terça-feira, 9 de dezembro de 2025

ISCA DA RAIVA: ENTRE A PALAVRA DO ANO, A VELHA TÉCNICA DE COZINHA E OS COZINHADOS DA CULTURA DIGITAL QUE TEMPERAM O MUNDO

 

Estava eu, nessa manhã tímida de luz — destas que se insinuam pela janela como um gato que exige colo — escrevendo para o blog. Buscava, com a atenção paciente de quem descasca lentamente uma fruta madura, ia a grafia correta de um termo em alemão, destinado a uma das minhas postagens natalinas. Era apenas um detalhe linguístico, uma pequena joia linguística que eu desejava polir antes de servir ao leitor — mas, como quase sempre acontece nas cozinhas digitais do nosso tempo, o destino tinha outros temperos preparados para mim. E foi exatamente nesse instante, quando a frase ainda se equilibrava na ponta dos meus dedos, que meu celular vibrou.

Era uma colega francesa — professora, naturalmente elegante como só os franceses sabem ser até quando enviam PDF pelo Facebook — com um material para leitura. Ia abrir o chat para a conversa. E então, como se uma mão invisível mexesse o caldo antes de mim, o algoritmo atualizou a tela: uma aberração política, daquelas sempre protagonizadas pela extrema direita, apareceu, grotesca, inflada, como um suflê de ódio que nunca deveria ter saído do forno.

Reagi no impulso — excluí o conteúdo e marquei como “fora dos meus interesses”. Por que fiz isso?

Porque, como qualquer cozinheiro sabe, há ingredientes com os quais não se negocia. E também porque, nos últimos tempos, percebo o algoritmo escondendo meus próprios conteúdos — como se tivesse prazer em fazer desaparecer aquilo que alimento com tanto cuidado.

Mas, como nos antigos truques de cozinha, após a frustração surgiu a surpresa: a tela, quase viva, se atualizou novamente, refletindo silenciosa a minha recente exclusão, percebida pelo algoritmo invisível. E então apareceu, cintilante e ágil, um vídeo — certeiro como um garçom que adivinha o pedido antes que seja pronunciado. Falava sobre a palavra do ano, e por um instante, toda a frustração se dissolveu na luz que tremeluzia na tela.

Sim, era exatamente essa. Uma expressão que chegava carregada de intenções e sombras: rage bait. Ou, se quisesse ouvir a poesia perversa do português, poderia chamá-la de “isca de raiva”, cada palavra pesada e sedutora, pronta para fisgar corações impacientes.

Diga-me você, que desliza pelo feed como quem vasculha uma geladeira à meia-noite: você também tem se irritado cada vez mais enquanto rola a tela?

Se sim, então caiu na armadilha dourada, na tática que se alimenta de nossa indignação como vampiro se alimenta de sangue fresco.

Rage bait (isca de raiva), foi esse termo que a Oxford University Press elegeu como palavra (ou expressão) do ano de 2025. E não à toa — seu uso triplicou nos últimos doze meses, como se o mundo inteiro tivesse decidido temperar a vida com pimenta demais.

AFINAL, O QUE É A TAL “ISCA DE RAIVA”?

Mesmo que o nome seja novo para muitos, quase todos já provaram desse prato — e eu mesmo fui servido logo ao amanhecer.

A Oxford University Press define rage bait como conteúdos publicados deliberadamente para provocar indignação: são chamativos, frustrantes, provocativos, ofensivos. Não por acaso, funcionam como o “clickbait”, só que com um tempero emocional mais ardente.

Clickbait — ou, para os íntimos, “isca de clique” — é aquela velha artimanha do mercado digital que se veste com o exagero de um ator decadente: títulos berrantes, imagens histéricas, vídeos que prometem mundos e fundos.

Tudo isso armado com o único propósito de arrastar o usuário pela curiosidade, como se puxasse um peixe inocente pelo anzol, conduzindo-o até uma página onde o tráfego vale mais do que a verdade. E, claro, uma vez lá, o leitor descobre que o banquete prometido não passa de farelo: conteúdo raso, promessas vazias, uma mesa posta para enganar — mas ainda assim lucrativa para quem o serviu.

Mas, no caso da isca de raiva, o objetivo não é apenas fisgar o clique — é cozinhar sua raiva, deixá-la bem suculenta, nutritiva para os algoritmos famintos.

E, veja só, a rage bait (isca de raiva) disputou seu trono com duas outras expressões do léxico contemporâneo: aura farming (cultivo de aura): a arte de cultivar uma persona carismática, elegante, misteriosa — como quem acende velas ao redor de si para parecer iluminado; e, biohack: o ritual moderno de tentar ajustar corpo e mente como quem regula o forno — suplementos, tecnologias, rotinas, tudo para produzir a melhor versão de si.

As três finalistas passaram por votação pública, mas foram os especialistas da Oxford que, ao final, decidiram. E faz sentido, já que o crescimento explosivo do termo demonstra que estamos mais atentos às manipulações emocionais que nos capturam.

E não poderia ser mais verdadeiro: antes a internet nos atraía pela curiosidade; agora, quer nossas emoções refogadas e servidas quentes.

O CICLO ENTRE 2024 E 2025: UM MENU DE EXAUSTÃO

Eu, que vivo em meio a bibliotecas, institutos de pesquisas, blogs, leituras em várias línguas e pesquisas por caminhos digitais tortuosos, já esperava que a isca da raiva vencera. Afinal, o ano de 2024 havia consagrado a expressão brain rot — “cérebro podre”, numa tradução tão literal quanto triste.

Esse termo descreve a deterioração mental causada pelo consumo excessivo de conteúdo trivial — rolagens infinitas, vídeos curtos, superficialidade mastigada como comida de micro-ondas.

Seu uso do “cérebro podre” cresceu 230% em 2024, o que talvez explique por que convivo diariamente com seus sintomas: comentários que dizem “seu texto é grande demais, não consigo ler até o final” ou, quando o cérebro podre chega ao ponto de ebulição, e surgem  insultos mais diretos. Pessoalmente, considero uma bênção: faço uma faxina, dou risada e bloqueio sem dó.

Mas o ponto é claro: brain rot (cérebro podre) e rage bait (isca de raiva) formam um ciclo perfeito — um caldo que ferve até transbordar. A indignação gera engajamento, o algoritmo amplifica, as mentes exaustas aceitam qualquer migalha de informação. As fake news se espalham como mofo em pão esquecido, e ninguém pesquisa, ninguém lê. Apenas compartilham, como reflexo.

Curiosamente, outras instituições também ofereceram suas palavras do ano: o Cambridge Dictionary escolheu parassocial, esse laço emocional que sentimos por celebridades que nunca nos deram bom-dia; já, o  Collins Dictionary preferiu vibe coding, sobre usar Inteligência Artificial para transformar intuição em código — algo entre alquimia digital e poesia programada.

No Brasil, há iniciativas como essas, sim, mas nenhuma com a profundidade das instituições citadas. Por aqui, os métodos são nebulosos, as escolhas variam, e às vezes parece que a palavra do ano serve mais para agradar interesses do que para revelar o espírito do tempo.

E enquanto eu ainda ruminava essa revelação linguística — a tal “isca de raiva”, pescada pelo algoritmo como quem joga um anzol na minha manhã —, percebi que havia ali uma coincidência mais saborosa do que eu esperava admitir. Porque, veja bem, toda isca, seja digital ou culinária, nasce do mesmo princípio ancestral: seduzir. Atrair. Enganar um pouco, se necessário. E, no fundo, conduzir o outro exatamente para onde queremos.

Foi então que algo quase poético (ou perversamente irônico) se insinuou na minha cabeça: como é curioso que a palavra do ano evoque justamente aquilo que a cozinha tradicional aprendeu muito antes das redes sociais — que uma boa isca pode mover mundos, das panelas aos feed infinitos.

Os algoritmos, afinal, não inventaram a manipulação; apenas a refogaram com tecnologia de ponta. Muito antes deles, os cozinheiros e cozinheiras já sabiam que um pedaço bem cortado, uma fritura bem calculada, uma crosta dourada no ponto exato eram suficientes para capturar qualquer atenção — fosse a de um comensal faminto ou a de um frango distraído.

E assim, ao lembrar das minhas próprias aventuras culinárias, a metáfora escorregou dos meus dedos como manteiga quente: talvez a melhor maneira de compreender a tal “isca de raiva” seja olhar para a mais humilde e deliciosa de todas as iscas — não a digital, mas a de frango. Sim, ela mesma, dourada, estalante, ancestral. Uma técnica simples e ainda assim poderosa o suficiente para atravessar gerações, cozinhas e agora, veja só, análises socioculturais sobre o comportamento humano – como essa que apresento.

Porque se há algo que une a fúria dos feeds e o perfume irresistível de uma fritura bem feita é exatamente isso: ambos sabem como nos capturar. Ambos sabem como nos impelir a um gesto rápido. Ambos dominam, com maestria quase cruel, a arte de despertar o que existe de mais instintivo em nós.

E é por esse caminho deliciosamente tortuoso que eu convido você a seguir: do léxico ao fogão, do algoritmo à panela. Deixemos por um instante a raiva digital repousar no canto da mesa, enquanto apresento a origem mais literal, mais saborosa e, quem diria, mais honesta dessa palavra que nos fisga — a verdadeira isca, aquela feita de frango, gordura quente e tradição. 

A GENEALOGIA SECRETA DAS ISCAS: QUANDO A COZINHA INVENTOU, SEM SABER, A SEDUÇÃO EM TIRAS

Se a tal isca de raiva moderna nasceu das engrenagens frias e maliciosas do algoritmo, suas ancestrais mais dignas — e, ouso dizer, mais honestas — vêm de um mundo muito anterior às telas. Um mundo de fogo, manteiga e mãos habilidosas. Um mundo onde a sedução não era digital, mas culinária. Pois, antes que o termo migrasse para o vocabulário febril das redes, a ideia de “iscas” já existia na cozinha, e sua história é um banquete que atravessa séculos.

E como toda comida verdadeiramente viva, as iscas de frango não têm pai, mãe ou certidão de nascimento. Não surgiram como uma invenção genial — aconteceram. Nasceram da necessidade, desse instinto primitivo e eterno que molda panelas e sociedades: a urgência de fazer mais com menos, de transformar sobras em refeições, de acelerar o cozimento sem sacrificar a alma do prato.

AS PRIMEIRAS SEDUÇÕES: EUROPA, SÉCULOS XVIII E XIX

Muito antes de receitas formais ou tratados de gastronomia industrial, nas cozinhas domésticas, mulheres — mulheres que eram ao mesmo tempo biblioteca, laboratório e templo da casa; e, invisíveis para os livros de história, mas essenciais à sobrevivência e à beleza da mesa — já sabiam, com instinto e paciência, que cortar em tiras não era mera conveniência: era um truque infalível, quase mágico. Tornava o cozimento mais rápido, multiplicava porções, harmonizava pedaços irregulares que sobravam da desossa, e transformava o comum em algo elegante, mesmo que ninguém registrasse em livros oficiais. Era uma técnica invisível, cotidiana, mas doméstica demais para figurar nas páginas da história — e, ainda assim, essencial para a sobrevivência, a economia e a beleza da mesa.

Na França do século XVIII, essa prática cotidiana começou a encontrar registro formal nas mãos de chefs como La Varenne e, mais tarde, Carême.

Surge então o termo émincé, aplicado a cortes finos, longos, elegantes, transformando um gesto doméstico em técnica profissional, e preparando o caminho para o que séculos depois seria chamado, sem alarde, de “iscas de frango”.

Só o fato de o émincé ser elevado à categoria de técnica pelos chefs de cozinha — quase todos homens naquele período — já lhe conferia um prestígio quase teatral. O termo, destinado a cortes finos, longos, elegantes, transformava o simples ato de cortar carne em um ritual de precisão. Cada tira, que nas cozinhas domésticas passaria despercebida, agora parecia pincelada pela mão de um artista, cada gesto calculado, cada movimento carregado de intenção.

Era a alta cozinha colocando sua assinatura sobre algo que, em essência, nasceu da prática cotidiana, da engenhosidade invisível das cozinheiras anônimas. A técnica masculina formalizava o gesto, mas a alma, como sempre, permanecia nas mãos daqueles que cozinhavam por necessidade, cuidado e amor — ainda que ninguém lhes atribuísse o crédito nos livros.

Daí, foi um pulo para o surgimento dos émincés de volaille. Essas tiras salteadas de carne de ave ainda não possuíam uma identidade própria, um nome que lhes desse personalidade, mas já eram uma declaração de técnica, precisão e cuidado.

Cada pedaço era conduzido à sua melhor versão, aquecido na manteiga no instante exato, envolvendo a cozinha com aromas sutis, quase secretos, como se cada fio de carne sussurrasse promessas de elegância e refinamento.

Era a arte da cozinha em gestos mínimos: simples, mas meticulosamente orquestrados, antecipando o que séculos depois chamaríamos de “iscas de frango”, com a diferença de que ali cada movimento carregava consciência, intenção e poesia.

Como toda boa técnica francesa, o émincé começou discreto, quase tímido, sussurrando pelos cantos das cozinhas de mansões e restaurantes aristocráticos. Mas, ao contrário de um segredo que se perde com o tempo, esses gestos silenciosos se tornaram indispensáveis, espalhando-se pelas panelas como uma melodia que ninguém quer esquecer.

Transformaram a prática cotidiana em tradição, moldando hábitos, refinando movimentos, e preparando o terreno para o que, séculos depois, chamaríamos de “iscas de frango” — a ponte perfeita entre a precisão calculada da haute cuisine e a sedução simples, quase instintiva, de um alimento cortado em tiras, capaz de encantar, saciar e, sobretudo, conquistar pelo gesto e pelo sabor.

SÉCULO XIX: OS EXÉRCITOS, AS FERROVIAS E A TIRANIA DO TEMPO

Se nas cozinhas aristocráticas o émincé era sinônimo de refinamento, precisão e elegância, nas cozinhas militares e ferroviárias ele se transformava em pura sobrevivência. Ali, o glamour e a manteiga francesa cediam lugar à urgência, à lógica dura da fome e do tempo contado: cada movimento precisava ser eficiente, cada pedaço de frango aproveitado até o último fio de carne.

Cortar em tiras significava muito mais do que estética — era a solução para três demandas fundamentais: alimentar multidões rapidamente, economizar proteínas escassas, e cozinhar sem luxo, mas com máxima eficiência.

Cadernos de campanha de exércitos alemães, franceses e ingleses registram receitas de frango em tiras com a mesma solenidade com que um poeta anotaria versos — não por vaidade, mas por necessidade. Essas tiras apareciam em refeitórios de soldados, em mesas de trabalhadores ferroviários e até em cozinhas de hospitais militares, cada uma adaptada à dureza do contexto: algumas salteadas rapidamente, outras fervidas em caldos ralos, todas obedientes à lei inexorável do tempo.

O fascinante é que essa técnica de simplicidade prática surgia quase simultaneamente em lugares distintos, como se o universo conspirasse para ensinar que a necessidade é a mãe da invenção.

Era, em sua essência, um gesto humano e universal: diante da pressão, homens e mulheres encontraram na tirinha de frango a resposta perfeita à tirania do relógio. Cada corte revelava, sem alarde, uma elegância utilitária — um refinamento forjado não pela pompa, mas pela exigência brutal do cotidiano.

Mais do que simples alimento, essas tiras simbolizavam a harmonia entre eficiência e economia, a tradução prática de que até o mais humilde pedaço de carne podia ser transformado em sustento digno, rápido e saboroso.

E, ironicamente, séculos depois, essa mesma ideia ressurgiria nos diners americanos e nos bares brasileiros como as modernas iscas de frango, ligando sem esforço a aristocracia invisível da técnica francesa à crueza pragmática das cozinhas de campanha. 

A VIRADA AMERICANA: QUANDO AS ISCAS GANHAM MARKETING

O século XX, sempre dramático, teatral e carregado de ambições industriais, trouxe um novo protagonista à história das tiras de frango: os Estados Unidos, país da velocidade, da produtividade obsessiva e da fome insaciável por eficiência e lucro. Aqui, o frango deixaria de ser apenas alimento e se tornaria instrumento de indústria, marketing e identidade cultural.

A carne de frango, antes delicadamente cortada em mansões parisienses ou cadernos de campanha europeus, agora era domada por este novo mundo de linhas de produção, dinheiros rápidos e consumidores apressados, ansiosos por sabor imediato.

Entre as décadas de 1930 e 1950, algo curioso e quase mágico aconteceu, como se a história da culinária tivesse decidido brincar de alquimia: três irmãos surgiram da mesma matriz, cada um com sua personalidade e função, e todos destinados a confundir cozinheiros, cardápios e clientes pelo mundo. Como em um espetáculo teatral, cada nome carregava uma promessa diferente, um marketing implícito, uma identidade cuidadosamente moldada para seduzir o olhar e o paladar: chicken tender, chicken strip e chicken finger.

Chicken tender: um corte anatômico autêntico, conhecido por tenderloin, ou o “filé mignon” do peito de frango. Sempre macio, sempre uniforme, sempre satisfeito de sua própria importância. Uma peça que se apresenta impecável, suculenta, exatamente como a natureza ou a engenharia industrial permitiu. No Brasil, conhecemos esse pedaço anatômico do frango por sasami ou filezinho.

Chicken strip: tiras feitas do peito, cortadas à mão, cada uma com personalidade própria — umas mais grossas, outras finas, algumas tímidas, outras audaciosas, todas com humor e textura variáveis. Não requerem o prestigioso tenderloin; a maioria se contenta com o peito inteiro, aceitando com elegância a imperfeição.

Chicken finger: o nome mais teatral da família, que privilegia o gesto e a forma sobre a anatomia. Um “dedo” dourado, alongado, sedutor, pronto para ser devorado. Pode ser feito tanto com tenderloin quanto com tiras de peito, pois, afinal, a aparência importa mais do que a origem. Um espetáculo comercial, digno de cartaz de neon, sem exigir nenhuma delicadeza técnica do cozinheiro.

Três variações de um mesmo conceito — tiras de frango — que transformariam a simplicidade do peito de ave em um símbolo da modernidade americana, conectando a eficiência industrial com a sedução do alimento pronto para consumo.



No fundo, todos compartilhavam a mesma essência: tirinhas de frango empanadas e fritas, prontas para satisfazer o apetite ansioso da modernidade, aquele impulso que confunde pressa com prazer. Não demorou para que os primeiros registros escritos surgissem no Condon’s Restaurant, em Manchester (New Hampshire), no início dos anos 1950, uma humilde epifania de marketing e sabor.

E como toda ideia que acerta o coração da gula e da eficiência, os chicken strips logo se espalharam pelos diners americanos dos anos 1960 — templos de néon, fritura e algodão doce — transformando-se no símbolo da comida rápida, uma espécie de poesia industrial: crocância, calor e conforto embalados em tiras, servidos com a velocidade que o novo mundo exigia.

Cada mordida era um manifesto da modernidade, um gesto simples que unia tradição francesa, pragmatismo militar e a voracidade da indústria americana. 

A CHEGADA AO BRASIL: ONDE A ISCA TE PEGA NO BAR

No crepúsculo de uma velha ordem agrária, o Brasil começava a se transformar. A avicultura, antes modesta e dispersa, ganhava tração: a criação intensiva de frangos se expandia, especialmente nas décadas de 1950 a 1970, impulsionada por tecnologias, melhoramento genético e uma nova economia de escala.

E, com ela, chegava silenciosa — mas irresistível — a possibilidade de tornar o frango tão comum quanto arroz e feijão, tão cotidiano quanto o pão de cada dia.

Foi nesse solo em mutação que as “iscas de frango” encontraram terreno fértil entre os anos 1970 e 1980: um Brasil em corrida pela urbanização, com novas classes sociais, com jovens que buscavam comer fora, com bares que precisavam oferecer petiscos fáceis, saborosos e baratos.

A esse contexto se unia um ingrediente essencial: o frango, cada vez mais abundante e acessível, pronto para assumir o protagonismo que, até então, cabia ao boi, ao porco, aos peixes, às “iscas de carne” ou “iscas de peixe”.

Nos bares e botequins — esses altares improvisados da sociabilidade brasileira — o nome “isca” já existia: discreto, modesto, quase paternal, evocando o gesto de petiscar, partilhar mesa com copo ao alcance e conversa alta. Mas faltava à mesa uma ave que suportasse o empanamento, a fritura intensa, o calor do óleo e a crocância necessária para saciar fome e desejo de maneira econômica. Foi aí que o frango — macio, neutro, acessível — se impôs como protagonista de uma nova tradição: escolha de bolso, gesto de afeto, petisco democrático.

Nas décadas de 1940 e 1950, surgem os primeiros indícios documentados — ainda que frágeis — de “frango à passarinho” em cardápios e anúncios de botecos: há quem aponte um anúncio de cantina em Curitiba (PR), datado de 1952, como uma das menções mais antigas do prato no país. Outras versões recordam que restaurantes da região de São Bernardo do Campo (SP) já serviam o prato desde 1949 — segundo relatos de botequeiros e donos de restaurantes.

Como prato, o frango à passarinho não segue a lógica austera de cortes precisos ou tiras uniformes. Em vez disso, é feito com pedaços pequenos — coxa, sobrecoxa, asa — geralmente cortados nas juntas, fritos em imersão de óleo quente. O resultado: carne suculenta, pele crocante, aroma de alho e óleo que invade o salão, um prato perfeito para dividir com cerveja gelada e conversas soltas.

O nome “à passarinho” evoca tanto o tamanho reduzido dos pedaços — lembrando aves pequenas — quanto uma tradição antiga de caças e “passarinhas” em festas rurais, adaptada com o tempo para o frango disponível nas cidades.

Como eu não me contento, fui pesquisar mais.  E os sussurros da história me levaram para Itália, onde possivelmente o tal do frango à passarinho se originou. Dizem que ele seria uma adaptação de um prato chamado pollo all'uccelletto — literalmente “frango/pássaro pequeno” ou “franguinho passarinho”.

Na tradição toscana — embora o nome “all’uccelletto” tenda a se aplicar a pratos de feijão, legumes ou carnes menores — havia a prática de cozinhar aves pequenas, miúdas, ou pedaços de carne em cortes simples, com azeite, alho e ervas, evocando a rusticidade rural e a simplicidade dos ingredientes disponíveis.

Nos anos de 1940 e 1950, Curitiba e São Bernardo do Campo não eram apenas cidades; eram redutos pulsantes de comunidades italianas consolidadas, territórios onde tradições, aromas e técnicas da península europeia conviviam com a vida cotidiana brasileira. É fácil imaginar que, em meio a essas colônias, a ideia de fritar pequenos pedaços de frango — inspirada em pratos como o pollo all’uccelletto (pequenos frangos assados ou cozidos com ervas, típico da Toscana) — tenha sido transportada por imigrantes ou seus descendentes.

No entanto, como toda boa adaptação, o prato sofreu mutações: o frango se tornou mais barato, os pedaços foram cortados nas juntas, mergulhados em óleo quente, perfumados com alho e limão, servidos para mãos ávidas em bares e botequins, transformando necessidade em celebração.

A geografia e a cultura desses lugares colaboraram: Curitiba e São Bernardo do Campo eram pontes entre a tradição italiana e os hábitos locais de feiras, cantinas e mesas compartilhadas. E assim, o nome “à passarinho”, lúdico e inventivo, nasceu talvez como tradução livre de “uccelletto”, capturando com humor e leveza o espírito de um prato que seria, ao mesmo tempo, homenagem e reinvenção popular.

Mas aqui mora a ambiguidade, a névoa da história: não existe hoje — ao menos publicamente — um documento concreto, um cardápio original, um artigo de jornal ou uma caderneta de receitas datada que comprove com certeza absoluta que aquele anúncio de 1952 ou o restaurante de 1949 foram de fato os “primeiros”. Todo o passado é tecido por relatos de botequins, lembranças familiares e tradições orais, tão vivas quanto inconstantes.

Assim, a origem italiana do frango à passarinho permanece como uma hipótese plausível, bela e simbólica — uma ponte entre a cozinha camponesa da Toscana e os bares calorosos do Brasil pós guerra —, mas não como fato certificado. A incerteza, aliás, dá à história um sabor extra: o sabor da memória coletiva, da adaptação, da reconstrução cultural.

Dessa forma, ao falarmos de “iscas de frango” no Brasil, convém distinguir com clareza:

        As iscas em tiras — herdeiras diretas da técnica refinada do corte fino (como no émincé francês) e adaptadas à lógica moderna dos “chicken strips” (dos EUA)

        O frango à passarinho — fruto da adaptação popular (de uma possível origem italiana), da pressa urbana, da fartura fácil e da sociabilidade de bar: pedaços de frango cortados nas juntas, fritos, servidos borbulhando, com sal, alho, limão, acompanhando copos e risadas.

Essa distinção não diminui a poesia do melhoramento dos pratos no âmbito nacional — antes, a valoriza. O frango à passarinho não é imitação servil de fast food estrangeiro nem mera cópia de técnica refinada; é criação popular, hibridismo de necessidade, sabor e convivência. Assado em óleo quente, o frango rústico renasce como símbolo de festa, comunidade e memória afetiva.

Esse petisco — simples, barato, imediato — tornou-se símbolo de conveniência urbana, de sociabilidade despretensiosa, de conforto rápido depois do trabalho, de cerveja gelada e conversa solta. Símbolo dos bares brasileiros. Era o frango que se transformava em ponte entre o rural e o urbano, entre a colheita e a mesa do boteco, entre a fome do operário e a gula festiva da noite.

Interessante notar que, no Brasil, o hábito de comer frango frito no balde — o ícone da globalização fast food — existia antes mesmo da chegada oficial da grande rede estrangeira que o popularizou. Estabelecimentos pioneiros já serviam “frango frito no balde” a partir de meados da década de 1960, com redes nacionais como a Chicken-In (fundada em 1967, em Campinas-SP), antes mesmo da chegada da KFC ao país.

Esses bares e lanchonetes nacionais “tropicalizaram” a ideia — adaptando a aos gostos locais, aos recursos disponíveis, às urgências brasileiras — e criaram um hábito que, por sua vez, preparou o terreno para a expansão de redes globais, décadas depois.

Ou seja: a “isca de frango” no Brasil não é cópia servil de fast food estrangeiro — é reinvenção, adaptação, apropriação criativa. É cultura popular em óleo quente, é o emprego da técnica para satisfazer o imediatismo urbano, é a tradição reinventada sob o mantra da praticidade.

E se me pedem uma origem mais poética e sociológica, digo: as iscas brasileiras são filhas de um Brasil em transição — da roça à cidade, do forno a lenha ao fogão elétrico, do almoço de família ao petisco de bar, da paciência à pressa, do luxo da haute cuisine ao gosto universal pelo sabor imediato.

Cada tira de frango empanada e frita carrega em si esse cruzamento de mundos — a herança da técnica refinada, o legado da necessidade, o sabor da improvisação, o calor da convivência. É a carne humilde que se ergueu para ser símbolo de festa, de amizade, de boemia, de sobrevivência cotidiana.

Aqui em Fortaleza o frango à passarinho e as iscas de frango (assim como iscas de peixe ou carne) são presença constante nos bares e botequins: petiscos de calor, riso e cerveja. Mas o que vemos realmente é uma bifurcação criativa da tradição: em algumas mesas simples, as iscas chegam não empanadas — apenas fritas na imersão no óleo quente, crocantes e sinceras; já nas barracas de praia ou restaurantes de hotel, o ritual muda de figura: o frango empanado encontra desde a farinha de rosca tradicional até a oriental farinha Panko, o calor da fritura torna-se refinamento, e o petisco busca status.

Em lugares assim, as iscas não vêm só com sal e limão — surgem acompanhadas de molhos que misturam maionese, ketchup e mostarda, rendendo — em versões populares — o tradicional “molho rosado” dos lanches e petiscos brasileiros; em versões mais sofisticadas, entram molho de mel e mostarda, barbecue ou cremes temperados, como a maionese de alho. Esta adaptação contemporânea ressignifica o petisco: de necessidade modesta ele vira elegância casual, um gesto de sabor com leveza e aspiração.

Por outro lado, o frango à passarinho verdadeiro — frito, simples, direto — mantém seu arrebatamento popular: pedaços pequenos, com osso ou não, alhos que viram ouro no óleo, o perfume se espalhando pelo ar abafado do bar, copos tilintando e conversa alta. Raramente ele aparece com molhos cremosos ou pretensões gourmet — e talvez por isso sobreviva como o sabor de casa, de infância, de encontro despretensioso.

Essa convivência de versões — a rústica, a empanada, a “requintada” — revela algo sobre nossa identidade de comer e pertencer: buscamos, ao mesmo tempo, conforto imediato e inovação; tradição popular e cosmopolitismo; o simples e o aspiracional. E, no fundo, cada isca, cada tira, cada pedaço de frango diz quem somos — um povo que transformou o simples em celebração, a pressa em convívio e o frango em memória coletiva.

MAS AFINAL, QUEM CRIOU AS ISCAS?

Ninguém, verdadeiramente. Ou, para ser mais franca — todos nós, em alguma cozinha, em algum momento. As iscas de frango são filhas da necessidade, do improviso, da inteligência doméstica, da urgência militar e, depois, da lógica industrial. São fruto natural da evolução culinária, uma espécie de herança coletiva que atravessou séculos, continentes e estilos de cozinha.

Mas, para mim, cada tira de frango é, portanto, um eco direto do émincé de volaille, da pressa das cozinhas ferroviárias e militares, e da engenhosidade americana do século XX.

Mas, se me pedem uma origem mais poética, histórica e técnica — se querem conhecer a primeira forma elegante reconhecível do que hoje chamamos “iscas” — então não hesito: tudo começa com o émincé de volaille, essas tiras finíssimas de frango salteadas, fruto da alta cozinha francesa do século XVIII.

É nele que encontramos a semente do gesto perfeito, o corte que equilibra rapidez, aproveitamento e elegância, transformando um simples pedaço de ave em símbolo de técnica, cuidado e sedução. 

O ÉMINCÉ DE VOLAILLE: A MÃE FRANCESA DE TODAS AS ISCAS

O século XVIII francês foi um momento de profunda transformação cultural e culinária. A cozinha, que até então se movia entre a opulência medieval e renascentista — caldos pesados, especiarias exageradas, apresentações barrocas — começava a buscar uma estética racional, leve e técnica. Nascia, então, a haute cuisine (alta cozinha), uma verdadeira revolução que unia precisão, estética e controle.

Nomes como La Varenne e Antonin Carême não apenas participaram dessa metamorfose: eles a moldaram, transformando a preparação de alimentos em uma linguagem sofisticada, quase musical, em que cada corte, cada redução e cada movimento na panela tinha seu lugar e significado.

Antes de existir como receita ou prato formal, havia a técnica. O verbo émincer, que significa “fatiar finamente”, surge nos registros do século XVII, aplicado inicialmente a legumes, ervas, carnes e aves. Mas foi no século XVIII que ele alcançou prestígio, tornando-se um dos pilares da cozinha francesa clássica.

Cortes uniformes, tiras delicadas de carne ou frango, precisão nos tempos de cocção: tudo se tornava uma extensão da mão do cozinheiro, uma dança silenciosa entre ingrediente e técnica.

O contexto histórico reforça essa evolução: La Varenne, em Le Cuisinier François (1651), já propunha cortes mais delicados, temperos equilibrados e uma leveza de execução que rompia com os exageros do passado. Décadas depois, Antonin Carême (1784–1833), o “rei dos chefs e chef dos reis”, consolidaria a sofisticação da cozinha francesa: molhos-mãe, reduções cuidadosas, técnicas de saltear e a padronização dos cortes transformavam qualquer preparação em um exercício de harmonia e refinamento.

O émincé nasce nesse ambiente como gesto técnico e estético — não apenas para cozinhar, mas para exercer poder e controle sobre o alimento. Cada tirinha de frango, cada fatia de carne, não era apenas parte de uma refeição: era manifestação de elegância, ciência e arte.

A delicadeza de um corte tornou-se símbolo de competência, refinamento e da própria modernidade da cozinha francesa, pavimentando, séculos depois, o caminho para o que chamaríamos de iscas de frango: um gesto antigo transformado em tradição universal.

O NASCIMENTO DO ÉMINCÉ DE VOLAILLE

O nascimento do émincé de volaille não foi apenas uma questão de cortar frango em tiras: foi a materialização da técnica francesa aplicada a uma carne ideal, clara, macia e dócil ao calor da manteiga. O frango tornou-se o modelo perfeito para expressar precisão, ritmo e elegância na cozinha, permitindo que cada tirinha fosse tratada como uma pequena obra-prima. A partir desse gesto surgiram preparos clássicos, cada um com sua personalidade, sua sofisticação e seu caráter definido:

        Émincé de volaille à la crème – tiras de frango salteadas, envoltas em um molho suave, geralmente à base de creme de leite, por vezes enriquecido com redução de caldo de ave, vinho branco e échalote. Um prato que revela a delicadeza da técnica: cremoso, equilibrado, sem elementos que distraiam do protagonismo da carne.

        Émincé de volaille aux champignons – o frango se une ao aroma terroso e profundo dos cogumelos paris, com ou sem creme de leite, dependendo da escola. Aqui, o vegetal não é coadjuvante: torna-se personagem principal, demonstrando a capacidade do émincé de adaptar-se à harmonia dos sabores.

        Émincé de volaille financière – uma expressão da haute cuisine em toda sua opulência e precisão. As tiras de frango são acompanhadas de guarnição financière, um elaborado conjunto de cogumelos, tournedos ou trufas picadas, pequenas quenelles de frango ou galinha e corações de alcachofra, tudo ligado a um molho profundo, geralmente demi-glace ou fundo escuro com vinho madeira. Um prato de densidade saborosa e sofisticação notável.

        Émincé de volaille à la suprême – tiras de frango finalizadas com molho suprême, velouté de volaille enriquecido com creme de leite e manteiga, claro, elegante e delicadamente estruturado. Um exemplo da leveza e precisão da cozinha clássica, onde o sabor brilha sem peso, e a textura das tiras se mantém impecável.

Cada uma dessas preparações, embora diversas, compartilha a mesma essência: cortes finos, salteados com rapidez e técnica, imersos em molhos que realçam a carne sem dominá-la.

O émincé de volaille não é apenas uma receita: é um gesto de refinamento, um elo entre a precisão da haute cuisine e a harmonia dos sabores, a base ancestral de todas as iscas de frango que surgiriam séculos depois.

Essa estrutura de cortes finos, rápidos e precisos aparece com clareza entre 1760 e 1820, período em que uniformidade, economia e velocidade tornaram-se virtudes tão valorizadas quanto o sabor e a apresentação. O primeiro registro formal do nome émincé de volaille surge no início do século XIX, mas a técnica já pulsava nas cozinhas muito antes, como um segredo silencioso, repassado de cozinheiro a cozinheiro, de mestre a aprendiz, quase como uma partitura culinária que ditava ritmo e cadência à manteiga quente e ao calor do fogão.

Com o surgimento dos primeiros restaurantes modernos — filhos diretos da Revolução Francesa, símbolos da democratização da refeição fora do lar — cresceu a necessidade de pratos rápidos, refinados, econômicos e repetíveis. O émincé encaixava-se como uma luva: tiras uniformes que cozinhavam rápido, aproveitando cada centímetro do frango, combinadas a molhos delicados, permitindo que a cozinha mantivesse excelência sem perder agilidade. Tornou-se clássico do almoço parisiense, símbolo da precisão francesa, e logo começou a cruzar fronteiras, carregando consigo a elegância do gesto técnico.

Quando a técnica francesa viajou pelo mundo, não levou apenas um método de corte — levou uma filosofia: cozinhar com rapidez, economia e elegância, respeitando o ingrediente e a harmonia do prato. Séculos depois, essa lógica renasceria em diferentes contextos: nos chicken breast strips americanos, nos chicken tenders, nos stir-fry de fusões europeias e asiáticas, e, inevitavelmente, nas iscas brasileiras. Cada tira, cada pedaço empanado ou salteado, é uma continuidade dessa tradição.

Hoje, ao fritarmos, saltearmos, empanarmos e devorarmos, quase sem perceber, repetimos um gesto milenar: aquele corte certeiro, a atenção ao tempo exato de cozimento, a busca pela textura perfeita. Um gesto nascido antes da fotografia, antes do telefone, antes da pressa moderna; um gesto que conecta mansões aristocráticas de Paris, diners americanos de néon e os bares e botequins de nossos dias. É a história da técnica transformada em prazer cotidiano, a elegância clássica disfarçada de simplicidade, a haute cuisine tocando, suavemente, o cotidiano de quem só queria uma boa isca de frango.

CONCLUSÃO: O ANCESTRAL QUE VIVE EM CADA ISCA

O émincé de volaille não nasceu como prato, mas como linguagem, como filosofia do corte e da cozinha, manifesto silencioso da precisão francesa do século XVIII. Ele era rapidez, elegância, uniformidade, economia — quase uma pedagogia do frango: cada tira tinha seu tempo exato no calor da manteiga, cada movimento de faca uma cadência, cada molho uma declaração de sutileza. Um gesto técnico que, séculos depois, se disfarçaria de simplicidade em restaurantes americanos e bares brasileiros, mas carregava consigo a alma da haute cuisine.

Hoje, ele é o ancestral direto de tudo o que chamamos “iscas de frango”. Dos chicken strips padronizados dos diners de Manchester às tiras empanadas nas barracas de hotel, das iscas de peixe e carne aos pedaços rústicos e dourados do frango à passarinho nos botequins de Curitiba, São Bernardo ou Fortaleza, cada fatia lembra que a técnica francesa e a improvisação popular, a aristocracia e o bar, a sofisticação e a pressa urbana podem conviver num mesmo prato.

E, se olharmos além da cozinha, percebemos que essa lógica de captura não é apenas culinária. A mesma tensão que nos leva a clicar em um título sensacionalista — a isca digital, a clickbait emocional — encontra paralelos na tradição do alimento em tiras: algo pequeno, rápido, acessível, irresistível. Seja na tela ou no prato, é o mesmo princípio: prender atenção, satisfazer desejos imediatos, gerar prazer quase instintivo. A comida e o algoritmo, portanto, não estão tão distantes quanto gostaríamos de pensar.

No final, cada isca que devoramos carrega memória, história e técnica: o passado francês, a engenhosidade dos exércitos, a pressa dos diners americanos, a criatividade dos botequins brasileiros. Cada pedaço é simultaneamente ferramenta, herança e poesia: uma história de mãos que cortam, frigideiras que tilintam, panelas que borbulham, pessoas que compartilham, risadas que se espalham. O émincé de ontem vive em cada tira de hoje, lembrando que até mesmo o gesto mais cotidiano pode ser ancestral, elegante e, sim, deliciosamente irônico.

Curiosamente, lembrem-se, foi justamente a palavra do ano, rage bait — a “isca da raiva” — que me arrastou por todo esse labirinto de história, cozinha e cultura. Ela prova, de forma quase fatal, que uma boa isca sempre funciona: seja para capturar cliques, provocar emoções digitais ou fisgar olhares famintos diante de um prato fumegante de frango em tiras.

O que começou como uma reflexão sobre títulos sensacionalistas se transformou numa viagem pelos séculos, das cozinhas aristocráticas francesas aos bares e botequins brasileiros, mostrando que, no fundo, toda isca — emocional ou culinária — compartilha o mesmo segredo: irresistibilidade combinada à promessa de recompensa imediata.

A culinária e o algoritmo, afinal, não são tão diferentes: ambos sabem que nada captura tão bem quanto uma boa isca.

EMINCÉ DE VOLAILLE À LA SUPRÊME

Ingredientes (para 2 pessoas — ajuste conforme necessidade)

2 peitos de frango (sem pele e osso),

50 g de manteiga sem sal

Sal e pimenta branca a gosto

Para o molho Suprême:

500ml de caldo de galinha

50 g de manteiga para o roux

50 g de farinha de trigo (para o roux)

Cream (creme de leite fresco ou creme pesado) ~150 ml

(Opcional) suco de limão, sal e pimenta branca a gosto

Modo de preparo: Tempere os peitos de frango com sal e pimenta. Aqueça uma mistura de manteiga e um pouco de óleo numa frigideira antiaderente. Doure bem os peitos de frango de ambos os lados — cerca de 5 minutos de cada lado. Retire o frango e reserve, mantendo o calor.

Para preparar o molho Suprême: Derreta os 50 g de manteiga em uma panela, junte a farinha e mexa até formar um roux claro; Aos poucos, adicione o caldo de galinha, mexendo bem para não empelotar — isso cria a velouté; Quando a velouté estiver cremosa e homogênea, incorpore o creme de leite, ajuste sal e pimenta e acrescente um fio de limão se quiser uma acidez sutil; mexa até encorpar.

Sirva os peitos de frango fatiado cobertos pelo molho Suprême, acompanhado de batatas, arroz, ou legumes — o clássico costuma pedir acompanhamento neutro para deixar brilhar a elegância do molho. 

ISCAS DE FRANGO DO BARÃO DE GOURMANDISE

400 g de peito de frango sem pele e osso, cortado em tiras (~2 cm de espessura)

Marinada de buttermilk

200 ml de leite integral

1 colher de sopa de suco de limão

1 colher de chá de sal — essa marinada rápida que mantém o frango suculento

Para empanar

60 g de farinha de trigo

10 g de amido de milho

¾ colher de chá de sal fino

½ colher de chá de pimenta preta (do reino)

½ colher de chá de páprica doce

¼ colher de chá de alho em pó

1 ovo + 1 colher de sopa de leite ou água

200 g de farinha de rosca ou panko — para cobertura crocante

Óleo neutro suficiente para fritura por imersão (~1 litro), aquecido a 175–180 °C (347–355 °F)

Preparo: Marinada – primeiro faça o buttermilk, misture o leite o suco de limão e sal numa tigela que depois caiba todo o frango cortado em tiras. Misture bem, e espere uns 3 minutos até a mistura dar uma talhada, não se assuste é isso mesmo o que se quer. Com o leite talhado, junte o frango e envolva bem nessa mistura de leite, cubra e deixe descansar 20–30 minutos. Isso ajuda a manter o frango suculento.  Preparar estação de empanado: em tigela 1 misture farinha + amido + sal + pimenta + páprica + alho; em tigela outra 2 bata o ovo com leite (ou água); em outra tigela coloque a farinha de rosca. Para empanar, escorra o frango da marinada, seque o excesso com papel toalha. Passe cada tira primeiro na mistura de farinha de trigo e amido temperado, sacudindo o excesso; depois mergulhe no ovo batido; por fim, cubra com farinha de rosca apertando levemente para aderir bem. Deixe as tiras empanadas descansarem 10–15 minutos — isso ajuda a crosta a firmar e não descolar durante a fritura.  Para fritar: Aqueça o óleo a 175–180 °C e frite as tiras em pequenas porções (cerca de 3–5 por vez), por 3–4 minutos ou até ficarem douradas e com temperatura interna segura. Retire com escumadeira e escorra sobre grade ou papel toalha. Sirva quente, com seu molho preferido (pode ser molho de mostarda, maionese temperada, barbecue, etc.).


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