É pra se comer bastante esta idéia de combinar gastronomia, cultura e história unidas num lugar acessível. Principalmente numa época onde as pessoas se entopem de gorduras trans e não alimentam a alma.
Sabendo que o homem não nasce da fome, mas do apetite. Te convido a conjugar o verbo comer em todas as suas possibilidades.
Um brinde a você por estar aqui! Bon apetit!!!
Imagine adormecer ao som de
valsas vienenses, daquelas que giram dentro do peito como um fluido vestido em
festa — ou uma saudade sem nome. Era uma noite morna, e a brisa que atravessava
a janela trazia o aroma doce de castanhas tostadas e de algo que ainda não
acontecera, mas que já se lembrava. No sonho, salões reluzentes abriam-se em
espelhos, sapatos deslizavam em compassos exatos, e ao centro, nas mãos de dois
corpos que se buscavam, repousava algo embrulhado com a ternura de um gesto
íntimo — um bombom que parecia pulsar.
Ao despertar, ainda com a
névoa da dança nos olhos, estava lá, sobre a mesinha de cabeceira: um pequeno
invólucro cor-de-rosa maravilha. Foi desembrulhado devagar, como quem desvenda
uma carta guardada entre páginas de um livro antigo. E então, sem surpresa —
mas com espanto doce — compreendeu: aquele bombom era o próprio sonho. Um Sonho
de Valsa.
Criado em 1938, quando o Brasil ainda vivia de gestos mais lentos e de
silêncios mais intensos, o bombom da @Lacta surgiu como um mimo: feito a partir
de uma casquinha de wafer crocante, recheio macio com castanha de caju, duas
camadas de chocolate (uma meio amargo e outra ao leite, bem finas) que se
derretiam sem pressa.
Durante os primeiros anos de
sua existência, o Sonho de Valsa habitava o universo quase exclusivamente
feminino, repousando em bombonières tão sofisticadas quanto os pequenos luxos
que a época permitia. Era vendido a granel, como se confidências pudessem ser
medidas a quilo — cada unidade um segredo embrulhado em estanho e silêncio
cintilante. Àquela altura, o chocolate ainda era visto como um ingrediente
sutil, quase aristocrático — reservado a paladares sensíveis, a ocasiões que
pediam um toque de refinamento. E a Lacta, com sua vocação para a elegância,
cultivava esse ar de distinção com zelo quase litúrgico.
Mas o tempo, sempre
coreógrafo, moveu as intenções. Em 1942, a marca teve um lampejo: convidar os
rapazes a presentear suas namoradas com aquele bombom que dizia tanto sem
precisar de palavras. Nascia o slogan “Saboreie um bombom com a sua namorada” —
e com ele, uma nova tradição.
Não mais apenas um
chocolate, mas um rito de aproximação.
O Sonho de Valsa cresceu em tamanho e importância. Desceu dos salões para os
bares e mercearias, passou a habitar também os bolsos dos tímidos, os corações
dos decididos. A embalagem mudou: o violão solitário original deu lugar a um
casal dançando em traje de gala, e a partitura de uma valsa surgiu nas laterais
— um trecho da opereta "Ein Walzertraum" de Oscar Straus , e não
Johann Strauss como muitos ainda pensam. Um toque europeu em meio à tropicalidade
do gesto.
Com o avanço da tecnologia
nacional, o celofane transparente deu lugar ao rosa maravilha — nome de flor
brasileira, cor de romance latino. E assim, o Sonho de Valsa se transformou em
algo maior do que o próprio recheio: virou metáfora.
Hoje, quatro em cada dez
bombons consumidos no Brasil são Sonhos de Valsa, com esse nome que parece ter
saído de um livro de música e de um diário adolescente ao mesmo tempo. São mais
de 330 milhões de unidades vendidas por ano, cada uma delas pequena testemunha
de encontros, aniversários, reconciliações e desejos ainda por dizer. Desde
1938, mais de vinte bilhões desses pequenos sonhos foram entregues — cada um
preservando, intacto, o segredo do seu recheio que desafia o tempo e resiste há
87 anos. Não é apenas um doce, mas uma tradição que se revelou um verdadeiro
fenômeno cultural brasileiro.
Quando, em 1996, a gigante
americana Kraft/Mondelez Internacional assumiu a Lacta, encontrou algo muito
além de um produto: descobriu uma história doce, entrelaçada com memórias e
gostos que cruzam gerações. Hoje, essa marca celebra um faturamento de seiscentos
milhões anuais, ultrapassa fronteiras, exportando para dez países — e
dificilmente existe brasileiro que, ao menos uma vez, não tenha cedido ao seu
encanto.
Mas o mais curioso talvez
seja isso: não se dá um Sonho de Valsa apenas pelo sabor — embora ele seja, de
fato, uma alquimia de texturas e lembranças. Dá-se porque há nesse gesto algo
de antigo, de permanente. Porque desembrulhar um bombom é, às vezes, a única
forma possível de dizer “estou pensando em você”.
Talvez cozinhar seja,
afinal, o gesto que torna o amor visível — um movimento delicado que transforma
o invisível em sabor, afeto e memória. E o Brasil, com engenho e ternura, soube
moldar esse gesto em chocolate, fazendo dele uma instituição doce. Não apenas
um bombom, mas um convite para um instante em que o tempo se dobra, e cada
mordida desenha uma dança: às vezes solitária, às vezes a dois, sempre envolta
numa valsa de memórias, desejos e silenciosos encantos.
Um sonho entregue, um ritual
doce. E ao fim de cada mordida — como no último giro de uma valsa bem dançada —
algo em nós se rende, comovido. Porque há afetos que não se dizem, lembranças
que não se nomeiam. Só se dançam. Há promessas doces que o tempo guarda em
silêncio — e, às vezes, em chocolate.
Obs.: Para os que cultivam a
curiosidade como um deleite, deixo abaixo o vídeo com a opereta inteira, pronta
para ser ouvida em sua plenitude. E que, ao som dessa valsa, possamos dançar
suavemente, mordida a mordida, enquanto o Sonho de Valsa se desfaz em poesia no
paladar.
PAVÊ SONHO DE VALSA
Primeiro creme
1 lata de leite condensado
1 lata de leite (use a lata de leite
condensado pra medir)
3 gemas peneiradas
Segundo creme
400 mililitros de leite
2 colheres de sopa de amido de milho
2 colheres de sopa de cacau em pó
5 colheres de sopa de açúcar
Montagem
Sonho de Valsa a gosto picado
Biscoitos champanhe a gosto
Leite a gosto
3 claras
3 colheres de sopa de açúcar
1 lata de creme de leite gelado sem soro
Preparo: Primeiro creme - Em uma panela, coloque leite
condensado, leite e gema peneirada. Leve ao fogo, mexendo sempre, até
engrossar. Despeje em refratário retangular transparente e reserve. Segundo
creme - Dissolva o amido no leite, junte os demais ingredientes e leve ao
fogo até engrossar. Reserve. Montagem: Espalhe um pouco de bombom picado
sobre o primeiro creme e cubra com biscoitos champanhe umedecidos no leite. Distribua
o segundo creme, espalhe um pouco de bombom picado e cubra com mias biscoitos
umedecidos. Misture as claras com o açúcar e leve ao banho-maria, mexendo
sempre, até amornar. Bata na batedeira até obter picos firmes. Incorpore o
creme de leite, batendo rapidamente. Em seguida, despeje sobre o pavê e decore
com o restante do bombom picado. Leve à geladeira por, no mínimo, 4 horas antes
de servir.
Perguntaram-me — com voz
entre irônica e doce — se eu não ia falar, no blog, sobre o morango do amor. A
pergunta vinha com o cheiro de feira e de festa, com aquela aura de expectativa
que se tem diante de algo que todos estão comentando, fotografando, querendo.
Como se meu silêncio soasse... fora de moda.
Mas, veja: há momentos em
que não é desdém, mas delicadeza não participar do coro.
Vivemos sob o feitiço do que
chamam hoje de FOMO — Fear of Missing Out — esse medo bem moderno de estar
ausente do que todos parecem celebrar. De não provar o doce da hora, de não
entrar na fila, de não postar, de não ter uma opinião a tempo. Mas a maturidade
— ou o paladar bem treinado — ensina que nem toda ausência é perda. Às vezes, é
escolha.
Porque eu já conheci o
encantamento da fruta envolta em cristal. Já me emocionei diante da beleza
inútil de um morango envolto em açúcar caramelizado...
Antonin Carême, o arquiteto
da pâtisserie imperial, já fazia disso um espetáculo. No início do século XIX,
ele montava verdadeiras catedrais com frutas glaceadas, moldadas com disciplina
de engenheiro e fantasia de poeta. À mesa de Talleyrand ou nos salões de Viena,
o morango era mais que fruta: era enfeite, metáfora, adorno comestível. Mas
também era artifício. Ilusão. Gula camuflada de glória.
No outro lado do mundo, uma
outra interpretação do desejo cristalizado: o Ichigo Ame, vendido em espetinhos
nas ruelas de Tóquio durante os festivais de primavera. Surgido nos anos 1980,
como uma adaptação moderna do Ringo Ame (a maçã do amor japonesa, feita desde o
pós-guerra), o doce de morango ganhou espaço como símbolo de efemeridade — e
elegância. Nele, a fruta é mantida intacta, ainda orvalhada, e só se cobre com
uma fina película de caramelo duro, transparente como laca. Nada de recheios ou
artifícios sentimentais. Só fruta e técnica. O prazer ali vem do contraste: o
estalo vítreo que cede ao toque dos dentes, a doçura sutil que abre caminho ao
frescor ácido do morango. É um amor que não se explica — apenas se quebra e se
dissolve. Um amor silencioso, como tantos que vivem bem por não dizer demais.
O morango do amor que se vê
inundando nas Telas das redes sociais vem com uma camada adicional, espessa e
familiar: um brigadeiro branco feito de leite condensado — essa invenção
absolutamente brasileira, doce de urgência e consolo, que jamais esteve nas
vitrines da França napoleônica nem nos banquetes de Carême. Mas está, sim, em
quase toda mesa nacional onde há desejo de agradar — porque o leite condensado,
no Brasil, é um gesto de afeto. Esse recheio transforma a fruta em algo mais:
uma bomba de doçura previsível, certeira, desenhada para paladares que
aprenderam a associar carinho ao açúcar em excesso. E não há mal nisso — há
estratégia, há código cultural. É o doce que não falha, que beija a boca antes
que ela pense. Mas talvez por isso mesmo, já não me surpreende. Porque o que
consola, muitas vezes, já vem domesticado.
Hoje, ao ver essas versões —
banhadas em açúcar duro e anunciadas como revelações sentimentais — não me
comove mais o brilho. Não por arrogância. Mas por já ter provado antes da
moda...
Eu respeito o gesto. Sei que
há ternura em oferecer um morango banhado em caramelo. Mas também sei o peso
que existe em se esperar que todos se emocionem por ele. E às vezes, o mais
amoroso dos gestos é não morder. É deixar que o outro brilhe, enquanto se busca
sabores mais quietos.
Talvez por isso eu prefira
agora um Sauvignon Blanc com jalapeño. Uma bebida que arde em silêncio. Que não
grita por atenção, mas recompensa quem se arrisca. Uma mistura que não promete
amor em palito, mas entrega algo mais raro: a surpresa depois do cansaço.
E se isso me faz parecer
fora da moda, fico em paz. Há elegância também em não estar em todo banquete.
Morango do amor
Brigadeiro branco
1 leite condensado ou 395 gramas
1 creme de leite ou 200 gramas
4 colheres de sopa de leite em pó
1 colher de sopa de manteiga
10 morangos grande ou 500 gramas
Calda
2 xícaras de açúcar refinado ou 400
gramas
Meia xícara de água ou 120 mililitros
1 colher de sopa de vinagre ou 15
mililitros
150 gramas de xarope de glucose ou 15
mililitros
1 colher de sopa de corante em gel
vermelho
Palitos de churrasco pra facilitar o
banho dos morangos
Preparo: Em uma panela fora do fogo, misture bem
o leite condensado, a caixinha de creme de leite, o leite em pó, a manteiga. Depois
leve ao fogo médio, mexendo sem parar por mais ou menos 20 minutos ou até ficar
em ponto de brigadeiro firme e soltando do fundo da panela. Apague o fogo,
transfira o brigadeiro para um prato untado, cubra com um plástico e deixe
esfriar na geladeira. Lave bem 10 morangos, seque muito bem, retire
delicadamente os cabinhos e reserve (os morangos secos e os cabos
separadamente). Pegue porções de 50 gramas do brigadeiro já frio, abra na palma
das mãos untadas, coloque o morango no meio do brigadeiro e modele cobrindo
todo o morango. Espete 1 palito de churrasco em cada morango e reserve. Coloque
em uma panela fora do fogo o açúcar, a água, o vinagre, o xarope de glucose de
milho branca, o corante em gel vermelho e misture bem. Leve ao fogo baixo por
mais ou menos 15 minutos sem mexer até atingir a temperatura de 145 graus
Célsius (ou faça o teste pingando 1 colher da calda quente em uma tigela com
água fria e se a calda endurecer rapidamente, a calda está na temperatura
certa). Apague o fogo e mergulhe cada espeto de morango na panela com a calda
vermelha, deixe escorrer para tirar o excesso de calda e coloque em uma
assadeira forrada com papel manteiga até endurecer por mais ou menos um minuto.
Sirva em seguida.
Há certos sabores que se
insinuam como uma lembrança. Ou como uma promessa. São mais do que combinações
de ingredientes — são sussurros de outra geografia, de uma outra pele. Assim me
chegou, por acaso e acaso nenhum, a ideia de vinho branco com jalapeño. Uma
infusão improvável, quase atrevida, como um beijo dado sem perguntar.
Mas não é qualquer vinho
branco que aceita esse flerte com o ardor. É o Sauvignon Blanc, justamente ele
— nervoso, elétrico, cheio de acidez e verdor. Há nele algo de mato úmido e
fruta trincando ao sol, algo de pimentão cortado fresco, de maracujá não muito
doce. Uma tensão. E é essa tensão que o jalapeño entende e amplifica. Outras
uvas hesitariam, ficariam tímidas ou doces demais. O Sauvignon, não. Ele
responde. Morde de volta. E é por isso que é ele — e só ele — que serve de
palco para essa dança entre o frio e o fogo.
Primeiro ouvi sussurros
sobre ele vindos de Manhattan: bartenders de calça xadrez servindo copos largos
e gelados com fatias verdes boiando como serpentes adormecidas. Depois, um
sommelier catalão — mãos longas e voz cheia de pausas — me disse, quase num
segredo, que um Sauvignon Blanc precisava de risco, de insolência. Que era a
uva dos encontros curtos, dos dias longos, e que o jalapeño lhe dava o que ela
não sabia que faltava: mordida.
A origem exata da mistura se
perde como quase tudo o que é visceral e contemporâneo. Fala-se de uma
bartender californiana que buscava, entre vinhos orgânicos e temperos
mexicanos, uma bebida que refrescasse sem anestesiar. Outros dizem que nasceu
no sul do Texas, em casas sem ar-condicionado, onde o vinho barato era
resfriado no gelo da cervejeira, e o jalapeño era cortado fino, mais por hábito
do que por invenção. Mas pouco importa. Como o amor e a febre, o que interessa
é que chegou — e ficou.
Nas frias telas do TikTok,
se espalhou como um sussurro a percorrer o mundo, pelos copos, e ganhou o nome
de “Spicy Sauvy B”. Um gesto simples e moderno: fatias de jalapeño congeladas
flutuando no branco translúcido do Sauvignon Blanc. Nesse encontro, o gelo
abraça o fogo, a tradição dança com a ousadia, e o paladar se descobre em uma
nova língua, aquela que fala de surpresas e prazeres delicados. É a reinvenção
do trivial, a elegância do inesperado, um convite para quem busca não apenas
beber, mas sentir.
Sauvignon Blanc, essa uva
nervosa e brilhante, com seus aromas de grama cortada, maracujá, pimentão verde
e frutas de casca fina, encontra na pimenta uma irmã que a desafia. O jalapeño,
quando cortado em rodelas finas e deixado repousar por poucos minutos no
líquido glacial do vinho, não domina. Ele sussurra. Cria um calor que não
queima, apenas vibra. Uma memória de fogo, como se a bebida tivesse passado por
uma fogueira, mas saído ilesa.
Bebida assim não se toma com
pressa. É para tardes em que o sol pesa nos ombros e a língua pede algo novo. É
um drink que fala do agora — do que arde, mas também alivia. Serve-se com gelo
(ou não), com uma folha de hortelã (ou não), com limão siciliano (ou apenas
silêncio). É uma escolha. Como tudo o que é prazeroso.
O melhor é que se faz em
casa, com o que se tem. Um Sauvignon Blanc de acidez viva. Um jalapeño fresco,
fatiado com respeito. Um copo bonito. Um instante de entrega.
E se, ao provar, você sentir
que há algo ali que lhe é familiar — mesmo sem saber de onde — não estranhe.
Talvez seja sua memória de outras vidas. Ou apenas o corpo agradecendo por ter
sido surpreendido.
Como se prepara um copo que
arde e refresca?
Não se trata de receita, mas
de aproximação. Como quem encontra o rosto amado depois de anos e precisa
primeiro apenas olhar. Com esse drink, o gesto inicial é sempre o vinho. Um
Sauvignon Blanc bem gelado, nervoso, ácido, com perfume de coisa verde recém-cortada.
De preferência jovem, claro — vinhos que passaram por madeira dormem demais
para essa brincadeira.
A seguir, o jalapeño. Verde,
fresco, firme. O tipo de pimenta que se corta com respeito, em rodelas finas
como moedas de jade e levá-las para congelar. Algumas pessoas retiram as
sementes, outras não. Tudo depende do quanto se quer lembrar do verão.
Em uma taça larga — ou em um
copo que você escolher por instinto — deite o vinho. 150 a 180 ml bastam. Sobre
ele, disponha de três a seis rodelas de jalapeño congeladas (ou o quanto
suportar ou estiver peecisando para despertar), sem pressa. E então espere alguns
segundos se quiser apenas o eco da picância... em cinco minutos se desejar um
pouco de suor na nuca. O tempo é o tempero.
Não mexa. Deixe que o vinho
descubra a pimenta. E que a pimenta revele o vinho. Como num namoro silencioso.
Se quiser mais frescor,
adicione gelo — mas gelo de água boa, de preferência filtrada. Se quiser um
toque de doçura cítrica, uma casca de limão siciliano mergulhada sem apertar.
Ou uma folha de hortelã fresca, apenas encostada à borda do copo como quem deseja
sussurrar e não gritar.
Não é necessário coar, nem
sacudir, nem enfeitar demais. O segredo está na espera breve, no respeito ao
ardor contido, e no prazer de sentir a língua surpreendida por algo que arde
com elegância.
Sirva-se. Sozinho, talvez.
Ou com alguém que saiba calar entre um gole e outro.
Em certas noites — aquelas
em que a refeição se estende como uma boa ópera e a conversa repousa satisfeita
sobre pratos vazios — há um momento em que o tempo parece se curvar levemente,
como quem pede licença para ficar mais um pouco. É nesse instante que surge “um
intervalo sagrado”.
Nesse breve momento, logo
após o último talher repousar no prato e a conversa se afinar como música em
fim de festa, em que a alma pede algo mais. Não fome. Não sede. Mas uma espécie
de consolo, de fecho suave, como quem dobra um guardanapo com vagar e gratidão.
Os italianos, que entendem dessas coisas, chamam esse instante de “digestivo”.
Na Itália, ele não é apenas uma bebida. É um gesto, um aceno elegante de quem
diz: "Fique mais um pouco. Ainda há calor na casa."
Geralmente servido num copo
pequeno, quase cerimonial. Passa de mão em mão como uma confidência. Um brinde
aqui, um riso ali, e o licor encerra a noite como se nos lembrasse: ainda
estamos vivos, e bem alimentados. E não é apenas um costume. É um gesto de
civilidade, uma delicadeza cultural que embala o corpo depois de uma refeição
generosa — como uma despedida murmurada em voz baixa, junto à porta.
Obviamente, nem todo
digestivo é necessariamente um licor, mas a maioria dos digestivos tradicionais
são licores porque combinam álcool, doçura e ingredientes aromáticos que,
juntos, criam uma bebida equilibrada, saborosa e funcional para o pós-refeição. É o caso do Alloro, o licor de folhas de louro.
Os licores nasceram em
paralelo à medicina, são descendentes diretos da alquimia e da farmacopeia
antigas – o que indica que, antes de eles serem bebidas sociais ou digestivos,
eram remédios –, e muito antes da ‘sobremesa’.
As sobremesas, como as
conhecemos, chegaram tarde à mesa — enfeitadas, cerimoniosas, pedindo atenção e
talheres delicados. Foram criadas nas cortes e nos salões, com açúcar
finalmente domesticado, já não tão raro nem tão reverenciado. São, quase
sempre, espetáculos: creme, mousse, bolo, torta, sorvete, suspiro. Têm a leveza
de uma ópera com final feliz. A sobremesa é um teatro. Chega à mesa em cena
aberta, vestida com decorações atrativas. Tem algo de espetáculo francês:
ostenta a doçura como quem dança em pontas. Nasceu nas cortes, entre cristais e
porcelanas, quando o açúcar, finalmente domado, pôde abandonar as farmácias e
se entregar ao prazer. É uma promessa de leveza, mesmo depois de refeições
pesadas — uma forma educada de dizer que a noite ainda não acabou.
Já o licor... o licor é
outra coisa. Mais velho, mais calado, mais denso. Antes de ser bebida, foi
remédio. E antes de adoçar, curava. Veio de mãos solitárias: monges,
feiticeiras, curandeiras, alquimistas, que destilavam folhas e raízes em
silêncio, enquanto o mundo pedia milagres. O licor não se impõe — ele
permanece. É um fim que não se anuncia. Toma-se devagar, como quem ouve. Seu
açúcar não canta: arde e aquece, como o cheiro de uma lembrança boa esquecida
no fundo da gaveta.
A sobremesa celebra. O licor
sussurra. Uma encerra o banquete. O outro — se bem servido — encerra o dia. E
às vezes, quando o corpo se aquieta e a alma consente, inaugura um pensamento.
Ou um segredo.
No fundo de cada frasco há
sempre um resíduo de alquimia, uma dúvida antiga: cura ou feitiço? Não é à toa
que, por séculos, os licores estiveram nas mãos de monges — e de mulheres com
reputações perigosamente ambíguas. Como as irmãs Toffana, lendárias criadoras
da ‘Água de Toffana’ — um veneno invisível que passava facilmente por um elixir
doméstico (já tratei sobre elas AQUI). Não se sabe se elas fabricavam licores,
mas sabiam manipular essências, infusões e confiança. E isso já as coloca
perigosamente perto da nossa história.
Há licores com nomes que não
escondem sua natureza: o Strega, por exemplo, cujo nome significa "bruxa", é um licor italiano amarelo-dourado
feito com cerca de 70 ervas e especiarias, inventado em 1860 em Benevento —
cidade conhecida como ponto de encontro de bruxas segundo lendas medievais — e carrega em cada gole uma receita que parece
saída de um grimório. Em contraste, o Alloro é mais claro, mais solar, mas
ainda assim profundamente ligado a esse saber ancestral de quem conhece as
plantas pelo cheiro e pelo silêncio.
O Alloro também carrega algo
de ritual. Pode-se imaginar uma mulher antiga, num vilarejo esquecido entre
colinas e oliveiras, colhendo folhas ao entardecer, infundindo-as não só em
álcool, mas em intenção. O mesmo gesto que hoje chamamos de receita, ontem
podia ser chamado de feitiço.
Não é raro que os turistas
se lancem ao limoncello — aquele licor italiano de um amarelo ensolarado, doce até os ossos, como um
verão que não sabe a hora de acabar — e deixem passar o verde discreto,
insinuante e quase cerimonial do Alloro. Talvez acreditem, equivocadamente, que
o mundo das frutas seja mais nobre que o das folhas. Mas o limão grita; o louro
sussurra. E há sutilezas que só os ouvidos atentos percebem. Enquanto o
limoncello se espalha como riso em mesa cheia, o Alloro chega mais tarde — como
quem vem para ficar. Sua presença é mais meditativa, com a gravidade aromática
das coisas que vêm da terra e da história. Ele não é espetáculo. É eco. E como
todo eco bem-vindo, ele nos conta algo que talvez tenhamos esquecido.
Há também os que preferem os
licores de amêndoas — doces, quase afetuosos, com aquela fragrância redonda de
marzipã e festa antiga. O mais famoso deles é o Amaretto, que alguns juram ter
sido inventado como declaração de amor. Sua doçura envolve, mas não desafia. É
feito para terminar noites com suavidade, como um lençol recém passado. Em
contraste, o Alloro não acaricia de imediato: ele se impõe com elegância e
depois se acomoda, como uma ideia que faz sentido só quando se repete. Onde o
Amaretto conforta, o Alloro revela. Onde um adoça a memória, o outro aguça a
percepção.
Entre os muitos amari
italianos — esses licores herbáceos e misteriosamente amargos que prometem
ajudar o estômago a perdoar os excessos da mesa, há um que merece ser resgatado
do anonimato: o Alloro, também chamado de Allorino, um licor caseiro de folhas
de louro que carrega em cada gole um sopro de história e um punhado de alquimia
botânica – e que se destaca por sua simplicidade quase monástica.
Este licor de louro não
apenas aquece o corpo em noites de inverno, mas também tem a generosidade de se
mostrar versátil: com gelo, vira companhia refrescante em tardes quentes;
misturado a Prosecco, transforma-se num bay spritz herbáceo que faz jus ao ritual
do aperitivo. E se, por acaso, você tiver uma tosse persistente ou um leve
resfriado — ah, dizem que ele ajuda nisso também, principalmente quando
levemente aquecido. Um xarope de jardim romano.
Você poderá fazer seu licor
de folhas de louro num processo totalmente doméstico, mas não banal. Exige
paciência, discrição, e o tipo de atenção silenciosa que só certas avós e
certos monges dominam. Aliás, não deixa de ser curioso: o famoso Chartreuse, licor
francês que também é verde e misterioso, leva 130 plantas e só pode ser feito
por monges cartuxos.
O Alloro, por sua vez,
precisa apenas de quatro ingredientes — e de um pouco de fé em sabores que vêm
das folhas. Ao abrir a garrafa, há um primeiro sopro: verde, resinoso, quase
picante, como o interior de um tronco recém-cortado. O líquido escorre espesso
no copo, com a lentidão de quem conhece o tempo. Há algo de mel e de pinho, de
veludo...
Mas o Alloro é mais que
sabor. É cultura líquida.
A Mitologia grega apresenta
a sua versão para o surgimento do louro, uma tragédia grega que só eles poderiam
criar:
Apolo e Dafne é uma pintura a óleo sobre painel de c. 1470–1480, atribuída a Piero del Pollaiuolo e/ou seu irmão Antonio ).
Era belo demais para caber no mundo — Apolo, o deus da beleza, o sol em
forma de homem, com seus músculos longos e a altivez que só os deuses podiam
ostentar sem rubor. Arrogante, julgava que só ele podia manejar o arco de
prata, como se o gesto de mirar e ferir pertencesse apenas à luz, não ao
desejo. Isso bastou para irritar Eros, o poderoso deus do amor, que conhece os atalhos do amor e da vingança (uma figura
complexa, às vezes retratada como um jovem poderoso e perigoso, capaz de
provocar caos entre deuses e mortais. O mesmo que os romanos infantilizaram e
transformaram em Cupido – que passou a ser representado como um menino bochechudo,
alado, com arco e flecha, mais associado ao amor romântico e brincalhão do que
ao desejo avassalador que Eros podia inspirar). Com um leve dobrar da corda, Eros lançou de seu arco duas flechas: uma, dourada e
ardente, fincou-se no peito de Apolo, inflamando-lhe um amor absoluto. A outra,
fria e opaca, feriu Dafne — ninfa livre, filha do rio Peneu — e trouxe-lhe
repulsa, um não que brotava das entranhas. E assim começou a dança
trágica: ele correndo atrás, ela fugindo do que não queria sentir. Apolo,
embriagado pela paixão, passa a persegui-la pela floresta como quem tenta
agarrar um raio de sol com as mãos nuas. Dafne corre, corre até não poder mais,
até a pele pedir por outra pele — não a do amante, mas a da árvore. Implora ao
pai que a salve, e é atendida com dor: os pés enraízam, os braços se alongam em
galhos, o corpo se cobre de casca e folhas. Ainda assim, Apolo a alcança — não
a ninfa, mas a árvore que ela se tornou: o loureiro. E a abraça como quem não
quer acordar do próprio delírio. Com mãos trêmulas, ele trança seus ramos em
coroa. Se ela não podia mais ser sua amada, seria seu símbolo. O loureiro
passaria a ornar sua fronte nos momentos de glória, nos palcos da guerra e da
poesia, lembrando ao deus — e a nós — que até o desejo mais abrasador pode
virar estátua, folha, memória.
A escultura "Apolo e Dafne", de Gian Lorenzo Bernini, é uma obra-prima do barroco italiano, criada entre 1622 e 1625
Essa metamorfose está
eternizada em mármore na Galeria Borghese, em Roma. Bernini, com dedos de gênio
barroco, capturou o instante da transformação, quando a carne ainda luta contra
a casca e o amor, derrotado, se ajoelha diante da perda.
Na Grécia e Roma Antigas, o
louro era símbolo de conquista e glória. Os ganhadores Olímpicos eram presenteados
com uma coroa de louros e comidinhas especiais (já tratei delas AQUI). Os césares
romanos adornavam-se com coroas da planta porque acreditava-se naquela época que o louro afastava o raio —
uma superstição tão elegante quanto a toga.
Entre todos os homens que já
se deixaram adornar por folhas de louro, poucos o fizeram com tanta solenidade
— e talvez vaidade — quanto Caio Júlio César (100-44 a.C.). A tradição nos
conta que, após feitos de coragem em terras da Ásia Menor, foi-lhe oferecida a
corona civica, a coroa de folhas de louro. Mais que um simples
ornamento, era símbolo de bravura: sinal de que o homem, por um instante, havia
se elevado acima dos outros.
Mas César, como era seu
estilo, não se contentou com o gesto. Recebeu a coroa — e, dizem, passou a
usá-la com frequência, mesmo fora das cerimônias. Aos poucos, ela veio
acompanhada de um manto. Depois, um cetro. E então, claro, o resto da história:
a auréola simbólica tornando-se uma espécie de trono ambulante.
Talvez fosse calvície.
Talvez fosse destino. Talvez apenas a consciência de que alguns homens, uma vez
laureados, sentem-se autorizados a não mais descer do pódio. Mas há algo de
deliciosamente teatral nesse movimento. A folha de louro, que nasce leve, aromática,
quase ingênua, acabou coroando o maior dos estrategistas romanos — e também,
talvez, um dos primeiros a confundir glória com permanência.
No Renascimento, era em que
as ideias vestiam brocados e os versos tinham o peso do ouro, era comum que
poetas fossem coroados com folhas de louro — não apenas por vaidade estética,
mas porque o louro, então, dizia algo que palavras não conseguiam. Era a coroa
dos eleitos, dos que haviam atravessado as chamas da linguagem e voltado com
algo belo para dizer. Ser ‘laureado’ era ser, de alguma forma, consagrado.
O simbolismo não parava por
aí. O próprio termo ‘Bacharelado’, que hoje sobrevive em pergaminhos e
cerimônias escolares com toga, vem do latim baccalaureatus — uma junção
simbólica de bacca lauri, ou ‘baga de louro’. E antes disso, baccalarius: o
jovem que aspira, que pertence a algo maior, seja uma guilda, uma irmandade ou
uma universidade. A baga, o fruto da árvore nobre, torna-se metáfora do esforço
que floresce, da aprendizagem que vinga. A língua sabia, desde cedo, o que hoje
esquecemos nos discursos protocolares.
É do louro, também, que
brotam expressões como ‘poeta laureado’ e sua irmã menos gloriosa: ‘descansar
sobre os louros’ — que não significa repouso merecido, mas um tipo de
resignação disfarçada de prestígio. Como se a glória pudesse ser armazenada
como vinho, e ainda assim não azedasse com o tempo. Já ‘olhar para os louros’,
esse sim é gesto mais nobre: usar as conquistas passadas como farol, não como
sofá.
O que é extraordinário é que
tudo isso — os títulos, as metáforas, os troféus invisíveis — floresceu a
partir de uma folha aromática, de bordas onduladas e aroma resinoso, que hoje
repousa quieta em nossas panelas ou boia, esquecida, no fundo de uma sopa.
Ainda assim, ela persiste. No gosto. Na língua. E, quem sabe, em nós.Proust encontrou o tempo nas
famosas madalenas – um tipo de bolinhos amanteigados. Talvez encontrasse o
esquecimento num gole de Alloro. Ambos exigem o mesmo: recolhimento, silêncio e
uma certa disposição para sentir o que se esconde nos detalhes.
Os poetas laureados —
laureati — deviam seus louros não apenas à glória, mas à crença de que a planta
lhes inspirava palavras. Talvez ainda inspire, quando transformada em licor e
bebida à meia-luz.
E então veio Napoleão.
Como
muitos antes dele — e mais ainda depois —, entendeu que símbolos falam uma
língua mais profunda que palavras. Entre todos, escolheu um dos mais antigos: a
coroa de louros. Não por acaso. Ele sabia o que fazia. A folha de Apolo, o
emblema dos poetas e dos generais invictos, agora seria sua também.
Napoleão I vestido coroado (1805), de François Gerard.
Quando se auto-coroou
imperador, em 1804, o gesto foi milimetricamente pensado. A coroa que colocou
sobre a própria cabeça, feita de ouro e modelada na forma das folhas clássicas
do louro grego, era mais que um acessório régio: era uma mensagem ao mundo — e
à eternidade. A herança romana estava sendo reivindicada, não como lembrança,
mas como continuidade. Napoleão não queria apenas reinar: queria inscrever seu
nome no mesmo mármore em que estavam os Césares.
Como César, teve sua cabeça
eternizada em bustos e moedas, sempre com a coroa de folhas de louro — desta vez, não
colhidas do campo, mas cunhadas a fogo e império. A glória, afinal, precisava
ser visível. Tangível. Durável.
E se há algo de pungente
nessa imagem — um homem coroando a si mesmo com os emblemas da vitória antiga
—, talvez seja porque, como os licores macerados em silêncio, os gestos
simbólicos carregam aromas que só o tempo revela por completo. O louro, ali, era
mais que coroa: era o perfume da história que ele queria fazer sua.
Há algo de silenciosamente
cerimonial no modo como o motivo da folha de louro se insinua pela arquitetura
— em frisos, colunas, molduras e frontões — como se a própria pedra houvesse
decidido lembrar ao tempo quem são seus vencedores. Não grita. Não precisa. Sua
elegância está justamente na forma como repousa, curvada em círculo perfeito,
coroando não só cabeças de homens, mas os portais por onde eles entram e saem
da história.
Incorporado às casas, aos
palácios e às memórias, o louro é mais que ornamento: é uma ideia esculpida. Um
lembrete verde (mesmo quando cinzelado em mármore ou bronze) de que o triunfo,
quando verdadeiro, deve ser carregado com graça.
A coroa circular, ecoando o
infinito, fala de continuidade — não apenas do tempo, mas daquilo que persiste
dentro dele: honra, arte, esforço. Mesmo em seu desenho mais mínimo, o arranjo
das folhas — alternadas, cadenciadas, como uma respiração — traz consigo um
sussurro de nobreza.
Atemporal não por moda, mas
por essência. O louro permanece porque carrega algo que nunca deixou de ser
desejado: o reconhecimento silencioso. A marca invisível de que algo — ou
alguém — chegou ao ápice e não precisou gritar por isso.
Hoje, o loureiro sobrevive
em vasos domésticos e quintais mediterrâneos, muito mais afeito às panelas do
que às batalhas. Ainda assim, conserva um certo prestígio, especialmente quando
transformado em licor. O preparo é um ritual doméstico: as folhas frescas (e
sim, precisam ser frescas, ou o licor parecerá uma calda de papel velho) são
mergulhadas em álcool neutro, onde repousam por um mês como quem sonha em
silêncio. O tempo, aqui, não é apenas espera: é coautor. É ele quem extrai do
louro suas memórias antigas, sua dignidade aromática. É ele quem adoça o
amargor da planta sem apagar sua força. Depois, de curtido o tempo e a alma
revelada, uma calda de açúcar entra em cena e o líquido verde, agora com o
brilho das coisas que fermentaram em segredo, está pronto para brindar.
É simples, sim, mas essa
simplicidade exige atenção: nada de álcool comum de farmácia, que arruína o
encanto com seu gosto de hospital e riscos de toxicidade. O ideal é usar álcool
de cereais, quase sempre invisível ao paladar, mas perfeito para realçar os
óleos essenciais do louro. Na Itália, compra-se álcool de 96% no supermercado
como quem compra pão. No Brasil, a solução pode ser a cachaça branca — mas
escolha uma de alma leve, sem o calor agressivo que destrói perfumes delicados.
Ou, claro, uma boa vodca, embora ela sempre pareça um pouco deslocada entre
folhas mediterrâneas.
É curioso como certas
folhas, quando esquecidas no fundo de uma gaveta ou mesmo na terra, secam e
somem. Mas quando mergulhadas em álcool e cuidado, transformam-se em algo que
dura. Como amizades velhas. Como certas histórias que resistem ao tempo — líquidas,
discretas, memoráveis.
E se você, como eu, vive em
um lugar onde as folhas de louro ainda podem ser encontradas frescas — nas
feiras, nos bons mercados, talvez até no quintal de uma vizinha esquecida
da sorte que tem — então, não há mais desculpa. Faça seu Alloro. Guarde em
frascos bonitos. Ofereça com modéstia, como quem não quer impressionar, mas
sabe que impressionará mesmo assim.
Porque há algo profundamente
comovente em encerrar uma refeição com uma bebida feita por suas próprias mãos,
extraída do verde que cresce sob o sol e que pode ser guardado em vidro. Um lembrete de que
o fim do jantar pode ser, também, o começo de uma boa história.
Allorino, ou Liquore di Alloro, ou Licor
de Folha de Louro
Rende cerca de 1 a 1,5 litros
60 folhas de louro frescas (algumas a
mais ou a menos são suficientes)
500 ml de álcool 96% ou 700 ml de vodca
400 g de açúcar refinado ou granulado
500ml de água filtrada
Preparo: Lave e seque as folhas de louro.
Coloque em uma tigela ou em um recipiente grande de vidro. Despeje o álcool,
mexa, cubra frouxamente e deixe macerar em temperatura ambiente. Esqueça por
pelo menos 2 semanas. Um mês é melhor. Com o passar dos dias, o álcool realça a
cor e o sabor das folhas de louro. Verifique ocasionalmente e admire, as folhas
de louro vão perdendo a cor verde dela – um sinal de que o seu preparado está
no caminho certo. Depois que a mistura de álcool já estiver na cor verde que
desejar – lembre-se quanto menos tempo elas curtindo menos verde ficará – você
deve preparar a calda. Aqueça o açúcar com 500 ml de água, mexendo
frequentemente, até que o açúcar esteja completamente dissolvido. Deixe
esfriar. Coe as folhas de louro do álcool e misture com a calda de açúcar.
Transfira para uma(s) garrafa(s) esterilizada(s). Feche bem e guarde em local
fresco por mais uma ou duas semanas. E já está pronto para beber com todos os
seus aromas.