse alguém também cresceu ouvindo histórias de vaqueiros valentes, de beatos que falavam com Deus e de doidos que viam o que ninguém via... então, sim — entende Dom Quixote direitinho.
Entende porque já viu de perto o que é sonhar com mais força do que o mundo permite.

Porque Dom Quixote — ah, Dom Quixote — era desses que lia tanto — e só livro velho — que acabou misturando fantasia e verdade, como a gente quando acredita que a lua corre atrás da gente na estrada.
Montado em Rocinante, um cavalo mais cansado que jegue de feira, e com uma armadura feita de panelas velhas, ele saiu pelo mundo querendo consertar injustiça e proteger donzelas (mesmo sem nenhuma por perto). Via gigantes onde só havia moinhos, feiticeiros onde só tinha vento, e acreditava que tudo podia ser melhor se a gente sonhasse o suficiente.

Se você estivesse aqui no Ceará, anos 80, talvez você o visse como aquele tio que andava falando sozinho na rua, mas que todo mundo respeitava porque, no fundo, ele era bom. Ou então como um Lampião ao contrário: em vez de arma, espada; em vez de cangaço, ideal.

A verdade é que Dom Quixote era como nós quando fechamos os olhos no calor do fim de tarde e imaginamos um mundo mais bonito — um mundo em que a justiça tem gosto de cuscuz quente e o bem sempre ganha, nem que seja só no pensamento. E é por isso que ele ainda vive. Porque no sertão, quem não sonha, seca por dentro. E Dom Quixote... era um poço artesiano de sonhos.

Talvez por isso mesmo ele me pareça tão próximo — Dom Quixote, esse estrangeiro castelhano, tem algo de parente nosso. Porque ali, entre a secura da paisagem e a abundância da imaginação, entre a falta de chuva e o excesso de histórias, nasce um tipo raro de herói: aquele que transforma o pouco em muito, o real em fábula, a rotina em travessia. Como os sertanejos que escutam o rádio a pilha como se fosse missa, ele também ouvia vozes — mas eram as das páginas, que sopravam ideias mais fortes que o vento da caatinga.

E como nós, que ainda podemos misturar sonho com farinha e memória com rapadura, ele sonhava até de barriga vazia. Porque se o sertão sonha para não secar, Alonso Quijano lia para não murchar — e comia o que havia: de migalhas de pão às lembranças de banquetes que só existiam no livro.
E assim, entre uma leitura e uma garfada, a comida foi entrando nas páginas de Dom Quixote como parte do enredo — nunca só alimento, mas metáfora, pretexto, ironia ou consolo.

Não há delírio sem fome. E talvez não haja cavaleiro errante sem um apetite antigo, desses que se misturam com os ventos da planície e o farfalhar das páginas. Dom Quixote, antes de se armar com armadura enferrujada e palavras inflamadas, era Alonso Quijano, um leitor faminto. Leitor de romances de cavalaria, sim, mas também de um mundo que escapava pelas bordas da realidade, como um caldo que transborda da panela e insiste em dourar o fogão com seus excessos.

Ao ler ‘El ingenioso hidalgo don Quijote de la Mancha’, percebi que a fome é personagem. Miguel de Cervantes abre o romance com um cardápio modesto, quase esquecido: "Una olla de algo más vaca que carnero, salpicón las más noches, duelos y quebrantos los sábados, lentejas los viernes, algún palomino de añadidura los domingos, consumían las tres partes de su hacienda…”

Mais do que alimento, esses pratos são sinais — vestígios palpáveis de uma existência suspensa entre o concreto e o sonho. A “olla de algo más vaca que carnero” não é apenas uma panela cheia de sopa rústica; é a alquimia da necessidade, onde a escassez se transfigura em sustento e a simplicidade se reveste de um sabor que desperta a memória e o desejo. O “salpicón” (já tratei sobre ele no blog, em 2023; e você pode conferir AQUI), sempre presente, emerge como uma sombra sutil, fragmentos dispersos que falam da rotina e da espera, enquanto os “duelos y quebrantos” dos sábados condensam em si a ambiguidade do viver: “dores e quebras” que se transformam em alimento, assim como o delírio se alimenta da realidade para inventar o impossível. As “lentejas” (lentilhas0 das sextas-feiras, humildes e terrosas, pontuam a semana com sua modéstia, e os “palominos” (pombos jovens) ocasionais do domingo, a pequena indulgência que interrompe o ciclo da necessidade.

Nesta gastronomia de limites e improvisos, Cervantes nos revela que comer é também sonhar, e que a fome do corpo ecoa a fome da alma, essa sede incessante que move Quixote a confundir moinhos com gigantes, a transformar o cotidiano em epopeia e a nos lembrar que, no fundo, o sabor mais profundo é o do próprio desejo.

É a fome que pauta a semana. E o que hoje tomamos por fantasia era, na verdade, uma maneira de sobreviver: organizar os dias pelo que se tinha para comer. Duelos y quebrantos aos sábados, como se os ossos e as miudezas do mundo se transformassem em consolo de panela.

Mas não há consolo que dure muito quando se tem imaginação. E Quixote, em sua loucura afiada, transforma os moinhos em gigantes e o cheiro de torresmo em névoa de batalhas.

O próprio Roland Barthes, ao pensar nos mitos do cotidiano, nos convida a desconfiar das narrativas absolutas e buscar o que está escondido nos rituais banais: "A comida, como o amor, como a literatura, não se entrega toda de uma vez. Há sempre camadas, sobreposições, presságios" (Barthes, Mythologies, 1957).

É nesse sentido que Cervantes tece sua narrativa: cada viagem de Quixote é também uma travessia gustativa. Há estalagens com pão duro, vinhos diluídos, coelhos em conserva, e sobretudo há a ausência — essa fome que caminha ao lado do cavaleiro, ora física, ora simbólica. Mesmo Sancho Pança, seu escudeiro, que deveria representar o apetite terreno, frequentemente é impedido de comer pelo fluxo do enredo ou pelos devaneios do amo. Comer, nesse romance, é também sonhar. Ou ser impedido de sonhar.

Em um trecho, Sancho reclama: "Más quiero hartarme de pan mojado que de promesas sin sustancia." [CERVANTES, Dom Quixote, Parte I, Cap. XX]
E com isso, a gastronomia da obra revela sua função filosófica. O pão é a realidade. A promessa é o sonho. E a panela é o espaço em que essas duas coisas tentam, em vão, se reconciliar.

Ler Dom Quixote é sentar-se à mesa da melancolia ibérica. Jean-Claude Carrière, em seu Le cercle des menteurs, nos lembra que "mentir é uma forma de amar o mundo mais do que ele merece". E talvez Cervantes, em sua invenção do anti-herói, tenha mentido para alimentar nossos vazios.

Ao longo de suas páginas, Dom Quixote se revela um banquete de sabores, com mais de cento e cinquenta referências culinárias que permeiam a narrativa. Cada menção a um alimento ou prato é uma janela para o cotidiano do Século de Ouro espanhol, revelando que a comida em Dom Quixote não é mero detalhe, mas tecido vital da experiência, sabor que tempera o delírio e sustenta a fantasia.

Mas se há algo que consola verdadeiramente em meio às aventuras quixotescas, é a persistência dos sabores — mesmo os mais pobres.
A receita de duelos y quebrantos sobreviveu ao tempo, como se fosse possível, ainda hoje, saborear um sábado do século XVII. Trata-se de um prato tradicional da região de La Mancha, feito com ovos, chouriço e presunto ou miúdos de porco. O nome carrega um lirismo sombrio: "dores e quebras", como quem junta o que sobrou para curar o que não passa.

Duelos y quebrantos é mais do que um prato — é um retrato servido quente de um tempo em que a comida dizia tanto quanto os livros. Preparado tradicionalmente aos sábados, como quem encerra a semana com um gesto firme de sobrevivência, o prato mistura ovos bem batidos com lascas salgadas de presunto, rodelas de chouriço levemente picante e, por vezes, torresmos crocantes ou miúdos intensos.

A frigideira sussurra histórias antigas: da fazenda castigada pela perda de uma ovelha ao silêncio forçado dos conversos judeus, que, à mesa, precisavam provar com a boca o que o coração não cria. A origem do nome segue envolta em hipóteses — luto pastoral? ironia inquisitorial? — mas o sabor permanece, denso e ambíguo. É um prato que carrega culpa e consolo no mesmo garfo. Seu preparo exige pouca sofisticação e muita memória: nada é desperdiçado, tudo é incorporado. Ali, entre a gordura que crepita e o aroma que se espalha, está a alma de uma Espanha que cozinhava com o que tinha — e dizia, sem palavras, aquilo que não ousava escrever.

Há autores que sugerem que o nome remonta aos tempos da Inquisição, quando os judeus convertidos eram obrigados a provar sua fidelidade ao cristianismo comendo carne de porco. Outros dizem que o nome vem da ressaca dos soldados castelhanos, quando quebravam o jejum da guerra com gordura e ovos.

De um modo ou de outro, o prato ecoa a ambiguidade da própria obra: é pobre, mas nobre; simples, mas profundo. Como Quixote. Como nós, quando escolhemos continuar sonhando.

A Espanha retratada por Cervantes não se resume a planícies e ventos cruzados por lanças imaginárias. Ela é também uma mesa posta com o que se pode, e não com o que se quer.

Em meio às andanças de Quixote e Sancho, surgem pratos que, ainda que fugidios, carregam o gosto pungente do real. Há, por exemplo, o bacalhau — mencionado como bacallao, na forma que os portugueses o introduziram. Ele aparece não como banquete, mas como relíquia — um peixe seco que navega entre impérios e tabernas, conectando fé, comércio e fome. Na literatura espanhola, é Cervantes quem primeiro o nomeia. Não é acaso. É testemunho.

Em um daqueles dias que se abrem com mais vento do que luz, Quixote chega a uma estalagem que mal se sustenta entre paredes e promessas. Era sexta-feira — dia de magreza — e “não havia em toda a estalagem nada além de umas rações de um peixe que em Castela chamam abadejo, e na Andaluzia bacalhau, e noutras partes curadillo”. O prato, mal dessalgado, mal cozido, servido com um pão “tão negro e sujo quanto a armadura do hóspede”, não alimenta — apenas adverte. A refeição se transforma em metáfora da própria travessia do cavaleiro: dura, salobra, indigesta, como se o mundo lhe oferecesse espinhos no lugar de sustento. E, no entanto, ali, entre as farpas do peixe e o farelo do pão, persiste o gesto de comer como um ato de fé — o estômago como altar do delírio.

E o que dizer do “cavial” (caviar)? Aqueles ovos de esturjão contrabandeados por Ricote, o morisco expulso, dizem mais do que aparentam. Numa bolsa, ele leva vinho, jamón e caviar — todos proibidos pela tradição muçulmana. Mas essa heresia culinária é também confissão de identidade. Cervantes aqui não só descreve ingredientes: ele tempera a narrativa com o dilema do pertencimento, como quem oferece um banquete para provar que já não é mais quem foi. Comer, nesse trecho, é pedir acolhimento.

A comida volta a sussurrar seus enigmas em uma clareira, entre peregrinos e conversos. Ricote, o morisco exilado, partilha com Sancho Pança um lanche improvisado sobre a relva, onde “também colocaram um manjar negro chamado cabial, feito de ovas de peixe e grande despertador da sede”. O caviar, raro e provocador, não aparece como requinte, mas como contradição: alimento proibido para os muçulmanos, agora consumido por um homem que já não pertence nem à fé antiga nem à nova. É alimento que carrega exílio. A fome aqui não é só do corpo: é a do pertencimento, da identidade, da terra perdida. E o sal do peixe não tempera — arde. Porque em Dom Quixote, até o que se mastiga pode ser memória, ou fantasma.

Já na cena das bodas de Camacho, surge a extravagância da olla podrida, que em nada tem de podre, mas sim de poderosa — como a origem de seu nome insinua: poderida. Trata-se de um guisado barroco, cheio de carnes e legumes, onde cada ingrediente parece disputar protagonismo com o próximo.

“Aquel platonazo que está más adelante vahando me parece que es olla podrida, que, por la diversidad de cosas que en tales ollas podridas hay, no podré dejar de topar con alguna que me sea de gusto y de provecho”, diz Sancho, com os olhos brilhando mais de desejo que de fome. A panela fervente, exalando carnes, aves, legumes e especiarias, é uma pequena Babel gustativa: tudo se mistura, nada se perde. O nome, que o tempo corrompeu em “podrida”, carrega ainda o eco de “poderida” — não o que apodrece, mas o que tem força. A olla é, assim, um universo inteiro em suspensão, onde os sabores se empilham como as histórias, e onde cada colherada parece prometer consolo, excesso e um pressentimento de eternidade. Não é apenas um prato: é uma metáfora fumegante da própria obra, da vida e dos sonhos que, como ingredientes, se dissolvem uns nos outros até não se saber mais o que é invenção e o que é sustento.

Ela é o avesso de duelos y quebrantos: onde este reúne as sobras, aquela ostenta abundância. Mas ambas, em sua dualidade, revelam a alma da obra: um romance que caminha entre a fartura idealizada e a escassez cotidiana.

E, no entanto, são as frases triviais que mais alimentam a permanência do Quixote. “Las penas con pan son menos” — um provérbio que diz mais do que muitos tratados de filosofia. Cervantes nos dá, assim, um receituário moral e culinário, no qual o pão é bálsamo e a linguagem, fermento. “La mejor salsa del mundo es el hambre”, escreve ele. E talvez esteja aí o segredo: a fome como tempero de tudo — das ideias, dos gestos, dos sonhos.

Essas camadas de sabor, costuradas ao fio da narrativa, revelam mais do que um retrato de época — são um espelho do próprio existir. Porque comer, nesse romance, é também resistir: ao vazio, ao tédio, ao desengano. É dar forma, ainda que efêmera, ao caos dos dias. E assim seguimos, como Quixote e Sancho, oscilando entre o sonho e a escassez — entre torresmos e gigantes, entre lentilhas e cavaleiros, entre ossos e promessas. Mastigamos esperanças, engolimos desilusões e, com cada garfada, tentamos — sem sucesso — dar sentido ao mundo que nos escapa entre um prato e outro.

O delírio em El Quijote não é mera evasão, mas um fogo que arde na alma, uma fome que ultrapassa o pão e o vinho, alimentando-se da fantasia que se desdobra em cada aroma e textura. É um delírio que se entrelaça aos sabores que vão além do corpo, impregnando a carne da memória, onde o prato simples dos duelos y quebrantos se revela um encontro entre o palpável e o intangível. Cada garfada convida a perder-se junto ao cavaleiro, a misturar o gosto da terra seca da Mancha com o hálito incerto das batalhas contra gigantes invisíveis.

Assim, o delírio invade a cozinha e a narrativa, como um sopro quente que anima a panela, revelando o sabor ácido da loucura, o amargor doce da esperança e o sal da resistência, condensando no alimento a mesma poesia que sustenta o sonho e a luta de Quixote. Comer, nesse mundo, é entrelaçar-se à loucura, aceitar o convite de perder-se e reencontrar-se entre o desejo e o delírio, na tênue fronteira entre a carne e o fantasma.

E se Italo Calvino estava certo ao dizer que "um clássico é um livro que nunca termina de dizer o que tem a dizer", talvez seja porque ele nos alimenta de formas que ainda não sabemos nomear. O que resta, então, é cozinhar.

Duelos y Quebrantos

Ingredientes:

200 g de chouriço espanhol (ou linguiça curada)

100 g de presunto cru ou bacon

6 ovos

2 colheres de sopa de azeite de oliva

Sal e pimenta-do-reino a gosto

Modo de preparo: Corte o chouriço e o presunto em pedaços pequenos.
Em uma frigideira grande, aqueça o azeite e refogue o chouriço e o presunto até dourarem levemente. Em uma tigela, bata os ovos com uma pitada de sal e pimenta. Despeje os ovos batidos sobre as carnes na frigideira, mexendo suavemente com uma espátula, como se fosse um mexido. Cozinhe até atingir a textura desejada — o ideal é que os ovos fiquem úmidos, mas não líquidos. Sirva imediatamente, com pão rústico ou batatas assadas.

 Referências:

Miguel de Cervantes. El ingenioso hidalgo don Quijote de la Mancha. Madri: Juan de la Cuesta, 1605.

Roland Barthes. Mythologies. Paris: Éditions du Seuil, 1957.

Jean-Claude Carrière. Le cercle des menteurs. Paris: Plon, 1998.

Italo Calvino. Por que ler os clássicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.