quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

Parrozzo, história de uma sobremesa Abruzzense de Natal

 

Há uma região italiana em que o panetone (Já falei dele AQUI) e o pandoro (veja sobre ele AQUI) não criam facções ferozes de apoiadores de um ou de outro. Trata-se de Abruzzo, localizada nos Apeninos da Itália Central, e a razão pela qual escolher entre as duas sobremesas típicas de Natal não é problema nenhum, porque lá existe uma terceira opção, igualmente saborosa: o Parrozzo!


Entre as sobremesas de Abruzzo, o Parrozzo é certamente a mais icônica, pelo seu formato de cúpula e pela camada de chocolate que a cobre. Porém, acredito que muitos de vocês não conheciam a sua existência, muito menos a sua história, e como essa sobremesa foi “patrocinada” por um excepcional nativo de Abruzzo: o poeta Gabriele D'Annunzio. Nascida como especialidade de Natal, o Parrozzo está agora disponível durante todo o ano.

A tradição padeira de Abruzzo tem raízes em tempos distantes. Lá, como em muitos outras sociedades, o pão representava um elemento essencial para o sustento diário das famílias. Contudo, a farinha de trigo, iguaria reservada às classes sociais mais abastadas, estava fora do alcance dos agricultores, que tinham de se contentar com pães semiesféricos, cozidos em forno a lenha, preparados com outros tipos de cereal, algumas vezes até misturados com farinha de milho, pães mais rústicos e sem muito luxo de ingredientes que eram chamados de “panne rozzo” (pão áspero). É partindo disse contexto que agora eu apresento um pouco de como ocorreu a transformação do pão camponês à sobremesa tradicional para o Natal.

Do pan rozzo ao parrozzo: a "doce" virada de Luigi D'Amico

A versão doce do pane rozzo deve-se à intuição de Luigi D'Amico, dono de um estabelecimento comercial que se localizava em Pescara, na esquina entre Corso Manthonè e Piazza Garibaldi. Em meados do século XIX, a empresa D'Amico - liderada pelo seu avô, também chamado Luigi - vendia tanto produtos alimentares como vinho, cereais e peixe salgado, quanto produtos como piche para calafetagem de barcos, redes de pesca e pólvora de pesca. Biagio, filho do fundador, conduziu a empresa na especialização em produtos alimentares, deixando de lado a venda de produtos não alimentares e aventurando-se na importação de produtos de grande procura.

Porém, a verdadeira revolução veio com Luigi D'Amico, filho de Biagio, no período imediatamente seguinte à Primeira Guerra Mundial. Embora tenha mantido o coração comercial da empresa, Luigi lançou duas novas iniciativas: a abertura de um bar “Il Trovatore del Parrozzo” e a invenção desta sobremesa tal como a conhecemos.

Desejando reinventar a tradição sem distorcer a essência, em 1919, D'Amico reelaborou a receita inspirando-se na aparência e nos sabores do pan rozzo: para imitar o amarelecimento da farinha de milho usou ovos e cobriu a sobremesa com chocolate de alta qualidade para evocar a escuridão das queimaduras da casca do pão de milho depois de assado - características típicas do cozimento do pão de milho assado em forno à lenha. Porém, na base da massa do parozzo estão: farinha de amêndoa, açúcar, amêndoas picadas; essência de amêndoa amarga, casca de laranja ou casca de limão e chocolate amargo, que serve para decoração.

A forma semiesférica do pão tradicional rústico foi mantida e um molde abobadado é usado para lembrar os antigos e tradicionais pães camponeses daquela região italiana.

O criador do Parrozzo teve uma intuição, considerando também o que poderíamos chamar de "moda da época", pedir a uma pessoa ilustre que divulgasse seu produto e, por acaso, a pessoa ilustre a quem ele recorreria era um amigo de infância, o famoso escritor, poeta, dramaturgo, soldado, político, jornalista e patriota italiano, Gabriele D'Annunzio. D'Amico conhecia muito bem a forte nostalgia que D'Annunzio sofria por viver longe da mãe e da terra natal. E ao dar-lhe esta sobremesa de presente acertou em cheio, despertando memórias da juventude do poeta.

                                                            Gabriele D'Annunzio.

D'Amico então envia para Gabriele D'Annunzio o primeiro Parrozzo de Gardone no dia 27 de setembro de 1919, acompanhado de uma carta onde declarava a sobremesa como "Pan rozzo d'Abruzzo".

D'Amico escreveu: “Ilustre Maestro, este Parrozzo – o Pan Rozzo d'Abruzzo – é-lhe oferecido por mim com um pequeno nome ligado à sua e à minha juventude... Queria combinar estas duas ofertas – a memória e  a sobremesa – porque sei o valor que certas lembranças têm para a sua alma”.

D'Annunzio, impressionado com esse deleite, escreveu em resposta um soneto dialetal elogiando a sobremesa. Esta composição, juntamente com outros versos do poeta, encontra-se até hoje na caixa de Parrozzo como testemunho de suas origens nobres e literárias. Essa ligação com D'Annunzio foi ainda estabelecida em 1927, com a adoção de versos escritos pelo poeta em louvor à sobremesa:

È tante ‘bbone stu parrozze nove che pare na pazzie de San Ciattè, c’avesse messe a su gran forne tè la terre lavorata da lu bbove, la terre grasse e lustre che se coce… e che dovente a poche a poche chiù doce de qualunque cosa doce…”


D'Annunzio ficou muito impressionado não só com a carta, mas sobretudo com a qualidade da sobremesa. Sentiu-se honrado em ser seu promulgador e, a partir daquele momento, tornou-se seu maior divulgador e consumidor. Na verdade, o poeta continuou a receber um suprimento pessoal de Parrozzo pelo resto da vida. Ele consumia uma grande quantidade e encomendava a mesma quantidade para dar de presente aos amigos durante as festividades de Natal. Mesmo no seu último Natal, D’Annunzio não desistiu de saborear a sobremesa que tanto o prendeu à sua terra “A véspera de Natal acabou. Talvez neste momento as pessoas estejam se divertindo. Estou em jejum há 48 horas. Vou procurar um parrozzetto. Eu abro, eu como. Nele saboreio, sob o pretexto da amargura, o Natal da infância."

Um raro e refinado panfleto foi dedicado ao Parrozzo, impresso em Pescara por um impressor de arte e intitulado A Casa do Poeta, contendo cartas de D'Annunzio, fotos e outros materiais ligados à relação entre D'Annunzio e Parrozzo.

Mas nessa história ainda se apresenta a contribuição de várias figuras artísticas importantes que desempenharam um papel fundamental na evolução e promoção do Parrozzo:  Luigi Antonelli, crítico de arte e dramaturgo, escreveu a história; Armando Cermignani, ceramista, escolheu as cores que ainda estão presentes nas embalagens do parrozzo; o maestro Di Iorio e Cesare De Titta, que cuidaram respectivamente da música e da letra de “La Canzone del Parrozzo”; e, finalmente Tommaso Cascella, pintor, que com suas pinturas decorou as paredes do bar Il Trovatore del Parrozzo. Todos, cada um com suas habilidades, contribuíram de diferentes maneiras para fazer do parrozzo um símbolo de Abruzzo e construir o ambiente simbólico que o sustenta até os nossos dias com sua aura de magia e elegância.





De Pescara para o mundo: a história do parrozzo depois da Segunda Guerra Mundial

Embora o parrozzo tenha se tornado conhecido em algumas regiões italianas, a Segunda Guerra Mundial levou à interrupção das atividades da D'Amico. Após a guerra, a recuperação foi complexa e Luigi D'Amico morreu em 1954.

Sob a liderança de sua filha Teresa, auxiliada pelo braço direito de seu pai, Cavalier Gennaro Di Matteo, e posteriormente por seu marido Giuseppe Francini, a empresa enfrentou inúmeras mudanças. A viragem decisiva ocorreu na década de 1970, quando, com a intervenção do filho do casal, Pierluigi Francini, a empresa introduziu uma moderna linha de embalagens que prolongou a vida útil do Parrozzo, permitindo-lhe conquistar mercados em Itália e no estrangeiro, dos EUA ao Canadá, e Austrália.


Além disso, o Parrozzo obteve nos nosso dias o reconhecimento como Produto Alimentar Tradicional da região de Abruzzo, na categoria “Pastelaria fresca e produtos de panificação, biscoitos, pastelaria e confeitaria” e é preparado principalmente, de acordo com a tradição, durante as festividades, nomeadamente as de Natal.

Mas se você não está em Abruzzo e deseja comer o seu Panrrozzo, vou te deixar a receita pra você se deleitar com essa indulgencia natalina. Aproveite!

Parrozzo

120 g de semolina de trigo

100 g de amêndoas pelada para reduzir a pó

100g de açúcar

4 ovos grandes

80 g de manteiga derretida (que você pode substituir por óleo de semente de girassol)

2 colheres de sopa de amaretto

casca de um limão ralada (ou de laranja, como preferir)

200 g de chocolate amargo (+ 20 g de manteiga opcional)

Notas sobre a escolha da forma: a receita original exige a utilização da forma de zuccotto (em forma de cúpula. Se não tiver pode usar uma tijela dessas de vidro que possam ir ao forno ou uma de alumínio. Em qualquer caso uma forma para virar de cabeça para baixo, e que tenha ao final a forma de domo.

Preparo: Em primeiro lugar, separe as gemas das claras. Bata as claras e os tintos com o açúcar e a casca de laranja ralada até obter uma mistura clara e espumosa. Junte a manteiga derretida, as amêndoas finamente moídas, a sêmola e o licor, e misture bem, a mistura deve ficar um pouco dura, isso é normal! Adicione as claras em neve delicadamente batidas, mexendo de baixo para cima até que a mistura esteja completamente misturada! Despeje em uma forma semiesférica untada com manteiga e enfarinhada. Asse o parrozzo a 160° por cerca de 1 hora, vai demorar um pouco para engrossar, não se preocupe, faça sempre o teste do palito. Retire do forno, deixe esfriar por 10 minutos, depois retire o parrozzo da forma e deixe esfriar completamente em cima de uma gradinha. Depois de frio, derreta o chocolate com a manteiga. Despeje de uma só vez sobre o parrozzo colocado sobre uma gradinha com papel manteiga por baixo. Recolha o chocolate derretido caído e cubra novamente o parrozzo. Deixe repousar por 10 a 15 minutos e depois transfira a sobremesa para um prato de servir. Aqui está o Parrozzo de Abruzzo pronto!

Conservar o Parrozzo à temperatura ambiente por 4 a 5 dias. Não coloque na geladeira. A cobertura tenderá a engrossar, mas graças à manteiga ficará ligeiramente macia!

domingo, 8 de dezembro de 2024

Risengrød, o mingau de Natal dinamarquês – a simplicidade de uma delícia que apaziguou um "elfo doméstico" vingativo

 

Um mingau branco e granulado, assim pode ser definido o risengrød, o único prato tradicional de Natal dinamarquês das pessoas comuns que sobreviveu à idade Média e chegou às mesas de jantar modernas na Dinamarca. Talvez ele seja o prato mais especial por causa de seu significado cultural e sua transformação em um dos melhores pratos dessa época Natalina.

Esse mingau de Natal dinamarquês nada mais é do que um mingau à base de arroz e leite; pode não parecer uma tradição luxuosa de feriado, mas na Escandinávia até o final dos anos 1800, o arroz era um produto especial importado, sem mencionar a canela polvilhada por cima. Naquela época, o mingau diário na Dinamarca era feito com água e outros grãos, como cevada, aveia e centeio, mas no Natal você trataria seus convidados com o melhor luxo e usaria arroz, leite integral, açúcar, manteiga e canela.

Risengrød é a comida favorita de todos os elfos de Natal dinamarqueses, servida com nisseøl, cerveja élfica dinamarquesa bastante popular no Natal, que também é conhecida como hvidtøl. Esta é uma cerveja doce com baixo teor alcoólico (geralmente em torno de 1,7-1,9%) para que as crianças possam bebê-la. Este tipo de cerveja é muito doce, pois é feita com malte de chocolate e caramelo.


É preciso que se diga que a consumação do mingau remonta a muito tempo na antiguidade. Mas, mingau de arroz provavelmente se originou no Oriente Médio ou na Pérsia, mas ele ganhou popularidade durante a Idade Média.

O uso de mingau tem sido estável na dieta dinamarquesa porque é barato e fácil de fazer. Nos tempos antigos, o mingau era feito de aveia, cevada ou centeio e água. Mas na época do Natal, era feito com leite, o que, se você não tivesse uma vaca, aumentava significativamente o custo do prato. E depois, quando o arroz apareceu mais ainda era caro, virou um luxo na mesa.

Acredita-se que a primeira ocorrência de risengrød registrada na história nórdica remonta a 1542 em Malmö, Suécia. E, para se ter ideia, ainda durante todo o século XIX, o arroz era reservado para os ricos, pois era um produto importado caro. Isso significava que se tornou um símbolo de status poder servir risengrød aos seus convidados de Natal.

Além disso, era amplamente aceito que você tinha que dar ao elfo doméstico uma porção de risengrød se quisesse manter boas relações com ele durante o ano seguinte. Isso era muito importante, pois o elfo doméstico tinha muita influência em tudo, desde a colheita até o número e a condição dos animais nascidos durante o ano, etc. Se você ficasse do lado ruim do elfo, isso poderia, na pior das hipóteses, fazer "o galo vermelho cantar", o que significa que causaria um incêndio.

Por volta de 1900, o risengrød começou a ser consumido mais amplamente, à medida que o arroz acessível chegava à Dinamarca. No início, o risengrød era feito com água e apenas com leite em ocasiões especiais como o Natal.

 

Os ricos sempre faziam seu mingau com leite, então, quando os fazendeiros começaram a fazer isso também fora da temporada de Natal, os ricos tiveram que inventar algo novo. Diz a lenda que foi assim que o risalamande foi inventado, pois é um prato semelhante, mas com amêndoas para torná-lo ainda mais especial e sempre servido com calda morna de cerejas.

Os mais atentos e conhecedores da gastronomia vão perceber que o Risalamande foi inspirado na sobremesa francesa clássica conhecida por riz à l'impératrice (arroz imperatriz), que é mais sólida, colocada em moldes e decorada com geleia de framboesa. Risalamande foi criado no final do século XIX. Ganhou popularidade quando o Risengrod se tornou mais comum. Até então, esse tipo de arroz doce era um prato exclusivo, exigindo dois ingredientes caros e importados: amêndoas e canela.

                                                         Risalamande

                                                 riz à l'impératrice

Após a Segunda Guerra Mundial, o risalamande experimentou um aumento na popularidade, sendo anunciado como uma sobremesa "econômica": adicionar chantilly (que era facilmente disponível) ao arroz ainda bastante caro faria o arroz durar mais. Para minimizar os custos, durente todo a Guerra, o risalamande era frequentemente feito sem amêndoas, o que durou até tempos do pós-guerra.

Algumas famílias dinamarquesas fazem uma grande porção de risengrod para o jantar de 23 de dezembro, data conhecida como lillejuleaften (significa "Pequena Véspera de Natal") e guardam uma parte para preparar risalamande como sobremesa após o grande jantar de Natal. Outros comem arroz doce quente como parte do jantar de Natal, geralmente como entrada e mais raramente como sobremesa. Isso é frequentemente considerado uma tradição mais antiga do que o risalamande.

Na véspera de Natal, uma amêndoa inteira é adicionada à sobremesa, e a pessoa que a encontrar ganha um pequeno prêmio, como um porco de marzipan, um coração de chocolate ou um pequeno jogo de tabuleiro. Quem a encontrar pode esconder sua descoberta o máximo possível, para que o resto dos convidados sejam forçados a comer o prato inteiro de risalamande, mesmo depois de já terem devorado um grande jantar de Natal.

Dito isto, voltemos para o curioso caso dos elfos de natal que adorem esse tipo de mingau...

No inverno de 1984, Timothy Tangherlini trabalhava em uma fazenda de laticínios na ilha dinamarquesa de Funen. Um dia, enquanto escovava o gado no celeiro, ele viu um homenzinho de chapéu sentado nas costas de uma das vacas. Quando Tangherlini tentou falar com o estranho, o homenzinho pulou da janela do celeiro. Presumindo que fosse um truque, ele contou ao casal dono da fazenda sobre o encontro. Ambos deram de ombros. "Esse era um Nisser", eles explicaram.

Tangherlini agora é professor de folclore escandinavo na UC Berkeley. Quer se acredite ou não nas histórias, os "elfos domésticos" que vivem em celeiros, muitas vezes conhecidos como nisse, têm sido figuras do folclore em toda a região nórdica desde pelo menos o final da Idade Média. Os fazendeiros acreditavam que sobreviver a um inverno rigoroso dependia dos caprichos dos nisse, que eram inconstantes. Mantenha o nisser da sua fazenda feliz, e ele garantiria que seu leite permanecesse fresco e seu gado permanecesse saudável. Desrespeite-o e você poderá encontrar sua vaca morta pela manhã.

“A Description of the Northern Peoples” de Olaus Magnus de 1555 inclui uma representação antiga de um espírito de fazenda. Ele fica no centro, varrendo o celeiro. Olaus Magnus/Domínio Público

As representações dos nisse do século XIX mostram um homem barbudo, do tamanho de uma criança, com um gorro vermelho pontudo, o traje tradicional dos trabalhadores rurais. No entanto, as representações anteriores eram muito mais monstruosas. Em uma ilustração do livro de Olaus Magnus de 1555, A Description of the Northern Peoples, uma criatura de aparência demoníaca varre um celeiro. Tangherlini observa que esta pode ser uma das primeiras ilustrações conhecidas de um nisser. 

Uma família que quisesse ficar do lado bom dos nisse poderia oferecer a eles um presente saboroso. Na véspera de Natal, antes que o inverno rigoroso realmente chegasse, os fazendeiros deixavam uma tigela de mingau no celeiro. O mingau diário era feito fervendo cevada, centeio ou aveia em água. Mas o nisser recebia algo especial: um mingau luxuoso e doce de arroz fervido em leite e coberto com manteiga.

Ai da pessoa que esquecesse a manteiga dos nisse. Em uma história, uma leiteira decide pregar uma peça no nisser de sua fazenda, escondendo a manteiga sob o mingau. Ao ver sua oferta sem enfeites, o nisser fica furioso e mata a vaca da família. Quando ele termina sua refeição e percebe seu erro, ele "resolve" o problema roubando a vaca de um vizinho e entregando-a na fazenda de sua família.

Mesmo depois que um artista lhe deu uma companheira feminina em um livro de rimas de 1858, o nisse ainda franziu o cenho. Domínio público

Embora a maioria das famílias dinamarquesas não viva mais em fazendas, a tradição de deixar uma oferenda para os nisse continua até hoje. Assim como as crianças americanas podem deixar biscoitos e leite para o Papai Noel, muitas crianças dinamarquesas deixam uma tigela de risengrød, um tipo de mingau doce (ou arroz doce), para o nisser doméstico. Embora a tradição perdure, os próprios nisse mudaram. O nisser histórico era um ser sobrenatural poderoso, mas as representações modernas o reduziram a algo como um alegre elfo de Natal. Os nisse (usa-se nisser no singular e nisse no plural) que brilham nos cartões de Natal hoje estão muito longe dos perigosos nisse dos Natais do passado.

Tangherlini, que estuda os nisse desde sua experiência em Funen, tem a sorte de não ter encontrado o nisser da velha faculdade na qual trabalha. "Ele não é uma coisinha fofa e divertida. Ele reage completamente desproporcional a desprezos", diz ele. “Em contos que ainda eram contados em fazendas até o século XIX, há histórias dos nisse provocando o trabalhador rural, então o trabalhador rural provocando de volta, e então o nisser vem e o mata. Os nisse não se importam com as pessoas, na verdade. Eles só se importam com a fazenda, em manter a fazenda saudável.”

Uma gravura de 1842 de uma ilustração de um nisse do artista dinamarquês Johan Thomas Lundbye. Johan Thomas Lundbye/Domínio Público

À medida que a agricultura se industrializou ao longo do século XIX, ela perdeu um pouco da imprevisibilidade assustadora que alimentava as superstições. Anne-Mette Marchen Andersen, curadora do Museu Nacional da Dinamarca, diz que os nisse eram uma maneira dos habitantes rurais explicarem eventos aparentemente aleatórios, como doenças entre o gado. "Eles tinham esses pensamentos porque não conseguiam explicar bactérias ou coisas assim", diz ela. À medida que as pessoas adquiriam uma melhor compreensão da ciência agrícola, o nisser doméstico não precisava mais servir ao papel de bode expiatório assustador.

Assim começou a transformação do nisser de um trabalhador rural mágico e assassino em um elfo de Natal. O nisser fez uma de suas primeiras aparições no Natal na década de 1830, quando o artista Constantin Hansen exibiu decorações temáticas de nisse em uma festa. Logo, outros artistas dinamarqueses começaram a retratar os nisse com um toque mais caloroso e idílico. Ele até ganhou uma companheira e gradualmente perdeu sua carranca. No final do século, pequenos nisse felizes apareciam em cartões de Natal, brincando na neve e embrulhando presentes.

Um cartão de Natal, por volta de 1894, da artista sueca Jenny Nystrøm. Também chamado de nisse na Noruega, a figura é conhecida como “tomte” na Suécia e “tonttu” na Finlândia. Biblioteca Nacional da Noruega/Domínio Público

Em meados de 1900, a transição de nisse para julenisse (nisse de Natal) estava completa. "Agora você pode ver que o nisser se tornou meio bobo e completamente focado no Natal", diz Tangherlini. "Nessa época, a maioria das pessoas é urbana e o nisser se tornou meio desanimado." Em vez de causar estragos em sua fazenda, suas brincadeiras são mansas: "Talvez ele roube sua meia esquerda." Na verdade, Marchen Andersen observa que alguns dinamarqueses agora jogam um jogo, o drillenisse, no qual alguém age como um "nisse provocador" (semelhante a um amigo secreto) e prega peças em uma vítima durante todo o mês de dezembro. "Eles podem colocar um grão de arroz em seu sapato ou tingir seu leite de verde", diz ela. 

Os implacáveis nisse de antigamente podem se encolher com alguns de seus descendentes modernos, como o bramming nisser, recortes de desenhos animados que as famílias colocam em suas casas para os feriados. As imagens mostram nissers sorridentes e com bochechas rosadas comendo tigelas de mingau, brincando com gatos ou sentados em galhos de árvores de Natal.

Embora o nisser tenha perdido sua vantagem, a tradição de prestar uma homenagem deliciosa a ele com mingau permanece. As famílias ainda apreciam um pouco de risengrød em 23 ou 24 de dezembro, geralmente combinando-o com uma cerveja de Natal (um tipo de cerveja sazonal muito leve que geralmente traz o nisser em seu rótulo) ou suco de groselha preta. Enquanto comem, as crianças podem cantar "The Nisse in the Barn", uma canção popular de Natal. Ela conta a história de um nisse que está tentando impedir que ratos roubem seu mingau:

O nisse senta-se no sótão com seu mingau de Natal,

seu mingau de Natal, tão bom e doce.

Ele acena e come e fica tão feliz,

porque o mingau de Natal é sua comida favorita.

 Para uma refeição que é "boa e doce", experimente a receita abaixo para risengrød e deixe uma tigela para o seu nisser doméstico na véspera de Natal. Só não se esqueça da manteiga.

Risengrød

Ingredientes

½ xícara de água

1 xícara de arroz de grãos curtos

1 colher de chá de sal

4 1/2 xícaras de leite integral

2 colheres de sopa de açúcar

1 colher de sopa de canela

1 colher de sopa de manteiga

Preparo: Leve a água, o arroz e o sal para ferver em uma panela, tampada, e deixe ferver por cerca de dois minutos.

Adicione o leite e reduza para fogo baixo, fervendo por cerca de 35 a 45 minutos. Verifique a mistura e mexa regularmente, certificando-se de que não esteja queimando ou grudando no fundo. Misture a canela e o açúcar e polvilhe no mingau morno. Cubra com a manteiga.

Risalamande

1 xícara de arroz arbóreo

1 1/4 xícara de água

4 xícaras de leite

1/4 colher de chá de sal

2 colheres de chá de raspas de limão finamente raladas

2 colheres de sopa de açúcar

4 onças de amêndoas escaldadas picadas

Para  montar o Risalamande:

2 xícaras de creme de leite fresco

1/4 xícara de açúcar

2 colheres de chá de pasta de fava de baunilha

1/2 colher de chá de extrato de amêndoa de qualidade

Molho de cereja, morno, para servir (receita abaixo)

Ramos de hortelã fresca para enfeitar opcional

Preparo:  Leve o arroz, o sal, as raspas de limão, o açúcar e a água para ferver em uma panela média. Ferva por 3 minutos, adicione o leite e deixe ferver novamente. Reduza o fogo para baixo, tampe e cozinhe por 30-35 minutos, mexendo ocasionalmente, aumentando a frequência durante os últimos 10 minutos para evitar que queime. Misture as amêndoas escaldadas picadas. Deixe o arroz esfriar e depois leve à geladeira por várias horas ou durante a noite. Para montar:  horas antes de servir tire o arroz doce da geladeira e reserve. Bata o creme de leite fresco até começar a engrossar. Adicione o açúcar, a pasta de fava de baunilha e o extrato de amêndoa e bata até formar picos firmes. Tenha cuidado para não bater demais pois corre o risco de virar manteiga. Misture creme batido no arroz doce. (Observação: o arroz pode ficar muito duro na geladeira. Assim, quando retirá-lo mexa bem para soltá-lo e depois mexa mais quando o creme for adicionado para quebrar quaisquer grumos). Sirva o Risalamande em temperatura ambiente com o molho de cereja quente.

 Molho de cerejas

1 e 1/2 xícaras de cerejas em lata mais 1/2 xícara de xarope da lata ( a mesma quantidade  de cerejas frescas ou congeladas mais 1/2 xícara de água)

3 colheres de sopa de açúcar

1 colher de sopa de suco de limão fresco

1 colher de sopa de manteiga

1 colher de sopa de amido de milho dissolvido em 1/4 xícara de água

1/2 colher de chá de extrato de amêndoa puro de qualidade

Preparo: Coloque as cerejas e a calda ou água em uma panela pequena junto com o açúcar, a manteiga e o suco de limão. Leve para ferver. Se usar cerejas frescas ou congeladas, reduza o fogo e cozinhe por mais 3 minutos. Adicione a mistura de amido de milho, mexendo continuamente até o molho engrossar, cerca de 1 minuto. Retire do fogo e adicione o extrato de amêndoa. Cubra e guarde na geladeira, onde ele se conservará por até uma semana. Sirva morno ou em temperatura ambiente.