domingo, 24 de outubro de 2010

O Caso da Coxinha Imperial: uma história para a criação da coxinha de frango – um dos salgadinhos mais populares do Brasil

Caros amigos, hoje à tarde eu iniciei uma busca que me deixou numa curiosidade terrível. Eu buscava por temas interessantes para dividir com vocês, foi quando me deparei com uma história que, no mínimo, me deixou de cabelo em pé.

E iniciava como mais um caso de doença metal entre um membro da família imperial brasileira, e que serviu como pano de fundo para o surgimento de uma invenção da cozinha brasileira das mais conhecida: a coxinha de frango, um salgadinho que conquistou o paladar de nobres e plebeus. Antes, porém, devo explicar o que me ocorreu...


Depois que encontrei uma informação sobre a possível ligação de um príncipe imperial do Brasil com o surgimento do quitute, eu fui atrás de saber qual príncipe era este. Baseado no relato que apontava que um filho da princesa Isabel do Brasil teria uma doença mental, e por não ter encontrado menções em documentos (na internet e em bibliotecas) sobre a enfermidade que acometia a um dos filhos de d. Isabel em alguns documentos resolvi me contactar com o serviço de atendimento da Casa Imperial do Brasil (http://www.monarquia.org.br/portal/), para que eles me esclarecessem a dúvida. Porém, até a data de publicação desta postagem eu não obtive um retorno deles.
Enquanto aguardava um retorno da Casa Imperial Brasileira e continuei pesquisando sobre o curioso tema. Mas para lhes adiantar sobre o fato, vou lhes contar a história que me deixou com umas pulgas atrás da orelha. O que está escrito aqui para relatar o surgimento da coxinha de frango, foi retirado do livro: ‘HISTÓRIAS E RECEITAS, de Nadir Cavazin, 2000, realizado pela Sociedade Pró-Memória de Limeira-SP’.
Determinados trechos da obra citada anteriormente falam de visitas de membros da família imperial feitas à cidade paulista de Limeira. Explica-se no texto que, oficialmente, a história da cidade registra duas idas do Imperador Dom Pedro II e da Imperatriz Tereza Cristina a Limeira. E que essas visitas oficiais (formais) teriam ocorrido uma em agosto de 1876, e outra, a mais demorada, em outubro de 1886, quando, após participarem da Missa da Matriz e recepção domiciliar por parte de cidadãos ilustres, foram hóspedes na Fazenda Morro Azul.  No entanto, contam os antigos moradores da cidade, que na informalidade era intenso o intercâmbio de habitantes daquela região com a nobreza imperial.
O mais curioso para mim foi a existência de um relato de difícil confirmação histórica (que se tornou o real motivo de minha pesquisa e se tornou minha dúvida vespertina) que relatava a história de um príncipe imperial, filhos da Princesa Isabel e do Conde D’Eu, vivendo Fazenda Morro Azul. Ele se encontrava longe da corte porque seria considerado deficiente mental.

Diziam que essa criança exigia intensos cuidados na alimentação, e "quando cismava em não comer" – explicavam os antigos moradores – “dava um trabalho danado! Por outro lado, se apreciava um alimento, não havia o que chegasse! Queria mais e mais! As coxas de galinha constituíam a sua predileção. O peito, as asas e os demais pedaços eram rejeitados e servidos as outras pessoas".

Princesa Isabel, Conde D’Eu e seus filhos, 1885

A cozinheira da fazenda, certa vez, não tendo o número suficiente de frangos "no ponto" e prevendo a gritaria do menino, pela falta de sua apreciada comida, resolveu transformar uma galinha inteira em ‘coxas’. Preparou a seu modo a receita e o sucesso foi total. O principezinho gostou tanto que as "coxinhas de galinha" passaram a fazer parte de suas refeições.

A Imperatriz, quando veio a Limeira quis saber tudo sobre seu neto e ao observar com que prazer o pequenino saboreava a iguaria, não resistiu e a provou. Gostou tanto que solicitou que o modo de preparo fosse fornecido ao mestre da cozinha imperial. Assim, a humilde coxinha de galinha teve seu tempo de nobreza pelo acesso à corte, e aos altos salões graças a esta receita "provada e aprovada por especial indicação de Sua Majestade Imperial, a Imperatriz Tereza Cristina".

D. Teresa em sua velhice, foto de Marc Ferrez, de 1887.

Odeio ficar com curiosidade, ela corrói como traças. Primeiro, eu queria descobrir se procedia a história sobre o príncipe brasileiro e, embora houvesse esse vestígio de que a coxinha poderia ter sido criada na fazenda de Morro Azul, no século XIX, algo me dizia para investigar mais. Foi o que fiz...
Por que construiriam uma fazenda tão requintada para a família imperial em um lugar onde sequer existia estrada? Essa é uma pergunta sensata que alguém que observa a localização da fazenda, e que pensa nela naqueles tempos do império, pode se fazer.
Uma boa resposta para essa interrogativa seria: os ciclos da agricultura brasileira levaram muitos a ascensão e queda. Mas não seria esse o caso da fazendo Morro Azul, construída em homenagem a D. Pedro I, que infelizmente não teve oportunidade de conhecê-la. Mas que levou seu filho, e segundo imperador do Brasil, a ir visitar o lugar – que acabou ganhando a alcunha de “fazenda do Imperador”.

Entrada da Fazenda Morro Azul

A sede da Fazenda.


Em 13 de janeiro de 1817, a sesmaria do Morro Azul foi concedida ao Tenente Joaquim Galvão de França e a Manoel de Barros Ferraz. Compreendia a sesmaria as fazendas Ibicaba, Morro Azul, Paraguaçu, Paramirim e Laranja Azeda, onde está Santa Gertrudes (nome em homenagem a Dona Gertrudes, esposa do Brigadeiro Manuel Rodrigues Jordão, o primeiro proprietário da Morro Azul). A fazenda se baseava na produção de açúcar, que saía para São Paulo nos lombos de burros e, de lá, seguia para ser exportado pelo porto de Santos.
Silvério Rodrigues Jordão, o último dos quatro filhos do primeiro dono, tornou-se o segundo proprietário, foi quando o café dominou à produção da fazenda desde 1846. A partir de 1868, iniciou-se as obras de construção do solar da fazenda, que duraria quase nove anos. Em 1877, a obra finalizada fora erguida com materiais vindos da Europa (mármores, vidros, canos, janelas e batentes) e se estendia num espaço de 1,5 mil m², tendo sua fachada decorada com azulejos portugueses e ingleses, onde notadamente se observa a influência dos mouros no design. É a única fazenda existente em nosso país nesse estilo.
Na década de 1870 é fundada a Fazenda Quilombo pelo Dr. Ezequiel de Paula Ramos e sua esposa Anna Jordão, um desmembramento da Morro Azul, fruto da herança recebida por Anna, filha de Silvério Rodrigues Jordão – este último viria a falecer pouco tempo depois, em 1882.
Quanto ao registro de duas visitas do Imperador ao lugar, sabe-se que a primeira ocorreu em agosto de 1876, quando o casal imperial chegava de uma viagem a Rio Claro, onde realizaram a inauguração de uma estrada de ferro. A segunda visita, ocorre em 1886, quando o casal imperial foi recebido nos palacetes do Coronel Joaquim Antônio Machado de Campos e Sebastião de Barros Silva, em Limeira, e depois ficaram hospedados no ‘solar dos Jordão’, na fazenda Morro Azul.
Contam por lá, que uma dessas vezes, o imperador foi para lá para curar-se de uma suposta malária. E teria sido este o motivo da família ter construído as termas da fazenda, com piscina coberta e banheira de mármore de Carrara.  

A banheira em mármore de Carrara. das Thermas do Imperador.

A piscina das Thermas do Imperador.
Além desses, outras visitas ilustres se hospedaram na fazenda: a própria princesa Isabel e seus filhos (talvez disso tenha surgido a história), o marechal Cândido Rondon também esteve por lá e, anos mais tarde, em 1924, Oswald de Andrade se hospedaria no lugar juntamente com seu amigo, o escritor suíço Blaise Cendrars.
No ano de 1911, Luiz Bueno de Miranda adquiriu a fazenda que equivalia a 264 alqueires (aproximadamente 6.388.800 metros²), com seu falecimento em 1949, ficou aos cuidados de sua esposa, Dona Laura Sá Leite Bueno de Miranda. O falecimento de dona Laura, que sem filhos, fez com que o patrimônio fosse herdado por cinco sobrinhos, em 1976, comandados pelo Dr. Carlos Celso Orcesi da Costa, responsável pela restauração do patrimônio. Atualmente conhecida como “Fazenda de D. Pedro”, a Morro Azul integra o roteiro turístico de fazendas históricas daquela região, junto com Ibicaba, Santa Gertrudes, Quilombo e Citra.
A sede da fazenda é um verdadeiro palacete, lembra algumas construções europeias que misturam elementos de diferentes estilos (como neoclássico e a arquitetura moura), apresenta jardins simétricos e decoração com azulejos.




Outro marco do lugar é a alameda de entrada composta por 11 palmeira imperiais, para representar que a família imperial esteve presente na propriedade.  Essas palmeiras foram trazidas da Ásia, eram elementos caríssimos àqueles tempos, e o imperador costumava presentear seus anfitriões com 11 mudas deste tipo planta, para que a população soubesse por onde ele havia passado.


Assim se compreende melhor o contexto do aparecimento da Morro Azul nessa história. Mas continua-se com a busca pela origem a coxinha.
Sabe-se que, na obra Cozinheiro moderno ou nova arte de cozinha, de 1780, do francês Lucas Rigaud, cozinheiro da trisavó da princesa Isabel, D. Maria I, já havia publicado uma receita de “coxas de frangas ou galinhas novas” empanadas e fritas.


O celebre Antonin Carême entraria nesse contexto quando se observa a existência de uma receita de 1844, presento no livro L’Art de la cuisine française au XIXème Siècle, onde ele apresenta seu croquette de poulet (croquete de frango) que deveria ser moldado na forma de uma pera – versão mais semelhante a versão da coxinha que conhecemos.


Há quem diga, no entanto, que a origem da coxinha continua sendo no século XIX, mas que ela teria surgido na região da Grande São Paulo. O estopim seria a década de 20, quando São Paulo se industrializava e, tanto a capital como as cidades circunvizinhas, abrigavam grandes fábricas com inúmeros trabalhadores que precisavam se alimentar e gastar pouco com isso. E era bastante comum que a necessidade dos trabalhadores acabasse gerando um comércio, e fez surgir comércio de ambulantes e barracas de comida que se estabeleciam nas portas das fábricas na hora de almoço, para vender coxas e sobrecoxas de frango fritas. Com isso, alguém teve a ideia de juntar uma massa como frango desfiado e temperado, dar o formato de coxa, fritas e vender nas portas das fábricas.
De São Paulo, a receita se espalharia para o restante do Brasil, já sendo um produto popular no Paraná e no Rio de janeiro de 1950. E na década de 1970, em Belo Horizonte, o requeijão cremoso (catupiry) foi adicionado ao tradicional recheio de frango, para incrementar o salgado.


Outro fato que precisa ser mencionado (isso, de acordo com os livros de história), é que os filhos da princesa Isabel viveram com ela, no Rio de Janeiro, até a queda da Monarquia (em 1889 ) – o que  coloca a história que deu origem a esta postagem como uma espécie de lenda urbana (ou rural, neste caso).

Mesmo depois de saber disso tudo, confesso que ainda tenho umas pulgas atrás da orelha como essa história. Talvez, anos mais tarde eu terei mais argumentos para retomar este causo. Até lá, deixo a receita retirava do livro que originou toda essa discussão. Aproveitem.
Aqui vai a receita original da coxinha tirada do livro.




2 comentários:

  1. Ótima história, quem diria que coxinha seria da realeza.

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  2. adorei saber a história da coxinha ser...imperial!! adoro saber a história por detrás de pratos famosos!! aqi é fantastico e mt mt bem documentado!! Sr Barão da gourmandise faz jus ao seu nome!! muito obrigada!!

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