A
mistura das etnias é o charme do Brasil. E isso repercute na nossa gastronomia.
Cada cultura deixa sua marca na cozinha brasileira o que faz com que cada lugar
deste imenso país tenha delícias diversificadas a serem descobertas pelos
paladares de todos. Um bom exemplo dessa mistura encontra-se no estado do
Espírito Santo, onde o pão nosso de cada dia nasce inspirado na cultura
pomerana. Hoje trataremos sobre o Brote, o pão pomerano mais brasileiro que
existe.
Os
primeiros imigrantes germânicos chegam ao Espirito Santo a partir do séc. XIX -
de 1846 a 1900, cerca de 4000 imigrantes germânicos chegaram às terras
capixabas, sendo a maioria advindo da antiga Pomerânia (Hoje estima-se uma
população de mais de 120 mil descendentes de pomerano apenas no estado do
Espírito Santo). A Pomerânia (em polonês Pomorze;
em alemão Pommern; em latim Pomerania ou Pomorania; em pomerano, Pommerland)
é uma região histórica e geográfica situada no norte da Polônia e da Alemanha
na costa sul do mar Báltico, entre as duas margens dos rios Vístula e Odra,
atingindo, a oeste, o rio Recknitz.
A Pomerânia atualmente, na Alemanha (esquerda) e Polônia (direita). |
A
primeira menção da Pomerânia remonta do latim "longum mare" (= "pelas costas do mar") em um
documento papal escrito por volta de 1080: o Dagome iudex, uma cópia abreviada de um documento supostamente
escrito no ano de 992. O registro comenta a respeito de certa Oda von
Haldensleben e seu esposo "Dagome", assumidamente um governante
polonês chamado Miecislau I, e se refere a um território designado por
"Dagome" ao papa. Um documento imperial datado em 1046 menciona por
primeira vez o termo "Pomerânia", referindo-se a "Zemuzil dux Bomeranorum"
(Siemomysl, Duque dos pomeranos). De aí em diante, a "Pomerânia" é
mencionada repetidamente nas crônicas de Adam von Bremen e Gallus Anonymous.
Mapa do Século XVII mostrando o Ducado da Pomerânia. |
Os
primeiros habitantes da Pomerânia foram tribos germânicas que migraram da
Escandinávia antes de 100 a.C. No século V d.C., essas tribos germânicas
migraram para o leste e encontraram tribos eslavas (vendos) que colonizavam a
região da Pomerânia. Nos séculos XII e XIII, dezenas de milhares de imigrantes
chegaram de outras regiões da Alemanha, como Renânia, Vestfália, Baixa Saxônia,
Holsácia, Meclemburgo e da Holanda e colonizaram a Pomerânia, estabelecendo
aldeias alemãs entre os habitantes eslavos. Nesse processo, a língua e a
cultura alemã dominaram a região e, no século XIV, os vendos da Pomerânia já
haviam desaparecido completamente como resultado dos casamentos mistos.
No
século XIII, um grupo de comerciantes falantes do baixo-saxão, ao qual o
pomerano pertence, formaram uma aliança mercantil conhecida como Liga
Hanseática. Sua atuação espalhou-se por várias cidades portuárias da região do
mar Báltico e o baixo-saxão tornou-se língua franca regional. Com a decadência
da Liga Hanseática, o baixo-saxão perdeu seu status de língua internacional e
passou a ser considerado um mero dialeto.
A
Pomerânia, assim como outras regiões alemãs, foi fortemente afetada pela
reforma protestante e a região tornou-se predominantemente luterana. A Guerra
dos Trinta Anos teve consequências nefastas na Pomerânia, pois cerca de 30% da
população morreu. Antes da Unificação Alemã, os pomeranos faziam parte da
Prússia. E foi nesses períodos de guerra que os pomeranos saíram de sua terra
natal - incialmente para os Estados
Unidos, para depois virem para o Brasil e para Austrália. Onde eles se
instalaram resolveram manter sua cultura, suas tradições, sua língua e não
seria diferente com a gastronomia – no entanto, esta última acabou sofrendo a
interferência do meio. Foi o caso do pão pomerano no Brasil.
Brote de Milho |
O
Brote é um pão de milho tradicionalmente preparado por descendentes de
imigrantes pomeranos, os quais no século 19 povoaram o estado brasileiro do
Espírito Santo. A tradição de fabricar esse tipo de pão perdura até hoje. Tal
pão pode variar de nome de acordo com os ingredientes, podendo ser também o Mijlchebroud (pão de milho) e o Bananabroud (brote de banana).
O
Brote surgiu a partir de 1857, quando imigrantes pomeranos chegados ao Brasil
não conseguiram cultivar o trigo no clima tropical do interior do estado, tendo
então que o substituir pelo milho. Durante muito tempo os pomeranos tiveram
vergonha de consumir o brote por serem chamados pejorativamente de “broteiros”.
Hoje, eles reconhecem nessa forte tradição um caráter único no mundo, já que
esta não foi preservada nem mesmo em seu país de origem. E ao invés de se
envergonharem os descendentes pomeranos, sobretudo os mais jovens, passaram a
ter orgulhoso da sua identidade cultural e têm o brote como símbolo de
resistência cultural.
Quando
se vai pesquisar sobre os diferentes tipos de pão encontrados na antiga
Pomerânia, na região do Mar Báltico, até se percebem as semelhanças ao que hoje
ficou consagrado como o folclórico “pão dos pomeranos”, aqui também conhecido
como “Brote”. Mas é certo que a técnica
aprendida com os antepassados e usando ingredientes nacionais acabaram criando
mais um pão brasileiro – ou seria abrasileirado?
Mas,
porque ser chamado “Brote” ou pão pomerano? Durante as primeiras décadas a
criação de aves domésticas era coisa rara. Por outro lado, quem conseguia
recorria à caça de pequenos animais silvestres. Porém também a caça precisava
ser aprendida, até por que a desconheciam nas suas vilas ou povoados de origem.
Também o cultivo do arroz era desconhecido durante os primeiros tempos da
colonização. Tudo isto nos leva a imaginar o que deve ter sido a vida
sacrificada dos pioneiros daquela época. Na realidade estes primeiros colonos
tiveram acesso à terra, porém, o pequeno conhecimento da própria culinária
brasileira fez com que muita matéria prima aqui disponível, com por exemplo os
tubérculos, tão comuns nas terras quentes, não tivesse seu desejado potencial
de aproveitamento. É lógico, que as necessidades enfrentadas levaram o colono
na procura por outros alimentos. Foi assim que descobriu os tubérculos,
encontrados com bastante frequência na própria natureza. Familiarizaram-se com
a mandioca, a taioba, a abóbora, o inhame, a batata doce, o cará e o amendoim.
Aqui
não se tinha trigo, nem animais domésticos para suprir suas necessidades
alimentares básicas. Mesmo assim os pomeranos parecem ter levado bastante tempo
para aprender a utilizar melhor a potencial riqueza de terras brasileiras, e
redescobrir o que poderiam caçar entre os animais silvestres locais, na pesca e
os tipos de vegetais que a natureza lhe oferecia com abundância. Somente depois
de um longo e sacrificado aprendizado os pioneiros começaram a plantar milho e
mandioca, aliás, prática já bastante comum entre os caboclos e os próprios
índios. Foi desta forma que aos poucos a canjica de milho, o feijão e a
mandioca se transformaram em ingredientes básicos das refeições dos
agricultores assentados naquela região.
Afinal, para poder viver era preciso comer o que se tinha. Com isto
aprenderam a se adequar ao que existia.
A
população da Pomerânia tinha no arenque (Hering) um dos elementos básicos da
sua alimentação diária. A pescaria no Mar Báltico, ao lado da atividade
agrícola nos grandes latifúndios, constituía-se na principal atividade de
subsistência. Aqui nas novas colônias, também o peixe continuou sendo muito
consumido, pois abundava nos pequenos rios e riachos.
Com
o passar dos anos, a necessidade de um melhor beneficiamento do milho, fez com
que muitos pioneiros passassem a construir os seus próprios moinhos que lhes
permitissem produzir o fubá, uma farinha de milho de uma melhor qualidade. Com
isto a plantação deste cereal e de tubérculos efetivamente passou a se
constituir na principal forma de cultura de subsistência. Além disto, com o
surgimento de uma qualidade de milho branco, esta farinha de milho branca
passou a ser melhor aceita como substituto da farinha de trigo, impossível de
ser importada da Europa.
Estavam
agora prontos os ingredientes básicos para a preparação do seu mais importante
elemento nutricional, o “Broud”, “Mijabroud” (pão de milho) ou o “Bananabroud”
(brote de banana), mais tarde aportuguesado com o nome de “Brote”. Trata-se de
uma deliciosa mistura, que, segundo conta a lenda popular, teria sido inventada
por força das circunstâncias e que terminou satisfazendo a necessidade de
alimentação básica dos pomeranos. Há também quem insista que a receita do brote
teria sido proveniente de agricultores de Minas Gerais. Entretanto, o fato de se estar produzindo um
tipo de pão muito semelhante, tanto no estado de Espírito Santo como em Santa
Catarina, no Rio Grande do Sul e agora em Rondônia, também leva a pensar
tratar-se de uma herança, de certa forma já trazido da Pomerânia e, por força
das circunstancias, adaptada às condições locais.
O
brote trata-se se um pão, visualmente parecido com o que temos pelo resto do
Brasil e também na Pomerânia Báltica. O que o diferencia, porém, são seus
ingredientes, que se aprendeu a adicionar, como já se observou, em decorrência
de uma abundância de produtos locais. Os elementos básicos como a farinha, o
sal, o fermento e a água, apesar de também estarem presentes, tiveram a farinha
de trigo substituída pela farinha de milho. Os novos ingredientes, responsáveis
pelos diferentes sabores ficaram por conta de cada “padeiro” na medida em que
estes foram adicionando à massa do pão diferentes quantidades de tubérculos
ralados como batata doce, inhame, cará, aipim, ou mesmo algumas bananas bem
adocicadas, frutas cristalizadas ou outros diferentes temperos. Concluída a
massa, moldava-se os “Mijabroud” e se passava-se um preparado na base de ovo
batido. Depois de deixa-lo “crescer”, era colocado para assar em um formo de
barro pré-aquecido até cerca de 160 graus. Dizem que, para ficar melhor ainda,
era necessário colocar o Brote dentro do forno sobre folhas de bananeiras.
E
se você quer comer um pãozinho diferente, gostoso, vai ver que o brote é fácil
de fazer e vai te surpreender. Aproveita
BROTE DE MILHO
1 ½
quilo de farinha de milho-branco
1
litro de água
½
quilo de inhame
½
quilo de batata-doce
150
gramas de mandioca
150 ml
de óleo de soja
100
gramas de açúcar mascavo
15
gramas de fermento biológico seco
1
colher de café de sal
2 ovos
1
colher de sopa de amido
Preparo: Descasque e rale a
mandioca, a batata-doce e o inhame; ferva a água e coloque sobre os tubérculos
ralados. Mexa bem e vá adicionando o açúcar, o óleo, o sal e o fermento; aos
poucos, acrescente a farinha de milho-branco. Você deve obter uma massa homogênea;
deixe essa massa descansar por 30 minutos, ou até ela começar a rachar; modele
os pães e pincele-os com uma mistura dos ovos batidos com o amido; asse os pães
em forno pré-aquecido a 300°C por uma hora.
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