terça-feira, 4 de março de 2025

Carnaval é tempo de Schiacciata Alla Fiorentina

 

Hoje é o ultimo dia do carnaval aqui no Brasil, a famosa “terça gorda”, que tem origens nas religiões antigas de gregos e romanos, mas que se solidificou na Idade Média com os Católicos por ser, além do ultimo dia de carnaval, o ultimo dia de comer comidas “gordas” antes do jejum da Quaresma. Pensando nisso, a postagem de hoje é sobre uma “comida gorda” para este ultimo dia de carnaval, como pede a tradição.

Há uma sobremesa que em Florença é associada ao período do Carnaval e não há florentino, ou mesmo toscano, que não tenha pelo menos ouvido falar da Schiacciata alla Fiorentina. Estou falando de pura tradição florentina: uma tradição da cozinha florentina, que pode ser tanto doce como salgada.

Schiacciata alla Fiorentina é um bolo fermentado aromatizado com laranja. Deve ter cerca de 3 centímetros de espessura e é coberto com bastante açúcar de confeiteiro, o que dá ao confeiteiro a oportunidade de “brincar graficamente” com símbolos (o mais comum é o Lírio de Florença) ou com a escrita, tudo isso usando cacau em pó.

O nome do bolo significa "achatado", o que, em si tratando de uma massa levedada pode parecer estranho. Ou não, se lembrarmos, por exemplo, da Tarte Tropézienne (mas, sobre essa última, tratarei noutro post).

“Uma sobremesa muito antiga”, escreveu Aldo Santini em La cucina fiorentina: Storia e ricette. “Acompanhou o Carnaval. E diferente de todas as outras schiacciatas toscanas feitas para a Páscoa, que são todas altas, esta é baixa”, acrescentou antes de fornecer a receita. Na verdade, se não fosse baixa, neste caso cerca de três centímetro, não seria uma aposta segura... Ainda hoje, quem quiser comer essa sobremesa precisa esperar até janeiro e fevereiro, quando ela desaparece das prateleiras dos grandes varejistas e confeitarias da cidade.

Pellegrino Artusi propôs isso em seu livro La scienza in cucina e l’arte di mangiar bene Ciência na Cozinha e a Arte de Comer Bem, relatando a “Stiacciata coi siccioli” no número 596 e a “Stiacciata unta” no número 597, atribuindo a receita desta última, assim como da Mantovana, àquele “homem bom, porque tinha o gênio de sua arte” Antonio Mattei, renomado chef pasteleiro de Prato, a segunda mais populosa cidade da Toscana, cuja tradição confeiteira ainda hoje nos permite saborear em várias criações na antiga sede da loja pratese. Ele considerou a receita indicada com o número 597 mais simples que a anterior.

Na realidade, esta sobremesa, que à primeira vista parece fácil de fazer, apresenta algumas dificuldades relacionadas com o fermento, que é o segredo da sua maciez, mas não é o único requisito, mas vem acompanhada daquele aroma particular que a casca de laranja ralada e a massa de pão fermentado lhe conferem.

Hoje a receita original sofreu alguns ajustes ligados ao novo sabor e ao fato de que as tradicionais sempre se prestam a variações mais ou menos bem-sucedidas.

Quando nasceu, a schiacciata, era também a época de matar os porcos e por isso havia lardo e banha de porco em abundância: além da banha, que a tornava “gordurosa”, ela era enriquecida com siccioli (também conhecido por cicciolo, um tipo de torresmo, resultante das partes gordas do porco, derretidas para obter banha, geralmente usadas como alimento e condimento em receitas), o que tornava a receita ainda mais “gorda”, como pede na melhor tradição carnavalesca que antecede o tempo da Quaresma e quando as prescrições religiosas ainda eram respeitadas.

Os ingredientes da receita de Artusi incluíam: Massa de pão fermentada, 700 gramas. Banha, 120 gramas. Açúcar, 100 gramas. Torresmo, 60 gramas. Gemas de ovos, n. 4. Uma pitada de sal. raspas de casca de laranja ou limão. E ele recomendou: “Se quiser sem torresmo, acrescente mais duas gemas e mais 30 gramas de banha”.

Aqui está a receita de Santini de La cucina fiorentina: Storia e ricette:: “Na bancada da cozinha, misture 300 gramas de farinha com o fermento dissolvido em água morna e deixe a massa resultante descansar por algumas horas, sob um pano de prato: um procedimento clássico. Em seguida, adicione as gemas de 2 ovos, 100 gramas de banha, 100 gramas de açúcar, uma pitada de sal, a casca ralada de uma laranja e um pouco de baunilha. Agora despeje a mistura em uma forma baixa, untada e enfarinhada. Deixe descansar por mais 2 horas, coberto com o pano de prato de costume. Depois, leve ao forno em temperatura média. Meia hora. É servido frio, polvilhado com açúcar de confeiteiro."

Se quiser, você pode substituir a banha por manteiga, rechear com u, creme de sai preferência ou apenas com chantilly… mas se for bem feito, fica gostoso mesmo sem eles.

Em Florença, você pode encontrar três tipos de schiacciata: 

        Schiacciata salata elaborada com azeite de oliva, coberta com cebola e tomate. Geralmente é servida com frios.


        Schiacciata coll´uva, uma versão doce feita com azeite de oliva, uvas e alecrim.


        E, finalmente, a versão que trago hoje. Schiacciata Alla Fiorentina, feita com banha, especiarias e laranja, polvilhada com açúcar de confeiteiro e cacau em pó.



Essa preparação florentina é tradicionalmente consumida no Carnaval. Mas, a essa altura, vocês sabem que eu sou daqueles que acredita que, apesar de haver datas específicas para cada coisa, pode-se e deve-se apreciá-las quando nos convier. E ainda mais se é algo que se acaba de descobrir!

Em diferentes partes da Itália, o Carnaval é sentido com muito amor e paixão, como por exemplo na Toscana. Existem tradições centenárias, como o famoso Carnaval de Viareggio, com suas imponentes carruagens nas quais muitos cidadãos trabalham durante a maior parte do ano, o Carnaval de Puccini, que é baseado na figura de "Gambe di Merlo", o Carnaval dos Filhos de Bocco em Arezzo, celebrado em uma pequena vila medieval repleta de máscaras, trajes de seda, veludo e brocados (que aparentemente não tem nada a invejar do Carnaval de Veneza).

Florença celebrou seu carnaval de forma majestosa sob o senhorio de Lorenzo de Medici até o século XVII. Nele você podia desfrutar de danças, shows e muita diversão tanto nas ruas quanto nas mesas da nobreza. Infelizmente, hoje só resta a figura de Stenterello, a máscara do Teatro Dell´Arte inventada no final de 1700 pelo ator florentino Lorenzo del Buono.





Em Florença, de fato, a tradição dos carros alegóricos chamados triunfos (montados em madeira e juta) tornou possível celebrar os dias antes da Quaresma de forma animada, curiosa e lotada. Os desfiles de carros alegóricos, as festas, o jogo foram mantidos no período em que a Lorena reinou sobre a Toscana: o percurso das carruagens, as vigílias, as danças nos teatros (começando com La Pergola, onde óperas e comédias também foram estreadas para a ocasião) e as suntuosas reuniões de máscaras na Piazza Santa Croce eram geralmente permitidas à tarde e à noite, enquanto os teatros permaneciam abertos por mais tempo e se tornavam o lugar perfeito para organizar festas dançantes, que também eram organizadas nas casas particulares dos palácios de diplomatas estrangeiros.

E justamente no final do século XVIII, no Teatro del Cocomero, graças ao ator florentino Luigi del Buono, nasceu o personagem de Stenterello: magro pelas dificuldades que viveu, pálido, trêmulo, populoso e pobre, irônico e astuto, ele representa o homem que consegue salvar a pele todas as vezes e ao mesmo tempo criticar e polemizar com as autoridades, o tipo perfeito de florentino de seu tempo.

No colete amarelo, uma dupla declaração de identidade: o 28º no peito (e em Florença, como sabemos, é o número daqueles que são traídos por sua esposa) e a inscrição deitada na borda o identificam como um tipo calmo, aparentemente distraído, mas capaz de evitar qualquer esforço.

Ela é lembrada como a última máscara do teatro florentino e da comédia da arte antiga. Um personagem simples, um tanto assustador e com reações impulsivas, mas cômica.

Em Florença, você pode, sem dúvida, sentir que é época de Carnaval simplesmente entrando em qualquer confeitaria da cidade, pois não há uma vitrine que não tenha uma linda schiacciata alla fiorentina à vista. Nos últimos anos, surgiram versões recheadas com cremes diversos que devem ser consideradas decididamente espúrias em comparação ao original, cuja característica é justamente a simplicidade de um bolo caseiro polvilhado com açúcar de confeiteiro e cacau em pó. 

Schiacciata Fiorentina

Ingrediente para 2 unidades de 600 g

Para a massa:

600 g de farinha de trigo/pão

3 ovos grandes

75 g de banha em temperatura ambiente

75 g de manteiga sem sal em temperatura ambiente

125 g de açúcar

5 g de fermento biológico seco ou use a mesma quantidade de levedura para cerveja

100 g de suco de laranja espremido na hora (frio se possível)

raspas de uma laranja

55 g de água fria

4,5 g de canela em pó

1/4 colher de chá de noz-moscada

8 g de sal

Para decorar:

2 colheres de sopa de manteiga sem sal, derretida e resfriada

açúcar de confeiteiro peneirado o quanto baste

cacau em pó o quanto baste

Preparo: Faça a massa - Na tigela da batedeira, usando o gancho para massas,  adicione a farinha junto com o ovo, suco de laranja, fermento seco, água, raspas de laranja, canela, noz-moscada, sal e metade do açúcar. Sove em velocidade baixa por cerca de 8 a 10 minutos. Adicione o restante do açúcar e sove novamente até que esteja completamente integrado. Devemos obter uma massa semi-desenvolvida, paciência, o processo de amassamento será longo. Pare a batedeira e incorpore a banha. Sove até obter uma massa homogênea. (tudo pode ser feito à mão, sem uso da batedeira, mas tende a demorar mais). Comece a adicionar a manteiga aos poucos. Ela deve estar totalmente integrada à massa antes de adicionar mais. Sove até obter um bom desenvolvimento do glúten. A massa deve ser elástica, macia, suave e não quebrar. Coloque a massa dentro de um pote com tampa e a deixe fermentar na geladeira, pode levar de 2 a 4 horas. Depois disso, tire a massa da geladeira, deixe ela por 1 hora e meia a aproximadamente descansando fora da geladeira, para em seguida modelar.

Modele. Despeje a massa em uma superfície de trabalho limpa e divida a massa  em 2 pedaços de 600 g cada. Em seguida modele á seu gosto: a forma mais tradicional é um retângulo. Mas, você pode fazer redonda, quadrada ou pequenas círculos. Coloque cada massa dentro de uma forma, untada e polvilhada ou, você pode forrar com papel manteiga, e vá ajustando a massa para dar a melhor forma. Cubra com filme plástico ou coloque em sacos grandes para freezer e deixe crescer fermentar mais um pouco. Lembre-se, não precisa crescer tanto, já que a sobremesa tradicional deve ter 3cm de altura. Mas não se assuste se a sua massa crescer mais que isso, é o poder do fermento agindo com a temperatura do seu lugar, Pré-aqueça o forno a 355ºF (180ºC). Asse por 40 minutos. Depois de assado, retire do forno, pincele com manteiga derretida e deixe esfriar completamente em uma grade. Decore - Recomendo que você decore somente antes de servir, pois com o passar do tempo o açúcar começa a ser absorvido pela massa. Polvilhe generosamente com açúcar de confeiteiro. Faça um molde com o lírio de Florença, ou use a sua criatividade, segurando o molde levemente sobre o bolo, polvilhe com cacau em pó. Retire o molde com cuidado para que nenhum resto de cacau destrua seu desenho. Serva.


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