quinta-feira, 14 de outubro de 2010

As Jóias do Nordeste II: Porque Bolo de rolo não é Rocambole!

Meus amigos mais chegados sabem que, depois do chocolate, rocambole recheado com goiabada é a minha sobremesa predileta. a minha predileção serve para abrir a discussão de hoje. 
Outro dia cheguei em uma padaria e perguntei ao atendente se tinha rocambole. O moço responde que sim e logo veio mostrando pequenas bandejas com pedaços do que seria o rocambole dentro. O meu desejo era tão grande em comer aquilo que eu não discuti com o atendente, não lhe disse que aquilo que ele me mostrara não era rocambole, que eu não sou um leigo no assunto. Mas a fome me fez calar. Obviamente comi seis fatias do bolo que o moço dizia ser rocambole mas que eu  sabia , perfeitamente, que se tratava de um bolo de rolo - e que eu gosto, igualmente.
Rocambole - reconhecido pela única lâmina de pão de ló recheado.
Sai da padaria levando  mais algumas fatias do bolo de rolo. Quando cheguei em casa fiquei com peso na consciência por não ter explicado ao atendente a diferença entre o bolo de rolo e o rocambole. Somente agora me veio a oportunidade de recompensar ao mundo por minha pequena culpa. Até mesmo  porque, seu  eu chegar em recife e cometer a gafe de pedir bolo de rolo como sendo rocambole, os pernambucanos tratariam minha fala como ofensiva, pois eles preservam muito  a imagem do bolo de rolo. E fazem muito bem!
O Bolo de rolo com suas camadas finissimas recheadas com goiabada.
Mas porque o bolo de rolo não é rocambole?  

Para responder faz-se necessários observar os detalhes de cada receita. Com isso, chega-se a conclusão da existência de cinco fatores cruciais que diferenciam bolo de rolo  e rocambole. São eles:

Primeiro – o rocambole apareceu  no nordeste, bem depois do bolo de rolo;
Segundo – os dois possuem preparos diferenciados;
Terceiro  - trata-se da importância do recheio. No rocambole, o recheio pode ser variado. Enquanto no bolo de rolo usa-se apenas goiabada;
Quarto – Há diferença nas massas de cada sobremesa: o rocambole se faz com a massa de pão de ló. Enquanto o bolo de rolo usa a massa do colchão de noiva, receita originária de Tavira (distrito de Faro, região do Algarve,em Portugal); ambas são semelhantes, mas a espessura é a grande diferença - rocambole tem massa grossa e bolo  de rolo, massa finissima.
Quinto – trata-se da maneira do ‘enrolar’: onde no  bolo de rolo este enrolado  é composto por 4 lâminas finíssimas de massa recheada – e que depois de enrolada parecia um rolo – fato que deu origem ao nome do bolo. Enquanto o rocambole é composto do enrolado obtido com apenas uma lâmina de massa recheada.

Bolo Colchão de Noiva

Para fundamentar mais a diferença entre as duas iguarias, a história nos apresenta fatos importantíssimos:
 Nos tempos em que o bolo de rolo já freqüentava nossas mesas, ainda não havia nascido o Visconde de Ponson Du Terrail (1829-1871) - dado, pelas crônicas da época, como “atrapalhado e prolixo”. Dele até se contava que costumava escrever com pressa e não relia seus escritos, vício que o levou a deslizes monumentais - como o de dizer que “as mãos estavam tão frias como as duma serpente”. Seu personagem Rocambole, não por acaso, é confuso e enrolado - imagem e semelhança do próprio autor. Talvez por conta disso o personagem  tenha emprestado o nome à sobremesa. Mas só no sul do Brasil, bom lembrar; que, em outros cantos, receitas similares recebem nomes diferentes.
Na França, por exemplo, os bolos enrolados mais conhecidos são o “roulé aux dattes” (massa seca e fina com recheio de tâmaras) e o “bras de Vénus”(pão de ló com creme de funcho); na Alemanha, “strudel” (massa filo com recheio de maçã, passa e canela); na Hungria, “retes”. Todas, herança do “baklava” turco (massa folhada recheada com amêndoas ou nozes). Em Portugal e demais países de língua portuguesa, esse tipo de bolo mais comumente recebe o nome de “torta” - com destaque, entre elas, para as “de laranja”, “de segredos” e “de claras”.
No Brasil porem a existência dos doces, sobretudo no nordeste de deve a presença das damas portuguesas que se instalaram, nessa terra a que primeiro chamaram Ilha de Vera Cruz, nas casas grandes dos engenhos de açúcar. E com elas vieram, na bagagem, suas cozinhas como tinham em Portugal - chaminés francesas, fogões, fumeiros, pesados tachos de cobre, caldeirões, algüidares e potes. Mas aqui acabaram fazendo adaptações muitas. Primeiro tiveram que dividir espaço, na cozinha, com índias e com escravas africanas. Depois aprenderam com essas índias que, no nosso calor tropical, melhor lugar para colocar a cozinha era fora da casa. Debaixo de um "puxado". Passando então a usar "jirau" (mesa com varas de madeira que servia para cortar e limpar as carnes), "tempre" (tripé de pedra ou ferro onde se apoiavam os panelões no fogo) e utensílios que não conheciam na Europa - panela de barro, colher de pau, pilões, urupemas, cuias, e cabaças
A criação do nosso bolo de rolo seria herança da dificuldade que as senhoras portuguesas – de quem a maioria das regiões do Brasil herdou forte influencia gastronômica – encontraram logo nos  primeiros anos de colonização. Haja visto que elas não poderiam executar a maioria de suas receitas tradicionais por não disponibilizarem sem, a mão, os ingredientes como: amêndoa e pinhão; maçã, marmelo e pera; canela, cravo e gengibre. E para não perderem as habilidades na cozinha tomaram a iniciativa de experimentar utilizar produtos brasileiros como; caju, goiaba, banana, abacaxi, castanha de caju, amendoim, milho, coco, mandioca. Estes até então pouco conhecidos por as senhoras portuguesas, e assim foram  modificadas muitas de suas receitas tradicionais e criando as nossas.
Assim, provavelmente, nasceu nosso bolo de rolo. Surgido de uma adaptação do bolo colchão de noiva português. Até porque, se o  bolo de rolo fosse inspirado no rocambole,  teria inevitavelmente que ter usado no preparo a massa da receita do pão de ló, chegado ao Brasil nos primórdios do séc. XVII - e reproduzido, até hoje, sem nenhuma variação. De resto, o bolo de rolo já se fazia, por aqui, bem antes de nossa cultura sofrer as interferências do francesismo. Gilberto Freyre tece um comentário que ajuda a sustentar esta tese afirmando:

As tradições portuguesas de bolo e de doce tinham se instalado tão bem nos fornos das casas-grandes de engenho e de alguns conventos de freiras, que a influência francesa só as atingiria de maneira mais viva no século XIX, quando os confeiteiros franceses começaram a se tornar chiques na Corte e no Recife.
 FREYRE, Gilberto. Açúcar: em torno da etnografia da história e da sociologia do doce no Nordeste canavieiro do Brasil. Recife: Fundaj, Ed. Massangana, 1987

Resumindo: nem todo bolo enrolado é rocambole. E bolo de rolo é bolo de rolo.
Depois de mais de 300 anos passando de mesa em mesa o  bolo de rolo se juntou com o bolo Souza Leão para configurar na lista das receitas nordestinas protegidas, conservadas e valorizadas por sua importância histórica, cultural e gastronômica para o País. Sendo os dois, devidamente reconhecidos como bem do patrimônio cultural e imaterial no ano de 2008, através da Lei Ordinária nº379/2007.


Bolo de rolo

250g de açúcar
250g de manteiga
6 ovos
250g de farinha de trigo
sal
½ lata de goiabada
1 copo de água
½ xícara de açúcar

Preparo: Bata bem açúcar e manteiga. Junte as gemas, uma a uma. Acrescente o trigo peneirado, o sal e misture delicadamente. Depois junte as claras em neve. Divida a massa em cinco partes iguais. Coloque cada uma em assadeira rasa, untada com bastante manteiga e polvilhada com trigo. Asse rapidamente, uma de cada vez, em forno quente por aproximadamente dois minutos cada massa. Prepare o recheio misturando goiabada, água e açúcar no liquidificador. Leve ao fogo até ficar um creme homogêneo. Reserve. Desenforme, virando a assadeira em toalha polvilhada com açúcar. Recheie com a goiabada derretida e enrole rapidamente, com ajuda da própria toalha. Repita o processo até a última camada. Coloque no prato de servir e polvilhe açúcar.


Bolo colchão de noiva
Ingredientes para o bolo: 8 ovos; 250g de açúcar; 190g de fécula de batata; 1 colher (sopa) de fermento
Ingredientes para o creme de recheio: 12 colheres (sopa) de açúcar; água ate cobrir; 10 gemas
Ingredientes para a cobertura: 6 claras em neve; açúcar até dar o ponto de suspiro;raspa de limão; -coco ralado para decorar
Preparo: Massa: Bata as gemas com o açúcar até ficar esbranquiçado. Depois acrescente as claras em neve, e por último, a fécula de batata e o fermento. Unte uma forma com manteiga e polvilhada com trigo e leve ao forno até assar e reserve. Recheio: Coloque 12 colheres de açúcar com água atée cobrir e leve ao fogo até dar o ponto de pérola. Retire e deixe esfriar. Bata as gemas e adicione nesta calda mexendo. Leve ao fogo ao ponto do doce de ovos, soltando da panela. Abra o bolo ao meio e recheie com o doce de ovos e cole. Cobertura: Bata as claras até ficar em neve e adicione o açúcar até formar ponto de suspiro, e adicione as raspas de limão. Cubra o bolo todo e por fim enfeite com o coco ralado

5 comentários:

  1. Nossa, deu ate agua na boca...
    Bolo de Rolo, fala serio, melhor so mesmo nega maluca, pena que não posso com nenhum, mais fica o pedido,quando eu for ai,vou querer feito por vc.

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  2. Desde criança me interessei pela cozinha, pois eu sou de família hispana e desde cedo aprendi a fazer e comer rocambole(que na minha terra chamamos de "BRAZO GITANO") e assim que cheguei ao Brasil, experimentei o bolo de rolo, porém com o nome de rocambole de doce de goiaba (goiabada), porém percebi a diferença no sabor e na consistência da massa, mais ninguém me explicava o por que? e pensava, não é a mesma coisa, deve existir alguma diferença, só agora, de adulta e graças a este site encontrei uma explicação condizente com aquilo que eu pensava desde criança e fiquei feliz em saber que eu estava correta, resolvi testar o bolo de rolo de vocês e aqui em casa não me deram tempo de tirar a foto, eu diria que "não comeram simplesmente devoraram" muito obrigada pela receita e aproveito a oportunidade para perguntar-lhes se posso traduzir a receita ao espanhol junto com as informações e coloca-la no meu blogue, lógico que dando os devidos créditos, e gostaria que as pessoas soubessem a diferença entre o rocambole (brazo gitano) e bolo de rolo, muito obrigada e que Deus os abençoe hoje e sempre!

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  3. Nota-se que não é uma explicação de opinião, mas de pesquisa recheada de credibilidade e responsabilidade. Feliz por encontrar esse site colocando cada um em seu devido lugar. Parabéns.

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  4. Nota-se que não é uma explição de opinião, mas fruto de pesquisa responsável e com fito desejo de esclarecer a diferença existente entre as guloseimas. Feliz por encontrar esse site esclarecedor. Parabéns.

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