Feliz,
feliz 2017! É o que eu desejo a todos vocês. Espero que tenham se divertido com
as festas de fim de ano. Eu me recolhi e acho que foi melhor assim. E cá no meu
cantinho tive minhas delícias para comer e beber, e boa música para ouvir. E é
justamente sobre música que este post tratará.
Nos
últimos dias de 2016 e nos dois primeiros dias de 2017, uma música tem virado
obsessão para os meus ouvidos: uma ária da ópera Norma, de Belline, chamada
Casta Diva, e imortalizada por Maria Callas, La Divina.
Não consigo descrever o
que essa música causa em mim, mas é arrebatador. Talvez seja o dom único do
timbre raro de soprano absoluto que Callas detinha, ou, quem sabe, uma certa
melancolia de fim de ano, não sei. Mas para iniciar este texto, e fazer
diferente do que faço colocando uma dica de música no final de cada postagem,
deixo a interpretação de Callas para Casta Diva, para que ouçam e entendam do
que falo.
É
linda, não?! E essa minha obsessão por
Casta Diva me fez revirar a biografia de Callas e me deliciar com tanta força.
Mergulhei numa história cheia de altos e baixos, glamour, música e comida,
muita comida – as melhores, por sinal.
Quando
Maria Callas soltava sua voz única e cortante para dar vida a heroínas
trágicas, dramáticas e exageradamente apaixonadas ela ganhava o coração de
muitos espectadores pelo mundo com seu talento raro. A mídia àquela época a
definia muitas vezes como temperamental, excêntrica e inatingível. Mas, já
dizia o primeiro marido, Giovanni Batista Meneghini, que Maria Callas era
“obsessiva pelas panelas, além da música”. Já Onassis, seu grande e único amor,
muitas vezes a definia como “descontrolada”.
Nascida
em Nova York, Maria Anna Sofia Cecilia Kalogeropoulo (em grego Μαρία Καικιλία
Σοφία Άννα Καλογεροπούλου) tinha sangue grego correndo nas veias, e seu coração
pulsava num compasso dramático Não trazia ela boas recordações da infância: a
mãe insensível e agressiva, nunca gostou dessa filha caçula, pois sempre sonhou
ter um menino. Quando soube que havia dado à luz uma menina, ela simplesmente
se recusou a conhecer a criança e demorou quatro dias para olhar nos olhos da
criança recém-nascida.
Callas preparando suas delícias. |
Callas
começou a cantar ainda bem pequena, e aos 13 anos viajou para Atenas para estudar
com a famosa soprano Elvira de Hidalgo. Em 1947, conseguiu seu primeiro grande
papel e interpretou La Gioconda em Verona, Itália.Sua ascensão foi rápida e os
palcos de todo o mundo se renderam ao talento único da jovem soprano.
Callas
possuía uma voz poderosa possuía amplitude fora do comum. Isto permitia à
cantora abordar papéis desde o alcance do mezzo-soprano até o do soprano
coloratura. Com domínio perfeito das técnicas do canto lírico, possuía um
repertório incrivelmente versátil, que incluía obras do bel canto (Lucia di
Lammermoor, Anna Bolena, Norma), de Verdi (Un ballo in maschera, Macbeth, (La
Traviata) e do verismo italiano (Tosca), e até mesmo Wagner (Tristan und
Isolde, Die Walküre).
Callas na pele de Turandot, de Puccini. |
Apesar
destas características, Callas entrou para a história da ópera por suas
habilidades cênicas. Tendo a habilidade de alterar a "cor" da voz com
o objetivo de expressar emoções, e explorando cada oportunidade de representar
no palco as minúcias psicológicas de suas personagens (chegando a exagerar),
Callas mostrou dramaticidade mesmo em papéis que exigiam grande virtuosismo
vocal por parte do intérprete - o que usualmente significava, entre as grandes
divas da época, privilegiar o canto em detrimento da cena.
Muitos
consideram que seu estilo de interpretação imprimiu uma revolução sem
precedentes na ópera. Segundo este ponto de vista, Callas seria tributária da
importância que assumiram contemporaneamente os aspectos cênicos das montagens.
Em particular, é claramente perceptível desde a segunda metade do século XX uma
tendência entre os cantores em favor da valorização de sua formação
dramatúrgica e de sua figura cênica - que se traduz, por exemplo, na constante
preocupação em manter a forma física. Em última análise, esta tendência foi responsável
pelo surgimento de toda uma geração de sopranos que, graças às suas habilidades
de palco, poderiam ser considerados legítimos herdeiros de Callas, tais como
Joan Sutherland ou Renata Scotto.
A
carreira internacional de Callas começou em 1947, quando se esperava que os
cantores de ópera estivessem acima do peso. Mas, aos 108kg, sentiu-se miserável
e se considerava feia e indigna de amor. Quando o diretor Luchino Visconti lhe
disse para perder 30kg antes que ele trabalhasse com ela, ela perdeu 40kg. Ela
então passou a perder outros 8kg.
Segundo a lenda, a enorme perda de peso de
Callas ocorreu porque ela deliberadamente engoliu uma tênia. Bruno Tosi, presidente
da Associação Internacional Maria Callas, afirma que ela precisava de tratamento
para vermes, possivelmente por causa de sua paixão por bife cru, mas ela baixou
o peso seguindo uma dieta baseada no consumo de iodo. "Foi um tratamento
perigoso porque afetou o sistema nervoso central e mudou seu metabolismo, mas
ela se transformou em um belo cisne".
Uma das raras imagens de Maria Callas, ainda gorda, na estréia de Norma, em Covent Garden, em 1952. |
Ela
nunca se empanturrava com massa e favorecia refeições com pouca carne ou steak
tartare. Durante todo o tempo - e durante o seu romance com o magnata grego
Aristóteles Onassis - ela recolheu receitas: omeletes de tomate, vitela
l'oriental, molho bechamel com alcaparras, molho de mostarda, bolo dourado,
chocolates e um bolo que ela chamava 'meu Bolo " (cuja receita segue
abaixo com o nome de Torta Paradiso di Maria Callas, nome ao qual o bolo ficou mundialmente
conhecido). Callas raramente bebia vinho, mas gostava de champanhe porque era
menos calorífico. "Ela era como muitas mulheres, lutando sua vida inteira
com seu peso".
A paixão avassaladora por Aristóteles Onassis representou sua ruina. Depois de largar a carreira para viver o grande amor pelo armador grego, saboreou o desprezo e a traição. Foi trocada por Jacqueline Kennedy, com quem ele se casou em outubro de 1968.
A paixão avassaladora por Aristóteles Onassis representou sua ruina. Depois de largar a carreira para viver o grande amor pelo armador grego, saboreou o desprezo e a traição. Foi trocada por Jacqueline Kennedy, com quem ele se casou em outubro de 1968.
Solitária
e deprimida, passou a viver trancada em seu apartamento em Paris. A voz que lhe
rendeu a fama, já amargava sinais de desgaste. Continuou gravando novos álbuns,
deu aulas na famosa Julliard School de Nova Iorque e isolou-se dos eventos
sociais e até do convívio dos amigos.
Callas
morreu sozinha, em seu apartamento de Paris, no dia 16 de setembro de 1977. Os
médicos atestaram que ela foi vítima de um infarto fulminante. Quando o cortejo
levando seu corpo percorreu a rua Georges Bizet, onde vivei, centenas de
admiradores se despediram da estrela aplaudindo e repetindo a saudação que ela
tanto adorava ouvir ao deixar o palcos após uma apresentação: “Bravo Callas!,
Bravo Maria!”. Dois anos depois, na primavera de 1979, suas cinzas foram
lançadas no Mar Egeu. Seu túmulo permanece no famoso cemitério Père Lachaise,
em Paris.
Não
há dúvida que Maria Callas teve três grandes paixões em vida: a música, Aristóteles
Onassis e a boa mesa, recheada de iguarias, e que nem precisavam ser lá tão
finas assim. Maria Callas cultivou sua paixão por saborear bons pratos e seu
hobby era colecionar receitas colhidas pelos quatro cantos do mundo. Era comum
encontrá-la a trocar ideias com maitres ou cozinheiros dos restaurantes famosos
por onde ela passava, ou às donas de casa de quem, não raro, era convidada. Sempre
tentando descobrir os segredos dos menus que mais lhe encantavam.
Callas
transcrevia-as com extremo rigor em minúsculas folhinhas de papel, que depois
passava às mãos da fidelíssima Elena Pozzan, sua camareira e cozinheira pessoal
da vida inteira. Depois, nos últimos anos em Paris, entregava-os ao mordomo e
chofer Ferruccio Mezzadri, a pessoa que esteve mais próxima da artista ao longo
de vinte anos, até o último dia de sua vida, com total devotamento. Não
bastasse isso, Callas adorava recortar receitas publicadas em jornais e
revista, as quais colava em cadernos montados com capricho, ainda colecionava
almanaques culinários e montou uma cobiçada biblioteca gastronômica com
inúmeros títulos raros.
Callas e Onassis |
Uma das muitas anotações culinárias de Callas. Fonte: Associação Internacional Maria Callas |
Maria Callas tinha nesse hobby quase uma obsessão: adorava juntar receitas publicadas pelos cadernos femininos e pelas revistas mais difundidas e populares, começando, no final da década de 40 e na de 50, pela Domenica del Corriere ou pela Annabella. E até quando estava em viagem, para suas apresentações, de teatro em teatro, todos os dias recortava receitas também dos jornais europeus e americanos por onde passasse.
Não
se pode deixar de mencionar aqui que, além disso, ela possuía inúmeros livros
de cozinha, em todas as línguas, que formavam uma verdadeira biblioteca. Os
primeiros, ela os ganhara da sogra Giuseppina, quando ainda era noiva de
Giovanni Battista Meneghini (1949).
“Titta”, apelido carinhoso do marido, era realmente um bom garfo e Maria tinha de ser para ele uma cozinheira habilidosa. E assim na cozinha da rua San Fermo, sua primeira casa em Verona depois do casamento, tinha uma longa prateleira repleta de textos, a começar pelos clássicos da cozinha italiana, o mítico Artusi, Il talismano della felicità (O talismã da felicidade) de Alda Boni e a coletânea de receitas de Petronilla, da Domenica del Corriere.”
Callas e Giovanni Battista Meneghini |
“Titta”, apelido carinhoso do marido, era realmente um bom garfo e Maria tinha de ser para ele uma cozinheira habilidosa. E assim na cozinha da rua San Fermo, sua primeira casa em Verona depois do casamento, tinha uma longa prateleira repleta de textos, a começar pelos clássicos da cozinha italiana, o mítico Artusi, Il talismano della felicità (O talismã da felicidade) de Alda Boni e a coletânea de receitas de Petronilla, da Domenica del Corriere.”
Conhecida
afetuosamente como "La Divina" por sua voz angélica, Callas coletou
receitas de seus restaurantes favoritos em todo o mundo, 150 das quais podem
ser encontradas no livro de receitas italiano “La Divina Em Cucina - Il
Ricettario Segreto di Maria Callas”.
O
livro não é apenas composto por receitas inventadas pela fome da soprano, mas
contem boa parte das receitas que grandes chefs inventaram para ela, em sua
honra: de Arrigo Cipriani a Rolando Lami. de Nicola Rosato a Mario Zorzetto,
chef de cozinha do iate da família Onassis, o Christina; e os pratos que
Ferruccio Mezzadri, seu fiel mordomo / assistente pessoal inventou, além das
receitas criadas pela própria Callas. No livro, inclusive consta, as receitas
do primeiro jantar da fatídica noite de 3 de setembro de 1959, no Danielli, em
Veneza, quando ela (" Consommé gelé en tasse, Flamingo shrimps, Chicken
Soumaroff, strawberry soufflé").
O
amor por Onassis instigou ainda mais os dotes culinários de Callas: certa vez,
quando a soprano descobriu que Onassis gostava de impressionar seus convidados
com receitas atribuídas a Giacomo Casanova, famosos aventureiro e conquistador
italiano, ela tratou de aprender a preparar as tais receitas e se especializou
nas Ostras à Casa Nova – iguaria afrodisíaca preferida do conquistador
italiano, ao ponto de eles passarem a ser chamadas de Ostras à Callas. Daí para
a frente, ela passou a preparar o prato e servir para o amado durante as
viagens que faziam no iate particular do empresário, o Christina.
Callas
enchia sua bolsa com pedados de papel nos quais escrevia receitas de forma
minuciosas. "Ela adorava comida, especialmente bolos e pudins, mas vivia
principalmente em bife e salada", afirma Bruno Tosi, especialista na vida
de Callas Bruno Tosi, e responsável pelo livro com as receitas coletadas
primeiramente lançadas na Itália, mas já com tradução para o português.
Por
fim, indico a leitura do livro citado e deixo abaixo, duas receitas
interessantes e fáceis das que Maria Callas mais preparava para se deleitar. Preparem
as receitas ouvindo o som de La Divina e deixem tudo mais gostoso.
A
receita abaixo é tirada das memórias de Casanova e ligeiramente adaptada pela
adição de água à massa, sugerida por
Callas.
24
ostras
2
limões
Salsa
picada
1 gema
de ovo
1
colher de sopa de farinha de trigo
3
colheres de agua gelada
Sal e
pimenta preta a gosto
Azeite
ou óleo para fritar
Preparo: Abrir ostras e remover
os músculos da casca. Salve metades das conchas das ostras mais bonitas para
servir o preparado depois de pronto. Desencaixe a ostras de dentro da concha, adicione
o suco de limão, 3/4 de salsa picada e um pouco de pimenta. Marinar na
geladeira por 15 minutos. Usando um garfo, bata levemente a gema de ovo com um
pouco de sal e 3 colheres de sopa de água gelada, misture a farinha e deixe
descansar na geladeira por 10 minutos. Despeje a massa sobre ostras marinadas e
mexa suavemente. Enquanto isso, aqueça o óleo em uma panela funda para fritar.
Fritar as ostras apenas para que a mistura de gema batida se torne crocante
(que é apenas um minuto ou até menos), em seguida, deixe escorrer em papel
toalha, servir em seguida, servida na concha e decorada com salsa e limão.
Torta Paradiso Di Maria Callas
300
gramas de manteiga derretida
3
gemas
3 ovos
300
gramas de açúcar
100
gramas de farinha
200
gramas de amido de milho (maisena)
1
colher de chá de fermento em pó
1
colher de chá de extrato de baunilha
Raspas
de 1 limão
1
pitada de sal
Açúcar
de confeiteiro para polvilhar
Preparo: Em uma tigela coloque
os ovos, gemas e o açúcar e bata na batedeira por aproximadamente 10 minutos,
você terá que obter um bem montado e fofo, pré-aqueça o forno a 180 ° C. Sempre
batendo, adicione ao creme a manteiga derretida e bata até incorporar bem,
adicione a casca ralada de limão, a farinha, o fermento em pó e baunilha. Unte
uma forma de 24cm com manteiga e enfarinhe, despeje a mistura do bolo e leve
para assar por cerca de 40 minutos, ou até dourar. Faça o teste do palito para
saber se o bolo está pronto. Deixe esfriar, desenforme e polvilhe com açúcar de
confeiteiro. Servir.
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