quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

La Chandeleur e a Festa dos crepes na França

 

Hoje é 02 de fevereiro, e aqui no Brasil a data comemora no candomblé o Dia de Iemanjá (Salve Odoyá); enquanto os católicos celebram o Dia de Nossa Senhora da Candelária, a Senhora dos Navegantes; festividades que também envolvem comidas de celebração como o mugunzá branco (canjica branca) adoçado com mel (para Iemanjá) e o pirão de peixe (para a Candelária). Mas você sabia que, na França essa data é chamada de "Fête de la Chandeleur" (Festa da Candeláriia, em francês), uma celebração que relembra a Apresentação de Jesus no Templo? Pois é, mas que na França é também um dia em que se faz festa para comer crepes e galettes (esse é o nome que se dá para os crepes salgados) por todo o país. Agora, você deve estar se perguntado o que tem a ver a religião com os crepes?

Antes que apareça alguém reclamando por eu estar usando “O Crepe’ ao invés de “A Crepe”, eu devo salientar que essa confusão ocorre pelo fato da palavra crepe vem do francês, onde o termo é substantivo feminino. Contudo, no português, o substantivo é masculino. Logo, a maneira correra aqui no Brasil é “O Crepe” – por isso está assim. Dito isso, volto ao que interessa.


Nossa Senhora da Candelária
Iemanjá

A Apresentação de Jesus no Templo é um dia religioso comemorado em vários países. Então, a Festa da Candelária na França, onde também é chamada de Fête des Chandelles (Festa das Velas), embora hoje ela esteja ligada à religião católica, tem origens nas antigas religiões a muitos séculos.

Os Celtas, que também viveram em várias partes da França, tinham uma tradição de fazer uma procissão cheia de tochas para celebrar Brigit, deusa da fecundidade, que abençoava as sementes que seriam plantadas em breve. Os romanos retomaram esse costume e organizavam as Lupercales, que eram procissões com tochas em honra a Lupercus ou Pan, deus da fecundidade. Era uma forma de comemorar o final do inverno e a chegada de dias mais clementes e fecundos para a agricultura.


Lupercalia

Outra interpretação para a origem de La Chandeleur é que a festa seria dedicada à deusa Ceres (Deméter na Mitologia Grega), que representava a colheita e não fertilizava a terra durante três meses, ou seja, no inverno. Uma procissão com tochas era realizada, lembrando a procura da deusa por sua filha, Proserpina (ou Perséfone para os gregos), raptada por Plutão (Hades), o deus dos infernos. A luz das tochas na procissão simbolizava a vitória sobre as sombras da morte. Nos dois casos de origem pagã, a festa era realizada em torno de 15 de fevereiro.

Deusa Deméter

Foi em 472 que o papa Gelásio I decide “cristianizar” a comemoração, tornando-a símbolo da Apresentação de Jesus no Templo. Segundo a tradição hebraica, os bebês primogênitos do sexo masculino deveriam ser levados ao templo, quarenta dias após o nascimento, para serem apresentados a Deus. Quarenta dias após o Natal (nascimento de Jesus) cai em 2 de fevereiro.

De acordo com a Bíblia, um velho homem, Simeão, e a profetisa Ana reconheceram o menino como Deus, a luz de Israel. Por isso, Gelásio associa a antiga festa pagã das velas com a comemoração cristã. Nesse dia, é celebrada também a Purificação da Virgem Maria, outra tradição hebraica que diz que as mulheres deveriam ser purificadas 40 dias após o parto.

Mas, onde os crepes entram nessa história? Ocorre que, o papa Gelásio I apropriou-se a antiga festa pagã dos romanos. Então, no dia 2 de fevereiro, começaram a ser organizadas em Roma procissões, só que em vez de tochas eram velas bentas. No século VII, Festa do Candelarum se tornou tão popular, que antes mesmo da Aurora já havia fiéis chegando à cidade. Aí, para matar a fome dessa multidão, começaram a distribuir os crepes de trigo ‘candial’ (muito branco).

Essa tradição dos crepes com a Chandeleur (Apresentação de Jesus no Templo) continua na França. Na Idade Média, os camponeses iam à Missa pela manhã já com a velas para serem benzidas. Aí eles voltavam para casa, com a vela acesa, e percorriam todos os cômodos da residência, para levar luz e prosperidade ao lar. Durante essa procissão doméstica, a vela deveria ficar acesa. Se ela apagasse, era sinal de azar. Depois, ela era guardada em uma gaveta e só era retirada dali em situações dramáticas, como no caso da morte de alguém da família.


No mesmo dia, à noite, os crepes eram degustados. Pela sua forma redonda, a cor dourada e o fato de ser quente, o crepe lembrava o sol. O que combinava também com a festa religiosa, pois, para os cristãos, Cristo é a luz do Mundo. A tradição mandava que os crepes deveriam ser feitos com o trigo excedente do ano anterior, para trazer prosperidade na colheita do ano que começava. Também era uma forma de aproveitar o que sobrava do cereal.

E não para por aí! Os primeiros crepes deveriam ser feitos no fogo e jogados para o alto várias vezes com a mão direita, enquanto a mão esquerda deveria segurar uma moeda. Isso tudo para atrair a prosperidade. Depois, a moeda era enrolada no crepe, levada em procissão até o quarto para ser jogada em cima do armário, onde deveria ficar até o ano seguinte. Deixar a moeda cair, era azar para o ano todo.

Há historiadores que estabelecem a origem do crepe em 7000 a.C. Naquela época, era uma panqueca bem grossa, feita com uma pasta misturando água e vários cereais triturados. Uma pedra chata, muito quente, permitia o cozimento.

Na Bretanha, região francesa, foi no século XIII que surgiu o crepe. O trigo sarraceno, trazido de volta à França após as cruzadas na Ásia, possibilitou fazer essa fina camada de massa, de forma redonda. Este é o início da tradicional galette bretã! Pois, lá, os crepes salgados são sempre preparados com farinha de trigo sarraceno, também chamada de “farine de blé noir’, a vantagem desta farinha é que não contém glúten.

A galette de trigo mourisco deve ser distinguida do crepe doce, para a qual são utilizados farinha de trigo, leite, ovos e manteiga. Mas em ambos os casos, a preparação ganha em gula com as suas guarnições de recheio – que podem ser os mais variados possíveis.

Graças ao seu percurso histórico, o crepe tem alma viajante e hoje pode ser encontrado em todo o mundo, com pequenas variações: desde a famosa panqueca americana, que é menor e mais grossa; o bonitinho blini do Leste Europeu, ou ainda na tortilla mexicana, preparada com farinha de milho. O crepe francês ainda é primo da piadine italiana ou do baghrir norte-africano, e até da bruaca cearense do nordeste brasileiro. Todos, umas delícias de se perder o rumo.

Hoje não é preciso fazermos tantos rituais. Mas, sem dúvida, crepes e galettes, são excelentes opções para se deliciar.

 

Crepes (Massa Tradicional)

Para a Galette (massa salgada de crepe):

1 xícara de leite

5 colheres (sopa) de manteiga derretida

1 ovo

1 xícara de farinha de trigo

uma pitada de sal

Para a massa doce de crepe:

Adicione 1 colher (sopa) de açúcar.

Preparo: Numa tigela grande, misture o leite, a manteiga e o ovo, batendo com um fouet ou garfo. Vá colocando a farinha de trigo pouco a pouco, misturando bem. Adicione a pitada de sal e/ou, para a versão doce, o açúcar. Misture. Leve à geladeira por uma hora para a massa “descansar”. Para fritar os crepes, esquente bem uma frigideira e coloque uma colher de manteiga. Disponha uma concha da massa e espalhe bem por toda a frigideira. Quando estiver cozido o lado de baixo, vire e deixe cozinhar do outro lado. Retire, reserve num prato e recheie/sirva como quiser! Rende de 6 crepes.

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