domingo, 13 de novembro de 2016

Syllabub: uma sobremesa para se comer e beber


Não sei se todos são como eu, mas há momentos em que eu desejo comer sobremesas um pouco alcoólicas. Nessas ocasiões, chocolates recheados com bebidas alcoólicas até servem, mas não são suficientes. Por isso, hoje resolvi trazer uma receitinha rápida e deliciosa para estes momentos docemente etílicos.


Syllabub é uma especialidade da leitaria inglesa que provavelmente surgiu ainda durante o século XVI. Eram feitos de creme de leite e vinho e servidos frios – quando servido quentes recebem o nome de Possets. Quando frios, as syllabubs poderiam ser servidas em vasos de cristal delicados sem nenhum medo do vidro rachar. Por outro lado, os possets – que são quentes – seriam melhor servidos em vasos cerâmicos muito mais resistentes ao calor, como os ilustrados abaixo.




As imagens acima ilustram o tipo de vasos e copos de servir syllabub do século XVII e início do século XVIII. Neste período a parte líquida da syllabub eram sugadas através de um bico e a espuma comida com uma colher. Durante o curso do século XVIII, o bico desapareceu e as syllabubs passaram a ser consumidos em taça para café.




Durante a segunda metade do século XVIII, a quantidade de vinho foi reduzida permitindo que a syllabub ganhasse uma espuma espessa, parecida como creme chantilly – a bebida deixaria sua característica inicial de ter uma parte liquida em baixo e uma espuma cremosa que se acumulava sobre o líquido, e passaria a ser um creme leve e ligeiramente alcoólico.

O sentido do gosto, pintura de por Philip Mercier (1680-1760) que mostra uma bandeja de syllabubs
Seguramente, para a atualidade a syllabub é uma sobremesa desconhecida, mas a partir do século XV ao início do século XX, era uma espécie de ‘pudim básico’, muito popular entre os ingleses, e que passou por algumas modificações ao longo do tempo, mas manteve sua essência: uma mistura de creme de leite batido, adoçado e misturado com algum tipo de vinho – inicialmente era usado o Sack ou a Sidra.

Sack é um termo antiquado que se refere ao vinho branco fortificado importado da Espanha continental ou das Ilhas Canárias. Logo, havia Sack de diferentes origens, tais como: Canary sack das Ilhas Canárias, Malaga sack de Málaga, Palm sack de Palma de Mallorca, e Sherris sack de Jerez de la Fronter. O termo Sherris Sack mais tarde deu lugar ao xerez como o termo Inglês para vinho fortificado de Jerez. Uma vez que o xerez é praticamente o único desses vinhos ainda amplamente exportados e consumidos, no entanto "sack" (por si só, sem qualificação) não é comumente citado, mas trata-se de um velho sinônimo para xerez.

Porém, com o passar dos anos, a sobremesa tornava-se mais 'sólida', se é que se pode assim dizer, e teve diminuição na quantidade de bebida, mas que permaneceria deliciosa e ganharia o título de "syllabub everlasting” (algo como Syllabub Eterno).





O termo syllabub vem já junção de: Sille, uma área na região de Champagne, na França, que faz o vinho eponymous, mais ‘bub’, palavra de calão elisabetano significando ‘bebida borbulhante’, daí Sille bub - vinho misturado com um creme espumoso.

Se você pesquisar um pouco na internet, vai percebem que existem muitas receitas para Syllabub. Uma das mais antigas, e mais curiosas, foi elaborada por Elizabeth Raffald, e aparece em um livro de receita de 1769 com o nome de Hatted Kit, que consistia em fazem a especialidade debaixo de uma vaca, para que o leite retirado na hora desse a espuma desejada na preparação. 

Elizabeth Raffald
A receita original segue descrita abaixo (em inglês) e pede que a mistura de cerveja forte com um litro de sidra, noz moscada ralada e adoçada a gosto fosse colocada numa tigela que seria segurada abaixo das tetas de uma vaca de onde seria retirado o leite necessário que se misturaria aos outros líquidos e formaria a espuma densa, e que precisaria ficar em descanso por uma hora, para então ser servida com algumas passas picadas.

“To make a Syllabub under the cow
Put a bottle of strong beer and a pint of cider into a punch bowl, grate in a small nutmeg and sweeten it to your taste. Then milk as much milk from the cow as will make a strong froth and the ale look clear. Let it stand an hour, then strew over it a few currants well washed, picked, and plumped before the fire. Then send it to the table.”

Charles II, rei da Inglaterra, Escócia e Irlanda, era um fã deste preparo com o auxílio de vacas, ele realmente apreciava este tipo de syllabub que mantinha vacas no palácio, para o caso de ele ter um desejo súbito por degustar Hatted Kit – e aí, só precisaria de um bom esguicho de leite, embaixo de uma vaca, misturado com vinho, Sack ou sidra.

Até o século XIX, a syllabub era, geralmente, preparada com creme de leite fresco e algum vinho adocicado – e o vinho poderia ainda ser aromatizado com limão e fortificado com um pouco de conhaque. No entanto, e a pesar da existência de muitas receitas inovadoras em sabores, esta não é uma sobremesa fácil de encontrar. Por isso mesmo, segue abaixo algumas receitas fáceis para que você possa experimentar – e quem sabe, surge a inspiração e você desenvolve sua própria receita.
  
Syllabub de Amaretto

1/3 xícara de licor amaretto
2 colheres de açúcar
Suco de limão 1 colher de sopa
1 xícara de creme de leite
Biscoitos de amêndoa a gosto

Preparo: colocar em uma tigela o licor amaretto com o suco de açúcar e limão e bata para dissolver o açúcar. Junte o creme de leite e bata até a mistura engrossar e ficar cremosa.  Para montar quebre alguns biscoitos no fundo de taças, coloque o creme e decore com mais biscoitos. Leve para gelar ou sirva assim mesmo.

Syllabub eterno de Elizabeth David com biscoitos da amêndoa


Esta receita faz entre 4 e 6 porções
Ingredientes para o syllabub
8 colheres de sopa de vinho de sobremesa (vinhos licorosos)
2 colheres de sopa de conhaque
Casca de um limão
60g de açúcar
300ml de creme de leite fresco
Noz-moscada recém-ralada
Para os biscoitos:
100 g de manteiga
50 g de açúcar refinado
150 g de farinha de trigo peneirada
50g de amêndoas moídas

Preparo creme: No dia anterior você quer servir o syllabub, misture o vinho e conhaque em uma tigela, adicione a casca de limão e deixe descansar durante a noite. No dia seguinte, coloque a mistura líquida em uma tigela grande e misture o açúcar até dissolver. Despeje o creme e bata até ficar grosso. Tenha cuidado para não bater muito para não desandar o creme. Colocar colheradas dessa mistura em taças e espalhar alguns a noz-moscada sobre eles. Preparo biscoitos: Faça um creme da manteiga com o açúcar batendo-os juntos e, em seguida, misturar a farinha de trigo, e, finalmente, as amêndoas. Amasse até virar uma massa quebradiça - não seja tentado a adicionar qualquer água ou leite porque resultará em um biscoito que não será ‘crisp’, e você não quer isso. Abrir a massa com um rolo na espessura de uma moeda (cerca de 3 mm) e cortar em círculos. Asse por 8-10 minutos a 200 graus C ou até que fiquem dourados. Retirar do fogo e deixar esfriar em uma gradinha para deixar bem crocantes. Guardar em pote hermético ou bem fechado .

Syllabub Queen (Receita Típica da Inglaterra do Séc. XVIII)

casca de 1 limão
4 colheres de sopa de suco de limão
6 colheres de sopa de vinho branco
2 colheres de sopa de sherry brandy ou um licor de sua preferência
100 gramas de açúcar
2 latas de creme de leite gelado sem o soro
Biscoitos doces para acompanhar


Preparo: Lave o limão e tire a casca tão finamente que a parte da fruta não vá agarrada a menor parcela da polpa branca. Esprema o limão e coe o suco. Coloque a casca do limão e 4 colheres de sopa de suco numa tigela. Adicione o vinho e o sherry brandy. Deixe o preparado dormir durante uma noite. Passe o líquido para outro recipiente, junte o açúcar e mexa para o dissolver. Adicione o creme de leite gelado cuidadosamente ao preparado, mexendo sem parar. Bata a syllabub até espessar um pouco. Divida a mistura por taças individuais e conserve na geladeira até a hora de servir. Acompanhe com biscoitos.

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