Estava eu, nessa manhã
tímida de luz — destas que se insinuam pela janela como um gato que exige colo
— escrevendo para o blog. Buscava, com a atenção paciente de quem descasca
lentamente uma fruta madura, ia a grafia correta de um termo em alemão, destinado
a uma das minhas postagens natalinas. Era apenas um detalhe linguístico, uma
pequena joia linguística que eu desejava polir antes de servir ao leitor — mas,
como quase sempre acontece nas cozinhas digitais do nosso tempo, o destino
tinha outros temperos preparados para mim. E foi exatamente nesse instante,
quando a frase ainda se equilibrava na ponta dos meus dedos, que meu celular
vibrou.
Era uma colega francesa —
professora, naturalmente elegante como só os franceses sabem ser até quando
enviam PDF pelo Facebook — com um material para leitura. Ia abrir o chat para a
conversa. E então, como se uma mão invisível mexesse o caldo antes de mim, o
algoritmo atualizou a tela: uma aberração política, daquelas sempre
protagonizadas pela extrema direita, apareceu, grotesca, inflada, como um suflê
de ódio que nunca deveria ter saído do forno.
Reagi no impulso — excluí o
conteúdo e marquei como “fora dos meus interesses”. Por que fiz isso?
Porque, como qualquer
cozinheiro sabe, há ingredientes com os quais não se negocia. E também porque,
nos últimos tempos, percebo o algoritmo escondendo meus próprios conteúdos —
como se tivesse prazer em fazer desaparecer aquilo que alimento com tanto cuidado.
Mas, como nos antigos
truques de cozinha, após a frustração surgiu a surpresa: a tela, quase viva, se
atualizou novamente, refletindo silenciosa a minha recente exclusão, percebida
pelo algoritmo invisível. E então apareceu, cintilante e ágil, um vídeo —
certeiro como um garçom que adivinha o pedido antes que seja pronunciado.
Falava sobre a palavra do ano, e por um instante, toda a frustração se
dissolveu na luz que tremeluzia na tela.
Sim, era exatamente essa.
Uma expressão que chegava carregada de intenções e sombras: rage bait. Ou, se
quisesse ouvir a poesia perversa do português, poderia chamá-la de “isca de
raiva”, cada palavra pesada e sedutora, pronta para fisgar corações impacientes.
Diga-me você, que desliza
pelo feed como quem vasculha uma geladeira à meia-noite: você também tem se
irritado cada vez mais enquanto rola a tela?
Se sim, então caiu na
armadilha dourada, na tática que se alimenta de nossa indignação como vampiro
se alimenta de sangue fresco.
Rage bait (isca de raiva),
foi esse termo que a Oxford University Press elegeu como palavra (ou expressão)
do ano de 2025. E não à toa — seu uso triplicou nos últimos doze meses, como se
o mundo inteiro tivesse decidido temperar a vida com pimenta demais.
AFINAL, O QUE É A TAL
“ISCA DE RAIVA”?
Mesmo que o nome seja novo
para muitos, quase todos já provaram desse prato — e eu mesmo fui servido logo
ao amanhecer.
A Oxford University Press
define rage bait como conteúdos publicados deliberadamente para provocar
indignação: são chamativos, frustrantes, provocativos, ofensivos. Não por
acaso, funcionam como o “clickbait”, só que com um tempero emocional mais
ardente.
Clickbait — ou, para os
íntimos, “isca de clique” — é aquela velha artimanha do mercado digital que se
veste com o exagero de um ator decadente: títulos berrantes, imagens
histéricas, vídeos que prometem mundos e fundos.
Tudo isso armado com o único
propósito de arrastar o usuário pela curiosidade, como se puxasse um peixe
inocente pelo anzol, conduzindo-o até uma página onde o tráfego vale mais do
que a verdade. E, claro, uma vez lá, o leitor descobre que o banquete prometido
não passa de farelo: conteúdo raso, promessas vazias, uma mesa posta para
enganar — mas ainda assim lucrativa para quem o serviu.
Mas, no caso da isca de
raiva, o objetivo não é apenas fisgar o clique — é cozinhar sua raiva, deixá-la
bem suculenta, nutritiva para os algoritmos famintos.
E, veja só, a rage bait
(isca de raiva) disputou seu trono com duas outras expressões do léxico
contemporâneo: aura farming (cultivo de aura): a arte de cultivar uma persona
carismática, elegante, misteriosa — como quem acende velas ao redor de si para
parecer iluminado; e, biohack: o ritual moderno de tentar ajustar corpo e mente
como quem regula o forno — suplementos, tecnologias, rotinas, tudo para
produzir a melhor versão de si.
As três finalistas passaram
por votação pública, mas foram os especialistas da Oxford que, ao final,
decidiram. E faz sentido, já que o crescimento explosivo do termo demonstra que
estamos mais atentos às manipulações emocionais que nos capturam.
E não poderia ser mais
verdadeiro: antes a internet nos atraía pela curiosidade; agora, quer nossas
emoções refogadas e servidas quentes.
O CICLO ENTRE 2024 E
2025: UM MENU DE EXAUSTÃO
Eu, que vivo em meio a
bibliotecas, institutos de pesquisas, blogs, leituras em várias línguas e
pesquisas por caminhos digitais tortuosos, já esperava que a isca da raiva
vencera. Afinal, o ano de 2024 havia consagrado a expressão brain rot —
“cérebro podre”, numa tradução tão literal quanto triste.
Esse termo descreve a
deterioração mental causada pelo consumo excessivo de conteúdo trivial —
rolagens infinitas, vídeos curtos, superficialidade mastigada como comida de
micro-ondas.
Seu uso do “cérebro podre” cresceu 230% em 2024, o que talvez explique por que convivo diariamente com seus sintomas: comentários que dizem “seu texto é grande demais, não consigo ler até o final” ou, quando o cérebro podre chega ao ponto de ebulição, e surgem insultos mais diretos. Pessoalmente, considero uma bênção: faço uma faxina, dou risada e bloqueio sem dó.
Mas o ponto é claro: brain
rot (cérebro podre) e rage bait (isca de raiva) formam um ciclo perfeito — um
caldo que ferve até transbordar. A indignação gera engajamento, o algoritmo
amplifica, as mentes exaustas aceitam qualquer migalha de informação. As fake
news se espalham como mofo em pão esquecido, e ninguém pesquisa, ninguém lê.
Apenas compartilham, como reflexo.
Curiosamente, outras
instituições também ofereceram suas palavras do ano: o Cambridge Dictionary
escolheu parassocial, esse laço emocional que sentimos por celebridades que
nunca nos deram bom-dia; já, o Collins
Dictionary preferiu vibe coding, sobre usar Inteligência Artificial para
transformar intuição em código — algo entre alquimia digital e poesia
programada.
No Brasil, há iniciativas
como essas, sim, mas nenhuma com a profundidade das instituições citadas. Por
aqui, os métodos são nebulosos, as escolhas variam, e às vezes parece que a
palavra do ano serve mais para agradar interesses do que para revelar o espírito
do tempo.
E enquanto eu ainda ruminava
essa revelação linguística — a tal “isca de raiva”, pescada pelo algoritmo como
quem joga um anzol na minha manhã —, percebi que havia ali uma coincidência
mais saborosa do que eu esperava admitir. Porque, veja bem, toda isca, seja
digital ou culinária, nasce do mesmo princípio ancestral: seduzir. Atrair.
Enganar um pouco, se necessário. E, no fundo, conduzir o outro exatamente para
onde queremos.
Foi então que algo quase
poético (ou perversamente irônico) se insinuou na minha cabeça: como é curioso
que a palavra do ano evoque justamente aquilo que a cozinha tradicional
aprendeu muito antes das redes sociais — que uma boa isca pode mover mundos, das
panelas aos feed infinitos.
Os algoritmos, afinal, não
inventaram a manipulação; apenas a refogaram com tecnologia de ponta. Muito
antes deles, os cozinheiros e cozinheiras já sabiam que um pedaço bem cortado,
uma fritura bem calculada, uma crosta dourada no ponto exato eram suficientes
para capturar qualquer atenção — fosse a de um comensal faminto ou a de um
frango distraído.
E assim, ao lembrar das
minhas próprias aventuras culinárias, a metáfora escorregou dos meus dedos como
manteiga quente: talvez a melhor maneira de compreender a tal “isca de raiva”
seja olhar para a mais humilde e deliciosa de todas as iscas — não a digital,
mas a de frango. Sim, ela mesma, dourada, estalante, ancestral. Uma técnica
simples e ainda assim poderosa o suficiente para atravessar gerações, cozinhas
e agora, veja só, análises socioculturais sobre o comportamento humano – como
essa que apresento.
Porque se há algo que une a
fúria dos feeds e o perfume irresistível de uma fritura bem feita é exatamente
isso: ambos sabem como nos capturar. Ambos sabem como nos impelir a um gesto
rápido. Ambos dominam, com maestria quase cruel, a arte de despertar o que
existe de mais instintivo em nós.
E é por esse caminho deliciosamente tortuoso que eu convido você a seguir: do léxico ao fogão, do algoritmo à panela. Deixemos por um instante a raiva digital repousar no canto da mesa, enquanto apresento a origem mais literal, mais saborosa e, quem diria, mais honesta dessa palavra que nos fisga — a verdadeira isca, aquela feita de frango, gordura quente e tradição.
A GENEALOGIA SECRETA DAS ISCAS: QUANDO A
COZINHA INVENTOU, SEM SABER, A SEDUÇÃO EM TIRAS
Se a tal isca de raiva
moderna nasceu das engrenagens frias e maliciosas do algoritmo, suas ancestrais
mais dignas — e, ouso dizer, mais honestas — vêm de um mundo muito anterior às
telas. Um mundo de fogo, manteiga e mãos habilidosas. Um mundo onde a sedução
não era digital, mas culinária. Pois, antes que o termo migrasse para o
vocabulário febril das redes, a ideia de “iscas” já existia na cozinha, e sua
história é um banquete que atravessa séculos.
E como toda comida
verdadeiramente viva, as iscas de frango não têm pai, mãe ou certidão de
nascimento. Não surgiram como uma invenção genial — aconteceram. Nasceram da
necessidade, desse instinto primitivo e eterno que molda panelas e sociedades:
a urgência de fazer mais com menos, de transformar sobras em refeições, de
acelerar o cozimento sem sacrificar a alma do prato.
AS PRIMEIRAS SEDUÇÕES:
EUROPA, SÉCULOS XVIII E XIX
Muito antes de receitas
formais ou tratados de gastronomia industrial, nas cozinhas domésticas,
mulheres — mulheres que eram ao mesmo tempo biblioteca, laboratório e templo da
casa; e, invisíveis para os livros de história, mas essenciais à sobrevivência
e à beleza da mesa — já sabiam, com instinto e paciência, que cortar em tiras
não era mera conveniência: era um truque infalível, quase mágico. Tornava o
cozimento mais rápido, multiplicava porções, harmonizava pedaços irregulares
que sobravam da desossa, e transformava o comum em algo elegante, mesmo que
ninguém registrasse em livros oficiais. Era uma técnica invisível, cotidiana,
mas doméstica demais para figurar nas páginas da história — e, ainda assim,
essencial para a sobrevivência, a economia e a beleza da mesa.
Na França do século XVIII,
essa prática cotidiana começou a encontrar registro formal nas mãos de chefs
como La Varenne e, mais tarde, Carême.
Surge então o termo émincé,
aplicado a cortes finos, longos, elegantes, transformando um gesto doméstico em
técnica profissional, e preparando o caminho para o que séculos depois seria
chamado, sem alarde, de “iscas de frango”.
Só o fato de o émincé ser
elevado à categoria de técnica pelos chefs de cozinha — quase todos homens
naquele período — já lhe conferia um prestígio quase teatral. O termo,
destinado a cortes finos, longos, elegantes, transformava o simples ato de
cortar carne em um ritual de precisão. Cada tira, que nas cozinhas domésticas
passaria despercebida, agora parecia pincelada pela mão de um artista, cada
gesto calculado, cada movimento carregado de intenção.
Era a alta cozinha colocando
sua assinatura sobre algo que, em essência, nasceu da prática cotidiana, da
engenhosidade invisível das cozinheiras anônimas. A técnica masculina
formalizava o gesto, mas a alma, como sempre, permanecia nas mãos daqueles que cozinhavam
por necessidade, cuidado e amor — ainda que ninguém lhes atribuísse o crédito
nos livros.
Daí, foi um pulo para o
surgimento dos émincés de volaille. Essas tiras salteadas de carne de ave ainda
não possuíam uma identidade própria, um nome que lhes desse personalidade, mas
já eram uma declaração de técnica, precisão e cuidado.
Cada pedaço era conduzido à
sua melhor versão, aquecido na manteiga no instante exato, envolvendo a cozinha
com aromas sutis, quase secretos, como se cada fio de carne sussurrasse
promessas de elegância e refinamento.
Era a arte da cozinha em
gestos mínimos: simples, mas meticulosamente orquestrados, antecipando o que
séculos depois chamaríamos de “iscas de frango”, com a diferença de que ali
cada movimento carregava consciência, intenção e poesia.
Como toda boa técnica
francesa, o émincé começou discreto, quase tímido, sussurrando pelos cantos das
cozinhas de mansões e restaurantes aristocráticos. Mas, ao contrário de um
segredo que se perde com o tempo, esses gestos silenciosos se tornaram indispensáveis,
espalhando-se pelas panelas como uma melodia que ninguém quer esquecer.
Transformaram a prática
cotidiana em tradição, moldando hábitos, refinando movimentos, e preparando o
terreno para o que, séculos depois, chamaríamos de “iscas de frango” — a ponte
perfeita entre a precisão calculada da haute cuisine e a sedução simples, quase
instintiva, de um alimento cortado em tiras, capaz de encantar, saciar e,
sobretudo, conquistar pelo gesto e pelo sabor.
SÉCULO XIX: OS EXÉRCITOS, AS FERROVIAS E
A TIRANIA DO TEMPO
Se nas cozinhas
aristocráticas o émincé era sinônimo de refinamento, precisão e elegância, nas
cozinhas militares e ferroviárias ele se transformava em pura sobrevivência.
Ali, o glamour e a manteiga francesa cediam lugar à urgência, à lógica dura da
fome e do tempo contado: cada movimento precisava ser eficiente, cada pedaço de
frango aproveitado até o último fio de carne.
Cortar em tiras significava
muito mais do que estética — era a solução para três demandas fundamentais:
alimentar multidões rapidamente, economizar proteínas escassas, e cozinhar sem
luxo, mas com máxima eficiência.
Cadernos de campanha de
exércitos alemães, franceses e ingleses registram receitas de frango em tiras
com a mesma solenidade com que um poeta anotaria versos — não por vaidade, mas
por necessidade. Essas tiras apareciam em refeitórios de soldados, em mesas de
trabalhadores ferroviários e até em cozinhas de hospitais militares, cada uma
adaptada à dureza do contexto: algumas salteadas rapidamente, outras fervidas
em caldos ralos, todas obedientes à lei inexorável do tempo.
O fascinante é que essa
técnica de simplicidade prática surgia quase simultaneamente em lugares
distintos, como se o universo conspirasse para ensinar que a necessidade é a
mãe da invenção.
Era, em sua essência, um
gesto humano e universal: diante da pressão, homens e mulheres encontraram na
tirinha de frango a resposta perfeita à tirania do relógio. Cada corte
revelava, sem alarde, uma elegância utilitária — um refinamento forjado não
pela pompa, mas pela exigência brutal do cotidiano.
Mais do que simples
alimento, essas tiras simbolizavam a harmonia entre eficiência e economia, a
tradução prática de que até o mais humilde pedaço de carne podia ser
transformado em sustento digno, rápido e saboroso.
E, ironicamente, séculos depois, essa mesma ideia ressurgiria nos diners americanos e nos bares brasileiros como as modernas iscas de frango, ligando sem esforço a aristocracia invisível da técnica francesa à crueza pragmática das cozinhas de campanha.
A VIRADA AMERICANA:
QUANDO AS ISCAS GANHAM MARKETING
O século XX, sempre
dramático, teatral e carregado de ambições industriais, trouxe um novo
protagonista à história das tiras de frango: os Estados Unidos, país da
velocidade, da produtividade obsessiva e da fome insaciável por eficiência e
lucro. Aqui, o frango deixaria de ser apenas alimento e se tornaria instrumento
de indústria, marketing e identidade cultural.
A carne de frango, antes
delicadamente cortada em mansões parisienses ou cadernos de campanha europeus,
agora era domada por este novo mundo de linhas de produção, dinheiros rápidos e
consumidores apressados, ansiosos por sabor imediato.
Entre as décadas de 1930 e
1950, algo curioso e quase mágico aconteceu, como se a história da culinária
tivesse decidido brincar de alquimia: três irmãos surgiram da mesma matriz,
cada um com sua personalidade e função, e todos destinados a confundir cozinheiros,
cardápios e clientes pelo mundo. Como em um espetáculo teatral, cada nome
carregava uma promessa diferente, um marketing implícito, uma identidade
cuidadosamente moldada para seduzir o olhar e o paladar: chicken tender,
chicken strip e chicken finger.
Chicken tender: um corte
anatômico autêntico, conhecido por tenderloin, ou o “filé mignon” do peito de
frango. Sempre macio, sempre uniforme, sempre satisfeito de sua própria
importância. Uma peça que se apresenta impecável, suculenta, exatamente como a natureza
ou a engenharia industrial permitiu. No Brasil, conhecemos esse pedaço
anatômico do frango por sasami ou filezinho.
Chicken strip: tiras feitas
do peito, cortadas à mão, cada uma com personalidade própria — umas mais
grossas, outras finas, algumas tímidas, outras audaciosas, todas com humor e
textura variáveis. Não requerem o prestigioso tenderloin; a maioria se contenta
com o peito inteiro, aceitando com elegância a imperfeição.
Chicken finger: o nome mais
teatral da família, que privilegia o gesto e a forma sobre a anatomia. Um
“dedo” dourado, alongado, sedutor, pronto para ser devorado. Pode ser feito
tanto com tenderloin quanto com tiras de peito, pois, afinal, a aparência importa
mais do que a origem. Um espetáculo comercial, digno de cartaz de neon, sem
exigir nenhuma delicadeza técnica do cozinheiro.
Três variações de um mesmo
conceito — tiras de frango — que transformariam a simplicidade do peito de ave
em um símbolo da modernidade americana, conectando a eficiência industrial com
a sedução do alimento pronto para consumo.
No fundo, todos
compartilhavam a mesma essência: tirinhas de frango empanadas e fritas, prontas
para satisfazer o apetite ansioso da modernidade, aquele impulso que confunde
pressa com prazer. Não demorou para que os primeiros registros escritos
surgissem no Condon’s Restaurant, em Manchester (New Hampshire), no início dos
anos 1950, uma humilde epifania de marketing e sabor.
E como toda ideia que acerta
o coração da gula e da eficiência, os chicken strips logo se espalharam pelos
diners americanos dos anos 1960 — templos de néon, fritura e algodão doce —
transformando-se no símbolo da comida rápida, uma espécie de poesia industrial:
crocância, calor e conforto embalados em tiras, servidos com a velocidade que o
novo mundo exigia.
Cada mordida era um manifesto da modernidade, um gesto simples que unia tradição francesa, pragmatismo militar e a voracidade da indústria americana.
A CHEGADA AO BRASIL: ONDE
A ISCA TE PEGA NO BAR
No crepúsculo de uma velha
ordem agrária, o Brasil começava a se transformar. A avicultura, antes modesta
e dispersa, ganhava tração: a criação intensiva de frangos se expandia,
especialmente nas décadas de 1950 a 1970, impulsionada por tecnologias, melhoramento
genético e uma nova economia de escala.
E, com ela, chegava
silenciosa — mas irresistível — a possibilidade de tornar o frango tão comum
quanto arroz e feijão, tão cotidiano quanto o pão de cada dia.
Foi nesse solo em mutação
que as “iscas de frango” encontraram terreno fértil entre os anos 1970 e 1980:
um Brasil em corrida pela urbanização, com novas classes sociais, com jovens
que buscavam comer fora, com bares que precisavam oferecer petiscos fáceis,
saborosos e baratos.
A esse contexto se unia um
ingrediente essencial: o frango, cada vez mais abundante e acessível, pronto
para assumir o protagonismo que, até então, cabia ao boi, ao porco, aos peixes,
às “iscas de carne” ou “iscas de peixe”.
Nos bares e botequins —
esses altares improvisados da sociabilidade brasileira — o nome “isca” já
existia: discreto, modesto, quase paternal, evocando o gesto de petiscar,
partilhar mesa com copo ao alcance e conversa alta. Mas faltava à mesa uma ave
que suportasse o empanamento, a fritura intensa, o calor do óleo e a crocância
necessária para saciar fome e desejo de maneira econômica. Foi aí que o frango
— macio, neutro, acessível — se impôs como protagonista de uma nova tradição:
escolha de bolso, gesto de afeto, petisco democrático.
Nas décadas de 1940 e 1950,
surgem os primeiros indícios documentados — ainda que frágeis — de “frango à
passarinho” em cardápios e anúncios de botecos: há quem aponte um anúncio de
cantina em Curitiba (PR), datado de 1952, como uma das menções mais antigas do
prato no país. Outras versões recordam que restaurantes da região de São
Bernardo do Campo (SP) já serviam o prato desde 1949 — segundo relatos de
botequeiros e donos de restaurantes.
Como prato, o frango à
passarinho não segue a lógica austera de cortes precisos ou tiras uniformes. Em
vez disso, é feito com pedaços pequenos — coxa, sobrecoxa, asa — geralmente
cortados nas juntas, fritos em imersão de óleo quente. O resultado: carne suculenta,
pele crocante, aroma de alho e óleo que invade o salão, um prato perfeito para
dividir com cerveja gelada e conversas soltas.
O nome “à passarinho” evoca
tanto o tamanho reduzido dos pedaços — lembrando aves pequenas — quanto uma
tradição antiga de caças e “passarinhas” em festas rurais, adaptada com o tempo
para o frango disponível nas cidades.
Como eu não me contento, fui
pesquisar mais. E os sussurros da
história me levaram para Itália, onde possivelmente o tal do frango à
passarinho se originou. Dizem que ele seria uma adaptação de um prato chamado
pollo all'uccelletto — literalmente “frango/pássaro pequeno” ou “franguinho
passarinho”.
Na tradição toscana — embora
o nome “all’uccelletto” tenda a se aplicar a pratos de feijão, legumes ou
carnes menores — havia a prática de cozinhar aves pequenas, miúdas, ou pedaços
de carne em cortes simples, com azeite, alho e ervas, evocando a rusticidade
rural e a simplicidade dos ingredientes disponíveis.
Nos anos de 1940 e 1950,
Curitiba e São Bernardo do Campo não eram apenas cidades; eram redutos
pulsantes de comunidades italianas consolidadas, territórios onde tradições,
aromas e técnicas da península europeia conviviam com a vida cotidiana
brasileira. É fácil imaginar que, em meio a essas colônias, a ideia de fritar
pequenos pedaços de frango — inspirada em pratos como o pollo all’uccelletto
(pequenos frangos assados ou cozidos com ervas, típico da Toscana) — tenha sido
transportada por imigrantes ou seus descendentes.
No entanto, como toda boa
adaptação, o prato sofreu mutações: o frango se tornou mais barato, os pedaços
foram cortados nas juntas, mergulhados em óleo quente, perfumados com alho e
limão, servidos para mãos ávidas em bares e botequins, transformando necessidade
em celebração.
A geografia e a cultura
desses lugares colaboraram: Curitiba e São Bernardo do Campo eram pontes entre
a tradição italiana e os hábitos locais de feiras, cantinas e mesas
compartilhadas. E assim, o nome “à passarinho”, lúdico e inventivo, nasceu
talvez como tradução livre de “uccelletto”, capturando com humor e leveza o
espírito de um prato que seria, ao mesmo tempo, homenagem e reinvenção popular.
Mas aqui mora a ambiguidade,
a névoa da história: não existe hoje — ao menos publicamente — um documento
concreto, um cardápio original, um artigo de jornal ou uma caderneta de
receitas datada que comprove com certeza absoluta que aquele anúncio de 1952 ou
o restaurante de 1949 foram de fato os “primeiros”. Todo o passado é tecido por
relatos de botequins, lembranças familiares e tradições orais, tão vivas quanto
inconstantes.
Assim, a origem italiana do
frango à passarinho permanece como uma hipótese plausível, bela e simbólica —
uma ponte entre a cozinha camponesa da Toscana e os bares calorosos do Brasil
pós guerra —, mas não como fato certificado. A incerteza, aliás, dá à história
um sabor extra: o sabor da memória coletiva, da adaptação, da reconstrução
cultural.
Dessa forma, ao falarmos de
“iscas de frango” no Brasil, convém distinguir com clareza:
• As iscas em tiras — herdeiras diretas da técnica refinada do
corte fino (como no émincé francês) e adaptadas à lógica moderna dos “chicken
strips” (dos EUA)
• O frango à passarinho — fruto da adaptação popular (de uma
possível origem italiana), da pressa urbana, da fartura fácil e da
sociabilidade de bar: pedaços de frango cortados nas juntas, fritos, servidos
borbulhando, com sal, alho, limão, acompanhando copos e risadas.
Essa distinção não diminui a
poesia do melhoramento dos pratos no âmbito nacional — antes, a valoriza. O
frango à passarinho não é imitação servil de fast food estrangeiro nem mera
cópia de técnica refinada; é criação popular, hibridismo de necessidade, sabor
e convivência. Assado em óleo quente, o frango rústico renasce como símbolo de
festa, comunidade e memória afetiva.
Esse petisco — simples,
barato, imediato — tornou-se símbolo de conveniência urbana, de sociabilidade
despretensiosa, de conforto rápido depois do trabalho, de cerveja gelada e
conversa solta. Símbolo dos bares brasileiros. Era o frango que se transformava
em ponte entre o rural e o urbano, entre a colheita e a mesa do boteco, entre a
fome do operário e a gula festiva da noite.
Interessante notar que, no
Brasil, o hábito de comer frango frito no balde — o ícone da globalização fast
food — existia antes mesmo da chegada oficial da grande rede estrangeira que o
popularizou. Estabelecimentos pioneiros já serviam “frango frito no balde” a
partir de meados da década de 1960, com redes nacionais como a Chicken-In
(fundada em 1967, em Campinas-SP), antes mesmo da chegada da KFC ao país.
Esses bares e lanchonetes
nacionais “tropicalizaram” a ideia — adaptando a aos gostos locais, aos
recursos disponíveis, às urgências brasileiras — e criaram um hábito que, por
sua vez, preparou o terreno para a expansão de redes globais, décadas depois.
Ou seja: a “isca de frango”
no Brasil não é cópia servil de fast food estrangeiro — é reinvenção,
adaptação, apropriação criativa. É cultura popular em óleo quente, é o emprego
da técnica para satisfazer o imediatismo urbano, é a tradição reinventada sob o
mantra da praticidade.
E se me pedem uma origem
mais poética e sociológica, digo: as iscas brasileiras são filhas de um Brasil
em transição — da roça à cidade, do forno a lenha ao fogão elétrico, do almoço
de família ao petisco de bar, da paciência à pressa, do luxo da haute cuisine
ao gosto universal pelo sabor imediato.
Cada tira de frango empanada
e frita carrega em si esse cruzamento de mundos — a herança da técnica
refinada, o legado da necessidade, o sabor da improvisação, o calor da
convivência. É a carne humilde que se ergueu para ser símbolo de festa, de
amizade, de boemia, de sobrevivência cotidiana.
Aqui em Fortaleza o frango à
passarinho e as iscas de frango (assim como iscas de peixe ou carne) são
presença constante nos bares e botequins: petiscos de calor, riso e cerveja.
Mas o que vemos realmente é uma bifurcação criativa da tradição: em algumas
mesas simples, as iscas chegam não empanadas — apenas fritas na imersão no óleo
quente, crocantes e sinceras; já nas barracas de praia ou restaurantes de
hotel, o ritual muda de figura: o frango empanado encontra desde a farinha de
rosca tradicional até a oriental farinha Panko, o calor da fritura torna-se
refinamento, e o petisco busca status.
Em lugares assim, as iscas
não vêm só com sal e limão — surgem acompanhadas de molhos que misturam
maionese, ketchup e mostarda, rendendo — em versões populares — o tradicional
“molho rosado” dos lanches e petiscos brasileiros; em versões mais sofisticadas,
entram molho de mel e mostarda, barbecue ou cremes temperados, como a maionese
de alho. Esta adaptação contemporânea ressignifica o petisco: de necessidade
modesta ele vira elegância casual, um gesto de sabor com leveza e aspiração.
Por outro lado, o frango à
passarinho verdadeiro — frito, simples, direto — mantém seu arrebatamento
popular: pedaços pequenos, com osso ou não, alhos que viram ouro no óleo, o
perfume se espalhando pelo ar abafado do bar, copos tilintando e conversa alta.
Raramente ele aparece com molhos cremosos ou pretensões gourmet — e talvez por
isso sobreviva como o sabor de casa, de infância, de encontro despretensioso.
Essa convivência de versões
— a rústica, a empanada, a “requintada” — revela algo sobre nossa identidade de
comer e pertencer: buscamos, ao mesmo tempo, conforto imediato e inovação;
tradição popular e cosmopolitismo; o simples e o aspiracional. E, no fundo,
cada isca, cada tira, cada pedaço de frango diz quem somos — um povo que
transformou o simples em celebração, a pressa em convívio e o frango em memória
coletiva.
MAS AFINAL, QUEM CRIOU AS
ISCAS?
Ninguém, verdadeiramente.
Ou, para ser mais franca — todos nós, em alguma cozinha, em algum momento. As
iscas de frango são filhas da necessidade, do improviso, da inteligência
doméstica, da urgência militar e, depois, da lógica industrial. São fruto natural
da evolução culinária, uma espécie de herança coletiva que atravessou séculos,
continentes e estilos de cozinha.
Mas, para mim, cada tira de
frango é, portanto, um eco direto do émincé de volaille, da pressa das cozinhas
ferroviárias e militares, e da engenhosidade americana do século XX.
Mas, se me pedem uma origem
mais poética, histórica e técnica — se querem conhecer a primeira forma
elegante reconhecível do que hoje chamamos “iscas” — então não hesito: tudo
começa com o émincé de volaille, essas tiras finíssimas de frango salteadas, fruto
da alta cozinha francesa do século XVIII.
É nele que encontramos a semente do gesto perfeito, o corte que equilibra rapidez, aproveitamento e elegância, transformando um simples pedaço de ave em símbolo de técnica, cuidado e sedução.
O ÉMINCÉ DE VOLAILLE: A
MÃE FRANCESA DE TODAS AS ISCAS
O século XVIII francês foi
um momento de profunda transformação cultural e culinária. A cozinha, que até
então se movia entre a opulência medieval e renascentista — caldos pesados,
especiarias exageradas, apresentações barrocas — começava a buscar uma estética
racional, leve e técnica. Nascia, então, a haute cuisine (alta cozinha), uma
verdadeira revolução que unia precisão, estética e controle.
Nomes como La Varenne e
Antonin Carême não apenas participaram dessa metamorfose: eles a moldaram,
transformando a preparação de alimentos em uma linguagem sofisticada, quase
musical, em que cada corte, cada redução e cada movimento na panela tinha seu lugar
e significado.
Antes de existir como
receita ou prato formal, havia a técnica. O verbo émincer, que significa
“fatiar finamente”, surge nos registros do século XVII, aplicado inicialmente a
legumes, ervas, carnes e aves. Mas foi no século XVIII que ele alcançou prestígio,
tornando-se um dos pilares da cozinha francesa clássica.
Cortes uniformes, tiras
delicadas de carne ou frango, precisão nos tempos de cocção: tudo se tornava
uma extensão da mão do cozinheiro, uma dança silenciosa entre ingrediente e
técnica.
O contexto histórico reforça
essa evolução: La Varenne, em Le Cuisinier François (1651), já propunha cortes
mais delicados, temperos equilibrados e uma leveza de execução que rompia com
os exageros do passado. Décadas depois, Antonin Carême (1784–1833), o “rei dos
chefs e chef dos reis”, consolidaria a sofisticação da cozinha francesa:
molhos-mãe, reduções cuidadosas, técnicas de saltear e a padronização dos
cortes transformavam qualquer preparação em um exercício de harmonia e
refinamento.
O émincé nasce nesse
ambiente como gesto técnico e estético — não apenas para cozinhar, mas para
exercer poder e controle sobre o alimento. Cada tirinha de frango, cada fatia
de carne, não era apenas parte de uma refeição: era manifestação de elegância, ciência
e arte.
A delicadeza de um corte
tornou-se símbolo de competência, refinamento e da própria modernidade da
cozinha francesa, pavimentando, séculos depois, o caminho para o que
chamaríamos de iscas de frango: um gesto antigo transformado em tradição
universal.
O NASCIMENTO DO ÉMINCÉ DE
VOLAILLE
O nascimento do émincé de
volaille não foi apenas uma questão de cortar frango em tiras: foi a
materialização da técnica francesa aplicada a uma carne ideal, clara, macia e
dócil ao calor da manteiga. O frango tornou-se o modelo perfeito para expressar
precisão, ritmo e elegância na cozinha, permitindo que cada tirinha fosse
tratada como uma pequena obra-prima. A partir desse gesto surgiram preparos
clássicos, cada um com sua personalidade, sua sofisticação e seu caráter
definido:
• Émincé de volaille à la crème – tiras de frango
salteadas, envoltas em um molho suave, geralmente à base de creme de leite, por
vezes enriquecido com redução de caldo de ave, vinho branco e échalote. Um
prato que revela a delicadeza da técnica: cremoso, equilibrado, sem elementos
que distraiam do protagonismo da carne.
• Émincé de volaille aux champignons – o frango se une
ao aroma terroso e profundo dos cogumelos paris, com ou sem creme de leite,
dependendo da escola. Aqui, o vegetal não é coadjuvante: torna-se personagem
principal, demonstrando a capacidade do émincé de adaptar-se à harmonia dos
sabores.
• Émincé de volaille financière – uma expressão da haute
cuisine em toda sua opulência e precisão. As tiras de frango são acompanhadas
de guarnição financière, um elaborado conjunto de cogumelos, tournedos ou
trufas picadas, pequenas quenelles de frango ou galinha e corações de alcachofra,
tudo ligado a um molho profundo, geralmente demi-glace ou fundo escuro com
vinho madeira. Um prato de densidade saborosa e sofisticação notável.
• Émincé de volaille à la suprême – tiras de frango
finalizadas com molho suprême, velouté de volaille enriquecido com creme de
leite e manteiga, claro, elegante e delicadamente estruturado. Um exemplo da
leveza e precisão da cozinha clássica, onde o sabor brilha sem peso, e a
textura das tiras se mantém impecável.
Cada uma dessas preparações,
embora diversas, compartilha a mesma essência: cortes finos, salteados com
rapidez e técnica, imersos em molhos que realçam a carne sem dominá-la.
O émincé de volaille não é
apenas uma receita: é um gesto de refinamento, um elo entre a precisão da haute
cuisine e a harmonia dos sabores, a base ancestral de todas as iscas de frango
que surgiriam séculos depois.
Essa estrutura de cortes
finos, rápidos e precisos aparece com clareza entre 1760 e 1820, período em que
uniformidade, economia e velocidade tornaram-se virtudes tão valorizadas quanto
o sabor e a apresentação. O primeiro registro formal do nome émincé de volaille
surge no início do século XIX, mas a técnica já pulsava nas cozinhas muito
antes, como um segredo silencioso, repassado de cozinheiro a cozinheiro, de
mestre a aprendiz, quase como uma partitura culinária que ditava ritmo e
cadência à manteiga quente e ao calor do fogão.
Com o surgimento dos
primeiros restaurantes modernos — filhos diretos da Revolução Francesa,
símbolos da democratização da refeição fora do lar — cresceu a necessidade de
pratos rápidos, refinados, econômicos e repetíveis. O émincé encaixava-se como
uma luva: tiras uniformes que cozinhavam rápido, aproveitando cada centímetro
do frango, combinadas a molhos delicados, permitindo que a cozinha mantivesse
excelência sem perder agilidade. Tornou-se clássico do almoço parisiense,
símbolo da precisão francesa, e logo começou a cruzar fronteiras, carregando
consigo a elegância do gesto técnico.
Quando a técnica francesa
viajou pelo mundo, não levou apenas um método de corte — levou uma filosofia:
cozinhar com rapidez, economia e elegância, respeitando o ingrediente e a
harmonia do prato. Séculos depois, essa lógica renasceria em diferentes contextos:
nos chicken breast strips americanos, nos chicken tenders, nos stir-fry de
fusões europeias e asiáticas, e, inevitavelmente, nas iscas brasileiras. Cada
tira, cada pedaço empanado ou salteado, é uma continuidade dessa tradição.
Hoje, ao fritarmos,
saltearmos, empanarmos e devorarmos, quase sem perceber, repetimos um gesto
milenar: aquele corte certeiro, a atenção ao tempo exato de cozimento, a busca
pela textura perfeita. Um gesto nascido antes da fotografia, antes do telefone,
antes da pressa moderna; um gesto que conecta mansões aristocráticas de Paris,
diners americanos de néon e os bares e botequins de nossos dias. É a história
da técnica transformada em prazer cotidiano, a elegância clássica disfarçada de
simplicidade, a haute cuisine tocando, suavemente, o cotidiano de quem só
queria uma boa isca de frango.
CONCLUSÃO: O ANCESTRAL
QUE VIVE EM CADA ISCA
O émincé de volaille não
nasceu como prato, mas como linguagem, como filosofia do corte e da cozinha,
manifesto silencioso da precisão francesa do século XVIII. Ele era rapidez,
elegância, uniformidade, economia — quase uma pedagogia do frango: cada tira
tinha seu tempo exato no calor da manteiga, cada movimento de faca uma
cadência, cada molho uma declaração de sutileza. Um gesto técnico que, séculos
depois, se disfarçaria de simplicidade em restaurantes americanos e bares
brasileiros, mas carregava consigo a alma da haute cuisine.
Hoje, ele é o ancestral
direto de tudo o que chamamos “iscas de frango”. Dos chicken strips
padronizados dos diners de Manchester às tiras empanadas nas barracas de hotel,
das iscas de peixe e carne aos pedaços rústicos e dourados do frango à
passarinho nos botequins de Curitiba, São Bernardo ou Fortaleza, cada fatia
lembra que a técnica francesa e a improvisação popular, a aristocracia e o bar,
a sofisticação e a pressa urbana podem conviver num mesmo prato.
E, se olharmos além da
cozinha, percebemos que essa lógica de captura não é apenas culinária. A mesma
tensão que nos leva a clicar em um título sensacionalista — a isca digital, a
clickbait emocional — encontra paralelos na tradição do alimento em tiras: algo
pequeno, rápido, acessível, irresistível. Seja na tela ou no prato, é o mesmo
princípio: prender atenção, satisfazer desejos imediatos, gerar prazer quase
instintivo. A comida e o algoritmo, portanto, não estão tão distantes quanto
gostaríamos de pensar.
No final, cada isca que
devoramos carrega memória, história e técnica: o passado francês, a
engenhosidade dos exércitos, a pressa dos diners americanos, a criatividade dos
botequins brasileiros. Cada pedaço é simultaneamente ferramenta, herança e
poesia: uma história de mãos que cortam, frigideiras que tilintam, panelas que
borbulham, pessoas que compartilham, risadas que se espalham. O émincé de ontem
vive em cada tira de hoje, lembrando que até mesmo o gesto mais cotidiano pode
ser ancestral, elegante e, sim, deliciosamente irônico.
Curiosamente, lembrem-se,
foi justamente a palavra do ano, rage bait — a “isca da raiva” — que me
arrastou por todo esse labirinto de história, cozinha e cultura. Ela prova, de
forma quase fatal, que uma boa isca sempre funciona: seja para capturar cliques,
provocar emoções digitais ou fisgar olhares famintos diante de um prato
fumegante de frango em tiras.
O que começou como uma
reflexão sobre títulos sensacionalistas se transformou numa viagem pelos
séculos, das cozinhas aristocráticas francesas aos bares e botequins
brasileiros, mostrando que, no fundo, toda isca — emocional ou culinária —
compartilha o mesmo segredo: irresistibilidade combinada à promessa de
recompensa imediata.
A culinária e o algoritmo,
afinal, não são tão diferentes: ambos sabem que nada captura tão bem quanto uma
boa isca.
EMINCÉ DE VOLAILLE À LA SUPRÊME
Ingredientes (para 2 pessoas — ajuste conforme necessidade)
2 peitos de frango (sem pele e osso),
50 g de manteiga sem sal
Sal e pimenta branca a gosto
Para o molho Suprême:
500ml de caldo de galinha
50 g de manteiga para o roux
50 g de farinha de trigo (para o roux)
Cream (creme de leite fresco ou creme
pesado) ~150 ml
(Opcional) suco de limão, sal e pimenta
branca a gosto
Modo de preparo: Tempere os peitos de frango com sal e
pimenta. Aqueça uma mistura de manteiga e um pouco de óleo numa frigideira antiaderente.
Doure bem os peitos de frango de ambos os lados — cerca de 5 minutos de cada
lado. Retire o frango e reserve, mantendo o calor.
Para preparar o molho Suprême: Derreta
os 50 g de manteiga em uma panela, junte a farinha e mexa até formar um roux
claro; Aos poucos, adicione o caldo de galinha, mexendo bem para não empelotar —
isso cria a velouté; Quando a velouté estiver cremosa e homogênea, incorpore o
creme de leite, ajuste sal e pimenta e acrescente um fio de limão se quiser uma
acidez sutil; mexa até encorpar.
Sirva os peitos de frango fatiado cobertos pelo molho Suprême, acompanhado de batatas, arroz, ou legumes — o clássico costuma pedir acompanhamento neutro para deixar brilhar a elegância do molho.
ISCAS DE FRANGO DO BARÃO DE GOURMANDISE
400 g de peito de frango sem pele e osso, cortado em tiras (~2 cm de espessura)
Marinada de buttermilk
200 ml de leite integral
1 colher de sopa de suco de limão
1 colher de chá de sal — essa marinada
rápida que mantém o frango suculento
Para empanar
60 g de farinha de trigo
10 g de amido de milho
¾ colher de chá de sal fino
½ colher de chá de pimenta preta (do
reino)
½ colher de chá de páprica doce
¼ colher de chá de alho em pó
1 ovo + 1 colher de sopa de leite ou
água
200 g de farinha de rosca ou panko —
para cobertura crocante
Óleo neutro suficiente para fritura por
imersão (~1 litro), aquecido a 175–180 °C (347–355 °F)
Preparo: Marinada – primeiro faça o buttermilk,
misture o leite o suco de limão e sal numa tigela que depois caiba todo o
frango cortado em tiras. Misture bem, e espere uns 3 minutos até a mistura dar
uma talhada, não se assuste é isso mesmo o que se quer. Com o leite talhado, junte
o frango e envolva bem nessa mistura de leite, cubra e deixe descansar 20–30
minutos. Isso ajuda a manter o frango suculento. Preparar estação de empanado: em tigela 1
misture farinha + amido + sal + pimenta + páprica + alho; em tigela outra 2
bata o ovo com leite (ou água); em outra tigela coloque a farinha de rosca.
Para empanar, escorra o frango da marinada, seque o excesso com papel toalha.
Passe cada tira primeiro na mistura de farinha de trigo e amido temperado,
sacudindo o excesso; depois mergulhe no ovo batido; por fim, cubra com farinha
de rosca apertando levemente para aderir bem. Deixe as tiras empanadas
descansarem 10–15 minutos — isso ajuda a crosta a firmar e não descolar durante
a fritura. Para fritar: Aqueça o óleo a
175–180 °C e frite as tiras em pequenas porções (cerca de 3–5 por vez), por 3–4
minutos ou até ficarem douradas e com temperatura interna segura. Retire com
escumadeira e escorra sobre grade ou papel toalha. Sirva quente, com seu molho
preferido (pode ser molho de mostarda, maionese temperada, barbecue, etc.).













































