“A batata frita é filha da cozinha da rua, da
baixa gastronomia. Por isso é difícil estabelecer sua certidão de
nascimento". Li essa frase em alguma entrevista, na
internet, e acabei ficando com ela martelando na minha cabeça por dias. E, como
batatas fritas são do meu agrado, a frase acabou sendo a motivadora para essa
postagem. No
entanto, não se fará aqui uma introdução sobre a origem da batata, muito menos
sobre as viagens que a espalhou pelo mundo – mas, confesso, que isso renderiam excelentes posts.
Apenas, queria registrar algo sobre as batatas fritas, que nos tempos atuais é
um dos produtos culinários mais conhecidos e consumidos no planeta – talvez até
além dele (risos).
Sabe-se
que as batatas demoraram um bom tempo para conquistar a França e, sem a
existência de Parmentier, Deus sabe quanto tempo a mais teria tomado para que
elas chegassem na França. Mas, em outros lugares na Europa ‘la patate’, como era chamada no sul, já era um grande sucesso,
especialmente no norte do continente europeu e na Grã-Bretanha – algumas
variedades de batatas existentes àquela época desapareceram, mas vieram outras
tantas, e junto com elas outros métodos de preparação e receitas mil para que
pudéssemos aproveitar o máximo da versatilidade das batatas.
As
batatas fritas antes de estarem à disposição dos comensais do veloz século XXI,
era chamada antes disso de "les
frites". Ao que acreditam
alguns estudiosos, Les frites
provavelmente tenham aparecido inicialmente no norte da Europa, mas há
vestígios de que foi no século XVI, na Alemanha, onde pedaços grossos ou fatias
de batatas aparecem descritas sendo fritas em uma panela cheia de manteiga -
inicialmente morna e depois fervente. Esta forma de proceder vai se espalhar na
Europa e também na França com a mania de esnobismo, para em seguida, se tornar
popular.
Porém,
manteiga em quantidade era um produto caro e não muito difundido na classe
desfavorecida, era mais fata em meios rurais e pouco usada pela classe
trabalhadora. Tão rápido quanto a década de 1830, aprenderam a cozinhar com
banha e outros tipos de gorduras – dizem alguns que a graisse de boeuf continua a ser a melhor gordura para se preparar
fritas, ou todas as banhas animais que viriam a ser usadas no decorrer daquele
século.
Um
fato importante e que não deve ser esquecido, é que a batata já salvou a Europa
da fome durante o século XIX, na França seria a base do alimento desde o início
do século XIX, e sua cultura explodiu literalmente em alguns milhares de
quintais - numa estimativa de 42 milhões quintais em 1852 e 130 milhões
quintais no final do século –, sendo cultivadas em todos os lugares.
De 1886 |
Quintal é a denominação
de várias unidades de medida de massa. Consoante ao país e à época, o quintal
teve vários valores. Em Portugal, o Quintal teve vários padrões ao longo dos
tempos. Com as Ordenações Manuelinas, 1 quintal era de 4 arrobas. Nesta altura
a unidade era o marco de Colónia. No tempo dos Descobrimentos, havia dois tipos
de "quintais": Quintal de peso grande ou ordinário (o mesmo que está
exibido na tabela de abaixo): tinha 4 arrobas de 32 arráteis e 512 onças (16
onças por arrátel); e, Quintal de peso pequeno: tinha 4 arrobas de 28 arráteis
e 392 onças (14 onças por arrátel). O quintal curto ou quintal dos Estados
Unidos (abreviado "cwt") é denominado s em inglês, e equivale a
45,359237 kg; O quintal longo ou quintal britânico (também abreviado
"cwt") é uma antiga unidade de medida britânica, denominada long
hundredweight em inglês, equivalente a 50,80234544 kg.
A
base dos alimentos entre os camponeses, citada por Frederic Leplay (1806-1882)
em sua revisão “Les ouvriers des deux
mondes” (Trabalhadores de ambos os mundos), descreve a refeição típica de
uma família camponesa francesa ao meio-dia, em 1863, como sendo a seguinte:
"ao meio-dia, os camponeses comem uma sopa de legumes e batatas ao vapor
ou misturam com batatas fritas, e pão a critério, esta é a refeição principal
do dia’.
Os
utensílios usados para preparar a batata frita não mudaram muito em boa parte
do século: bastava ter uma panela de ferro fundido que foi, rapidamente,
apelidada na cozinha de ‘la Négresse’,
devido à sua cor preta devido ao acumulo do excesso de gordura; e uma écumoire (escumadeira) de linhas de
ferro apelidada de’ l’araignée’ (que
lembra uma teia de aranha) eram, com a ajuda de uma faca, os utensílios
necessários para o preparo das fritas.
As
cestas de fritura ou peneiras de fritas (le
panier a frite) vieram mais tarde, no final do século XIX, e a chegada de
gás e depois da eletricidade, mudaram a maneira de preparar fritas e
especialmente deram velocidade de execução – com máquinas especiais de
descascar e cortar, em tamanhos e formas inusitadas, e máquinas e panelas
especiais para fritar, inclusive sem óleo.
Mas
naquela época (séc. XIX) não havia variedade particular de batatas para serem
fritas, a célebre bintje ainda não
existia como também não existiam as Vitellotes
que são deliciosas fritas, nem a variedade alemã Bonne Wilhemine.
No entanto, desde o início do século XIX, podia-se encontrar nos mercados e pelas ruas das cidades mercadores vendendo batatas ao vapor, cozidas em panelas com água sob grelhas ou em braseiros, que por volta da década de 1830 eles serão transformaram em mercadores de batatas fritas, substituindo as batatas cozidas em vapor por fatias finas ou pedaços mais grossos de batatas que eram fritos no melhor dos casos em saindoux (banha de porco) ou em outras gorduras animais.
Esta profissão continuará a
desenvolver e prosperar ao longo do século, muitas vezes vendendo marrons (nome
dado as castanhas portuguesas) nos invernos. Todos os bairros nas grandes
cidades tiveram seus mercados de batatas fritas, que trabalhavam até muito
tarde. Uma fato, vindo da França, apresenta uma regulamentação policial da
cidade de Paris que obrigou os mercadores de fritas a encerrar à meia-noite
seus trabalhos, e sabe-se que os mercadores de fritas, durante todo o século
XIX até meados do século XX, foram responsáveis por alimentar muitos estômagos
dos famintos.
No entanto, desde o início do século XIX, podia-se encontrar nos mercados e pelas ruas das cidades mercadores vendendo batatas ao vapor, cozidas em panelas com água sob grelhas ou em braseiros, que por volta da década de 1830 eles serão transformaram em mercadores de batatas fritas, substituindo as batatas cozidas em vapor por fatias finas ou pedaços mais grossos de batatas que eram fritos no melhor dos casos em saindoux (banha de porco) ou em outras gorduras animais.
LE MARCHAND DE FRITES , MARCEL BOVIS , 1904-1997. |
Naquele
período, preparar fritas na manteiga não era fácil, o tempo de cocção na
manteiga demorava mais, também se perdia muita manteiga com as frituras pois
ela queima com facilidade, e manteiga era um produto caro para ser
desperdiçado. Por isso inventaram a técnica conhecida como le pochage de frites ou o blanchir
les frites que consistia em cozinhar primeiro em água quente e depois de
bem secas mergulhá-las em óleo bem quente – como se deve fazer para ter uma
batata sautée clássica.
Então, finalmente, no final do século XIX,
passaram a blanchir em outras
gorduras que não manteiga, como as banhas animais e óleos, para em seguida
deixar dourar em outro recipiente com óleo fervente. Essa maneira de preparar
batatas ficou conhecida como pommes
frites soufflées, pois as batatas incham a partir da segunda fritura – para
nossa lástima nem todas as variedades de batata moderna dão esse resultado, uma
pena.
Nota-se
que o meio e o sul da Europa serão afetados pelo fenômeno dos três quartos do
século XIX, com algumas variações: como o uso de azeite de oliva no sul e em
algumas regiões de Itália, o uso também de cebolas fritas ao mesmo tempo que
batatas fritas. Também podemos indicar a prática de usar outros vegetais
fritos, além de batatas, levando o nome de les
frites, como: les panais (pastinaca
sativa), cenouras, les topinambours (conhecida como tupinambo ou
alcachofra-girassol), e depois o inhame e a batata-doce.
MARCHAND DE FRITES , PARIS 1906. |
Embora
considerados como um prato pobre, as fritas alimentaram muita gente nos ‘bouillons’ franceses (o termo significa
literalmente ‘fervidos, caldos’, refere-se a restaurantes populares que tinham
preços baixos), como o Veau qui Tête, o Borel ou les bouillons Durant, a
primeira cadeia de fast food e barata, teve, no entanto, a sua nobreza graças
às famosas batatas fritas de Maxim's ou à da cervejaria que abriram, meio
anarquista individual, em Lisboa, conhecida como "la frite Révolutionnaire ".
Mas
a história das fritas tem muito ‘pano para a manga’: ainda se questiona, por
exemplo, a verdadeira origem da preparação. A discussão principal volta-se
sempre entre Bélgica, França e Espanha. O historiador belga Jo Gerard já
menciona batatas serem fritas em 1681 nos Países Baixos, hoje na região da
Bélgica. De acordo com Jo Gerard, um historiador belga, aparentemente, segundo
Gerard, os habitantes pobres da Bélgica tinham frequentemente peixe frito, de
pequenas dimensões, nas suas refeições. Mas quando o rio congelou e a maioria
das famílias não conseguia pescar, passaram a usar batatas fritas em óleo nas
suas refeições. Essas batatas eram cortadas longitudinalmente e para darem um
aspecto parecido com os pequenos peixes. Ainda em relação à Bélgica, existe
também uma lenda que refere que alguns soldados americanos, ou britânicos,
teriam ido à Bélgica durante a Primeira Guerra Mundial só para provaram as
batatas fritas belgas. Terá derivado desta visita o atual hábito anglo-saxónico
de chamar “French Fries” às batatas
fritas, tudo devido ao facto da língua oficial do exército da Bélgica ser o
francês.
Existe,
porém, outro país com a mesma língua, candidato a criador das batatas fritas: a
França. Lá, há registros de receitas de batatas fritas no livro Les Soupers de la Cour, de Menon, publicado em 1758. Em
alguns países o nome do prato faz alusão à origem francesa, essas batatas
fritas eram simplesmente referidas como “pommes frites” ou “les frites”.
E,
finalmente temos os espanhóis que acham que devem ser reconhecidos como os
inventores das batatas fritas. Com a alegação do prato ter sido criado na
Espanha, primeiro país a receber as batatas do Novo Mundo. De acordo com o curador
do Frietmuseum de Bruges, na Bélgica, o Professor Paul Ilegems, Santa Teresa
d'Ávila teria fritado as primeiras batatas, de acordo com o costume da cozinha
Mediterrânea de pratos fritos.
Paul
Ilegems se baseia em uma carta datada de 19 de dezembro de 1577 enviada por
Teresa D’Avila à madre superiora do convento do Carmo em Sevilha, agradecendo o
envio das batatas e outras hortaliças. Teresa disse: “Recebi as batatas, e a
vasilha com sete limões. Chegou tudo certo”. Mas o jornalista e crítico gastronômico
Cristino Álvarez opina, em um artigo, que não acredita que essa teoria seja
provável. Álvarez afirma que “a batata a que se refere a santa é a chamada
batata de Málaga, um tubérculo trazido por Colombo do Haiti em sua primeira
viagem. Foi preciso esperar meio século para ter notícias da batata
propriamente dita. ” O que é certo é que, a partir de 1573, no livro de
registros de um hospital, aparece o recebimento deste tubérculo nutritivo vindo
de um dos conventos das Carmelitas Descalças (ordem fundada por Teresa
D´Ávila).
Vale
lembrar que essa disputa é pela invenção da batata cortada em formato de
bastões, fritos em bastante óleo. Mas as batatas cortadas fininhas e no formato
arredondado, conhecidas por “chips”, surgiram por acidente no ano de 1853, em um
restaurante de Nova York. O chef, diante das queixas de um cliente que sempre o
recriminava por não cortar as batatas finas o suficiente para ele, decidiu dar
uma lição ao homem, cortando-as de forma tão fina, que ele não conseguiria
pegá-las com o garfo. O resultado foi o contrário: o cliente ficou surpreso e
completamente satisfeito. Depois, todos os clientes começaram a pedir aquela
nova e deliciosa especialidade.
Contudo,
na história das colônias do Novo Mundo, a Espanha é tida como o primeiro país
europeu onde se comiam batatas fritas e era um costume serem usadas como
acompanhamento de pratos de peixe. Este costume começou na Galiza e mais tarde
espalhou-se pela Espanha, Países Baixos e acabou chegando à Bélgica passado um
século. Dessa forma, a que conclusão chegar? O certo, é que não se sabe ao
certo quem inventou a batata frita, mas que esses três lugares contribuíram
muito com a popularidade inicial.
Abaixo seguem alguns tipos de batata frita mais conhecidos:
Abaixo seguem alguns tipos de batata frita mais conhecidos:
Les cheveux d’or
O
cabelo dourado é batata-frita cuja largura é inferior a 0,25 cm.
Les Chip
As
batatas fritas são fatias muito finas de batatas fritas em óleo, polvilhadas
levemente com sal ou temperadas. A invenção das batatas fritas é creditada a
George Crum, um chef no Moon Lake Lodge em Saratoga Springs, Nova York, em 24
de agosto de 1853. Foi por causa de um cliente particularmente exigente que
George Crum desenvolveu essa preparação de batata frita. Pela segunda vez
consecutiva, o cliente recusou seu prato de batatas fritas, dizendo ser muito
grosso para o seu gosto. Enervado, o Chef George Crum decide cortar as batatas o
mais fino possível. Alguns minutos de fritura, um pouco de sal e elas estavam
prontas. Mas contra todas as probabilidades, esses chips de batatas
fritas" foram um verdadeiro sucesso. George Crum até decide tornar sua
especialidade e a inclui na sua carta apresentada ao público. Os chips de
batata se tornaram uma especialidade com o nome do Village, Saratoga Chips. No
entanto, Georges Crum é afro-americano e nativo americano, ele não pediu
patente nos Estados Unidos para esta invenção.
Les pommes allumettes
Les
pommes allumettes são batatas fritas cortadas em bastonetes de uma seção de 0,5
cm, muitas vezes usadas em restaurantes de fast food.
Pommes
bûches
Les
Pommes bûches são batatas fritas
cortadas em seção quadrada de 2 cm.
Pommes Chatouillard
Les
pommes Chatouillard são o nome de uma preparação de batata em fitas
longas e fritas.
Pommes Dauphine
Já tratamos sobre elas AQUI. Les
pommes Dauphine uma especialidade culinária francesa, são bolinhas de massa
feitas de uma mistura de purê de batata e de pastelaria choux. As almôndegas
são tipicamente fritas em óleo. A expressão "Maçãs Dauphine" é datada
de 1891, e teria aparecido em 1864 sob a forma de "Batatas à la
Dauphine". O "Dauphine" refere-se à esposa do Dauphin, herdeira
coroa presuntiva da França sob o antigo regime.
Pommes gaufrettes
Les
pommes gaufrettes são batatas fritas cortada no formato de grades ou grelhas
com ajuda de cortadores especiais.
Pommes Lorette
Les
pommes Lorette devem seu nome a um distrito de Paris, Notre Dame de Lorette. São
uma preparação de batata consistindo de uma mistura de massa bomba e purê de
batata, que é depois frita. As Lorette são moldadas em formatos de crescentes a
partir de uma mistura de ovos com adição de queijo ralado, noz-moscada,
perfeitas para acompanhar peixe.
Pommes en nid
Les
pommes en nid trata-se de palhas de batata moldada em formato de ninho e depois
fritas.
Pommes noisette ou pommes de terre
noisette
Les
pommes noisette são pequenas bolinhas de
batata que são. A expressão "pommes noisette", trata-se por analogia
à forma das avelãs, foi comprovada desde 1887, em uma receita de "Carré de
veau garni aux pommes Noisettes ", publicada no Cook's Progress (Journal
of the French Cook's Federation) ) de 15 de novembro de 1887.
Pommes pailles
A
famosa batata palha são batatas fritas cortadas em varas de uma seção de 0,25
cm de largura.
Pommes Pont-Neuf
As
primeiras batatas fritas de Paris teriam sido vendidas em Pont-Neuf. Tratam-se
de batatas fritas cortadas em bastões de 1 cm de largura, e são conhecidas como
la frite parisienne.
Pommes soufflées
Les
pommes soufflées são batatas fritas infladas pela segunda fritura.
Para
finalizar essa postagem, seria interessante comer umas fritas. E, para tanto,
segue-se uma receita de fritas sugerida por Urbain Dubois, um dos maiores
cozinheiros do XIX, em seu livro de receitas "The New Bourgeois
Cuisine" 1890, onde ele se permite como um bom cozinheiro francês
reivindicar para França a invenção das fritas. A ideia é simples e de fácil
execução. Aproveite!
Les
Frites Soufflé
3
unidades de batatas Asterix
Óleo
para fritar
Salsinha
para decorar
Preparo: lave e seque bem as batatas.
Corte as batatas em fatias grossas – se
preferir, não precisa tirar a casca – mas, para isso use batatas de ‘confiança’.
No fogão, coloque duas panelas com óleo, em temperaturas diferentes. Frite as
batatas primeiro no óleo pouco quente, a 140°C, até elas estufarem. Em seguida,
passe-as para a panela com óleo bem quente, a 180°C, até elas subirem na
panela. Retire as batatas, deixe o excesso de óleo escorrer e decore com
salsinha. Pronto!
Os argentinos adoram batatas fritas infladas, os árabes fazem um buraquinho no miolo, recheiam com carne moída e arroz, fecham o buraquinho e depois fritam.
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